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A1 - Compreesao e Producao de textos

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AULA 1 
COMPREENSÃO 
E PRODUÇÃO DE TEXTOS 
Prof. Phelipe de Lima Cerdeira 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Com este material, damos início à discussão da disciplina Compreensão e 
produção de textos, um dos conteúdos que dizem respeito à grade obrigatória do 
nosso curso de especialização. Ao falar de compreensão e de produção de textos, 
é necessário construirmos um raciocínio que vá além de uma enumeração de 
conceitos teóricos, devidamente organizados e preenchidos por citações que 
atestem uma dada credibilidade. Em nosso caso, tomaremos o cuidado de ilustrar, 
sempre que julgarmos necessário, o nosso raciocínio a partir do eixo central desta 
disciplina: o texto. Espero, em contrapartida, que cada aluno e aluna possa 
também fazer o mesmo – o processo é involuntário, como sabemos, mas pode 
ganhar outras nuanças quando realizado por meio de uma epistemologia dialógica 
de trabalho e de estudo –, buscando, com base em seu reportório discursivo, 
textos (escritos e orais) que possam exemplificar tudo o que estamos estudando. 
Que possamos estabelecer um diálogo profícuo até o final deste módulo, 
compreendendo e produzindo, juntos, novos textos. 
CONTEXTUALIZANDO 
Independentemente de qual seja a área efetiva de atuação profissional, é 
provável que essa problemática faça parte da sua rotina – seja de maneira direta, 
seja por uma subjacente atribuição, afinal, tal como apregoado pelo filósofo 
Mikhail Bakhtin e grande parte dos pensadores que conjugaram o respeitado 
círculo bakhtiniano, todos nós, em diferentes esferas, assumimos por meio da 
linguagem a função de enunciar, produzir e compreender textos. Somos, portanto, 
partícipes de inúmeros discursos da vida cotidiana (Bakthin, 2006). 
E, se partilhamos discursos, fica mais clara a ideia de que, 
independentemente do texto a ser produzido, reverberamos afirmativas outrora 
enunciadas, seja de maneira convicta e direta, seja por artifícios como alusões, 
paráfrases ou ironias. O fato é que ratificamos o quanto a língua é, sim, um ato 
social. A nossa percepção sobre algum assunto acaba sendo atravessada pela 
maneira de ver o mundo na qual fomos engendrados ou naquela que decidimos 
estabelecer as nossas relações. 
Produzir e compreender um texto corresponde à perspectiva de atribuir 
significado, dialogar e se fazer inteligível em diferentes contextos enunciativos. Da 
conversa informal entre amigos à construção de uma aula para alunos do ensino 
 
