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Filosofia da Arte - Nietzsche e o Nascimento da Tragédia

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Universidade Federal de Pernambuco 
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Filosofia
Adriano Rodrigues Correia
O papel da tragédia antiga e da música em O Nascimento da Tragédia de Nietzsche como tentativa de superação da visão socrático-platônica da arte
Recife, Outubro de 2010.
Adriano Rodrigues Correia
O papel da tragédia antiga e da música em O Nascimento da Tragédia de Nietzsche como tentativa de superação da visão socrático-platônica da arte
Trabalho para ser apresentado ao prof. Dr. Tiago Moura de Aquino, orientador da disciplina Filosofia da Arte no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco. 
Recife, Outubro de 2010.
“Só como fenômeno estético a existência e o mundo aparecem eternamente justificados”
Friedrich Nietzsche, O nascimento da Tragédia. 
 
Sumário
1. Apresentação
2. O papel da tragédia antiga e da música em O Nascimento da Tragédia de Friedrich Nietzsche como tentativa de superação da visão platônica da arte
- Introdução: Sobre O Nascimento da Tragédia
- O Apolíneo e o Dionisíaco: impulsos artísticos da natureza 
- Eurípides, o poeta do socratismo estético 
- A arte como mimesis em A República de Platão e a crítica nietzschiana a tradição epistemológica socrático-platônica 
- Considerações Finais
3. Bibliografia 
1. Apresentação 
	Por uma razão essencial resolvemos desenvolver o presente trabalho em forma de artigo: puro treinamento. A idéia era desenvolver o texto – na medida do possível – nos moldes de um artigo acadêmico e submetê-lo as correções do professor Tiago Aquino. Procuramos seguir o modelo proposto pela academia, desenvolvendo um resumo que indicasse o problema tratado e destacando palavras – expressões – que ajudam na compreensão do texto. Além do mais, no último período nos foi proposta uma atividade de cunho semelhante pelo mesmo orientador, que então lecionava Introdução a Filosofia, e na oportunidade escolhemos o formato de um trabalho acadêmico; logo, esta era uma chance significativa de seguir o modelo alternativo. 
	Uma segunda questão que se coloca é: por que Nietzsche? Talvez o professor Tiago – pessoa a quem de fato se destina esse texto – lembre que na cadeira de Introdução também escolhemos o Nietzsche. Evidentemente as escolhas não são mera coincidência. Nietzsche é um pensador com o qual possuo alguma afinidade, embora esteja longe de uma postura de pensamento que possa ser classificada como nietzscheana. Algo que chama atenção em Nietzsche é sua postura altiva e pretensiosa: a pretensão de verdade que possui seu pensamento é evidente. Mas que sistema filosófico não possui essa pretensão? O fato é, como bem observa Luijpen, que “ao defender uma concepção que julgo verdadeira, tenho com isso a pretensão de que ninguém pode negá-la de maneira justificada¹”, de modo que a pretensão de verdade é intrínseca a todo sistema filosófico. Contudo, em Nietzsche, essa pretensão é traduzida por um vocabulário sagaz e feroz e não são poucos os momentos em que o alemão em questão parece desferir ataques Ad hominem, o que muitas vezes incomoda o leitor. 
	Além do estilo pesado e assistemático de Nietzsche, temos a favor de nossa escolha o próprio texto em questão, O Nascimento da Tragédia, que não por acaso causou polêmica no circulo dos filólogos – do qual o próprio Nietzsche era parte e que classificou a obra recém lançada como disforme ou ainda como uma deformação da representação clássica – quando de seu lançamento em 1872. Para se ter idéia da importância do texto que temos em mãos, a editora francesa J. Vrin lançou sob a organização de Michelle Cohen-Halimi, uma obra que reúne uma série de artigos que de algum modo dizem respeito a O nascimento da Tragédia, e que tem por titulo Querelle autor de La naissance de la tragédie². De fato, trata-se de um texto relevante para o pensamento ocidental. 
