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Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 B732l Borges, Francieli. Literatura comparada / Francieli Borges, Gabriela Semensato Ferreira, Karina Regedor Gercke. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. 222 p. : il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-040-5 1. Literatura comparada. I. Ferreira, Gabriela Semensato. II. Gercke, Karina Regedor. III. Título. CDU 82.091 SER_Literatura_Comparada_Book.indb 2 25/01/2017 16:37:39 A Literatura Comparada e a intertextualidade Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar a intertextualidade nas obras literárias. � Definir os tipos de intertextualidade presentes no discurso. � Analisar as diferenças estruturais da intertextualidade. Introdução Você já percebeu que, ao ler um texto, muitas vezes você se lembra de outro? Mesmo que o outro texto não esteja ali, existe algum elemento que faz com que você se lembre de outra obra, de outra referência. Essa é a magia da intertextualidade: todo texto literário é uma rede de conexões infinitas. Neste texto, você vai conhecer a intertextualidade e suas sutilezas, reconhecer os tipos de intertextualidade presentes nos textos e, por fim, identificar como elas se diferenciam de maneira estrutural. Intertextualidade e suas sutilezas A importância da intertextualidade para a Literatura Comparada se encontra no fato de o intertexto ser inerente à obra. A intertextualidade, enquanto concessão de um texto a partir de outro já existente, se revela imprescindível como procedimento para a verificação das relações dialógicas entre textos. Ela é, por isso, a mais marcante propriedade da produção literária. A intertextualidade pode ter funções diferentes, que dependem muito dos textos e dos contextos em que ela é inserida. O seu reconhecimento está ligado ao “conhecimento do mundo”, e esse conhecimento deve ser compartilhado, ou seja, ser comum ao produtor e ao receptor do texto. Ela é a interpretação do mundo e só pode ser interpretada pelo leitor, que tem uma bagagem de conhecimentos e percepções incomparáveis, produzidos SER_Literatura_Comparada_Book.indb 172 25/01/2017 16:37:51 e adquiridos por meio da sua atuação nesse mundo, por meio de suas experiên- cias pessoais. A sua bagagem cultural, o seu background e as suas condições cognitivas são únicas. Portanto, a maneira como o discurso do outro integra o discurso desse leitor é única, não se repete e, por isso, a externalização desse discurso é única também. Julia Kristeva, filósofa búlgara-francesa, seguindo os passos de Bakhtin, desenvolveu o contexto de intertextualidade afirmando que todo texto é uma retomada de outros textos. Assim, pode dizer respeito simplesmente à vincu- lação de um gênero, à repetição de uma ideia ou um ideal presente em uma obra, ou mesmo à reescrita explícita de um determinado texto. A intertextualidade engloba em sua definição a noção de um “diálogo” entre textos. Nele, um autor emprega a fala de outro, ou repete uma fala de si mesmo presente em outro texto, retomando sua própria obra e reescrevendo-a, nos casos denominados de intratextualidade. Mikhail Bakhtin foi quem primeiro sistematizou o estudo da intertextualidade, apesar de não ter gerado esse termo. Seus estudos antecedem em quase 50 anos as orientações da linguística moderna; o seu método antecipa os pressupostos da análise do discurso e da semiótica, além dos estudos na área da sociolinguística. Não existe um só texto literário que não seja intertexto, que não esteja em conexão com outros textos. A partir do momento em que a crítica literária toma consciência desse processo, tem a oportunidade de encarar de outro modo a Literatura Comparada. Você pode notar que o antigo debate teórico em torno das influências, fontes e empréstimos pode ser retomado, mas agora com um novo vigor. Mantendo-se fiel à lição de Bakhtin, Julia Kristeva não perde de vista o fato de que a criação literária, como releitura de textos anteriores, também é um processo que não ignora a dimensão contextual. Ou seja, quando reaproveita 173A Literatura Comparada e a intertextualidade SER_Literatura_Comparada_Book.indb 173 25/01/2017 