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INSTITUTO BELO HORIZONTE DE ENSINO SUPERIOR José Benedito Dias De Oliveira RA: 01500002736 O INDEVIDO USO DA LEI MARIA DA PENHA: ANÁLISE ACERCA DAS CONSEQUÊNCIAS AOS SUPOSTOS AGRESSORES E ÀS VÍTIMAS Belo Horizonte 2020 José Benedito Dias De Oliveiira IBHES - INSTITUTO BELO HORIZONTE DE ENSINO SUPERIOR. O INDEVIDO USO DA LEI MARIA DA PENHA: ANÁLISE ACERCA DAS CONSEQUÊNCIAS AOS SUPOSTOS AGRESSORES E ÀS VÍTIMAS Texto Monográfico apresentado ao IBHES - Instituto Belo Horizonte De Ensino Superior; tendo em vista como parcial requisito para a obtenção do título de bacharel em Direito no ano de 2020. Orientadora: Profa. Dra. Adriana Rocha Couto. Belo Horizonte 2020 IBHES - INSTITUTO BELO HORIZONTE DE ENSINO SUPERIOR. José Benedito Dias De Oliveira O INDEVIDO USO DA LEI MARIA DA PENHA: ANÁLISE ACERCA DAS CONSEQUÊNCIAS AOS SUPOSTOS AGRESSORES E ÀS VÍTIMAS Texto Monográfico apresentado ao IBHES - Instituto Belo Horizonte De Ensino Superior; tendo em vista como parcial requisito para a obtenção do título de bacharel em Direito no ano de 2020. Orientadora: Profa. Dra. Adriana Rocha Couto. Arpvado em: __/__/___ _____________________________________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Adriana Rocha Couto Nota:_____ Nota:_____ Nota:_____ Belo Horizonte 2020 DEDICAÇÃO À Deus, único que é digno de toda honra e toda glória; aos meus pais, Vivaldo Dias De Oliveira (In memorian) e Maria Barbosa de Almeida, minha avó Arcanja Chaves De Almeida, responsáveis pela formação formação ; à minha filha Joane Nacimento, aos amigos: Mario De Assis, Cristina Assis, Luis Carlos Martins, Paula Lima, Luis Henrique Evangelista, Eneida Soraya; aos meus irmão e irmãs por todo apoio e compreensão; e aos meus amigos que conquistei durante a graduação, que muito contribuíram neste período em que convivemos. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus; pelo dom da criação, pro não me permitir que desanimasse nem mesmo nos momentos mais difícieis; por fazer-se presente em minha vida, em especial na graduação; abrindo portas e me capacitando, mesmo quando eu não me considerava capaz. Agradeço à professora Dra. Adriana Rocha couto, por acreditar em meu tema, me auxiliando em seu desenvolvimento, mostrando-se sempre disposta a transmitir sua sabedoria e conhecimento acadêmico, de modo a enriquecer esta monografia. Agradeço à minha família, à minha filha Joane Nascimento, ao meu filho Wesley De Oliveira, ao meu filho Hugo Ferreira de Oliveira ( in memorian) que muito me incentivou para que aqui eu pudesse aqui chegar; e meus amigos, que, nas mais variadas maneiras sempre acreditaram no meu potencial e entenderam os momentos de ausência dedicados à graduação. Por fim, agradeço à direção da faculdade, à coordenadora Dra. Thais Fernanda; e a todo o corpo docente da faculdade, bem como, aos demais funcionários da instituição, uma vez que: "Tão somente em trabalho de equipe é que se constrói uma sociedade pautada no âmbito da justiça e dá igualdade". Tão somente em trabalho de equipe é que se constrói uma sociedade, pautada no âmbito da justiça e da igualdade. (José Benedito). RESUMO Tem por objetivo o trabalho apresentado, analisar a incidência do uso indevido da Lei Maria da Penha por parte de supostas vítimas, que sequer sofreram com a violência doméstica e familiar, e apresentar as consequências perante os supostos agressores, e também o impacto nas relações que mulheres efetivamente sofrem com tal violência. Inicialmente estudamos o surgimento da Lei Maria da Penha, bem como seus objetivos, que consistem em coibir e prevenir a violência doméstica no âmbito doméstico e familiar contra a mulher e seus requisitos essenciais. Após, tratamos do uso indevido da referida lei e suas consequências aos sujeitos envolvidos, sendo estes, as vítimas, os agressores e o próprio Estado. Neste sentido, conclui-se pela necessidade de alertar as mulheres sobre a finalidade da Lei Maria da Penha, que visa protegê-las, e dos graves prejuízos trazidos pelo mau uso, inclusive à própria requerente, que poderá responder por denunciação caluniosa e ser condenada ao pagamento de indenização por danos morais e materiais. Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Violência Doméstica. Uso indevido. Consequências. RESUME This paper aims to analyze the incidence of the improper use of the Maria da Penha Law by alleged victims, who have not even suffered from domestic and family violence, and to present the consequences to the alleged aggressors, and also the impact on the relationships that women effectively they suffer from such violence. Initially, we studied the emergence of the Maria da Penha Law, as well as its objectives, which are to curb and prevent domestic violence in the domestic and family sphere against women and their essential requirements. Afterwards, we deal with the misuse of that law and its consequences for the subjects involved, who are the victims, the aggressors and the State itself. In this sense, it is concluded that there is a need to alert women about the purpose of the Maria da Penha Law, which aims to protect them, and the serious damage brought about by misuse, including the applicant itself, who may respond for libelous denunciation and be condemned payment of indemnity for moral and material damages. Keywords: Maria da Penha Law. Domestic violence. Misuse. Consequences. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 09 2 A LEI MARIA DA PENHA.............................................................................................. 