	Platão e seu mestre Sócrates, uma vez mais aparecem como personagens de nosso texto com a incumbência de opor-se a Nietzsche, desta vez tendo por base a visão platônica da arte esboçada em A República. No mais, é partir para o texto em si esperando que a escolha do modelo e do tema tenha sido, ainda que minimamente, justificada. 
____________________
1. LUIJPEN. Introdução a Fenomenologia Existencial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. p. 25. 
2. Mais informações sobre a obra francesa podem ser encontradas em: LINS, Daniel; COSTA, Sylvio de Sousa Gadelha; VERAS, Alexandre (Org.). Nietzsche e Deleuze: Intensidade e Paixão. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 2000. p. 24. 
1.1. O papel da tragédia antiga e da música em O Nascimento da Tragédia de Nietzsche como tentativa de superação da visão socrático-platônica da arte 
Resumo: A função que exerce a tragédia grega e a música em O Nascimento da Tragédia, de Nietzsche, entendida em contraposição a visão socrático-platônica da arte são o alvo deste estudo. Tendo como tema central de sua reflexão estética os conceitos de Apolíneo e Dionisíaco, Nietzsche pensa o papel da arte enquanto justificadora da existência humana sob a perspectiva da antiga tragédia grega; pondo-se em oposição à tradição fundada por aquilo que denomina homem teórico, do qual Sócrates seria o exemplar primeiro, Nietzsche aponta para a necessidade de o homem moderno resgatar a tragédia grega por meio da música, a fim de superar sua própria condição trágica e pessimista. A crítica feita a Sócrates e seus seguidores, Platão e Eurípides, acusados de assassinar a tragédia grega, configura-se como crítica a própria tradição epistemológica que perpassou toda a história do pensamento ocidental. 
Palavras Chave: Tragédia, arte, apolíneo e dionisíaco, música, homem teórico. 
Introdução: Sobre O Nascimento da Tragédia 
O Nascimento da Tragédia é um livro deverás polemico desde seu lançamento, em 1872. De fato, havia certa expectativa em torno da primeira obra daquele talentoso estudante de filologia clássica, a saber, Nietzsche, que graças ao apoio entusiasmado de Albrecht Ritschl ocupou cátedra na Universidade de Basel antes mesmo de ter escrito uma dissertação. A recepção a obra, entretanto, não foi a esperada, embora o impacto das idéias nietzschianas sobre a questão da tragédia antiga tenha sido evidente. Importantes filólogos alemães consideraram o livro como uma leitura equivocada da antiguidade clássica, de mau gosto: a expectativa inicial transformou-se em crítica e hostilidade, como bem observa Guerra (2000-b),
“O circulo de colegas e amigos, o circulo mais amplo dos filólogos, estudiosos da antiguidade, sofreram um verdadeiro abalo sísmico diante do texto que começava a circular. Muito provavelmente isso se deveu ao fato de Nietzsche haver transformado a tal ponto a representação clássica dominante que os sábios e os estudiosos tinham da Grécia que eles não a reconheceram nem se reconheceram em seu primeiro livro.” (GUERRA, 2000-b, p. 25) 
	De fato, a leitura da tragédia grega desenvolvida em O Nascimento da Tragédia contraria a concepção ortodoxa ou tradicional. Em primeiro plano, Nietzsche opõe-se a estudiosos alemães da antiguidade clássica – que pensavam haver apenas um único principio pelo qual toda a manifestação artística tem nascente – ao considerar a origem da arte com base em dois impulsos necessários: o apolíneo e o dionisíaco. Em segundo lugar, esta será a primeira vez que Nietzsche – celebre crítico da cultura ocidental – se colocará contra a tradição socrático-platônica e, deste modo, contra toda tradição filosófica do ocidente. Nietzsche emprega parte de seu esforço na superação da visão platônica da arte demonstrada em A República, visão que pretende banir o elemento artístico da cidade ideal. O Nascimento da Tragédia é, naturalmente, classificada como obra da primeira fase do pensamento nietzschiano, na qual predominam temas helênicos¹. 