16:37:52 um conceito de um texto escrito em outra época, o novo autor está trazendo o elemento tomado para dialogar com o momento histórico atual. Kristeva também aborda a questão da intersubjetividade referindo-se à relação entre autor e leitor (ou emissor e receptor, enunciador e enunciatário, destinador e destinatário, codificador e decodificador, etc.). Para ela, essa relação faz parte de um eixo horizontal, ao qual se junta um vertical (intertex- tualidade), referente à relação entre um texto e os demais (intertextos), sejam eles contemporâneos ou anteriores àquele que dialoga com eles. A intertextualidade da leitura desorganiza a linearidade, problematiza qualquer origem ou destino que a “explique”. Isso, entretanto, também proble- matiza o status do intertexto (texto que se relaciona com o texto lido): se ele é agregado ao texto, se passa, também, a constituí-lo, a separação entre texto e intertexto é precária, bem como a própria noção de intertextualidade. Mas é isso, justamente, o que dá maior dinamismo à intertextualidade, oferecendo possibilidades como, por exemplo, lidar com essa precariedade criticamente, integrando-a ao próprio jogo da leitura. Isso explica a defesa da imprecisão do intertexto e, consequentemente, da própria intertextualidade. Por essa ótica, ainda que seja importante para o texto, a intertextualidade não deve ser supervalorizada. Caso o seja, ela se torna supérflua, excessiva, nociva. Não determinar a intertextualidade é tentar controlá-la, mantê-la longe dos olhos de quem lê. Sua ocorrência moderada é benéfica porque, em tese, possibilita a significância e o texto; mas, se em excesso, o texto se vira contra si mesmo, coloca a significância em xeque por meio de hierarquias e de arbi- trariedades da própria intertextualidade. Então, se rompe a indeterminação e se traz o texto para o campo das contradições e dos conflitos (semióticos, políticos, etc.), o qual, afinal, é o campo da leitura. Se, por um lado, a noção de intertextualidade revitalizou a Literatura Comparada, por outro trouxe um grande desafio: a sua permanente redefinição como prática de leitura. Essa redefinição remete constantemente a outros textos, anteriores ou simultâneos, os quais estão presentes naqueles em que, circunstancialmente, o leitor busca produzir sentido. Contemporaneamente, todo estudo comparatista convoca, necessariamente, a noção de intertextualidade, mesmo que isso fique implícito a tal ponto que você se esqueça de se interrogar sobre o real sentido dessa categoria na atualidade. Literatura comparada174 SER_Literatura_Comparada_Book.indb 174 25/01/2017 16:37:52 Tipos de apropriação nos textos literários Você deve imaginar que o diálogo entre os textos não é um processo tranquilo nem pacífico. Sendo os textos um espaço em que se inserem dialeticamente estruturas textuais e extratextuais, eles são um local de conflito da linguagem. A ocorrência intertextual acontece de diversas maneiras. As formas mais explícitas são pela epígrafe, que se constitui de uma escrita introdutória a outra; pela citação, que diz respeito à transcrição explícita de um trecho de outro autor; pela alusão, que denota uma leve menção a um elemento de um texto ou ao próprio texto, e pela referência, marcada pela presença de algum elemento de um outro texto que leva o leitor a relacioná-los. No entanto, as práticas intertextuais explícitas mais significativas estão presentes na paródia, na paráfrase e no pastiche. Há, a todo o momento, um encontro de discursos que se valem um do outro para se construírem, o que, apesar disso, não compromete a singularidade e a particularidade. Afinal, ao se utilizar de algum elemento de uma obra de outro autor, o escritor não perde sua credibilidade. Muito pelo contrário,ele pode dar um novo sentido, uma nova visão inesperada àquele elemento em sua obra, que a faz singular, original. As discussões acerca da cópia, da influência e da originalidade são bastante antigas e acompanham a evolução da escrita e, consequentemente, da literatura. A discussão sobre o direito autoral também é inerente à intertextualidade. O desejo de originalidade é o pai de todos os empréstimos, de todas as