 
3 
médio, dos conteúdos diários trocados em aplicativos de mensagens instantâneas 
à elaboração de uma hipótese de leitura para viabilizar um trabalho acadêmico de 
conclusão de curso, tudo, absolutamente tudo exemplifica como estamos, 
periodicamente, atuando na compreensão e na produção de textos. 
Para subsidiar o nosso debate ao longo de toda a disciplina, daremos 
destaque nesta primeira aula para certas reflexões teóricas que nos permitam 
entender o que podemos intitular como um texto, afastando-nos de atribuições 
sistematizadoras e pouco producentes. Em seguida, elucidaremos as 
propriedades de um discurso e de um enunciado e, com base nisso, a 
possibilidade para se cotejarem as fronteiras entre o que está dito e o que pode 
ser percebido. Por último, discorremos a respeito das distintas manifestações de 
um texto a partir do que se entende como gêneros textuais. 
Nesta fase de contextualização, momento em que nos aproximamos da 
disciplina, infiro que cada discente tenha postulado as suas inquietudes a respeito 
de uma temática que frequenta os nossos horizontes de expectativas desde os 
deveres escolares. Sendo assim, permito-me fazer um convite para que 
julgamentos e certezas cristalizados possam ser, ao menos, (re)lidos e 
reconsiderados. A compreensão e a produção não precisam – ou melhor, dizendo, 
não podem – ser tomadas como a pedra que tinha no meio do caminho, mas o 
caminho que pode recontar a história de muitas pedras. 
TEMA 1 – AFINAL, O QUE É UM TEXTO? 
Em nossa Conversa inicial e na seção Contextualizando, já reforçamos o 
quanto cada um de nós está exposto ou assume a função de agente enunciador 
de diferentes textos. Como seres de e do discurso, arquitetamos via linguagem 
textos para informar, solicitar, descrever, argumentar, sugerir, dissertar, enfim, 
para comunicar o que pensamos. Mas, afinal, o que é exatamente um texto? 
Antes de se indagar mentalmente, tente responder a uma questão anterior: 
em sua época escolar, até o ensino fundamental, se um professor ou alguém lhe 
fizesse a mesma pergunta, qual seria a sua resposta? Toda e qualquer 
generalização é problemática, mas, possivelmente, a sua réplica teria sido algo 
do tipo “Ué, professor, texto é toda e qualquer informação, composta pelo 
encadeamento de várias frases ou mesmo parágrafos”. Talvez, o comentário 
esteja extenso demais para a resposta de uma criança. Quem sabe, “para mim, 
texto é um bloco escrito, com várias frases juntas!”, ou, ainda, “Ah! Professor, para 
 
 
4 
mim, um texto é algo com, no mínimo, 15 linhas”. O que acha agora? A sentença 
estaria mais verossímil, cumpriria com o repertório de uma criança afoita em 
querer demonstrar os seus conhecimentos? 
Não cabe agora, claro, elucubrar qual seria o período mais consistente para 
responder o que está em xeque. Responder o que é um texto, para nós, adultos, 
não é uma das tarefas mais fáceis, mesmo para aqueles que vivenciam o seu dia 
a dia na área das Humanidades e até mesmo nas Letras. A nossa dificuldade se 
deve muito ao fato de que, ao longo das últimas décadas, a percepção em relação 
ao que entendemos como língua acabou ganhando aportes teóricos 
fundamentais, desconstruindo, pouco a pouco, uma concepção simplista do 
fenômeno linguístico. Falar que um texto é somente “um bloco textual escrito” já 
não era mais convincente. Ao texto caberia uma incumbência muito mais ampla, 
capaz de exemplificar as inúmeras manifestações discursivas utilizadas pelo ser 
humano em seu dia a dia. 
Dessa forma, um texto não deve ser vislumbrado tão somente como uma 
sequência de enumerações justapostas, mas como uma fonte de enunciação 
potencial. O que isso quer dizer? Ora, como se pode imaginar, muita coisa (muitos 
novos textos). Tal postura teórica permitiu entender que um bilhete deixado para 
alguém que se ama ou que seja colado na geladeira também é um texto; da 
mesma maneira, é um texto uma fotografia, uma bula de remédio, uma imagem 
grafitada na parede, a receita de bolo herdada por alguém da família, até mesmo 
uma palavra. 
Apenas uma palavra pode se converter em um texto? Ora, assumindo uma 
atribuição contextual, sem dúvida alguma. Experimente pensar empiricamente: a 
palavra pare, sozinha, comunica algo imediato para você, certo? O que você 
entenderia ao ler apenas essa palavra pare em uma folha de caderno rasgada de 
maneira displicente, caída no chão da sua casa? Uma possibilidade seria imaginar 
que alguém estava bravo ou que pedia para o seu possível interlocutor mais 
respeito, por exemplo. No entanto, você pensaria o mesmo ao ver essa palavra 
no contexto em que ela está aplicada na página seguinte? 
 