O Apolíneo e o Dionisíaco: Impulsos artísticos da natureza 
	Levando-se em contaque a arte é pensada por Nietzsche principalmente na perspectiva da tragédia grega, será necessário compreender o que é entendido em O Nascimento da Tragédia como impulsos artísticos da natureza: apolíneo e dionisíaco. Em Apolo e Dionísio – divindades gregas – Nietzsche reconhece dois mundos distintos de arte, uma espécie de impulsos antagônicos, duas faculdades fundamentais da natureza sem as quais a manifestação artística não é possível: a imaginação, responsável pelas artes da imagem – a saber, esculturas, pintura e parte da poesia, por exemplo – e a potencia emocional, expressa na linguagem musical.
“[...] entre a arte do figurador plástico, a apolínea, e a arte não figurada da música, a de Dionísio: ambos os impulsos, tão diversos, caminham lado a lado, na maioria das vezes em discórdia aberta e incitando-se mutuamente a produções sempre novas, para perpetuar nelas a luta daquela contraposição sobre a qual aquela palavra comum ‘arte’ lançava apenas aparentemente a ponte.” (NIETZSCHE, 1992, p. 27) 
 
Tais impulsos se manifestam na existência humana por intermédio de dois estados físicos: o sonho e a embriaguez. Tais estados se opõem como o apolíneo e o dionisíaco. Tanto o sonho quanto a embriaguez se revelam como condições necessárias para a produção da arte, de modo que, sem entrar num desses estados, o artista não pode criar. Apolo, relacionado por Nietzsche com a faculdade do sonho, é o deus da ordenação, da beleza plástica, da fantasia e da distância, entendida aqui como principio de individualidade². 
“Ele [Apolo], segundo a raiz do nome ‘o resplandecente’, a divindade da luz, reina também sobre a bela aparência do mundo interior e da fantasia. A verdade superior, a perfeição desses estados na sua contraposição com a realidade cotidiana tão lacunarmente inteligível, seguida da profunda consciência da natureza reparadora do sono e do sonho, é simultaneamente o análogo símbolo da aptidão divinatória e mesmo das artes, 
_____________________
1. Para uma analise do predomínio dos temas helênicos na primeira fase da filosofia nietzschiana, ver Guerra (2000-b) p. 23. 
2. Ao falar de principio de individualidade (principium individuationis), Nietzsche tem em mente o conceito formulado por Schopenhauer em O Mundo como Vontade e Representação. NIETZSCHE, 1992, p. 30. 
mercê das quais a vida se torna possível e digna de ser vivida. [...] Apolo com a esplendida imagem divina do principium individuationis,
a partir de cujos gestos e olhares nos falam todo o prazer e toda a sabedoria da aparência, juntamente com sua beleza.” (NIETZSCHE, 1992, p. 29-30) 
Dionísio é o deus da disformidade que ao abolir o sentido do individual promove a união do homem com a natureza: “o subjetivo se esvanece em completo auto-esquecimento” (1992, p. 30). 
“[...] à ruptura do principium individuationis, ascende do mais intimo do homem, sim, da natureza, ser-nos-á dado lançar um olhar sob a essência do dionisíaco, que é trazido a nós, o mais de perto possível, pela analogia da embriaguez. [...] Sob a magia do dionisíaco torna a selar-se não apenas o laço de pessoa a pessoa, mas também a natureza alheada, inamistosa ou subjugada volta a celebrar a festa da reconciliação com seu filho perdido, o homem. (NIETZSCHE, 1992, p. 30-31) 
Aí se encontra a relação dialética do apolíneo e do dionisíaco no pensamento nietzschiano: Apolo, o principio ordenador que doma as forças da natureza e as submete a uma regra, se revela em formas individuais, sendo deste modo a expressão máxima da individualidade, se opõe a Dionísio, o deus da disformidade que se revela na embriaguez e abole o principio de individualidade: uma vez despertado o impulso dionisíaco por intermédio da embriaguez, o homem sente que toda separação entre ele e os demais homens, bem como, entre ele e a natureza de modo mais amplo, já não existe. De fato, Nietzsche considera o estado de embriaguez – o dionisíaco –, o mais essencial, visto que através do processo de quebra da individualidade o homem é capaz de retornar a seu estado primitivo ou natural, reconciliar-se com a natureza, dando vazão a um estado de prazer supremo junto a aquilo que ele denomina uno - primordial. 