imitações. Todo autor exposto a uma influência faz escolhas diante dessa influência, e a origi- nalidade tem sua marca nessas escolhas. O autor pode ser influenciado por algumas qualidades de uma obra, e essa influência imprime uma maior originalidade em sua produção. Os escritores do século XVI, sem disporem do termo, já tinham certa noção do que era a originalidade literária. A originalidade que percebemos em uma obra literária vem da capacidade de criação do autor ao escolher o assunto, usar recursos diversos e alterar as influências específicas que agiram sobre ele. 175A Literatura Comparada e a intertextualidade SER_Literatura_Comparada_Book.indb 175 25/01/2017 16:37:52 Tipos de intertextualidade Epígrafe: constitui uma escrita introdutória. A epígrafe é um pré-texto que resume o pensamento do autor. É uma citação que ocorre na abertura de um livro ou texto. Citação: é uma transcrição do texto alheio, marcada por aspas e geralmente com o nome do autor. Verifica-se também que há citação quando um determi- nado autor retoma um trecho de obra alheia, incorporando-o explicitamente ao seu. Esse expediente se evidencia, no texto escrito, pelo uso de marcadores como as aspas. A citação pode ser direta ou indireta. Ela é direta quando a cópia é feita de forma integral, idêntica ao texto de origem, e indireta quando é feita a paráfrase do texto original, ou seja, quando o trecho é reescrito com outras palavras, mas mantendo seu sentido. Pode-se dizer que é uma espécie de tradução dentro da própria língua. A alusão é uma forma indireta, incompleta ou subentendida de citação: a referência ao autor ou texto alheio é feita sutilmente. Paráfrase: o autor recria, com seus próprios recursos, um texto já existente, relembrando a mensagem original ao interlocutor. Na paráfrase as palavras originais são alteradas, mas a ideia do texto é confirmada pelo novo texto, e a alusão ao original ocorre para atualizar ou reafirmar os sentidos do texto citado. É o mesmo que dizer com outras palavras o que já foi dito. É uma espécie de interpretação de um texto com palavras próprias, mantido o pensamento original; ou, ainda, uma intertextualidade que assinala uma semelhança entre o texto original e o derivado, levando em conta que a diferença, se houver, não é substancial, mas constitui uma “adaptação” do original. Paródia: É uma forma de apropriação que, em lugar de endossar o modelo retomado, rompe com ele, sutil e abertamente, ela muitas vezes perverte o texto anterior, visando a crítica de forma irônica. A paródia é uma forma de contestar ou ridicularizar outros textos, há uma ruptura com as ideologias impostas e por isso é objeto de interesse para os estudiosos da língua e das artes. Ocorre, aqui, um choque de interpretação. A voz do texto original é retomada para transformar seu sentido, o que leva o leitor a uma reflexão crítica de suas verdades incontestadas anteriormente. Com esse processo, há uma indagação sobre as verdades estabelecidas e uma busca pela verdade real, concebida por meio do raciocínio e da crítica. Tradicionalmente, a paródia é definida como um escrito que imita uma obra literária, de forma crítica. É um texto que subverte a mensagem do texto que o inspirou. Literatura comparada176 SER_Literatura_Comparada_Book.indb 176 25/01/2017 16:37:52 É possível perceber que a paráfrase se posiciona ao lado da ideologia dominante, é uma continuidade. A paródia caminha para o lado das diferenças. A paráfrase se direciona à condensação, às semelhanças. Desse modo, a paródia se apresenta como um efeito centrífugo, descentralizador. Já a paráfrase se manifesta como um efeito centrípeto, centralizador, uma vez que retoma o processo de construção do texto apropriado, mantendo a sua ideologia, os seus efeitos de sentido. Próxima da paráfrase, numa primeira leitura, estaria a tradução. Antes de a intertextualidade ser aceita como conceito crítico, o tradutor era considerado mero transcodificador de línguas. Recentemente, a atividade de tradução ganhou novos contornos, sendo também vista como uma forma intertextual, quase como seu sinônimo. Pastiche: junção de outros vários textos. Apresenta elementos próximos e ao mesmo tempo distantes