11 2.1 Breve histórico........................................................................................................11 3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR ........................................................................... 13 3.1 Âmbitos de ocorrência da violência doméstica e familiar contra a mulher ................ 13 3.2 Formas de violência doméstica e familiar ................................................................ 14 3.3 Sujeitos ativo e passivo............................................................................................ 15 4 USO INDEVIDO DA LEI MARIA DA PENHA .................................................................... 18 4.1 Das formas de utilização indevida da Lei Maria da Penha ..........................................19 4.1.1Da alienação parental............................................................................................19 4.1.2 Da vingança...........................................................................................................20 4.1.3 Das questões patrimoniais.....................................................................................21 4.2 Das consequências do uso indevido da Lei 11.340/06................................................22 4.2.1 Da denunciação caluniosa .....................................................................................23 4.2.2 Danos morais e materiais.......................................................................................24 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................25 REFERÊNCIAS ..........................................................................................................26 1 INTRODUÇÃO O trabalho apresentado tem por objeto de estudo analisar o uso indevido da Lei11.340/06, apresentando as consequências perante os supostos agressores, às supostas vítimas, bem como o impacto nas relações que efetivamente ocorrem violência no âmbito doméstico e familiar contra a mulher. A escolha do tema se deu pela necessidade de identificar a incidência da má utilização da Lei Maria da Penha por parte das supostas vítimas, que objetivam a punição de indivíduos que não cometeram crime algum, utilizando a referida lei como objeto de vingança, discussões patrimoniais, prática de alienação parental entre outras situações que fogem das agressões no âmbito doméstico e familiar contra a mulher, o que influencia na proteção às vitimas que efetivamente sofrem com tal violência. Por tais razões, surge o questionamento de como tratar casos em que a lei 11.340/06 é usada de maneira indevida, causando prejuízos, moral, físico e financeiro, a quem de fato não cometeu crime algum, além do seu reflexo às vítimas que convivem com a violência doméstica. É importa salientar que a lei 11.340/06, denominada Lei Maria da Penha, tem como objetivo a criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, que no contexto histórico, sofreu com diversas agressões físicas e psicológicas sem a devida proteção do Estado, conforme disposto em seu artigo 1º. No entranto, a utilização indevida da lei 11.340/06 por supostas vítimas tem causado danos à coletividade, pelo fato de não atender à finalidade da lei que visa à proteção do gênero feminino. Dessa forma, o reflexo da má utilização em face da pessoa do suposto agressor se dá em virtude da gravidade desta violência contra a mulher, que deve ser coibida e prevenida pelo poder público em caráter de urgência, considerando o estado de vulnerabilidade da suposta vítima, o que causa grande impacto na vida do agressor, que além da possibilidade de serem deferidas medidas protetivas, o mesmo poderá se tornar réu em ação penal pública condicionada à representação da vítima, bem como em ação penal pública incondicionada, movida pelo Ministério Público. Entretanto, as vítimas que efetivamente sofrem com a violência no âmbito doméstico familiar também sofrem com a má utilização da lei em comento, haja vista o número elevado de processos junto aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, o que ocasiona a demora no cumprimento das diligências nas medidas protetivas, bem como na ação penal movida pelo Ministério Público em face do suposto agressor. Nesse sentido, entende-se que a presente pesquisa trata de um tema que gera grandes impactos na sociedade brasileira, considerando que a Lei se deu para conferir a proteção às mulheres que sofreram ao longo dos anos com a violência sem a devida observância Estatal, devendo ser punidas as supostas vítimas que utilizam de tal instituto de forma indevida. O presente trabalho foi de natureza qualitativa, por compreender o fenômeno social através da narrativa do presente tema. Quanto aos objetivos, a pesquisa utilizou-se da técnica explicativa, ao demonstrar fatores que levam ao uso indevido da Lei Maria da Penha, bem como suas consequências. O método aplicado foi o dedutivo, pelo qual foi feito através da técnica bibliográfica, analisando doutrinas, jurisprudência, matérias de jornais eletrônicos e artigos publicados, expondo o tema abordado de forma clara, objetivando assim o seu fácil entendimento. Dessa forma, o trabalho foi dividido em três capítulos, o Capítulo 1, que estuda o advento da Lei Maria da Penha, o Capítulo 2, que demonstra de forma objetiva o conceito de violência doméstica e a aplicação da Lei Maria da Penha, e o Capítulo 3, que é uma análise dos casos em que ocorre a má utilização da Lei Maria da Penha e suas consequências. 