	Rosa (2000-a) observa que o fato de ter visto o apolíneo ao lado do dionisíaco na arte grega, possibilitou a Nietzsche conceituar a arte não apenas como uma atividade humana, mas também como algo presente na própria esfera da natureza: a questão fundamental é que Nietzsche considera o apolíneo e o dionisíaco como impulsos artísticos que emergem da natureza sem a necessidade de mediação do artista (1992, p. 32). Tanto a perfeição do mundo dos sonhos quanto à disformidade da embriaguez são realidades que independem do artista. 
	Posto isso, creio ser possível adentrar a questão fundamental de nosso estudo, a saber, a crítica nietzschiana a visão socrático-platônica da arte. 
Eurípides, o poeta do socratismo estético 
	Na seção onze de O Nascimento da Tragédia, Nietzsche empreende crítica a tradição socrática identificando o conceito de inteligibilidade do belo – enunciado na expressão “tudo deve ser inteligível para ser belo” – como o principio assassino da tragédia grega. Sócrates é acusado de não compreender a tragédia e por ocasião disso não estimá-la: Nietzsche classifica Sócrates como o adversário de Dionísio. (1992, p. 83).
“[...] Sócrates, como adversário da arte trágica, se abstinha de freqüentar as representações da tragédia e só se incluía no rol dos espectadores quando uma nova peça de Eurípides era apresentada. O mais celebre, porém, é a associação dos dois nomes na fala do oráculo délfico, que considerou Sócrates o mais sábio dos homens, mas, ao mesmo tempo, sentenciou que Eurípides merecia o segundo prêmio no certame da sabedoria.” (NIETZSCHE, 1992, p. 84) 
 
Eurípides é posto em oposição a Esquilo, é visto como o “arauto” do socratismo estético regido pelo método da racionalidade. A pergunta fundamental da manifestação artística de Eurípides é: deve realmente o dionisíaco subsistir? A obra de Eurípides é encarada por Nietzsche como uma tentativa de superação do impulso dionisíaco, porém, não era Apolo ou algum outro deus que falava através de Eurípides, mas Sócrates: 
“Também Eurípides foi, em certo sentido, máscara: a divindade, que falava por sua boca não era Dionísio, tampouco Apolo, porém, um demônio de recentíssimo nascimento, chamado Sócrates.” (NIETZSCHE, 1992, p. 79) 
	O objetivo do empreendimento Eurípidiano era abolir o dionisíaco e afirmar o principio da produção artística racional, logo, o principio estético de Eurípides relaciona-se diretamente com o socrático: “tudo deve ser consciente para ser bom”.