da paródia, que muitos, equivocadamente, veem como seu sinônimo. É certo que tanto paródia quanto pastiche envolvem imitação. Entretanto, o pastiche se associa à imitação de um estilo, ou à apropriação de um gênero sem, com isso, necessariamente, querer criticá-lo. Contemporanea- mente, o pastiche pode ser visto como uma espécie de colagem ou montagem, se tornando uma paródia em série ou colcha de retalhos de vários textos. Apropriação: a apropriação às vezes é confundida com o plágio (que não é um procedimento intertextual, mas simplesmente um furto textual). Ela é um tipo de citação deslocada para um contexto estranho e até impertinente. Pode ser vista como forma radical da paródia (pois se aproxima mais desta do que da paráfrase) ou como forma de citação descontextualizada. Bricolagem: são alguns procedimentos da intertextualidade das artes plásticas e da música que também aparecem na literatura. Quando o processo de citação é extremo, ou seja, se um texto é formado a partir de fragmentos de outros textos, tem-se um caso de bricolagem. A técnica da montagem ou colagem é uma das formas de apropriação. Tradução: a tradução é uma adequação de um texto em outra língua, a língua nativa do país, por exemplo, um livro turco que é traduzido para a língua portuguesa. Referência e alusão: na alusão, não se aponta diretamente o fato em ques- tão. Ele é apenas sugerido por meio de características secundárias e metafóricas. A intertextualidade, seja a paródia ou a apropriação, por exemplo, mais que simples expediente lúdico, pode ser entendida como forma de reflexão crítica sobre a arte. Os autores, em diferentes épocas e estilos, recorreram a 177A Literatura Comparada e a intertextualidade SER_Literatura_Comparada_Book.indb 177 25/01/2017 16:37:52 essa ferramenta para demonstrar maior consciência sobre o fazer artístico. A intertextualidade está diretamente associada à metalinguagem, pois ambos os procedimentos são relacionais. Na intertextualidade, um texto absorve outros. Ambos os procedimentos tornam o leitor mais crítico e reflexivo. Diferenças estruturais na intertextualidade – uma questão de heterogeneidade A partir dos “fios dialógicos vivos” que são os “outros discursos”, os discursos do outro são colocados no interior do discurso que se tece polifonicamente. Isso dá origem a um jogo de várias vozes cruzadas cuja presença é mostrada de diferentes formas: de maneira implícita, por conta da memória do leitor; ou de maneira explícita. Essas vozes mostram uma propriedade fundamental da linguagem: a he- terogeneidade, que pode ser constitutiva ou mostrada. Como heterogeneidade constitutiva, você pode considerar o “diálogo” que um discurso mantém com o outro por meio da dialogização interna do discurso (dialogismo baktiniano). Os textos se constituem a partir de outros textos. Eles são atravessados, ocu- pados, habitados pelo discurso do outro. Sob as palavras de um discurso, há outras palavras, outro discurso, outro ponto de vista social. Já a heterogeneidade mostrada incide sobre as manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de enunciação. Para o autor, os fenômenos da “heterogeneidade mostrada” vão bem além da noção tradicional de citação e mesmo daquela, mais linguística, de discurso rela- tado (direto, indireto, indiretolivre). Incluem a pressuposição, a negação, a parafrasagem, a imitação, entre outros fenômenos. Os objetos textuais e a direção dos sentidos não se constituem propriamente na criação do autor. Surgem na apropriação de enunciados externos ao indi- víduo, criados socialmente, que já existiam antes da enunciação do referido texto e que existirão após ela. Você pode perceber, então, que a presença do outro na formação discursiva em estudo confere ao discurso a heterogeneidade mostrada. Esta pode se apresentar sob diversas formas, inclusive aquela em que a presença do outro não aparece explicitamente na frase, mas sim de forma implícita, sugerida, como na imitação de outros discursos. Foi com a linguista Jaqueline Authier-Revuz (1990, 1998, 2004) que o conceito de heterogeneidade se desenvolveu e ganhou espaço. A partir da teoria de interdiscurso proposta pela análise discursiva