 
 
5 
Figura 1 – Placa de trânsito 
 
Fonte: Patrick Hanser/Shutterstock. 
Estimamos que a sua resposta tenha sido negativa, ou seja, muito 
provavelmente a sua reação para o caso em que a palavra pare está inserida em 
uma placa de trânsito regulamentada oficialmente em seu país lhe permitiu atribuir 
um sentido diferente ao postulado para o caso em que o mesmo signo verbal 
estava apresentado em uma folha de papel. A que se deve tal comparação? Trata-
se de uma maneira clara para que possamos perceber como, em diferentes 
contextos, uma palavra é mais do que somente uma palavra. Pare constrói, em 
contextos variados, enunciados potencialmente diferentes, o que permite afirmar 
que, em ambos os casos, temos um tipo de texto (no final desta aula, 
discorreremos mais a respeito com basena perspectiva dos gêneros textuais). No 
segundo caso, quando pare compõe o que chamamos de placa de trânsito, há 
uma mensagem com certa complexidade, um símbolo construído baseado numa 
convenção social, o que se deve não somente ao signo verbal pare, pois 
atribuiremos significado ao termo com base nos signos visuais utilizados (a forma 
e a cor vermelha da placa, sem falar da tipologia e o padrão maiúsculo escolhido 
para o léxico), conferindo uma nova instância discursiva, revelando um novo texto. 
Uma palavra, então, pode ser também um exemplo de texto? Como vimos aqui, 
sem dúvida alguma. Segundo o professor e importante linguista brasileiro 
Marcuschi (2009, p. 71-72), “o texto é o resultado de uma ação linguística cujas 
fronteiras são em geral definidas por seus vínculos com o mundo no qual ele surge 
e funciona. Esse fenômeno não é apenas uma extensão da frase, mas uma 
entidade teoricamente nova [...] Exige explicações que exorbitam as conhecidas 
análises do nível morfossintático”. 
 
 
6 
Mas, antes de seguir, que tal voltarmos algumas décadas e entender como 
ocorreu essa mudança na esfera linguística quando pensamos a perspectiva do 
texto? 
Os nomes de Ferdinand de Saussure e Noam Chomsky são, sem dúvida 
alguma, dois dos grandes alicerces para avalizarmos os rumos da linguística nos 
últimos cem anos. Estabelecendo dicotomias para pensar a língua – Saussure 
com sua langue X parole e Chomsky com o dual desempenho X competência –, 
cada um desses teóricos estabeleceu argumentos para pensar a língua ora como 
um fato social, ora como um caráter inato. Seja como for, nas duas concepções, 
o texto ainda não era o foco central do objeto linguístico. Ao longo do século XX, 
a linguística dedicou especial atenção para os estudos da língua com base em 
duas grandes frentes: a formalista, cuja compreensão é atomizada e pautada em 
uma abordagem não contextualizada e diretamente interessada no destaque para 
a questão sintática; e, é claro, o formalismo, que quebrou a sistemática dos 
estudos linguísticos em torno da forma para recontextualizar a língua com base 
em múltiplos contextos, como uma atividade complexa, viva, uma verdadeira 
“forma de ação” (Marcuschi, 2009, p. 22). Dentre as perspectivas funcionalistas 
mais pujantes, cabe-nos destacar postulados instituídos nas escolas linguísticas 
de Praga, Copenhague e Londres, com teóricos como Jakobson, Hjelmslev, Firth, 
Halliday, entre outros. 
É a partir das décadas de 50 e 60 que, na Linguística, começam a figurar 
diferentes perspectivas de estudos, advindas, fundamentalmente, das discussões 
provocadas pelo gerativismo de Chomsky e pela busca de cotejo interdisciplinar 
em todas as humanidades. Nesse sentido, emerge como um dos eixos de estudos 
a linguística de texto, a análise do discurso, a sociolinguística etc. Os 
estadunidenses Firth e Halliday são fundamentais para os estudos dessa 
disciplina, uma vez que concentram a sua observação da língua por meio do plano 
do texto e do seu tensionamento com base no contexto. No que diz respeito às 
contribuições críticas brasileiras, são expressivas as reflexões do já aludido 
Marcuschi (2009), além de nomes como os de Fiorin e Savioli (2007) e Koch e 
Travaglia (2010), entre outros. 
Falar em linguística do texto, hoje, é também vislumbrar no horizonte 
enunciativo a perspectiva de uma língua que é necessariamente heterogênea e 
que se manifesta de distintas maneiras, mesmo que seja pelo mesmo falante 
(aqui, a importância da concepção dos registros e das variações socioculturais 
 
