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0 FACULDADE ESTÁCIO DE TERESINA CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO A RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS NA NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE – LEI 13.869/2019 ANTÔNIO DOS REIS AZEVEDO NETO TERESINA 2020 1 ANTÔNIO DOS REIS AZEVEDO NETO A RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS NA NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE – LEI 13.869/2019 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Curso de Bacharelado em Direito, da Faculdade Estácio de Teresina. Orientador: Profº Ronaldo Figueiredo Brito TERESINA 2020 2 A RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS NA NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE – LEI 13.869/2019 Antônio dos Reis Azevedo Neto1 RESUMO O presente estudo tem o propósito de investigar a responsabilidade dos agentes públicos na nova Lei de Abuso de Autoridade – Lei 13.869/2019 na perspectiva da abordagem policial. Assim, a abordagem policial é evidenciada como sendo um ato administrativo, no qual o Estado autoriza seus agentes a restringir temporariamente os direitos dos cidadãos, visando sempre o interesse da coletividade, através do poder de polícia da Administração Pública. Não obstante, a abordagem policial seja um ato discricionário, ou seja, a execução depende da conveniência e oportunidade do agente público, ela deve seguir certos requisitos legais intrínsecos. O problema referente a esta pesquisa se expressa na seguinte indagação: a nova lei de abuso de autoridade atende aos anseios da sociedade, que tem seus direitos violados durante uma abordagem policial? O objetivo geral consiste em investigar a responsabilidade dos agentes públicos na nova Lei de Abuso de Autoridade – Lei 13.869/2019 na perspectiva da abordagem policial. Os objetivos específicos constituem-se em identificar o poder administrativo e sua classificação; abordar os aspectos jurídicos da abordagem policial; analisar os princípios da administração pública na atuação policial. Por fim, busca-se enumerar as condutas que, de acordo com a Lei da Abuso de Autoridade nº 13.869/2019. Quanto à metodologia, este trabalho consiste é realizada através de uma pesquisa bibliográfica. Teoricamente, os argumentos foram construídos a partir de autores, como: Nucci (2016), Bruno (2013), Valente (2017), entre outros, caros à discussão. Através do estudo constatou-se que diante da Lei de Abuso de Autoridade 13.869/2019 os policiais militares devem pautar suas condutas com base na legalidade, de modo a não cometerem abusos contra os cidadãos abordados, preservando ao máximo, a dignidade e os direitos e garantias fundamentais dos mesmos e evitando penalidade prevista na lei vigente. Palavras-Chave: Lei de Abuso de Autoridade. Abordagem Policial. Agente Público. Policial Militar. ABSTRACT This study aims to investigate the responsibility of public agents in the new Law of Abuse of Authority - Law 13.869/2019 from the perspective of the police approach. Thus, the police approach is evidenced as an administrative act, in which the State authorizes its agents to temporarily restrict the rights of citizens, always aiming at the interest of the collective, through the police power of the Public Administration. Nevertheless, the police approach is a discretionary act, that is, the execution depends on the convenience and opportunity of the public agent, it must follow certain intrinsic legal requirements. The problem related to this research is expressed in the following question: does the new law of abuse of authority meet the wishes of society, which has its rights violated during a police approach? The general objective is to investigate the responsibility of public officials in the new Abuse of Authority Act – Law 13.869/2019 from the perspective of the police approach. The specific objectives 1 Aluno concludente do curso de Bacharel em Direito da Faculdade Estácio 3 are to identify the administrative power and its classification; address the legal aspects of the police approach; to analyze the principles of public administration in police action. Finally, we seek to enumerate the conducts that, according to the Law of Abuse of Authority No. 13,869/2019. As for the methodology, this work consists of a bibliographical research. Theoretically, the arguments were constructed from authors, such as: Nucci (2016), Bruno (2013), Valente (2017), among others, dear to the discussion. Through the study it was found that before the Law of Abuse of Authority 13.869/2019 military police officers should guide their conduct based on legality, so as not to commit abuses against the citizens approached, preserving to the maximum, the dignity and fundamental rights and guarantees of them and avoiding penalty provided for in the current law. Key-words: Abuse of Authority Act. Police approach. Public Agent. Military Police. SUMÁRIO 1 Introdução; 2 Desenvolvimento; 2.1 O PODER ADMINISTRATIVO E SUA CLASSIFICAÇÃO; 2.1.1 Poder Vinculado; 2.1.2 Poder Discricionário; 2.1.3 Poder Hierárquico; 2.1.4 Poder Disciplinar; 2.1.5 Poder de Polícia; 2.2 ASPECTOS JURÍDICOS DA ABORDAGEM POLICIAL; 2.2.1 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS NA ABORDAGEM POLICIAL; 2.3 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA ATUAÇÃO POLICIAL; 2.3.1 Segurança; 2.3.4 Surpresa; 2.3.5 Rapidez; 2.3.6 Ação vigorosa; 2.3.7 Unidade de comando; 2.4 AS MODALIDADES DE BUSCA E A FUNDADA SUSPEITA; 2.4.1 Buscas domiciliares; 2.4.1 Busca pessoal e fundada suspeita; 2.5 A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE - Lei nº 13.869/2019 3 Conclusão; 4 Referências. 1 INTRODUÇÃO O presente estudo tem o propósito de investigar a responsabilidade dos agentes públicos na nova Lei de Abuso de Autoridade – Lei 13.869/2019 na perspectiva da abordagem policial. Assim, a abordagem policial é evidenciada como sendo um ato administrativo, no qual o Estado autoriza seus agentes a restringir temporariamente os direitos dos cidadãos, visando sempre o interesse da coletividade, através do poder de polícia da Administração Pública. Não obstante, a abordagem policial seja um ato discricionário, ou seja, a execução depende da conveniência e oportunidade do agente público, ela deve seguir certos requisitos legais intrínsecos. O problema referente a esta pesquisa se expressa na seguinte indagação: a nova lei de abuso de autoridade atende aos anseios da sociedade, que tem seus direitos violados durante uma abordagem policial? E as seguintes questões norteadoras: qual a classificação do poder 4 administrativo? Quais os aspectos jurídicos da abordagem policial? Quais os princípios da administração pública na atuação