2 A LEI MARIA DA PENHA A Lei 11.340/06, denominada Lei Maria da Penha, se deu no âmbito jurídico brasileiro na esfera penal e processual penal, em razão da omissão estatal no tocante à violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse contexto, a referida lei, que se desenvolveu diante da luta das mulheres contra a impunidade dos agressores, visa proteger a mulher vítima de violência através de mecanismos desenvolvidos pelo próprio Estado. 2.1 Breve histórico A referida lei recebeu este nome em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica, casada com um professor universitário e economista, mãe de três filhas, que sofreu durante o casamento com diversas agressões físicas e psicológicas por parte de seu cônjuge. Além disso, seu marido em meados de 1983 tentou matá-la em duas oportunidades, deixando-a paraplégica na segunda tentativa. Maria da Penha, que sempre resistiu às agressões sem buscar um amparo estatal por temer o agravamento das agressões sofridas contra ela e suas filhas, resolveu denunciar o marido em virtude das tentativas de homicídio sofridas. Porém, devido à falta de legislação própria e mecanismos para coibir a violência doméstica, o trâmite do processo se deu no período de quase 20 anos até a condenação do agressor, que ficou preso por dois anos. Diante dos fatos ocorridos, segundo Dias (2012) considerando a ineficácia da jurisdição brasileira em relação aos crimes de violência doméstica, o Estado Brasileiro foi denunciado junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que analisou pela primeira vez um caso de violência doméstica, condenando no ano de 2001 o Estado brasileiro ao pagamento no valor de 20 mil dólares à Maria da Penha Maia Fernandes. Além disso, a OEA responsabilizou o Estado pela omissão e negligência, _______________ ¹DIAS. Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 15-16. recomendando a criaçãode mecanismos para reduzir o trâmite do processo quando se tratar de violência doméstica. Nessa linha, a lei em comento teve seu advento no referido cenário, e para Dias,(2012) se desenvolveu para atender o que está previsto no art. 226, §8º da Constituição Federal, o qual dispõe que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.” Nesse sentido, Hermann (2012, p. 84) define em sua obra que tal previsão constitucional “consiste no dever do Estado em prestar assistência à família, não apenas como grupo ou unidade, mas em relação a cada um de seus membros, incumbindo-lhe criar, para tanto, estratégias e ferramentas de enfrentamento da violência no âmbito intrafamiliar.” 3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR O conceito de violência e sua incidência no âmbito doméstico e familiar contra a mulher devem ser analisados de forma mais técnica, para entender quais são os casos que efetivamente necessitam da proteção estatal em favor do gênero feminino. Conforme Guilherme de Souza Nucci leciona em sua obra, o conceito legal de violência doméstica e familiar: [...] é a ação (fazer algo) ou omissão (não fazer alguma coisa) baseada no gênero (este termo, utilizado no art. 5º, caput, desta Lei, é ininteligível para o contexto e totalmente inapropriado) que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. (NUCCI, 2015, p. 780) Ademais, a Convenção Interamericana para Prevenir, e Erradicar a Violência contra a Mulher, mencionada na referida Lei, segundo lessiona Dias (2012, p. 43), define violência doméstica contra a mulher como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. Nesse caminho, tal definição corrobora com o disposto no art. 5º, caput, da Lei Maria da Penha, o qual dispõe que “Para os efeitos da Lei 11.340/06, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão fisica, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.” 3.1 Âmbitos de ocorrência da violência doméstica e familiar contra a mulher Os âmbitos que devem ser observados para a aplicação da Lei Maria da Penha pela prática de tal violência contra a mulher, estão previstos nos incisos do art. 5º da referida Lei, que os definem, vejamos: I - no ambiente da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no ambiente da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; Nesse seguimento, entende-se que a violência nas relações doméstica e familiar contra a mulher divide-se em dois pontos que delimitam a incidência da lei supramencionada, a violência doméstica e a violência familiar, sendo a primeira prevista em seu art. 5º, inciso I, denominada como àquela ocorrida na esfera doméstica, dependendo de coabitação entre os sujeitos da relação, e a segunda, com previsão nos incisos II e III, denominada como àquela violência praticada por parentes ou indivíduos com vínculo de afeto. Ao observar os dois fatores, nota-se que o legislador não apresentou sua diferença no texto da referida lei, apresentando o nome de forma ampla. Pedro Rui da Fontoura Porto em sua obra descreve que: Partindo-se dessa distinção, seria mais correto dizer-se “violência doméstica ou familiar”contra a mulher, mas convém frisar que a hipótese do art. 5º, III, refere-se “a qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”, nem sequer exige para sua caracterização a formação de união estável e abrange relações que já foram dissolvidas pelo tempo, ampliando sobremaneira o alcance da lei para casos de simples namoro ou para violência praticada por pessoas já separadas. (PORTO, 2014, p. 34) Desse modo, considera-se que para configurar a violência doméstica e familiar contra a mulher não é necessária a ocorrência simultânea dos dois fatores supracitados, previstos nos incisos do art. 5º da Lei 11.340/06, bastando à conduta se adequar a qualquer um de seus incisos. 