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Juiz de Garantia no pacote anti

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Juiz de Garantia no pacote Anticrime
Ainda em 2019, o Congresso Nacional aprovou o chamado “Pacote Anticrime”, Lei 13,964 sancionada pelo presidente. A lei 13.964, publicada no dia 24 de dezembro de 2019, alterou substancialmente o código penal, código de processo penal e diversas leis extravagantes, como a lei de execução penal, lei de crimes hediondos e tantas outras. Entre outras inovações significativas a nova lei trouxe a figura do “Juiz de Garantias”. O artigo 3º-B da lei 13.964 é a inclusão dada pela lei anticrime que traz a figura do juiz das garantias. Essa inclusão é fundamental para se alcançar um julgador imparcial. É a materialização do sistema acusatório, uma vitória do Estado Democrático de Direito. Um grande avanço no sistema processual penal brasileiro, que deve ser mantido no nosso ordenamento jurídico. 
Com a lei anticrime, a função do juiz criminal que fazia as audiências de custódia passará para o denominado juiz das garantias. Assim nada obsta de permanecer como estão as audiências de custódia, visto que juiz das garantias não é a criação de um novo cargo ou uma nova vara especializada, mas sim a denominação do juiz que atuará somente na fase investigativa.
Ao fazer a adoção do Juiz de garantias se entende que haverá um avanço no sistema processual penal pois assim será adotado uma estrutura acusatória, o que nunca existiu antes. O juiz de garantias vai fiscalizar o inquérito ou qualquer outra investigação criminal. Atualmente o Ministério Público, autorizado pelo STF produz investigações, que são os procedimentos investigatórios criminais. Agora o Ministério Público terá que comunicar o juiz das garantias, o que não era feito antes. O juiz das garantias é das garantias dos direitos individuais do investigado. Ele recebera a denúncia pois ele que vai ter contato com o inquérito e não o juiz das instruções sendo assim, poderá se falar de sistema acusatório. O resultado será uma seleção das funções jurisdicionais, na investigação e no julgamento. 
A função do juiz será atuar como garantidor dos direitos do acusado no processo penal. Esse é o lugar do juiz das garantias, nos termos do art.3º-C do CPP. Ele se posta como juiz, inerte, que atua mediante invocação (observância do ne procedat iudex ex officio que funda a estrutura acusatória e cria as condições de possibilidade de ter um juiz imparcial) permitindo que se estabeleça uma estrutura dialética, onde o MP e a polícia investigam os fatos, o imputado exerce sua defesa e ele decide, quando chamado, sobre medidas restritivas de direitos fundamentais submetidas a reserva de jurisdição (como busca e apreensão, quebras de sigilo, prisões cautelares, medidas assecuratórias, etc.) e como guardião da legalidade e dos direitos e garantias do imputado. Portanto, atua como juiz e não como instrutor-inquisidor. Não se confunde assim, de modo algum, com o superado sistema de “juizado de instrução”. Faz parte do dever do Juiz de Garantias, por exemplo, decidir sobre prisão provisória, sobre assuntos como os que envolvem impostos, bancos, dados telefônicos, e também sobre fases de busca e apreensão.
O juiz que atuar na fase de investigação, denominado juiz das garantias, ficará impedido de atuar e julgar o processo. Tem-se então mais uma modalidade de impedimento do Juiz. Essa se apresenta como a principal mudança no código de processo penal.
O Juiz das garantias é um avanço democrático, uma ampliação do sistema de garantias da Constituição, a serviço da garantia da imparcialidade e do devido processo penal. Portanto, é uma lei que amplia garantias e, como explicamos anteriormente, deve retroagir para beneficiar os réus. É uma lei que cria uma nova hipótese de “competência funcional”, regra inderrogável, cuja inobservância é causa de nulidade absoluta.
O juiz de garantias poderá atuar nas seguintes situações:
· Receber a comunicação imediata da prisão de um suspeito;
· Receber o auto da prisão em flagrante para verificar foram cumpridos os requisitos previstos em lei para a prisão;
· Zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo;
· Ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;
· Decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar;
· Prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, substituí-las ou revogá-las;
· Decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não-repetíveis (provas que não podem ser produzidas novamente, como um exame de corpo de delito);
· Prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso;
· Determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;
· Requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
· Decidir sobre os requerimentos de: pedidos de quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico de investigados; mandados de busca e apreensão para alvos de apurações; acesso a informações sigilosas;
· Julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;
· Determinar a instauração de incidente de insanidade mental (instaurado sempre que houver dúvida sobre a saúde mental do acusado e para verificar se, à época dos atos, ele era ou não inimputável);
· Decidir sobre o recebimento da denúncia do Ministério Público ou queixa de vítimas;
· Permitir ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos na investigação criminal;
· Deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;
· Decidir sobre a homologação de acordo de não-persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação.
E a luta pela reforma já começa diante das decisões tomadas pelo STF. A primeira foi a suspensão da implantação do juiz das garantias (de forma correta até) pela decisão proferida pelo Min. Dias Toffoli na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.298/Distrito Federal, no dia 15/1/2020, que suspendia a implantação pelo prazo de 180 dias. Uma medida coerente e razoável.