 
7 
utilizadas propositalmente por um falante ou uma comunidade falante). Ao 
perceber o texto não como um resultado de enumerações e alinhamentos 
sintáticos coerentes, mas como a representação de uma unidade múltipla de 
sentidos, de interações sociais, passa a ser cada vez mais clara a ideia de 
unidades comunicativas. Assim, nessa rápida digressão e linha do tempo, é 
possível perceber como a problemática voltada à linguística textual não guarda 
nem mesmo meio século de reflexões, o que aponta para o seu caráter inicial e, 
ao mesmo tempo, a infinidade de contribuições que a área tende a receber ao 
longo de todo o século XXI. 
Como vimos, com base na postura textual-discursiva empregada por 
Marcuschi (2009) e outros pensadores sociointeracionistas, o texto é 
compreendido não apenas como unidade composta de estruturas, mas, também, 
como uma fonte de enunciação. Um exemplo catedrático dessa abordagem é o 
desenvolvido pela linguista Koch na obra Desvendando os segredos do texto 
(2001). O texto passa a ser caracterizado como o único material linguístico 
observável, diferente de um fonema ou do morfema, sendo, por sua vez, articulado 
por diferentes níveis, tais como aspectos linguísticos, sociais/históricos e 
cognitivos. Esse viés é corroborado por outros teóricos, como Norma Goldstein, 
Maria Silvia Louzada e Regina Ivamoto, responsáveis por conceituar o texto como 
“toda produção linguística, oral ou escrita, que apresenta sentido completo e 
unidade. Tais produções podem ser elaboradas por um ou mais de um autor, 
numa determinada situação. (Goldstein; Louzada; Ivamoto, 2009, p. 11). 
Ratifico o quanto devemos entender sempre que nenhum texto se constrói 
como um conjunto de práticas enunciativas, não como um simples conglomerado 
de informações justapostas. Todo texto é, mais uma vez, um evento comunicativo 
ou proposta de sentido, que necessariamente depende da interação do leitor ou 
de um ouvinte (no caso de um texto não escrito). Além de depender da interação 
de um eventual interlocutor, para ler e dar significado a um texto, seja ele qual for, 
é fundamental inter-relacionar as informações contidas em cada uma das 
unidades linguísticas. 
Na leitura de um romance, por exemplo, não atribuímos significados 
isolados, ou seja, não lemos apenas o título ou cada capítulo separadamente. Ao 
contrário, construímos uma espécie de teia discursiva, capaz de ligar diversos 
conteúdos em prol de um sentido macro. Da mesma maneira, em uma charge, 
não atribuímos sentido apenas para as cores, para o desenho ou para uma 
 
 
8 
eventual frase dita. Cada elemento integrante se conecta (ainda que, em um 
extremo, de maneira antitética), viabilizando a significação. Como bem postulado 
pelo linguista Macedo (1976, p. 32), 
uma palavra só se realiza dentro do texto. Uma expressão linguística 
ganha o seu valor dentro da estrutura sintagmática. Relacionar palavras 
a significações, a possíveis significações fora da realização textual é 
tarefa irreal. Com certos substantivos que indiquem coisas físicas, 
observáveis como “casa, sapato, calça, árvore” ou outros, talvez ainda 
seja possível o relacionamento. Com outras palavras, parece 
inteiramente impossível fora do texto. 
Se as unidades de um texto não são autônomas, passa a ser mais 
verossímil compreender a importância de que possamos, como interlocutores, 
promover um confronto entre as partes. Por meio desse exercício de 
tensionamento e de conhecimento das variáveis extratextuais (o que já chamamos 
aqui como contexto), é possível alcançar diferentes níveis de leitura presentes em 
um mesmo texto. Para exemplificar esse fato, passamos ao nosso próximo texto, 
coincidentemente outro poema: “Tecendo a manhã”, de João Cabral de Melo 
Neto, 2008, p. 219). 
Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos. 
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos. 
 