3.2 Formas de violência doméstica e familiar As formas de violência doméstica e familiar contra a mulher têm escopo no artigo 7º da Lei 11.340, que possui um rol exemplificativo, isto é, além das formas elencadas pelo legislador, tal violência pode se dar de outras formas. Os incisos do artigo em comento enumeram as manifestações da referida violência contra a mulher, podendo ser física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Vejamos: Art. 7º. São formas de violência doméstica contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe causeprejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; IV - a violência patrimonial, como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006) Hermann (2012) entende que as definições de violência doméstica e familiar supracitadas não têm como finalidade definir tipos penais, mas somente delimitar as situações de violência para fins de aplicação da Lei 11.340/06. Como se pode verificar, a violência em questão se dá de diversas formas, não se restringindo apenas às agressões físicas contra a mulher, gerando consequências que lesam a vida das vítimas em diversas áreas. Diante disso, a Lei Maria da Penha visa delimitar as condutas e o contexto para sua aplicação, a fim de atender sua finalidade, qual seja a proteção do Estado às vítimas no sentido de prevenir e coibir a violência no âmbito doméstico e familiar contra a mulher. 3.3 Sujeitos Ativo e passivo Para que ocorra a atuação do Estado nas relações de violência doméstica e familiar, é de suma relevância o entendimento de quem são os sujeitos da relação que serão protegidos, ou punidos pela prática de violência. Há divergência na doutrina e na jurisprudência, entende-se que a aplicação da Lei Maria da Penha se dá somente em favor das mulheres. Ademais, quanto ao agressor, este não precisa ser necessariamente do sexo masculino, conforme o entendimento do STJ: O alvo da Lei Maria da Penha não se limita à violência praticada por maridos contra esposas ou companheiros contra companheiras. Decisões do STJ já admitiram a aplicação da lei entre namorados, mãe e filha, padrasto e enteada, e casais homoafetivos femininos. As pessoas envolvidas não têm de morar sob o mesmo teto. A vítima, contudo, precisa ser mulher. Assim, tal entendimento amplia a incidência da Lei Maria da Penha, que não se limita apenas aos cônjuges e companheiros das vítimas no local de residência do casal. Nestepasso, conforme Maria Berenice Dias: Nas relações de parentesco é possível reconhecer a violência como doméstica ou familiar, quanto existe motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade. Assim, entre irmãos ou entre ascendentes e descendentes vem sendo admitida sua incidência. Desimporta o sexo do agressor: filho ou filha, irmão ou irmã, neto ou neta. Assim, pode a mãe requerer, a título de medida protetiva, o afastamento do filho agressor de sua casa. Agressores de ambos os sexos sujeitam-se aos efeitos da Lei. Necessário, no entanto, a hipossuficiência física ou econômica entre as partes. (DIAS, 2012, p. 60) Posto isso, o conceito de sujeito ativo nestas relações, ou seja, aquele sujeito que pratica tal violência é dado de forma ampliativa, cabendo até em situações onde não há parentesco entre as partes, bastando à comprovação da vulnerabilidade física ou econômica entre as partes. Nessa vereda, Porto (2014, p. 42) demonstra que “sempre que se verificasse, no caso concreto, uma situação de vulnerabilidade da ofendida estar-se-ia diante de uma situação de violência doméstica ou familiar contra a mulher, independentemente do gênero do sujeito ativo”. Porém, quanto ao sujeito passivo das relações de violência doméstica e familiar, como dito anteriormente, entende-se que limita apenas às mulheres. Em razão disso, segundo o ensinamento de Maria Berenice Dias: [...] as lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros, que tenham identidade social com o sexo feminino estão sob a égide da Lei Maria da Penha. A agressão contra elas no âmbito doméstico e familiar constitui violência doméstica. (DIAS, p. 61-62) Nesse sentido, a jurisprudência corrobora com o entendimento da autora Maria Berenice Dias, tendo em vista o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, publicado em 30/03/2010. Vejamos a ementa do acórdão julgado: HABEAS CORPUS - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LEI MARIA DA PENHA -APLICABILIDADE - IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS - INTELIGÊNCIA DO ART. 19 DA LEI 11.340/06. - O conceito de família trazido pela Lei Maria da Penha enlaça todas as estruturas de convívio marcadas por uma relação de afeto, que dispensa, inclusive, a coabitação. - A simples representação da vítima, do Ministério Público ou do policial, basta à imposição das medidas protetivas pelo juiz, conforme dispõe o art. 19 da Lei 11.340/06. (TJMG - HABEAS CORPUS N° 1.0000.09.513119-9/000 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - PACIENTE(S): ÍGOR JOSÉ FERREIRA - AUTORIDADE COATORA: JD 13 V. CR. COMARCA BELO HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ) Igualmente, no mesmo julgado insta salientar o voto do nobre desembargador relator, que explica com maestria o assunto em questão, ao dizer que: Quanto ao sujeito passivo abarcado pela lei, exige-se uma qualidade especial: ser mulher, compreendidas como tal as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com o sexo feminino. Ademais, não só as esposas, companheiras, namoradas ou amantes estão no âmbito de abrangência do delito de violência doméstica como sujeitos passivos. Também as filhas e netas do agressor como sua mãe, sogra, avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar com ele podem integrar o polo passivo da ação delituosa. (HABEAS CORPUS N°1.0000.09.513119-9/000 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - PACIENTE(S): ÍGOR JOSÉ FERREIRA - AUTORIDADE COATORA: JD 13 V. CR. COMARCA BELO HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ) Destarte, deve-se compreender os sujeitos da relação de violência doméstica e familiar para que não ocorra a aplicação da Lei Maria da Penha em casos de condutas praticadas contra a mulher, que devem ser julgados em outras varas. 