“A lei entrou em vigor no dia 23 de janeiro e, posteriormente, teve o prazo prorrogado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, em seis meses. Para ele, seria necessário um período para a novidade entrar em vigor com mais precisão.
No entanto, o ministro Luiz Fux – vice-presidente do STF – suspendeu a decisão de Toffoli enquanto cobria o recesso do presidente em exercício. Ficou assim decidido que a entrada do juiz de garantias ficaria suspensa até que fosse analisada no plenário da corte. A decisão de Fux se estenderá por tempo indeterminado”. Com a concessão de Liminar na Medida Cautelar nas ADIn's n. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 pelo Min. FUX, está suspensa, sine die, a eficácia do art.3º-A., portanto, enquanto estiver valendo a medida liminar, a implantação do juiz das garantias está suspensa. Seguirá sendo o mesmo juiz durante a fase investigatória e depois no processo.
Entendeu o Min.Toffoli que ao “instituir o juiz das garantias, a Lei n. 13.964/2019 criou nova regra de competência funcional, delimitando a atuação do juiz em função da fase da persecução criminal e criando, a partir da rígida separação das fases de investigação e do processo, uma regra de impedimento, para a fase da ação penal, ao magistrado que houver atuado como juiz das garantias na fase da investigação (art. 3º-D do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 13.964/2019) ”. Portanto, como forma de preservar o Juiz Natural, entendeu o Ministro que “a incidência da nova lei processual é prospectiva, e não retroativa, não se aplicando, portanto, a atos já praticados. Some-se a isso o disposto no art. 2º do Código de Processo Penal, segundo o qual ‘a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior’. Por outro lado, uma adequada regra de transição também deve assegurar,na maior medida possível, a segurança jurídica, evitando o surgimento ou o prolongamento de discussões judiciais acerca do tema. Afinal, uma das funções precípuas do STF é promover a segurança jurídica, possibilitando que as normas sejam interpretadas de maneira coerente e previsível”.
Os principais pontos da medida considerados inconstitucionais pelas ações apresentadas ao STF são três ações que especificam os pontos que consideram inconstitucionais na implantação da figura do juiz de garantias. 
São elas:
· Vício de iniciativa: a criação do juiz de garantias deveria ocorrer por proposta de lei de iniciativa dos tribunais, e não dos parlamentares. Ou seja, não houve respeito ao processo legislativo previsto na Constituição;
· Violação do princípio do juiz natural: o princípio do juiz natural, previsto na Constituição, prevê que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". Ou seja, é uma garantia a quem é processado em uma ação penal de que seu caso será analisado por um juiz cuja competência para atuar no seu processo foi estabelecida previamente em lei. A intenção é evitar que, para um determinado processo, as partes possam escolher ou excluir determinado magistrado.
· Violação do princípio da igualdade: o entendimento, neste ponto, é de que, como o juiz de garantias não será aplicado a ações nos TJs, TRFs, STF e STJ, haverá uma diferença de tratamento para processos na primeira instância e em procedimentos iniciados em outras instâncias.
A ação da AMB e da Ajufe exemplifica: ”Um Deputado Federal, detentor da prerrogativa de foro, que estiver sendo investigado perante esse STF por crime praticado no exercício da função e em razão da função, não terá direito ao Juiz das Garantias, mas esse mesmo Deputado Federal, estando sendo investigado por qualquer outro crime perante a 1ª instância, fará jus ao juiz das garantias”
· Criação de despesas sem a fonte de custeio prevista: a criação do juiz de garantias, na avaliação das ações apresentadas ao STF, vai implicar em aumento de custos. Com isso, há uma violação ao artigo da Constituição que estabelece que qualquer criação de cargos e novas despesas deve ter, previamente, a indicação da fonte dos recursos para custeio e autorização na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
· Retroatividade da lei processual penal: segundo o Código de Processo Penal, a lei processual penal tem aplicação imediata. Há a avaliação, no entanto, de que pode haver uma aplicação retroativa indevida da lei, se a lei incidir em casos em tramitação. Nesta situação, o juiz que atua no processo já em andamento poderá ser impedido de atuar na fase posterior, após o início da ação penal.
· Violação do princípio da proporcionalidade: a violação ocorreria por conta do prazo de 30 dias para a entrada em vigor do juiz de garantias. O prazo é menor que os seis meses para a entrada em vigor, se aprovado, do novo Código de Processo Penal.
· Violação do princípio da duração razoável do processo: há ofensa ao princípio da duração razoável do processo, defendem as ações, porque o juiz responsável pela ação penal não vai acompanhar o desenvolvimento das investigações, o que pode ocasionar um julgamento mais tardio.
Bibliografia: Lopes Junior, Aury Direito processual penal / Aury Lopes Junior. – 17. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.
Metzker, David. Lei Anticrime (Lei 13.964/2019): Comentários às modificações no CP, CPP, LEP, Lei de Drogas e Estatuto do Desarmamento
- Edição Revista e Atualizada / David Metzker. Timburi, SP: Editora Cia do eBook, 2020.
Capez, Fernando. Curso de Processo penal- 27.ed- São Paulo: Saraiva Educação,2020

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