E se encorpando em tela, entre todos, 
se erguendo tenda, onde entrem todos, 
se entretendendo para todos, no toldo 
(a manhã) que plana livre de armação. 
A manhã, toldo de um tecido tãoaéreo 
que, tecido, se eleva por si: luz balão. 
 
O poema de João Cabral ajuda-nos pontualmente a entender como um 
texto é constituído com base na relação e no tensionamento de cada uma de suas 
unidades. Sozinho, o título “Tecendo a manhã” parece distanciar-se da metáfora 
do dia nascendo e sendo anunciado por galos que se intercomunicam e anunciam 
a chegada de um novo dia. Para tanto, é preciso seguir, ler o poema não de 
maneira fragmentada, mas, literalmente, tecendo verso a verso, acompanhando 
o cantar construído pelo eu lírico. O léxico tecido, solto, é apenas um verbete 
perdido em meio a tantas outras palavras escolhidas pelo poeta pernambucano. 
 
 
9 
No entanto, no enunciado lírico, se transforma em verbo para aludir ao processo 
de construção de uma manhã sendo anunciada; vira também substantivo o céu, 
que é uma tela etérea, leve, pronta para servir de espaço para poeta e leitor. Por 
meio de uma leitura que busca o todo, conseguimos vislumbrar o diálogo do 
poema com outros textos, garantindo, assim, a construção do significado (ainda 
que nunca tenhamos vivido no campo, podemos facilmente atribuir significado e 
relacionar o cantar de um galo com o raiar do dia e o despertar o trabalho). Não 
convencidos totalmente com o exemplo, nos aventuraremos na leitura de outro 
texto: agora, uma fotografia. 
Na primeira imagem a seguir, qual significado é possível depreender? O 
que exatamente você lê ao identificar a cena? 
Figura 2 – Uma mulher 
 
Fonte: Jonathan Bachman/Reuters/Latinstock. 
De maneira imediata, ainda que fora do contexto discursivo presumível de 
um desfile de moda, poderíamos inferir que se trata de mais um desfile de uma 
marca que decidiu inovar e levar o seu novo conceito da temporada para as ruas 
de uma grande cidade. Para alguns, a imagem da modelo esguia ao lado, com o 
vestido longo, ainda que em um cenário urbano, permite a construção de um 
sentido de sofisticação e estilo. 
A paleta de cores e o cinza predominante parecem criar uma sensação de 
infinitude, graças à passagem realizada a partir do asfalto (interessante 
ressignificação de uma passarela) e que segue com o movimento dos tecidos 
 
 
10 
envolvendo o corpo da mulher. Esse nível de leitura concederia, assim, o 
descortinar de um novo significado, a possível relação da natureza da mulher com 
o dado concreto do urbano que nos traga pelo corre-corre da rotina e nos recria. 
Pois bem, tentando propor seguir a nossa leitura em textos imagéticos, 
seguimos com a próxima fotografia: 
Figura 3 – Guardas 
 