francesa, e também da noção de dialogismo e de polifonia desenvolvida por Mikhail Bakhtin, Literatura comparada178 SER_Literatura_Comparada_Book.indb 178 25/01/2017 16:37:52 Authier-Revuz (1990, 1998, 2004) estabeleceu o conceito de heterogeneidade enunciativa. Assim, possibilitou à análise discursiva uma contribuição teórica- -metodológica para a análise do outro na discursividade produzida nos textos literários. A língua por si e em seu uso real não é considerada apenas como um conjunto abstrato de signos. Ela tem a propriedade de ser dialógica. O autor não se refere apenas à interação presencial, ao diálogo face a face. Refere-se à realidade de que, para construir seu discurso, necessariamente, considera o discurso de outro autor. Assim, o dialogismo deve ser pensado não em termos semânticos ou lógicos, mas em termos de pontos de vista de sujeitos sociais sobre uma realidade dada. Para Jaqueline Authier-Revuz (1990) o discurso é heterogêneo, pois “[...] sempre sob as palavras, ‘outras palavras’ são ditas: é a estrutura material da língua que permite que, na linearidade de uma cadeia discursiva, se faça escutar a polifonia não intencional de todo discurso [...]”. A heterogeneidade é tomada como base – a linguagem é heterogênea em sua constituição. A heterogeneidade discursiva estuda a relação entre a língua e o que é considerado como seu “exterior”, procurando entender como se dá a inscrição do outro no discurso. Desse modo, uma formação discursiva sempre colocará em jogo mais de um discurso. O texto é heterogêneo; não é possível definir um dos discursos sem remeter ao outro. Para o interdiscurso, considere que todo discurso é construído no processo de incorporação de outros discursos, pré-construídos, produzidos em seu exterior. Ao fazer uso da heterogeneidade, característica do discurso, o sujeito dá a ilusão de ser uno, de ser a origem do dizer, de ser homogêneo e despojado de conflitos. Essa percepção é fundamental para a análise do discurso que tem na presença do outro uma de suas características fundamentais. Você pode compreender a heterogeneidade de duas maneiras: a mostrada (marcada ou não marcada) – sinalizada com marcas características na superfície linguística – e a constitutiva (não marcada linguisticamente) – sinalizada pelo dialogismo de Bakhtin. 179A Literatura Comparada e a intertextualidade SER_Literatura_Comparada_Book.indb 179 25/01/2017 16:37:52 Enfim, com base nas noções de intertextualidade, você pode concluir que a relação entre textos foge a questões de dependência ou dívida, focando no caráter sociável dos textos literários, na capacidade que têm de interagir uns com os outros, no diálogo e na complementação entre eles, bem como na originalidade como produto desse confronto. Quando compreende o fenô- meno da intertextualidade como inerente ao texto, você tende a abolir alguns conceitos errôneos de influência e fonte considerados ao longo da história da Literatura Comparada. A intertextualidade, então, aniquila a face negativa com que a questão da influência era tratada, já que os intertextos são elementos de natureza intra- textual, formadores e constituintes da obra. A própria palavra “intertexto”, de texere, que significa tecer, conduz a essa ideia de dialogismo. É por meio do intertexto que se pode tecer, costurar, unir os vários “retalhos da rede” literária. 1. Sobre a intertextualidade, é possível afirmar: a) O texto que faz referência a outra obra é absolutamente dependente dela. b) Intertextos são quaisquer textos que possuam a mesma temática. c) O autor só faz referência a outra obra para criticá-la. d) O autor não dá nenhuma pista sobre a qual obra ele se refere, esperando que o leitor adivinhe. e) A intertextualidade tanto pode manter o mesmo sentido da obra anterior quanto invertê-lo. 2. Leia o texto: “Metamorfose às avessas. Ao acordar num oco de pau uma bela manhã, um inseto viu-se transformado em homem. Ainda sem consciência do que acontecera, tentou voar a uma árvore florida: os membros desajeitados golpearam ridiculamente o ar, as mãos estalando de encontro às coxas. [...]” CAMPOS, Paulo Mendes. Metamorfose às avessas. In: O amor acaba: crônicas líricas e existenciais. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. Você acabou de ler o início de uma crônica de Paulo Mendes Campos. A qual obra ela faz alusão? a) Dom Casmurro, de Machado de Assis. b) A Metamorfose, de Franz Kafka. c) Dona Flor e seus Dois Maridos, de Jorge Amado. d) Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago. e) Letra da música “Monte Castelo”, escrita por Renato Russo, líder da banda Legião Urbana nos anos de 1980. 3. Texto 1 Tão logo viu José Dias desaparecer no corredor, Bento deixou o esconderijo e correu até a varanda do fundo. Não quis saber das lágrimas da mãe, Literatura comparada180 SER_Literatura_Comparada_Book.indb 180 25/01/2017 16:37:52 por conta da promessa que ela fizera dezesseis anos antes, quando ele fora concebido. Texto 2 Tão depressa vi desaparecer o agregado José Dias no corredor, deixei o esconderijo, e corri à varanda do fundo. Não quis saber de lágrimas nem das causas que as fazia verter a minha mãe. A causa era provavelmente os seus projetos eclesiásticos, e a ocasião destes é a que vou dizer, por ser já então história velha; datava de dezesseis anos. Ao ler os textos, é possível afirmar: a) O texto 1 pertence ao original de Machado de Assis e o texto 2 à recriação de Fernando Sabino. b) O texto 2 faz referência aos conflitos do próprio narrador. c) De modo geral, o texto recriado por Fernando Sabino busca criar uma linguagem rebuscada com base em Machado de Assis. d) O texto 1, ao omitir a condição de agregado de José Dias, não altera o foco narrativo do romance. e) O texto 1 é plágio do texto 2. 4. Ao considerarmos a letra da música “Monte Castelo”, de Renato Russo, líder da banda Legião Urbana, escrita nos anos de 1980, podemos perceber a presença de: a) Paródia, pois o texto da canção rompe com o original, sutil e abertamente. b) Paráfrase, pois as palavras originais não são alteradas. c) Citação direta, uma vez que há fragmentos dos textos originais que são aproveitados de modo literal, ainda que tenham sido colados pelo compositor. d) Alusão, pois o fato, o tema é apontado diretamente. e) Pastiche, pois trata-se apenas da junção de vários textos existentes com a intenção de construir uma crítica. 5. Sobre a intertextualidade: a) A intertextualidade, tema estudado pela Linguística Textual, não é um elemento recorrente na escrita de textos. b) Existe apenas um tipo de intertextualidade: a implícita. c) A intertextualidade interfere na construção de sentidos do texto. d) Podemos dizer que a intertextualidade é apenas a apropriação literal de um texto para a criação de outro. e) Julia Kristeva afirma que todo texto é único, original. Apenas sofrem influências de outros. 181A Literatura Comparada e a intertextualidade SER_Literatura_Comparada_Book.indb 181 25/01/2017 16:37:52 AUTHIER-REVUZ, Jacqueline.Entre a transparência e a opacidade: um estudo enunciativo do sentido. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Heterogeneidade(s) enunciativa(s). Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, n. 19, p. 25-42, jul.-dez. 1990. AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Palavras incertas: as não coincidências do dizer. Cam- pinas: UNICAMP, 1998. Leituras recomendadas BARROS, Diana Luz de; FIORIN, José Luiz (Org.). Dialogismo, polifonia, intertextualidades: em torno de Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003. CARVALHAL, Tania Franco. Literatura comparada. 5. ed. São Paulo: Ática, 2010. (Prin- cípios, v. 58). CARVALHAL, Tania Franco; COUTINHO, Eduardo de Faria. Literatura comparada: textos fundadores. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. FARACO, Carlos A.; CASTRO, Gilberto; TEZZA, Cristóvão. (Org.). Diálogos com Bakhtin. Curitiba: UFPR, 2008. FREITAS, Antonio Carlos R. O desenvolvimento do conceito de intertextualidade. Icarahy, Niterói, n. 6, 2011. Disponível em: <http://www.revistaicarahy.uff.br/revista/ html/numeros/6/dlingua/ANTONIO_CARLOS.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2016. KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007. MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2001. MAINGUENEAU, Dominique. 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