policial? O que deve ser realizado para evitar a Lei da Abuso de Autoridade nº 13.869/2019 em uma abordagem policial? O trabalho baseia-se nas hipóteses de que uma abordagem policial não é um ato de abuso de poder, ainda que ocorra uma limitação temporária dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. A abordagem policial é realizada com base na fundada suspeita, assim sendo, outra hipótese é a de que este requisito é bastante subjetivo, com margem para interpretações pessoais por parte dos policiais que em alguns casos agem com abuso de autoridade. O objetivo geral consiste em investigar a responsabilidade dos agentes públicos na nova Lei de Abuso de Autoridade – Lei 13.869/2019 na perspectiva da abordagem policial. Os objetivos específicos constituem-se em identificar o poder administrativo e sua classificação; abordar os aspectos jurídicos da abordagem policial; analisar os princípios da administração pública na atuação policial. Por fim, busca-se enumerar as condutas que, de acordo com a Lei da Abuso de Autoridade nº 13.869/2019. A finalidade desse estudo se define a partirda possibilidade de esclarecer para a população, que uma abordagem policial consiste em um ato da Administração Pública, visando o interesse da coletividade. Isso porque o objetivo da abordagem consiste justamente, na prevenção da criminalidade, contribuindo para a manutenção da tranquilidade pública. Em virtude da controvérsia que permeia o ato de abordagem realizado pela Polícia Militar, faz-se necessário uma análise do mesmo, a fim de se averiguar a sua natureza, como sendo legal ou excessivamente abusivo, com relação aos direitos individuais das pessoas abordadas. Isso porque, não há uma legislação específica tratando do assunto e a abordagem é realizada com amparo na fundada suspeita, de cunho subjetivo. Quanto à metodologia, este trabalho consiste é realizada através de uma abordagem quantitativa, utilizando-se da técnica de pesquisa bibliográfica. Teoricamente, os argumentos foram construídos a partir de autores, como: Nucci (2016), Bruno (2013), Valente (2017), entre outros, caros à discussão. Além desta introdução, o estudo apresenta o desenvolvimento com os seguintes tópicos: o poder administrativo e sua classificação; aspectos jurídicos da abordagem policial; princípios da administração pública na atuação policial; as modalidades de busca e a fundada suspeita; a lei de abuso de autoridade - Lei nº 13.869/2019. O artigo apresenta a conclusão e as referências. 5 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 O PODER ADMINISTRATIVO E SUA CLASSIFICAÇÃO A execução das atividades da Polícia Militar exige profundo conhecimento de Direito Administrativo, visto que os policiais são agentes públicos detentores do poder de polícia da Administração Pública. Tal conhecimento é de fundamental importância para evitar o abuso de poder, o qual se divide em excesso de poder e desvio de poder, também chamado de desvio de finalidade. O excesso de poder ocorre quando a autoridade pública atua fora dos limites de sua competência, ou seja, extrapolando a competência que lhe foi atribuída, através da prática de atos não previstos em lei. Por seu turno, o desvio de poder se configura sempre que o agente praticar o ato visando à outra finalidade que não esteja prevista na lei, ainda que ele seja competente para isso (CARVALHO, 2017). É importante destacar que o abuso de poder pode ser praticado através de condutas comissivas, quando realizado fora dos limites impostos legalmente, assim como por meio de condutas omissivas, onde o agente público deixa de exercer uma atividade imposta a ele. Nesse caso, o agente se omite na execução de seus deveres. Poder pode ser definido como “[...] a capacidade que uma pessoa tem de impor a outrem uma ação ou omissão, independentemente da vontade desta última” (BRUNO, 2013, p. 95). Consiste, portanto, na sobreposição da vontade de um em detrimento de outrem. Os poderes são atribuídos ao Estado, como instrumento necessário para consecução do bem comum. Há dois tipos de poderes, o político e o administrativo. Para Bruno (2013, p. 95) o “poder administrativo constitui-se em mero instrumento de trabalho da Administração; já o poder político assume papel estrutural e orgânico, estabelecendo e compondo a estrutura do Estado e integrando a organização constitucional”. Desta feita, o poder administrativo é aquele que a administração pública se utiliza para poder realizar suas atividades fundamentais, ao passo que o poder político, se configura na organização intrínseca do Estado, compondo sua organização fundamental. Os poderes administrativos se originam com a própria administração, sendo instrumentos muito importantes para a consecução de seus objetivos. Esses poderes autorizam a Administração Pública a sobrepor o interesse público em face do privado (BRUNO, 2013). 6 O poder administrativo pode ser classificado em poder vinculado, poder discricionário, poder de autotutela, poder disciplinar, poder hierárquico, poder regulamentar, e, por fim, poder de polícia. 2.1.1 Poder Vinculado O poder vinculado consiste na prática de atos administrativos em que é inexistente a liberdade de atuação. Em relação aos atos vinculados: Não cabe à administração tecer considerações de oportunidade e conveniência, nem escolher seu conteúdo. O poder vinculado apenas possibilita à administração a executar o ato vinculado nas estritas hipóteses legais, observando o conteúdo rigidamente estabelecido na lei. (ALEXANDRINO, 2015, p. 176) A administração, nesse caso, não possui margem de escolha quanto à prática do ato administrativo, devendo este, ser executado nas hipóteses estritamente previstas em lei. Com efeito, se os requisitos previstos em lei forem preenchidos, o ato administrativo deve ser praticado, não havendo nenhuma possibilidade de emissão de juízos de valor por parte da autoridade administrativa. 