Fonte: Jonathan Bachman/Reuters/Latinstock. 
Dessa vez, o que é possível decodificar e atribuir como significado em uma 
primeira leitura? A resposta não parece ser muito complicada, sobretudo para um 
interlocutor-médio brasileiro, habitante de zonas urbanas, vítima da violência 
frequente que assola o dia a dia de milhares de pessoas. A vestimenta dos 
agentes de segurança, no entanto, pode ser o primeiro elemento de estranheza, 
afinal, não apresenta códigos e signos visuais de decodificação instantânea, tal 
como uma bandeira de um estado ou federação, a inscrição “polícia” ou “tropa de 
choque” etc. Tamanho cuidado na proteção na indumentária dos agentes de 
segurança permite, em um nível menos superficial da leitura, delimitar que o texto 
visual está inserido em um cenário de uma grande manifestação, talvez, um 
protesto relacionado a algum encontro em Davos do G7, por exemplo. 
Agora, que tal lermos as duas imagens anteriores contextualizadas, a partir 
da totalidade da fotografia da qual elas fazem parte? Observa atentamente o 
resultado na página seguinte: 
 
 
11 
Figura 4 – Tomando o bastão no Baton Rouge 
 
Fonte: Jonathan Bachman/Reuters/Latinstock 
Da mesma forma que no exemplo anterior, no poema “Tecendo a manhã”, 
o significado dessa fotografia se dá a partir de sua leitura em conjunto. Quando 
unimos as duas imagens e as contextualizamos, seguramente o significado 
atribuído para cada fragmento separado se esvai. O texto permite uma nova 
leitura, desperta o choque com base na antítese beleza-fragilidade versus força-
coerção. Conjugada à unidade linguística verbal, ou seja, ao título dado à foto 
(traduzido de maneira literal como “Tomando o bastão no Baton Rouge”), 
concederia um efeito de significação potencializado, sobretudo para o interlocutor 
que possa acionar, com base em seu repertório, o significado da foto. Aqui, a 
perspectiva do texto é aquela de um tecido, um evento comunicativo despertado 
com a interação do interlocutor. Tomando essa perspectiva, o texto ganha novas 
matizes e o seu significado é expandido em função do diálogo com outros fatos e 
discursos em voga na contemporaneidade, com o fato de Baton Rouge ser a 
capital da Lousiana, nos Estados Unidos, palco de recentes protestos realizados 
pela população negra a partir da ação de policiais brancos. Ao apresentarmos 
segmentos dessa fotografia (unidades visuais equivalentes a palavras retiradas 
do poema de João Cabral de maneira isolada), construímos leituras totalmente 
distintas. Se fracionarmos o texto imagético (a fotografia) em duas metades, nos 
 
 
12 
afastamos do significado total, descontruindo o texto ou, no mínimo, criando 
outros dois textos distintos. 
Diante disso, podemos construir dois critérios quando pensamos em um 
texto: 
1. Jamais tomar apenas um fragmento e julgar todo o texto por conta disso; 
2. Entender que toda leitura deve considerar o contexto e o tensionamento 
com demais textos já existentes. 
Vale lembrar que o fato de conjecturarmos o texto como um tecido não é 
apenas um argumento pragmático, o resultado de uma metáfora utilizada aqui 
com base num poema de João Cabral. Fiorin e Savioli (2007, p. 15), em Para 
entender o texto: leitura e redação, já apontavam justamente como todo “texto é 
um tecido, uma estrutura construída de tal modo que as frases não têm significado 
autônomo: num texto, o sentido de uma frase é dado pela correlação que ela 
mantém com as demais”. Assim sendo, passamos para a próxima etapa: o que 
será, então, um discurso? 
TEMA 2 – O QUE É UM DISCURSO? 
Para teorizar e apresentar o conceito de discurso, parece relevante 
voltarmos ao texto imagético apresentado anteriormente: a foto da modelo com 
os policiais. A imagem, como vimos, revela-se como um texto, apresenta-se como 
um evento comunicativo, único, dotado de sentido e aberto à interação de um ou 
mais interlocutores. No entanto, a partir do conhecimento de mundo ou do que 
chamamos na linguística de repertório discursivo, podemos alocar a imagem em 
mais uma manifestação para denunciar a tensão racial vivenciada pela população 
estadunidense. Grande parte desse significado se deve não exatamente ao texto, 
mas, sim, às informações extratextuais acionadas pelo interlocutor. A ciência de 
que sucessivos protestos contra crimes raciais – principalmente nos estados do 
sul dos Estados Unidos – ocorreram em 2017 e acabaram despertando a adesão 
de diferentes esferas sociais no país e mesmo no mundo acaba definindo como 
será atribuído sentido a essa imagem, a esse texto. Para acionar essa 
interpretação, sem dúvida alguma, é decisivo o aporte dos conhecimentos 
extratextuais de quem está observando/lendo a imagem. Estamos falando, como 
podem presumir, do discurso. 
 