4 USO INDEVIDO DA LEI MARIA DA PENHA A criação da Lei Maria da Penha, considerada um marco histórico dos direitos das mulheres em virtude da discriminação e da violência doméstica sofrida, gera uma discussão jurídica acerca da utilização indevida de tal dispositivo legal por supostas vítimas, que desviam a finalidade da lei que visa à proteção do gênero feminino, causando danos ao erário público, ao suposto agressor, bem como às vítimas que sofrem cotidianamente com a violência doméstica e familiar. Dessa forma, entende-se que o uso indevido da Lei Maria da Penha se dá quando a mulher utiliza a referida lei, para atender seus próprios interesses, sem que exista o cenário de violência doméstica, visando apenas à sanção ao indivíduo que sequer cometeu as formas de violência elencadas na Lei 11.340/06. Isso ocorre, devido ao sentimento de vingança por parte das supostas vítimas, que ao invés de utilizar a referida lei em caso de violência doméstica, utiliza apenas com o intuito de punir o suposto agressor, sem que este tenha praticado algum ato de violência doméstica contra a mulher. Observa-se que, tal conduta pode ser concretizada em razão do fácil acesso à proteção dada pela 11.340/06, que é dado através dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em conjunto com o NUDEM, da Defensoria Publica de defesa da mulher, as delegacias especializadas de atendimento à mulher, a Promotoria de Justiça e Defesa da Mulher, entre outros órgãos específicos, de defesa das mulheres que sofreram com aviolência doméstica. Desse modo, a má utilização da Lei 11.340/06 retira o seu objetivo principal, que é a criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme dispõe o art. 1º da referida lei. Isto é, mulheres que não estão em situação de violência, desviam a finalidade da lei, causando danos aos supostos agressores, que são aqueles que não cometeram crime algum em diversos âmbitos, sendo estes, familiar, profissional, físico, moral, entre outros. ___________________ ² Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública 4.1. Das formas de utilização indevida da Lei Maria da Penha De antemão, vale salientar a minha experiência como estagiário no 1º Juizado Criminal de Violência Doméstica ( JUVID); Foi uma experiência impar, que durou 2 (dois anos), onde eu tive a oportunidade de me deparar várias vezes com situações em que algumas mulheres, tomadas por sentimentos de mera vingança, cometiam a prática de alienação parental e denunciação caluniosa contra o suposto agressor, que por sua vez era totamente inocente em relação às agrssões denunciadas pela mulher. Porém, essas supostas vítimas, ao se dirigirem à secretaria do juizado com tal alegação, logo eram alertadas sobre a prática de crimes de denunciação caluniosa e alienação parental e das penas cominantes às práticas dos mesmos. Assim, algumas delas, prontamente tratavam de desistir do pedido de manutenção das medidas protetivas em desfavor do suposto agressor. Na secretaria do 1ºJUVID, atualmente tramita um numero de aproximadamente 3.500( Tres Mil e Quinhentos) processos; e dentre eles se pode notoriamente perceber que um percentual de aproximadamente 8(oito) a 10% (dez por cento)de processos com denunciação caluniosa e alienação parental em virtude de vingança. O que leva a crer, que se trata de uso indevido da Lei 11.340/06. 4.1.1 Da alienação parental Alienação Parental, Lei 12.318/10, instituída no ordenamento jurídico brasileiro no esfera do Direito de Família, tem o objetivo de proteger a criança e o adolescente dos atos de alienação parental, conceituados no art. 2º da referida lei. Vejamos: Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade,guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Sob o prisma da finalidade da Lei de Alienação Parental, o autor civilista Carlos Roberto Gonçalves explica em sua obra que: A Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, visa coibir a denominada alienação parental, expressão utilizada por RICHARD GARDNER no ano de 1985 ao se referir às ações de guarda de filhos nos tribunais norte-americanos em que se constatava que a mãe ou o pai de uma criança a induzia a romper os laços afetivos com o outro cônjuge (“Parental Alienation Syndrome”). O vocábulo inglês alienation significa “criar antipatia”, e parental quer dizer “paterna”. (GONÇALVES, 2017, p. 385) Nesse sentido, ocorre que um número considerável de mulheres utilizam da proteção conferida pela Lei Maria da Penha e seu fácil acesso, para praticar atos de alienação parental, como por exemplo, em caso de divórcio, quando a mulher detém a guarda dos filhos do casal e acaba praticando tais atos, visando afastar os filhos do próprio genitor. O art. 2º, § único apresenta em seus incisos um rol exemplificativo dos atos de alienação parental, entretanto, o seu inciso VI demonstra um ato que pode ocorrer com o uso indevido da Lei Maria da Penha, ao dizer que “apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente.” Assim, observa-se que o ato de alienação parental acarreta diversos danos aos filhos, que são as vítimas da referida alienação, bem como ao genitor, se enquadrando como vítima do uso indevido da Lei Maria da Penha, quando, por exemplo, se tem medidas protetivas de urgência deferidas em seu desfavor, causando constrangimento e restrição ao convívio com seus filhos. 