2.1.2 Poder Discricionário O poder discricionário é conferido à administração, para a prática de atos com certa margem de escolha. Neste sentido: O poder discricionário tem como núcleo a autorização legal para que o agente público decida, nos limites da lei, acerca da conveniência e oportunidade da prática do ato discricionário e escolha o seu conteúdo, ou seja, o núcleo essencial do poder discricionário traduz-se no denominado mérito administrativo (ALEXANDRINO, 2015. p. 176) (Grifo no original). O fundamento do poder discricionário é o mérito administrativo, ou seja, a prática do ato, conforme conveniência, oportunidade e escolha do agente, nos limites da lei. Assim, o mérito administrativo corresponde ao poder de escolha. É possível afirmar que, o ato é conveniente quando satisfaz o interesse público, ao passo que a oportunidade é a pratica do ato no momento adequado, para a satisfação também, do interesse público (BRUNO, 2013). O administrador deve, dentro dos limites da lei, escolher a conduta que melhor se adeque ao caso concreto. De acordo com Carvalho (2017, p. 122): No poder discricionário, o administrador também está subordinado à lei, porém, há situações nas quais o próprio texto legal confere margem de opção ao administrador e este tem o encargo de identificar, diante do caso concreto, a situação mais adequada. Nesses casos, o texto legal confere poder de escolha do agente para atuar com 7 liberdade, exercendo o juízo de conveniência e oportunidade, dentro dos limites postos em lei, na busca do interesse público. Existem situações em que há mais de uma maneira de atuação do administrador, sendo que nestes casos, ele deve agir nos limites da lei, escolhendo a situação mais adequada para o caso concreto. A atuação será lícita, desde que seja restrita aos limites impostos pela lei. Ressalte-se que, é sempre necessário buscar o interesse público, baseando-se na conveniência e oportunidade para a prática do ato. Uma abordagem policial é um ato discricionário, em que o agente público opta pela conveniência e oportunidade para a sua realização. Entretanto, a abordagem não pode ser realizada de maneira indiscriminada, visto que deve também atender requisitos legais. 2.1.3 Poder Hierárquico O poder hierárquico consiste no estabelecimento de níveis de hierarquia na estrutura da administração, ou seja, a divisão das atividades de um órgão. Caracteriza-se pela existência de níveis de subordinação entre os órgãos e agentes públicos. A hierarquia é característica que integra a estrutura da Administração Pública, tratando-se da organização, distribuição e escalonamento das funções de seus órgãos. O poder hierárquico consiste na estruturação interna da atividade pública, definindo a competência entre órgãos e agentes públicos de uma mesma pessoa jurídica (CARVALHO, 2017). 2.1.4 Poder Disciplinar Para Bruno (2013, p. 105), o poder disciplinar: “permite a Administração apurar infrações e irregularidades cometidas por aqueles que com ela contratam ou mantêmrelações de trabalho, autorizando, ao final, a aplicação de penalidades”. Possibilita, pois, punir internamente as infrações de seus servidores, assim como infrações administrativas cometidas por particulares a ela ligados, em virtude de algum vínculo jurídico, por exemplo, por meio de um contrato administrativo. Carvalho (2017) aponta que o poder disciplinar objetiva a aplicação de sanções àqueles vinculados ao ente estatal. O autor ainda afirma que: O Poder Discricionário trata da atribuição pública de aplicação de sanções àqueles que estejam sujeitos à disciplina do ente estatal. Com efeito, é o poder de aplicar sanções e penalidades, apurando infrações dos servidores ou outros que são submetidos à disciplina da administração, ou seja, todos aqueles que tenham vínculo de natureza especial com o Estado [...]. A função deste poder é sempre aprimorar a 8 prestação do serviço público, punindo a malversação do dinheiro público ou atuação em desconformidade com a lei. (p. 130) (Grifo no original). Assim, o autor assevera que todos aqueles subordinados à Administração Pública podem sofrer sanções ou penalidades, através da utilização do poder disciplinar, sendo que a função do mesmo é tornar o serviço público cada vez melhor e evitar qualquer tipo de atuação em desacordo com a lei. As penalidades aqui referidas não podem ser confundidas com o sistema punitivo exercido pela justiça penal, uma vez que essas punições são aplicadas no âmbito interno da Administração Pública e só atingem as pessoas que possuem algum vínculo de natureza especial com ela. Assim, tais penalidades não podem ser aplicadas aos particulares, uma vez que estes não possuem o vínculo mencionado, não sendo, pois, sujeitos à disciplina interna do Estado (CARVALHO, 2017). 2.1.5 Poder de Polícia Por fim, existe o poder de polícia que, em apertada síntese, é a limitação do exercício de direitos individuais, em favor do interesse público. Em se tratando da Polícia Militar, o poder de polícia é utilizado de modo a assegurar a ordem pública. O poder de polícia se aplica a todos os particulares, sem necessidade de haver vinculação entre estes e o Estado. O Código Tributário Nacional conceitua poder de polícia em seu artigo 78, ao versar sobre os fatos geradores das taxas: Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. O poder de polícia é a faculdade que a Administração Pública dispõe para disciplinar a utilização de bens e o exercício de direitos, em benefício da coletividade, bem como do próprio Estado, ainda que importe em restrições aos direitos individuais. Para Alexandrino (2015, p. 239): “o poder de polícia é inerente à atividade administrativa. A administração pública exerce poder de polícia sobre todas as condutas ou situações particulares que possam, direta ou indiretamente, afetar os interesses da coletividade”. Para exercer suas funções, a Administração Pública dispõe do poder de polícia, que lhe confere 9 a possibilidade de regulamentar determinadas situações que são relevantes para o bem da coletividade, interferindo no patrimônio jurídico individual de cada um. O Estado é autorizado a intervir nos direitos e garantias dos particulares, em prol do bem estar social. Carvalho (2017, p. 132) afirma que: Não obstante a Carta Magna e a legislação infraconstitucional definam direitos e garantias aos particulares, o exercício desses direitos deve ser feito em adequação ao interesse público. Dessa forma, na busca do bem estar da sociedade, o Estado pode definir os contornos do exercício do direito de propriedade e, até mesmo, de liberdades e garantias fundamentais, criando-lhes restrições e adequações. Para o autor, o Estado tem o poder de limitar o exercício de direitos dos particulares, inclusive as liberdades e garantias fundamentais, como ocorre, por exemplo, em uma abordagem policial. Insta salientar, que isso deve ser feito observando-se a adequação ao interesse público, buscando proporcionar o bem estar para a coletividade. Nesse diapasão, podemos afirmar que o uso do poder de polícia em uma abordagem policial limita direitos fundamentais dos cidadãos, porém ressalte-se que este ato é praticado em prol da coletividade. Entretanto, pode ser entendido por algumas pessoas, como sendo um ato abusivo e desnecessário, com violação aos direitos fundamentais dos cidadãos. O abuso na utilização do poder de polícia na execução de uma abordagem, provoca prejuízos aos indivíduos, assim como violação aos direitos e garantias fundamentais. Se os policiais militares atuarem dessa forma, podem ser responsabilizados com