“[...] o primeiro homem sóbrio em meio a um bando de beberrões, também Eurípides pode ter concebido, sob uma imagem parecida [com o principio ordenador de Anaxágoras], a sua relação com os demais poetas da tragédia. Enquanto único ordenador e fautor do todo, o nous, permanecia ainda excluído da criação artística, tudo continuava juntado numa caótica massa primeva; assim devia Eurípides julgar; assim devia ele, como primeiro homem ‘sóbrio’ condenar os poetas ‘bêbados’.” (NIETZSCHE, 1992, p. 83) 
 
Ao introduzir o prólogo em suas obras, Eurípides abole o principio da tensão estimulante típico da tragédia para substituí-lo por meras cenas retórico-líricas, o lírico-dramático, o mero drama. O fato de se colocar diretamente contra o dionisíaco e de não ser capaz de afirmar devidamente o apolíneo – e por que abandonas-te Dionísio, Apolo também te abandonou –, põe Eurípides no posto de co-assassino da tragédia. Mas é necessário ter em mente que a crítica a Eurípides é, na verdade, crítica ao socratismo estético regido pelo racionalismo, deste modo o poeta é apenas o reflexo – o arauto – do pensamento socrático. Entender a crítica nietzschiana nesse caso é importante, por que na verdade dirige-se principalmente ao método racionalista fundado por Sócrates e Platão: ao citar o método consciente de criação artística pregado por Eurípides em oposição àinconsciência da embriaguez dionisíaca, Nietzsche pretende criticar o racionalismo fundado num otimismo cientifico, numa supervalorização da razão frente aos instintos e a vontade que perpassa toda a história da filosofia³. Não por acaso Descartes é lembrado. 
A arte como mimesis em A República de Platão e a crítica nietzschiana a tradição epistemológica socrático-platônica 
	Afirma a tradição filosófica que Platão é o marco da racionalidade ocidental; racionalidade que pretendeu alcançar um conhecimento universal – a verdade era una –, e para tanto, era necessário afastar-se de todos os enganos dos sentidos, do corpo, dos instintos. Essa pretensão de universalidade e esse otimismo no pensar humano são sumariamente condenados por Nietzsche em O Nascimento da Tragédia. Platão é tomado como o maior seguidor e porta-voz de Sócrates, de modo que a crítica feita a este é estendida àquele, por isso a expressão tradição socrático-platônica. Sobre o otimismo socrático, Nietzsche afirma que: 
“[...] junto a esse conhecimento isolado ergue-se por certo, com excesso de honradez, se não de petulância, uma profunda representação ilusória, que veio ao mundo pela primeira vez na figura de Sócrates – aquela inabalável fé de que o pensar, pelo fio condutor da causalidade, atinge até mesmo os abismos mais profundos do ser e que o pensar está em condições, não só de conhecê-lo, mas inclusive de corrigi-lo.” (NIETZSCHE, 1992, p 93).
 	O texto citado caracteriza aquela espécie chamada por Nietzsche de homem teórico, espécie da qual Sócrates teria sido o primeiro exemplar. Desde então a cultura grega teria fundado um novo ideal de juventude, baseado na racionalidade otimista que busca a verdade e a virtude. Precisamente esse elemento otimista, uma vez infiltrado na tragédia recobriu-lhe pouco a pouco as regiões dionisíacas, causando-lhe, deste modo, a ruína; nessas três formulas básicas jaz a morte da tragédia, afirma Nietzsche: “virtude é saber; só se peca por ignorância; o mais virtuoso é o mais feliz” (Cf., 1992, p. 89). Aquilo que em O Nascimento da Tragédia é classificado como Iluminismo duvidoso, é precisamente o tumulo da tragédia e da própria existência afirmativa, justificada através do fenômeno estético.
	É possível afirmar que a ruptura empreendida no livro X de A República de Platão entre arte e conhecimento, exclui o fenômeno artístico da cidade ideal ao condená-la como pura mimesis – imitação – do real. 
	
_______________________
3. Ver reflexão desenvolvida no aforismo 15 de O Nascimento da Tragédia; na edição usada nesse estudo (1992) localizado entre as páginas 91 e 96. 
A arte é entendida como sendo um instrumento de perversão, no sentido de que afasta os homens da verdade ao mostrar o falso como verdadeiro. 
	A poesia, que no contexto platônico compreendia toda a cultura oral com a exceção da filosofia, enganava quem contra ela não possuísse o antídoto que é, a saber, o caminho da verdade.