 
13 
Em uma concepção em que a língua não se faz simplesmente como um 
código, uma estrutura isolada, e tampouco o texto se refere a apenas ao 
encadeamento de ideias, sendo, na verdade, toda e qualquer unidade linguística 
dotada de sentido completo em um dado contexto, o discurso acaba se 
transformando em uma instância de inquestionável valor para a construção de 
sentido. Trata-se, pois, de uma proposta para entendê-lo como uma prática, não 
exatamente como o objeto concreto da enunciação, como a materialização com 
base em estruturas tangíveis e definidas. Em vez disso, é próprio do discursoapontar – de maneira direta ou alusiva – o posicionamento do emissor de 
determinado texto, a sua relação com as condições de produção que motivaram 
certa elaboração. 
Para viabilizar a nossa reflexão, pensemos na charge a seguir: 
Figura 5 – Charge “Rede social”. 
 
Fonte: Ivan Cabral, 2011. 
Criada pelo caricaturista Ivan Cabral em 2011 e utilizada pelo Exame 
Nacional do Ensino Médio no ano de 2012, a charge presente na página anterior 
nos ajuda a esmiuçar o que problematizamos como uma instância clara do 
discurso. No texto, a combinação entre os signos visuais (uma rede carcomida e 
remendada, dando suporte ao que podemos presumir ser uma família, já que 
temos a figura da mulher-mãe, do homem-pai e de inúmeras crianças) é 
potencializada com base nas unidades verbais (não somente o comentário dito 
por um dos adultos, mas, sobretudo, a frase que se constitui como um eixo de 
leitura, o argumento ou tema do texto, apresentado semioticamente como uma 
espécie de cartaz colado no muro). 
 
 
14 
Pois bem, ao propor a decodificação do texto-charge, é possível atribuir 
como significado uma crítica sobre a realidade de um determinado extrato social, 
que, mesmo em tempos de suposta evolução por conta da tecnologia, segue à 
margem do consumo e dos contextos discursivos de outra parte da população. O 
jogo irônico é construído pela polissemia das palavras “rede” e “social”. No 
primeiro caso, temos acesso ao significado do primeiro léxico por conta do termo 
ser retratado não somente pelos significantes (verbal e visual) imediatos, mas, 
também, por conta da alusão a um tipo de comunicação ou suporte que enreda 
milhares de pessoas em torno da internet. Já no segundo, a ambiguidade está no 
fato de o aditivo social não ser usado exatamente como complemento de rede e, 
por isso, da primeira leitura voltada às plataformas tecnológicas, mas a uma 
possível alusão ao condicionante social, àquilo que estaria – ou deveria estar – à 
disposição da sociedade. A priori, a proposta de leitura do texto e atribuição de 
significado poderia ser realizada, com maior ou menor dificuldade, por grande 
parte dos interlocutores. 
Todavia, pensando na realidade discursiva de um receptor brasileiro, a 
leitura poderia ser expandida com base em seu repertório, no seu conhecimento 
de mundo. Eis, aqui, a relevância do discurso responsável por acionar a criação 
da charge. Não sendo anacrônico, isto é, estabelecendo uma leitura sincrônica ao 
tempo de criação da charge, o receptor poderia ativar o fato de que, justo em 
2011, começavam a despontar o que seria a febre das redes sociais para subsidiar 
a interação interpessoal virtual. A ironia construída pelo uso polissêmico do termo 
rede social poderia ser – por que não? – uma referência ao desconhecimento de 
uma parte da população sobre o tópico, uma construção de sentido altamente 
verossímil para aqueles não alfabetizados com a linguagem digital. Além disso, 
com base no discurso, poderia se pensar em questões conjecturais da realidade 
econômica e social brasileira, que protagonizou, sobretudo na primeira década do 
século XXI, uma nova configuração e padrão de consumo com distintos subsídios 
planejados pelo governo federal. Nesse caso, o conceito de social se expandiria 
e se relacionaria diretamente a uma sistemática clara de governar então vigente; 
rede social poderia ser a personificação de outra ideia, projeto ou plano de 
assistência e cuidado para certa população em risco econômico. Também via 
discurso seria possível potencializar as unidades não verbais do texto (a imagem 
da família na rede), atrelando tal representação a uma realidade regional 
brasileira, ao fato de que muitas famílias, sobretudo nas regiões mais quentes, o 
 