base na Lei do Abuso de Autoridade. O poder de polícia possui qualidades e atributos específicos, são eles: a autoexecutoriedade, a coercibilidade e discricionariedade (Técnica de Abordagem Policial – Módulo I. PMPI. s/a). A autoexecutoriedade significa que a administração pública pode impor as medidas necessárias sem a necessidade de mandado judicial (Técnica de Abordagem Policial – Módulo I. Polícia Militar do Piauí. s/a). No caso de uma abordagem policial, esta pode ser realizada sem mandado ou autorização do poder judiciário.A coercibilidade caracteriza-se pela imposição das medidas adotadas, sem a necessidade de anuência do destinatário. Pode-se fazer uso da força para a execução da ação administrativa, de modo a assegurar seu cumprimento, quando houver resistência, desde que pautada na proporcionalidade, necessidade e legalidade. Isso significa que, os particulares devem acatar as ordens dos policiais militares na execução de uma abordagem, visto que são imperativas, podendo-se, inclusive fazer uso da força física para a execução desse procedimento. 10 A discricionariedade, conforme dito anteriormente refere-se à conveniência e oportunidade de agir, desde que nos limites legais, analisando se a interferência do Estado é oportuna. Discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade, pois esta se encontra além dos limites da lei, e a discricionariedade tem como sua principal fonte e limitação a própria lei, permitindo que, caso a caso, o agente promova um juízo de valor de oportunidade e conveniência, escolhendo a melhor opção para atender ao interesse público. Sobre o interesse público, Mello (2019) aponta que consiste no interesse oposto ao privado, isto é, ao interesse pessoal de cada um. Nesse sentido, o autor afirma que o interesse público: “[...] se constitui no interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social, assim como acerta-se também em sublinhar que não se confunde com o somatório dos interesses individuais, peculiares de cada qual” (MELLO. 2019, p. 59). Assim, o interesse público é aquele voltado para o bem da coletividade, afastando-se dos de ordem individual e de caráter estritamente pessoal. A utilização do poder de polícia pela administração pública distingue-se da prestação de serviços públicos. De acordo com Alexandrino (2015, p. 240): Com efeito, o exercício do poder de polícia acarreta restrições à esfera jurídica individual do administrado, a seus direitos e interesses, ao passo que a prestação de serviços públicos tem efeito exatamente oposto, isto é, amplia a esfera jurídica do particular destinatário, porquanto se traduz no oferecimento, pelo poder público, de prestações positivas, de comodidades ou utilidades materiais diretamente fruíveis pelo usuário do serviço. Para o autor, o exercício, pela administração,do poder de polícia, resulta em restrição de direitos individuais, por exemplo, uma abordagem policial. Já a prestação de serviços públicos consiste na disponibilização, por parte do poder público, de determinadas utilidades, que ampliam os direitos dos administrados, tais como: educação e saúde pública, dentre outros. O poder de polícia pode ser definido como uma atividade negativa, pois tem o condão de limitar direitos, ao tempo em que os serviços públicos se constituem em uma atividade positiva, visto que ampliam direitos dos cidadãos. O poder de polícia é utilizado durante a realização de uma abordagem pela Polícia Militar. O policial, ao exercer suas funções de policiamento ostensivo, no sentido de prevenir ou reprimir delitos, pratica atos que interferem nos direitos fundamentais das pessoas, seja para identificá-las ou mesmo, para fazer apreensão de algo ilícito, como armas de fogo e substâncias entorpecentes, por exemplo. 11 A abordagem policial envolve uma série de atos concatenados com uso dos poderes administrativos, notadamente o poder de polícia, tais como: a ordem de parada, a busca pessoal propriamente dita, a identificação, podendo-se utilizar de consultas em bancos de dados, e, por fim, a eventual condução do cidadão revistado, se houver a constatação de prática de infração penal ou a sua liberação, caso nada de ilícito seja detectado. O policial militar constitui-se em uma autoridade administrativa de polícia, visto que é um integrante da Administração Pública, com a missão de executar as atividades inerentes à sua função, com o intuito de garantir a preservação da ordem pública. Desse modo, para executar uma abordagem o policial militar se utiliza do seu poder administrativo de polícia. Se nada de ilícito for encontrado na abordagem, haverá a liberação normal do cidadão abordado. Caso encontre alguma irregularidade penal, o policial militar deverá conduzir o infrator para a Delegacia de Polícia, a fim de que sejam adotadas as medidas legais. Nesse caso, a atuação do policial se torna vinculada ao que determina o art. 301 do Código de Processo Penal, que se refere à prisão em flagrante. 2.2 ASPECTOS JURÍDICOS DA ABORDAGEM POLICIAL A abordagem policial “é o encontro entre a polícia e o público cujos procedimentos adotados variam de acordo com as circunstâncias e com a avaliação feita pelo policial sobre a pessoa com que interage, podendo estar relacionada ao crime ou não” (PINC, 2017, p. 07). A abordagem é uma forma de atuação da polícia, conforme as circunstâncias do caso, para analisar se uma determinada pessoa está ou não, associada a algo tido como ilícito. Para Nascimento (2016, p. 28) a abordagem policial é: Aquela, onde o agente público, imbuído de autoridade, exercendo o poder de polícia, interpela o transeunte, baseada em sua fundada suspeita, rompendo assim com uma garantia individual do cidadão abordado, qual seja, o seu direito de ir, vir, permanecer e estar, tudo isto com o escopo de proporcionar aos cidadãos uma maior sensação de segurança, fazendo valer, desta forma, o interesse público da coletividade em detrimento ao individual. O policial militar é investido, pela Administração Pública, do poder de polícia, podendo assim, determinar uma restrição temporária dos direitos individuais do cidadão, em favor do interesse público. Busca-se, por meio da abordagem policial, proporcionar uma sensação de segurança a coletividade. Nesse sentido, denota-se que a abordagem policial é um método preventivo, objetivando evitar a ocorrência de atos ilícitos, pela antecipação ao infrator da lei, de modo a 12 assegurar a preservação da ordem pública e proporcionar a população, uma maior sensação de segurança (NASCIMENTO, 2016). Essa conduta do Estado deve ser muito bem balizada, não podendo causar constrangimento desnecessário, sob pena de responsabilização administrativa, civil e penal, daquele agente que atuar de modo abusivo, conforme prevê a Lei do Abuso de Autoridade. Em relação à abordagem policial, Nascimento (2016, p. 28-29) afirma que: A abordagem policial é acima de tudo um método profilático de evitar que ilícitos ocorram, preservando, desta forma, a ordem pública, trazendo para o citadino uma maior sensação de segurança. Para falarmos em abordagem policial, contudo, não se pode deixar de falar sobre a busca pessoal, haja vista que acontecem, quase sempre, simultaneamente, sendo conhecida, vulgarmente, pela população como: revista, geral, dura, baculejo, etc. A busca pessoal encontra sua previsão legal explicita no Código de Processo Penal brasileiro, devendo ser feita por mandado judicial ou com fundada suspeita. A abordagem policial tem o objetivo de prevenir a ocorrência de crimes e proporcionar sensação de segurança para a população. Assim, a abordagem e a busca pessoal possuem caráter profilático e baseiam-se na fundada suspeita, sendo que é prevista no Código de Processo Penal. 