4.1.2 Da vingança A vingança por parte das mulheres em face dos supostos agressores, no âmbito da Lei Maria da Penha, consiste em atos praticados por mulheres que se passam por vítimas, alegando ter sofrido alguma forma de violência doméstica e familiar, perante a autoridade policial competente. Tais atos se dão através do registro de boletim de ocorrência, ou depoimento nas delegacias especializadas de atendimento à mulher, expondo falsos acontecimentos, com o objetivo de exclusivamente punir ou constranger o suposto agressor, que não praticou nenhum ato de violência contra a mulher. Nessa vereda, entende-se que o sentimento de vingança alimentado pelas mulheres que utilizam a Lei para tal fim, pode causar diversos danos aos indivíduos acusados pela prática de violência para satisfazer seus próprios interesses, tendo em vista o caráter de urgência destes casos, e suas consequências aos agressores. Atribui à situação descrita, os casos de relacionamentos de casais, onde as supostas vítimas se sentiram lesadas de alguma forma não relacionada à violência doméstica e familiar, mas utilizam do amparo da Lei Maria da Penha para penalizar os supostos agressores. Além disso, a vingança não se dá somente contra cônjuges, companheiros, ou casais de namorados, ela pode ocorrer em outros tipos de relações, estendendo assim a incidência da Lei 11.340/06 em caso de falsa denúncia. Registre-se ainda que, como estudamos que o sujeito ativo da relação de violência no âmbito doméstico e familiar abrange sujeitos de ambos os sexos, independentemente de vínculo afetivo ou parentesco, entende-se que a utilização da lei para satisfazer o sentimento de vingança pode apresentada de uma forma ampla, isto é, pode afetar vários indivíduos elencados como sujeitos ativos. Assim, verifica-se que a Lei Maria da Penha pode ser considerada uma "arma" utilizada pelas supostas vítimas no sentido de satisfazer um sentimento meramente de vingança, que não guarda qualquer vínculo com a finalidade da referida lei, que visa à proteção às mulheres que sofrem com a violência doméstica e familiar. _______________ ³ Aquele que pratica atos de violência doméstica e familiar contra a mulher. 4.1.3 Das questões patrimoniais Outra forma de utilização da Lei 11.340/06 de maneira indevida por parte das mulheres, diz respeito ao uso da referida lei para fins patrimoniais, ou seja, mulheres que visam apropriar-se de bens adquiridos pelo suposto agressor, e usufruir de maneira exclusiva. Isso pode se dar através de medidas protetivas de urgência deferidas em desfavor de seu cônjuge ou companheiro que tem como determinação o afastamento do lar de convívio da vítima. A medida em questão está prevista no rol do art. 22 da Lei Maria da Penha, em seuinciso II. Vejamos: Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:[...] II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; (BRASIL,2006) . Neste sentido, Nucci (2015, p. 803) explana em sua obra que a referida medida protetiva “seria uma medida de separação de corpos decorrente de crime e não de outras questões de natureza exclusivamente civil”. Ainda, Leda Maria Hermann aduz acerca da medida protetiva de afastamento do lar pelo agressor: O inciso II possibilita o afastamento coercitivo do agressor do ambiente de convivência com a vítima. Aplica-se a todas as hipóteses de coabitação, seja qual for a relação entre este e a vítima. Seu alcance é, portanto, mais abrangente que o da medida cautelar de separação de corpos prevista no Código Civil, aplicável aos casos de violência no contexto da conjugalidade. As situações concretas mais comuns, além da convivência conjugal, são as de violência sexual ou física de pai contra filha e de violência física praticada por filho maior e capaz contra a mãe, idosa ou não, com quem coabite. (HERMANN, 2012, p. 169) Em razão disso, entende-se que não há amparo para o afastamento do lar para outros fins, estranhos à finalidade da aplicação da medida protetiva de urgência no âmbito da Lei Maria da Penha. Além disso, o uso indevido pelas mulheres, que utilizam da lei em comento no intuito de levar vantagem em questões patrimoniais, pode abranger outros indivíduos, não se limitando apenas ao cônjuge ou companheiro, uma vez que o local de convivência com a ofendida não se restringe apenas ao lar conjugal. 4.2 Das consequências do uso indevido da Lei 11.340/06 Em que pese os casos em que ocorre a utilização da Lei Maria da Penha por parte das mulheres que não sofreram qualquer tipo de violência doméstica, estes devem ser analisados e, caso haja elementos que comprovem o mau uso, estas supostas vítimas devem sofrer sanções, considerando que tal conduta pode acarretar diversos prejuízos aos envolvidos na relação doméstica e familiar, sendo estes as vítimas que efetivamente sofrem com a violência, os supostos agressores, e o Estado, que tem o dever de proteger e resguardar a integridade física,moral e psíquica das vítimas da violência doméstica. Diante disso, o suposto agressor poderá sofrer danos financeiros e patrimoniais, podendo perder o emprego e ser afastado do lar indevidamente em caso de deferimento de tal medida protetiva, podendo também sofrer danos morais e físicos, devido ao alto nível de reprovação da sociedade aos indivíduos que praticam atos de violência contra a mulher, além de outros danos. Nessa vereda, pode-se entender que a distorção da Lei Maria da Penha feita por supostas vítimas, além de causar danos a terceiros, aquelas que praticam tais atos sofrerão sanções nas esferas criminal e cível, sendo-lhes imputada a prática do crime denominado Denunciação Caluniosa, bem comoa condenação de pagamento de danos morais e materiais causados ao suposto agressor. 