“- A de não aceitar a parte da poesia de caráter mimético. A necessidade de recusá-la em absoluto é agora, segundo me parece, ainda mais claramente evidente, desde que definimos em separado cada uma das partes da alma. 
- que queres dizer?
- Aqui entre nós – portanto não ireis dizê-lo aos poetas trágicos e a todos os outros que praticam a mimese –, todas as obras dessa espécie se me afiguram ser a destruição das inteligências dos ouvintes, de quantos não tiverem como antídoto o conhecimento de sua verdadeira natureza.” (PLATÃO, 1980, p. 451) 
 
	Assim como a poesia, a escultura e a pintura também são classificadas como mimese ao longo do livro X de A República. Segundo Platão, a escultura deforma a realidade por não seguir as devidas proporções; a pintura, por sua vez, expõe um ângulo que não é o real. Contudo, é a poesia que recebe a crítica mais dura:
“- Assentemos, portanto, que, ao principiar em Homero todos os poetas são imitadores da imagem da virtude e dos restantes assuntos sobre os quais compõem, mas não atingem a verdade. Mas, como ainda há pouco dissemos, o pintor fará o que parece ser um sapateiro, aos olhos dos que percebem tão pouco de fazer sapatos como ele mesmo, mas julgam pela forma?
- Precisamente. 
- Do mesmo modo, diremos, parece-me que o poeta, por meio de palavras e frases, sabe colorir devidamente cada uma das artes, sem entender delas mais do que saber imitá-las. De modo que, a outros que tais, julgam pelas palavras, parecem falar muito bem, quando dissertam sobre a arte de fazer sapatos, ou sobre a arte da estratégia, ou sobre qualquer outra coisa com metro, rima e harmonia. Tal é a grande sedução natural que estas têm, por si sós. Pois julgo que sabes como parecem as obras dos poetas, desnudas do colorido musical e ditas por si.” (PLATÃO, 1980, p. 463-464) 
	É evidente que a preocupação platônica é com o “verdadeiro” conhecimento, logo, é uma preocupação epistemológica. A visão platônica da arte é coerente com o racionalismo otimista e a pretensão de universalidade do saber que perpassa todo o pensamento de Platão. De fato, Nietzsche identifica Sócrates como o fundador desta tendência, ao afirmar que,
“A Sócrates, porém, parecia que a arte trágica nunca diz a ‘verdade’: sem considerar o fato de que sempre se dirige àquele que ‘não tem muito entendimento’, portanto, não aos filósofos: daí um duplo motivo para manter-se afastado dela. Como Platão, ele a incluía nas artes aduladoras, que não representam o útil, mas apenas o agradável, e por isso exigia de seus discípulos a abstinência e o rigoroso afastamento de tais atrações, tão pouco filosóficas.” (NIETZSCHE, 1992, p. 87) 
	É precisamente através do resgate da tragédia grega, que Nietzsche realiza sua crítica a tradição epistemológica socrático-platônica e, deste modo, a toda tradição filosófica do ocidente. Tragédia e existência se entrelaçam no pensamento nietzschiano de modo surpreendente; É necessário relembrar aqui a afirmação feita em O Nascimento da Tragédia e repetida em A Gaia Ciência, segundo a qual, a vida só se justifica como fenômeno estético, ou de modo mais incisivo, apenas como fenômeno estético o mundo e a vida são ainda suportáveis. Como conseguiram os gregos superar a visão pessimista do mundo, caracterizada por Nietzsche nas palavras de Sileno, segundo as quais, melhor seria aos homens não ter nascido? 