2.2.1 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS NA ABORDAGEM POLICIAL Direitos e garantias fundamentais, não obstante sejam termos parecidos, são distintos. Os direitos correspondem ao que está expressamente previsto na norma constitucional, enquanto as garantias são instrumentos, pelos quais se assegura o pleno exercício desses direitos, de forma preventiva. As garantias também podem ser entendidas, como sendo os meios, pelos quais se promove a reparação em casos de violação de direitos fundamentais (LENZA, 2018). Para melhor compreensão, os direitos fundamentais foram subdivididos em um total de cinco dimensões. Em resumo, a primeira dimensão resulta do pensamento liberal-burguês do século XVIII e corresponde à manutenção das liberdades públicas, assim como os direitos civis e políticos, podendo ser traduzida no valor de liberdade. A segunda dimensão surgiu no contexto da Revolução Industrial europeia, no século XIX, e se traduz nos direitos sociais, culturais e econômicos, assim como direitos coletivos. Já a terceira dimensão, se funda nos direitos de solidariedade ou fraternidade, sendo, pois, direitos transindividuais, ou seja, que estão além dos interesses dos indivíduos e são destinados à proteção do ser humano. A quarta dimensão se relaciona com a engenharia genética e a globalização dos direitos fundamentais. E a quinta dimensão, consagra a paz como direito supremo da humanidade (LENZA, 2018). 13 Os direitos fundamentais são aqueles reconhecidos e positivados, em nível de Constituição, por um determinado Estado, ao passo que os direitos humanos, correspondem aos documentos de direito internacional, independentes de vinculação com determinada ordem constitucional e que possuem caráter supranacional (NASCIMENTO, 2016). Para a realização de uma abordagem pessoal impõe-se, pois, a preservação das garantias constitucionais genéricas, como por exemplo, proteção contra tortura, o direito à intimidade, à integridade física e moral, à liberdade de locomoção, ambos com fundamento também, na Constituição Federal, em seu artigo quinto: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] III- ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; […] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; […] XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; [...] Esses são os principais dispositivos da Constituição Federal de1988, atinentes a proteção do cidadão contra abusos do poder público, nesse caso, proteção contra possíveis condutas excessivas dos policiais militares em uma abordagem. A Constituição Federal prevê proteção contra tortura e quaisquer outras formas de tratamento que ocasionem lesão aos direitos individuais. Há também, previsão de proteção contra a intimidade e vida privada. Em uma abordagem policial ocorre violação desses direitos no momento em que o agente revista o corpo, as roupas e os pertences do abordado, por exemplo, a sua bolsa ou seu carro, em busca de algum ilícito. Uma abordagem infringe o direito de ir e vir sem ser incomodado, visto que o policial, em uma abordagem, determina que o cidadão deixe de seguir seu caminho normal, determinado que este pare, a fim de ser submetido a uma busca pessoal. É assegurado pela Constituição Federal, o respeito à integridade física e moral, dessa forma, a abordagem policial deve ser realizada em observância a esses preceitos. Não é permitido em uma abordagem, o desrespeito à integridade física do cidadão, por meio de tapas ou chutes, a fim de compelir as pessoas a agir de determinada maneira. Também, não é 14 permitido a exposição ou o constrangimento excessivo do cidadão, de modo a assegurar a sua integridade moral. 2.3 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA ATUAÇÃO POLICIAL No tocante à abordagem policial, esta deve ser feita com observância de certos princípios, são eles: segurança, surpresa, rapidez, ação vigorosa e unidade de comando. 2.3.1 Segurança Com base nesse princípio, o policial deve ter a certeza de que não há riscos para a realização da abordagem, devendo-se tomar todos os cuidados necessários para garantir a segurança e a integridade física dos policiais, do abordado, bem como de terceiros. Para isso, o policial se utiliza das técnicas de redução de silhueta, ou seja, diminuição da exposição do agente, tomando cuidado redobrado durante a aproximação do sujeito a ser abordado. Deve-se observar a existência de possíveis abrigos, onde o policial deve se proteger, caso haja alguma reação. Outra técnica de segurança consiste no posicionamento adequado da viatura, bem como dos policiais, de modo que um deve sempre fazer a segurança do outro, agindo através de ações coordenadas (OLIVEIRA, s/a). 2.3.4 Surpresa A surpresa significa a atuação do policial, visando justamente, surpreender o sujeito a ser abordado. É um princípio importante, pois quando o indivíduo é surpreendido em uma abordagem, reduzem-se as chances de uma possível reação da execução do procedimento, ou até mesmo, evita-se a fuga. Assim, o fator surpresa contribui decisivamente para a segurança dos executores da abordagem. A surpresa constitui-se em um elemento psicológico, visto que a mente humana necessita de um determinado tempo para poder programar algum tipo de reação adequada a um determinado evento que está acontecendo (NASCIMENTO, 2019). 2.3.5 Rapidez Esse princípio refere-se ao tempo utilizado para a execução de uma abordagem policial. Ressalte-se que quanto mais tempo demorar uma abordagem, mais tempo o sujeito 15 abordado terá para, dependendo do caso, planejar ações negativas. A rapidez está intimamente ligada à surpresa, a fim de buscar eliminar as reações dos sujeitos abordados, porém, esse princípio jamais deverá comprometer a segurança durante a realização da abordagem. Quanto mais rápida a abordagem, maior a surpresa e menor as chances de haver uma possível reação ao procedimento policial (NASCIMENTO, 2019). 