4.2.1 Denunciação caluniosa O crime de denunciação caluniosa está previsto no Título XI, do Código Penal Brasileiro, denominado Dos crimes contra a Administração Pública, precisamente em seu Art.339, o qual dispõe que, configura a denunciação caluniosa, “dar causa à instauração de __________________ Art. 1.562. Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de separação judicial, a de divórcio direto ou a de dissolução de união estável, poderá requerer a parte, comprovando sua necessidade, a separação de corpos, que será concedida pelo juiz com a possível brevidade. investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente.” Segundo Nucci (2013), o sujeito ativo do crime de denunciação caluniosa pode ser qualquer pessoa, e quanto ao sujeito passivo, este é o Estado, e, secundariamente a pessoa inocente lesada pela prática deste delito. Assim, uma pessoa ao alegar fatos inverídicos às autoridades policiais, ocasionando a instauração de inquérito policial, incorrerá no crime de denunciação caluniosa, considerado crime de Ação Penal Pública Incondicionada, ou seja, o Ministério Público oferece a denúncia, independentemente da vontade do ofendido, e tem pena prevista de 2 (dois) a 8 (oito) anos de reclusão. No âmbito da Lei Maria da Penha, a mulher que tem conhecimento da inocência do ofendido, e registra boletim de ocorrência ou se apresenta a uma delegacia alegando ter sofrido violência doméstica e familiar, incorrerá no crime de denunciação caluniosa, caso seja instaurado inquérito, investigação, processo ou ação contra o suposto agressor. Conforme o acórdão publicado no dia 14/11/2018, o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, manteve a condenação da parte ré como incursa no crime de denunciação caluniosa, tendo em vista a instauração de investigação policial contra pessoa da qual tinha conhecimento de sua inocência. Segue a ementa do acórdão em comento: EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA - DOLO DEMONSTRADO - CONDENAÇÃO MANTIDA - MOMENTO DA CONSUMAÇÃO- INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL - CONDENAÇÃO MANTIDA. Comprovado nos autos que a ré deu causa à instauração de investigação policial contra vítima da qual tinha conhecimento da inocência, resta configurado o tipo penal previsto no artigo 339 do CP. O crime de denunciação caluniosa previsto no art. 339 do CP se consuma, quando se trata da hipótese de instauração de investigação policial, no momento em que ocorre a instauração do inquérito policial por autoridade competente, sendo este considerado o procedimento administrativo de persecução penal do Estado, destinado à formação da convicção do órgão acusatório. (TJMG - Apelação Criminal 1.0024.12.145085-2/001 1450852-17.2012.8.13.0024 (1), Relator (a) Des. (a)Fernando Caldeira Brant, Órgão Julgador: 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 07/11/2018, publicação da súmula em 14/11/2018. Como dito alhures, a denunciação caluniosa é um crime contra a Administração Pública, tendo em vista que decorre de lesão causada ao Estado, considerado sujeito passivo do delito. Entretanto, nos casos de falsa denúncia, o ofendido, ou seja, aquele que não praticou crime algum, também pode sofrer com diversas lesões. Registre-se ainda que, além dos sujeitos supracitados, na esfera de proteção da Lei Maria da Penha, as vítimas que efetivamente sofrem com a violência doméstica e familiar também sofrem com a falsa denúncia feita pelas supostas vítimas, uma vez que acarreta o abarrotamento de processos nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, o que atrasa as diligências que devem ser cumpridas em caráter de urgência, em razão da gravidade dos casos. Desse modo, em caso de denunciação caluniosa por parte das mulheres que utilizam indevidamente a Lei Maria da Penha, a lesão em face do Estado, se dá através da atuação dos servidores públicos em geral, como delegados, defensores, promotores, juízes, oficiais de justiça, entre outros serventuários que visam cumprir as diligências no sentido de proteger as vítimas. Portanto, ao atuar no cumprimento das diligências investigativas e processuais nos casos onde a suposta vítima tem conhecimento da inocência do ofendido, traz como consequência prejuízos financeiros ao Estado que, conforme previsão constitucional tem como dever criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar. 4.2.2 Danos morais e materiais Na esfera cível, devido ao prejuízo patrimonial e financeiro causado pela má utilização da Lei 11.340/06, caberá ação de indenização por danos morais e materiais em face das vítimas que desviam a finalidade da Lei Maria da Penha, causando constrangimento aos supostos agressores. Nesse sentido, Bulos (2015) nos ensina que dano material é relacionado com a diminuição do patrimônio do ofendido, aquele que causa prejuízo econômico. Em relação ao dano moral, Bulos (2015, p. 575) entende que é “detectado pela mágoa profunda ou constrangimento de toda espécie, que deprecia o ser humano, gerando-lhe lesões extrapatrimoniais [...] Pouco importa o aborrecimento. Havendo nexo de causalidade entre a ofensa perpetrada e o sentimento ferido está caracterizado o dano moral [...]”. Portanto, devido aos constrangimentos causados aos sujeitos que sequer cometeram atos de violência doméstica, além da punição na esfera penal, a indenização deverá ser aduzida, a fim de diminuir tais danos. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Lei Maria da Penha surgiu no ordenamento jurídico brasileiro através da luta pelas mulheres, que no cenário de impunidade por parte dos agressores, visavam à devida proteção do Estado em caso de violência doméstica e familiar no sentido de prevenir e coibir tais violências. Em razão disso, constata-se que a referida lei deve ser utilizada apenas em casos de violência doméstica, que são classificados como graves devido ao estado de vulnerabilidade do gênero feminino. Nesse sentido, a referida lei entende como violência doméstica e familiar aquela que cause danos físicos, psicológicos, patrimonial, sexual, moral, entre outros danos que podem lesar a vida das mulheres. Ademais, a violência pode ser praticada por indivíduos de ambos os sexos em face das mulheres, em seu âmbito doméstico e familiar, bem como nas relações íntimas de afeto, independentemente de coabitação, o que amplia a proteção das mulheres pela referida lei. Conforme demonstrado na presente pesquisa, a ampla proteção dada pelo legislador às mulheres em razão do surgimento da Lei Maria da Penha, acarreta no uso indevido do instituto por supostas vítimas, que visam atender seus próprios interesses que não guardam vínculo com a finalidade da lei, o que gera diversos danos aos envolvidos na relação de violência doméstica e familiar. Nesse viés, estudamos que o uso indevido da Lei 11.340/06 diz respeito à utilização da lei por parte das supostas vítimas, que visam exclusivamente à punição de seus desafetos, no intuito de satisfazer seus próprios interesses. Ainda, o presente trabalho apresentou as consequências perante os supostos agressores, e o impacto nas relações que efetivamente ocorrem violência contra a mulher, que são graves e passíveis de sanção. Com isso, faz-se necessário que as vítimas sejam cientificadas da finalidade da Lei Maria da Penha, e que o seu uso distorcido, além da possibilidade atender o seu desejo no sentido de causar danos aos supostos agressores, devido ao elevado índice de reprovação da sociedade, as mulheresque fazem este uso poderão incorrer no crime de Denunciação Caluniosa, bem como ao pagamento de indenização em face dos ofendidos. Nesse sentido, frisa-se que o Estado tem o dever constitucional de apresentar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, o que ocorre através dos órgãos especializados em defesa da mulher vítima de violência em suas relações, e, diante disso, deve atuar no sentido de coibir o uso indevido da lei Maria da Penha, tendo em vista que tais casos geram gastos desnecessários aos cofres públicos. Deste modo, dada à importância do tema proposto na presente pesquisa em relação à sociedade brasileira, torna-se necessário o Estado, através dos delegados, promotores, defensores, juízes, e demais serventuários, alertar a sociedade do uso indevido da Lei Maria da Penha bem como suas consequências, aplicando as sanções devidas, para que diminua a má utilização da lei, considerada um grande marco na luta das mulheres pela igualdade. REFERÊNCIAS *CODIGO CIVIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. *CÓDIGO PENAL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. BRASIL, LEI nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha *SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA; A jurisprudência do STJ nos 11 anos da Lei Maria da Penha. Disponível perior : http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/A-j urisprud%C3%AAncia-do-STJ-nos-11-anos-da-Lei-Maria-da-Penha * 1º Juizado Criminal de Violencia Domestica ( JUVID) *BULOS, Uadi Lammêgo. 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Disponível em: https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&t otalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1450852-17.2012.8.13.0024&pesquisaNumeroCNJ=Pe squisar *MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus Criminal 1.0000.09.513119- 9/000 5131199-14.2009.8.13.0000 (1). Relator: Des.(a) Júlio Cezar Guttierrez. 4ª CÂMARACRIMINAL, 30 de março de 2016. Disponível em: https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?linhasPorPagina=10&pagi naNumero=1&palavras=LEI%20MARIA%20PENHA%20TRANSEXUAL&pesquisarPor=ementa&pesquisaTes auro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20 refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar& http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/A-jurisprud%C3%AAncia-do-STJ-nos-11-anos-da-Lei-Maria-da-Penha http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/A-jurisprud%C3%AAncia-do-STJ-nos-11-anos-da-Lei-Maria-da-Penha https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1450852-17.2012.8.13.0024&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1450852-17.2012.8.13.0024&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1450852-17.2012.8.13.0024&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?linhasPorPagina=10&paginaNumero=1&palavras=LEI%20MARIA%20PENHA%20TRANSEXUAL&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar& https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?linhasPorPagina=10&paginaNumero=1&palavras=LEI%20MARIA%20PENHA%20TRANSEXUAL&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar& https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?linhasPorPagina=10&paginaNumero=1&palavras=LEI%20MARIA%20PENHA%20TRANSEXUAL&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar& https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?linhasPorPagina=10&paginaNumero=1&palavras=LEI%20MARIA%20PENHA%20TRANSEXUAL&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar& *NUCCI Guilherme de Souza. 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