 “[...] Superaram esta condição ao criarem o mundo dos deuses olímpicos, substituindo à primitiva teogonia titânica dos terrores; se desenvolveu, em morosas transições, a teogonia olímpica do júbilo, por meio do impulso apolíneo da beleza.” (NIETZSCHE, 1992, p. 37) 
É por meio da arte que o homem pode superar sua condição trágica, portanto, só como fenômeno estético a existência e o mundo podem ser justificados. A pretensão de Nietzsche parece evidente: superar a condição imposta pela visão da arte fundada no pensamento socrático-platônico através do resgate do trágico, resgate esse que deveria ser realizado pela música – essa linguagem universal que permite a coexistência do apolíneo e do dionisíaco. Deste modo, a música exerce em O Nascimento da tragédia um papel fundamental, na medida em que é apresentada como o caminho para a superação do pessimismo que permeia a existência humana. De fato, Nietzsche aponta a Opera de Wagner como capaz de resgatar a tragédia grega e superar o pessimismo na Alemanha do século XIX. Pela mesma razão Nietzsche exalta a obra trágica de Ésquilo, ao dizer que nas peças deste poeta trágico a música ocupava o lugar primordial, mais essencial, na medida em que através do coro, todos os presentes no teatro participavam da representação e podiam reconhecer suas próprias tragédias como comuns ao restante dos presentes, numa espécie de sentimento coletivo. 
É a partir do resgate da cultura trágica dos gregos que Nietzsche pretende encontrar o caminho de justificação da própria existência: os gregos superaram o pessimismo que brota da própria condição da existência humana – finita num universo assustador –, por intermédio do fenômeno estético; deste modo, Nietzsche apontao caminho para a superação da condição trágica do homem através dos impulsos apolíneo e dionisíaco, a saber, através da arte enquanto fenômeno estético que torna o mundo e a vida ainda suportáveis. Deste modo, Nietzsche ataca o cerne da condenação socrático-platônica da arte, impulsionada pelo racionalismo otimista e a pretensão de estabelecer um conhecimento universal baseado unicamente na razão, desconsiderando os instintos e emoções, como parte daquilo que levou a existência do homem ocidental para o caminho do vazio e da decadência. 
Considerações finais
Nietzsche foi o pensador que mais vorazmente se rebelou contra a tradição filosófica do ocidente. O ataque empreendido contra a visão socrático-platônico da arte configura-se, em última instância, como crítica a toda estrutura epistemológica fundada pelo homem teórico no pensamento ocidental. De fato, Nietzsche aponta Sócrates e seus seguidores, Platão e Eurípides, como os assassinos da tragédia antiga ao minarem esse fenômeno estético através de um otimismo racionalista fundado num iluminismo duvidoso. Nietzsche pretende resgatar a tragédia, os impulsos apolíneos e dionisíacos, a fim de superar a condição pessimista e trágica da própria existência humana. Nesse intento, a música exerce um papel fundamental, visto que a tragédia só pode ser resgatada através dela – a música – entendida como uma linguagem universal na qual os impulsos artísticos da natureza podem coexistir. No século XIX, a opera de Wagner é apresentada como o caminho para a superação da condição traumática inerente a vida humana. Grosso modo, a expressão que melhor encerra o pensamento nietzschiano a respeito da arte e de sua função existencial, é: Apenas como fenômeno estético a existência e o mundo aparecem eternamente justificados. 
	 
 
 
Bibliografia
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. 3. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. 
DIAS, Rosa Maria. Arte e vida no pensamento de Nietzsche. In: LINS, Daniel; COSTA, Sylvio de Sousa Gadelha; VERAS, Alexandre. Nietzsche e Deleuze: Intensidade e Paixão. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 2000 a. p. 9-21. 
NETO, Aurélio Guerra. Algumas questões em torno de O nascimento da tragédia, de Nietzsche. In: LINS, Daniel; COSTA, Sylvio de Sousa Gadelha; VERAS, Alexandre. Nietzsche e Deleuze: Intensidade e Paixão. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 2000 b. p. 23-44. 
ROSENFIELD, Denis L (Ed.). Filosofia e Literatura: o trágico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. 
LUIJPEN, W. Introdução a Fenomenologia Existencial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973. 
PLATÃO. A República. 3. Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1980.

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