2.3.6 Ação vigorosa O princípio da ação vigorosa corresponde a uma atitude firme, sendo demonstrada por meio da postura do policial, assim como pela sua entonação de voz, numa notória demonstração de força. Durante a realização da abordagem, o agente deve demonstrar o domínio da situação (OLIVEIRA, s/a). Com isso, busca-se o acatamento das ordens pelas pessoas a serem abordadas e também, a diminuição das possibilidades de reações negativas ao referido procedimento. Assim, uma ação enérgica proporciona no abordado, um efeito psicológico desencorajador (NASCIMENTO, 2019). 2.3.7 Unidade de comando Pelo princípio da unidade de comando, devemos entender que apenas um policial deverá determinar o modo como será procedida a abordagem. Assim, evita-se uma multiplicidade de ordens, o que poderia provocar certas indefinições e dúvidas na realização do procedimento de abordagem (Técnica de Abordagem Policial - Módulo I. Polícia Militar do Piauí. s/a). É importante ressaltar pelo poder de comando “cabe ao policial militar de maior hierarquia ou mais antigo, cabendo a este a responsabilidade pelos atos de seus subordinados” (OLIVEIRA. s/a, p. 12). Na realização da abordagem pela Polícia Militar, o policial que ocupar o maior grau hierárquico, deverá conduzir a realização do procedimento, cabendo aos demais o acatamento das determinações. 2.4 AS MODALIDADES DE BUSCA E A FUNDADA SUSPEITA 16 A busca domiciliar e pessoal consistem na execução da abordagem propriamente dita. Essas duas modalidades de busca estão previstas no artigo 240 e 244 do Código de Processo Penal. Tal medida se configura em uma restrição de direitos individuais do cidadão, devendo ser realizada apenas, quando houver uma ponderação entre esses direitos e a ordem pública, sendo ambos, de fundamento constitucional, não podendo ser totalmente suprimidos. 2.4.1 Buscas domiciliares As buscas domiciliares somente poderão ser feitas: a) durante o dia, com autorização do morador, havendo ou não, mandado judicial; b) durante o dia, sem autorização do morador, porém, com mandado judicial; c) durante a noite, com ou sem mandado, mas com autorização do morador; d) durante o dia ou a noite, por ocasião de flagrante delito, com ou sem autorização do morador. Em caso de desastre ou para prestar socorro é possível adentrar no domicílio em qualquer hora do dia, independente de autorização do morador. Cumpre ressaltar, que o mandado judicial deverá ser expedido contra pessoa certa, também devendo ser determinado o lugar. Não é possível mandado genérico (NUCCI, 2016). Para que haja um melhor entendimento do assunto, é necessário esclarecer que o termo domicílio abrange: A casa ou habitação, isto é, o local onde a pessoa vive, ocupando-se de assuntos particulares ou profissionais. Serve para os cômodos de um prédio, abrangendo o quintal, bem como envolve o quarto de hotel, regularmente ocupado, escritório de advogado ou de outro profissional, o consultório do médico, o quarto de pensão, entre outros lugares fechados destinados à morada de alguém. (NUCCI, 2016, p. 476) O domicílio deve ser interpretado de modo amplo, abrangendo todos os locais fechados, destinados a morada de alguém, assim como aqueles reservados ao desenvolvimento de atividades laborais. Em se tratando de busca domiciliar ilegal feita por agente público, é possível a responsabilização do mesmo, com fundamento no artigo 3º, b, da nova lei de abuso de autoridade – lei 13.869/2019 visto que configura ato de abuso de autoridade, qualquer atentado à inviolabilidade do domicílio. 2.4.1 Busca pessoal e fundada suspeita Os agentes autorizados a realizar buscas pessoais são aqueles que possuem a atribuição constitucional de garantir a segurança pública, definidos no artigo 144 da Constituição Federal, 17 quais sejam: a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, as Polícias Civis, as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares. A busca aqui referida pode ser entendida como “o movimento desencadeado pelos agentes do Estado para investigação, descoberta e pesquisa de algo interessante para o processo penal, realizando-se em pessoas ou lugares” (NUCCI, 2016, p. 473). Conforme o autor, a busca ou abordagem pessoalé um ato que restringe os direitos fundamentais, a fim de procurar algo que seja importante para o processo penal. O artigo quinto, inciso X, da Constituição Federal trata da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando indenização por qualquer tipo de dano provocado. Em uma busca pessoal ocorre justamente, a privação temporária desses direitos. A busca pessoal encontra-se prevista no artigo 244, do Código de Processo Penal, sendo que poderá ser feita com amparo na fundada suspeita. A referida busca é feita em contato com o corpo (ato extremamente invasivo), podendo ser feita também, em pertences do indivíduo, tais como a bolsa ou carro. A busca em veículos equipara-se a busca pessoal. Assim, nesses casos, a busca pode ser realizada sem necessidade de mandado judicial. Porém, nos veículos destinados à habitação do indivíduo, por exemplo, trailers, cabines de caminhão e barcos, é preciso seguir as normas aplicadas para a busca domiciliar (NUCCI, 2016). A fundada suspeita em relação ao cometimento de algo ilícito serve de fundamento para a realização de uma abordagem policial, ou seja, uma busca pessoal. O artigo 244 do Código de Processo Penal dispõe que: Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. Assim, uma abordagem pessoal prescinde de qualquer mandado judicial, desde que pautada na fundada suspeita do agente público de que a pessoa a ser abordada está portando algo ilícito ou haja suspeição do cometimento de qualquer outro ilícito. Quando o policial observar uma pessoa suspeita de trazer consigo alguma arma ou outro objeto ilícito, é impossível obter um mandado judicial, em tempo hábil, para autorizar a realização da busca. Entretanto, o policial deve atuar com cautela, evitando praticar atos abusivos. Não se podem realizar abordagens aleatoriamente, visto que este é um ato humilhante e constrangedor (NUCCI, 2016). 18 A fundada suspeita é um requisito primordial na execução de uma abordagem policial, sendo que ela consiste na desconfiança ou suposição, desde que seja fundamentada. O policial militar não pode valer-se unicamente de sua experiência ou pressentimento. Para que seja realizada uma abordagem, é necessário que haja algo mais concreto, como por exemplo, a denúncia de um terceiro. Não é possível enumerar as condutas que podem ser consideradas suspeitas. Os policiais devem sempre agir de forma escrupulosa e fundamentada, para a realização de uma abordagem (NUCCI, 2016). Caso o policial realize uma abordagem sem a observância desses requisitos, poderá incidir em abuso de autoridade, sem prejuízo das sanções administrativas bem como na esfera civil. A revista pessoal pode ter caráter de obtenção de prova, apresentando-se como uma medida cautelar de polícia, em um aspecto preventivo e de segurança (VALENTE, 2017). Assim, caso seja encontrado algo ilícito em uma abordagem policial, esta se consubstancia em um meio de obtenção de prova. Valente (2017) afirma que a busca pessoal deve ser uma exceção, devendo realizar-se apenas em casos específicos. Para o autor: A revista, como medida cautelar de e de polícia, é uma medida de excepção e, como tal, apenas se deve efectuar quando se ferifica um detenção [...] e haja fundadas suspeitas de que, nas suas roupas ou junto ao corpo, o detido ou suspeito oculta objetos relacionados com o crime que sejam susceptíveis de servir de prova da infração (crime) e que, de outro modo, poder-se-iam perder ou quando de fuga iminente do suspeito. (2017, p. 253) (Grifo no original) Segundo o autor, a revista ou busca pessoal só deve ser efetuada no momento em que houver a detenção de algum suspeito, sendo que deve ainda, haver fundadas suspeitas de que o mesmo esteja portando objetos relacionados com algum crime, junto a seu corpo ou sua roupa, os quais servirão de meio de prova da infração praticada. Outra hipótese de realização de busca pessoal, para o autor, é no caso de haver possibilidade de fuga iminente do suspeito. A busca pessoal pode ser realizada também, nos casos de uma condução de alguma pessoa, pela viatura policial, para a Delegacia. O objetivo dessa revista é evitar que pessoas adentrem na viatura ou na Delegacia portando alguma arma ou outro objeto ilícito, que possa colocar em risco a segurança dos policiais e até mesmo do próprio conduzido (VALENTE, 2017). 2.5 A LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE - Lei nº 13.869/2019 A Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, versa sobre o direito de representação e o processo de responsabilização administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade, 19 as Leis nº 7.960/89, 9.296/96, 8.069/90, 8.906/94 e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). O conceito de autoridade é previsto no artigo segundo da Lei do Abuso de Autoridade, nos seguintes termos: Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a: I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; II - membros do Poder Legislativo; III - membros do Poder Executivo; IV - membros do Poder Judiciário; V - membros do Ministério Público; VI - membros dos tribunais ou conselhos de contas. Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo (BRASIL, 2019, p.1). Assim, aquele que exerce um cargo público de qualquer natureza, mesmo que transitoriamente e sem remuneração, é uma autoridade. Dessa forma, os policiais militares são enquadrados no conceito de autoridade, considerados autoridades nos termos dessa lei. O sujeito passivo imediato ou direto é a pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira que é vítima do abuso, ao passo que o sujeito passivo mediato ou indireto é o Estado, titular da Administração Pública (LEITÃO JÚNIOR, 2020). Em relação à competência para julgar os casos de abuso de autoridade, Capez (2017, p. 61-62) afirma que: Ora, como a Justiça Militar só pode julgar crimes militares, e como na Lei do Abuso de autoridade não consta nenhum crime militar, a conclusão só pode ser a de que compete à Justiça Comum julgar os crimes de abuso de autoridade praticados por policial militar no exercício de suas funções. Segundo o autor, compete à Justiça Comum, julgar os crimes de abuso de autoridade praticados por policiais militares, visto que a Justiça Militar só é competente para julgar os crimes propriamente militares. A Lei do Abuso de Autoridade prevê determinadas condutas que, se praticadas por funcionário público no exercício da sua função, irão se configurar em abuso de autoridade. Tais condutas está delineadas da referida lei. O artigo terceiro da Lei do Abuso de Autoridade afirma que: Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê- las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído. 20 § 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero caprichoou satisfação pessoal. § 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade (BRASIL, 2019, p.1). Assim, uma abordagem policial que não cumpre os requisitos legais pode se configurar em abuso de autoridade, tendo em vista que pode violar direitos tutelados em lei, como por exemplo, o direito a liberdade de locomoção. Essa lei objetiva, pois, assegurar a proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos, sendo que a finalidade da mesma é prevenir os abusos praticados pelas autoridades, no exercício de suas funções, por meio de sanções na esfera administrativa, civil ou penal (CAPEZ, 2017). Nos termos do artigo treze da Lei do Abuso de Autoridade: Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência (BRASIL, 2019, p.1). Essas são as outras condutas que se configuram em abuso de autoridade definidas pela Lei. Algumas delas podem ocorrer durante a realização de uma abordagem policial, como por exemplo, as hipóteses das duas primeiras alíneas do artigo citado. Diante dos Efeitos da Condenação relativas ao abuso de autoridade estão previstas no parágrafo quarto da mesma Lei: Art. 4º São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos; II - a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos; III - a perda do cargo, do mandato ou da função pública. Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença (BRASIL, 2019, p.1). Assim, essa punição não poderá ser aplicada isoladamente. A Lei 13.569/2019 disciplina dos efeitos da condenação e das penas restritivas de direitos, das penas restritivas de direitos. O artigo quinto dessa Lei declara que: Art. 5º As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas de liberdade previstas nesta Lei são: 21 I - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; II - suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens; III - (VETADO). Parágrafo único. As penas restritivas de direitos podem ser aplicadas autônoma ou cumulativamente (BRASIL, 2019, p.1). De acordo com o artigo as penas poderão acarretar desde uma prestação de serviço até uma demissão dependendo da gravidade do abuso praticado pelo agente do serviço público. A demissão constitui-se na exclusão compulsória do funcionário da Administração Pública. Caso o policial militar ordene ou execute uma medida privativa de liberdade individual, por exemplo, uma abordagem, sem as formalidades legais, ele incorrerá em abuso de autoridade. Se os policiais militares provocarem algum constrangimento ou vexame em uma pessoa abordada, por exemplo, expondo-a irregularmente, também estarão cometendo abuso de autoridade. As hipóteses de crime de abuso de autoridade previstas no artigo sexto são direcionadas a outras autoridades, como por exemplo, os juízes, delegados de polícia, dentre outros. As analisar as sanções de natureza civil e administrativa constata-se o art. 6º, 7º e 8º: Art. 6º As penas previstas nesta Lei serão aplicadas independentemente das sanções de natureza civil ou administrativa cabíveis. Parágrafo único. As notícias de crimes previstos nesta Lei que descreverem falta funcional serão informadas à autoridade competente com vistas à apuração. Art. 7º As responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal, não se podendo mais questionar sobre a existência ou a autoria do fato quando essas questões tenham sido decididas no juízo criminal. Art. 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito (BRASIL, 2019, p.1). A penalidade administrativa somente poderá ser aplicada se houver oportunidade para o funcionário público oferecer defesa. A complexidade do procedimento administrativo varia de acordo com a complexidade da sanção, sendo que a sanção administrativa ou disciplinar não depende do processo civil ou criminal a que o funcionário público esteja sujeito. CONSIDERAÇÕES FINAIS A abordagem policial é um procedimento realizado pelos órgãos da Segurança Pública a fim de que seja verificada ou não, a ilicitude de alguma conduta suspeita, por parte do cidadão. É uma tática policial realizada com o intuito de se antecipar ao cometimento de crimes. Dessa 22 forma, visa manter a tranquilidade pública e proporcionar uma sensação de segurança para a população. A atuação da Polícia Militar, através da realização de abordagens, figura-se como um meio para que se consiga a prevenção da criminalidade e a manutenção da ordem pública, ainda que este ato provoque restrição ou limitação temporária de direitos individuais, como por exemplo, o direito de se locomover, sem ser molestado e o direito à intimidade. Entretanto, a nova Lei de abuso de autoridade atende aos anseios da sociedade, que tem seus direitos violados durante uma abordagem policial. Contudo, se esse tipo de abordagem for realizado sem a observância dos requisitos legais, será considerado um ato de violação aos direitos dos cidadãos, de modo que as pessoas podem se sentir constrangidas ou ameaçadas em serem submetidas a tal procedimento, conforme se observa nos resultados da pesquisa. Além disso, é possível haver responsabilização civil e criminal do agente que atuou em desacordo com a lei. Confirmando o objetivo do estudo diante da Lei de Abuso de Autoridade 13.869/2019 os policiais militares devem pautar suas condutas com base na legalidade, de modo a não cometerem abusos contra os cidadãos abordados, preservando ao máximo, a dignidade e os direitos e garantias fundamentais dos mesmos. Consideramos que a abordagem policial é um ato administrativo legítimo que deve ser realizada, observando-se os mandamentos legais, de modo a não provocar violações aos direitos das pessoas que são abordadas pela Polícia Militar. Como o fundamento principal para a realização de uma abordagem consiste na fundada suspeita, de cunho essencialmente subjetivo, faz-se necessário uma legislação tratando especificamente sobre esse tema. Com isso, a atuação policial seria bem melhor fundamentada, trazendo benefícios para os policiais, assim como para a sociedade em geral, que é realmente a destinatária dos serviços prestados pela Polícia Militar. Para evitar possíveis atos abusivos, por partes dos policiais militares, quando da realização de uma abordagem, faz-se necessário a realização periódica de cursos de capacitação aos mesmos, com o objetivo de qualificá-los cada vez mais, principalmente em relação às técnicas de abordagem. Por fim, entendemos que a Polícia Militar, ao realizar abordagens preventivas, busca garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade pública, protegendo a vida e a integridade das pessoas. Além disso, as abordagens policiais contribuem para o aumento da sensação de segurança e para a prevenção da criminalidade.Desse modo, a atuação da Polícia objetiva assegurar os direitos e liberdades individuais, e não o oposto. Essas abordagens devem ser pautadas na legalidade e no respeito à 23 dignidade da pessoa humana. Práticas ilegais, discriminatórias e abusivas devem ser totalmente afastadas evitando penalizações conforme a nova Lei de Abuso de Autoridade. REFERÊNCIAS ALEXANDRINO, Marcelo; VICENTE, Paulo. Direito administrativo descomplicado. 23. ed. São Paulo: Método, 2015. BRASIL. Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019. Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869compilado.htm>. Acesso em: 13 mar.2020. BRUNO, Reinaldo Moreira. Direito administrativo didático. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. CAPEZ, Fernando. Legislação penal especial simplificado. São Paulo: Saraiva, 2017. CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4. ed. Salvador: JusPODIVM, 2017. LEITÃO JÚNIOR, Joaquim. A nova lei de abuso de autoridade. Lei 13.869/2019 comentada artigo por artigo e com enfoque na segurança pública. Rio de Janeiro: Brasport, 2020. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2019.. NASCIMENTO, Crilayson Bruno Penaforte do. Abordagem policial e a fundada suspeita. 2016. Disponível em: <http://repositorio.asces.edu.br/bitstream/123456789/263/1/Mon.%20Bruno%20Pena forte.pdf >. Acesso em: 13 mar.2020. NASCIMENTO, Celmo Araujo do. Polícia Militar do Estado da Paraíba, validade da busca pessoal no enfrentamento a criminalidade. João Pessoa, 2019. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/14663/1/CAN17052019.pdf. Acesso em: 13 mar.2020. NUCCI, Guilherme de Sousa. Código de processo penal comentado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. OLIVEIRA, Oziel Inácio de. Manual prático policial. [S.I.: s.n.201-]. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869compilado.htm http://repositorio.asces.edu.br/bitstream/123456789/263/1/Mon.%20Bruno%20Pena https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/14663/1/CAN17052019.pdf 24 PINC, Tânia. Abordagem policial: um encontro (des) contente entre a polícia e o público. Revista Brasileira de Segurança Pública, ano 1. 2. ed. 2017. POLÍCIA MILITAR DO PIAUÍ. Técnica de Abordagem Policial. Módulo I. s/a. VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Teoria geral do direito policial. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2017.
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