 
15 
tipo de acomodação para dormir continua sendo a rede. Percebemos, então, o 
quanto o discurso subsidia a construção de significado de um texto. Como 
veremos a seguir, a divisão entre texto e discurso nem sempre será tão catedrática 
assim, o que fortalece a ideia de uma fronteira bastante tênue entre o que se 
intitula como texto e o que se toma como discurso. 
Para viabilizar a continuidade da nossa reflexão nesta disciplina, vale 
retomar, com base nos estudos de Marcuschi, três das definições mais frequentes 
quando se discorre a respeito do discurso: 
• conjunto de enunciados que derivam da mesma formação discursiva; 
• uma prática complexa e diferenciada, obedecendo a regras de 
transformação analisáveis; 
• regularidade de uma prática. (Marcuschi, 2009, p. 58) 
TEMA 3 – O QUE É UM ENUNCIADO? 
Definidos texto e discurso com base numa perspectiva sociointeracionista, 
cabe-nos ainda discutir o que se deve à instância do enunciado. Se o texto se 
fundamenta como toda unidade com significado completo e que permite a 
interação de um interlocutor, enquanto o discurso está relacionado propriamente 
ao contexto e ao conhecimento de mundo do interlocutor, o que caracteriza ou 
define propriamente o enunciado? 
Na perspectiva de Mikhail Bakhtin, sobretudo de sua obra Marxismo e 
filosofia da linguagem (2006), passaremos a entender a língua dentro de sua 
esfera enunciativa. O enunciado acaba, pois, ganhando relevância, sendo ele 
entendido como uma espécie acontecimento discursivo. O linguista Benveniste 
(2005) será, certamente, um dos teóricos-chave para pensarmos a respeito do 
enunciado. De acordo com sua ótica, todos os textos que produzimos, antes de 
serem arquitetados por múltiplos discursos, têm uma motivação, uma 
subjetividade capaz de mediar a relação entre o interlocutor e o receptor. Por meio 
do enunciado ou da enunciação, seria possível definir o que e como certo discurso 
é motivado e transformado em um eventual texto. O enunciado se fundamenta, 
assim, como uma espécie de disparador dos discursos que se inter-relacionam e 
constituem em um texto. 
A enunciação, ainda que provenha de apenas um agente, é sempre um ato 
social: “A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se 
trate de um ato de fala determinado pela situação ou pelo contexto mais amplo 
 
 
16 
que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade 
linguística” (Bakthin; Voloshinov, 2006, p. 107). 
TEMA 4 – O IMBRICAMENTO ENTRE TEXTO E DISCURSO 
Ainda que possamos, de maneira didática, buscar aqui nuanças entre texto 
e discurso, é fato que a sua diferenciação nos estudos da linguística textual 
acabou sendo problematizada. A tendência contemporânea nos estudos 
linguísticos é não propor uma dicotomia ou uma separação contundente entre o 
que é um texto e o que é um discurso. De qualquer forma, se precisássemos 
pensar em certas matizes entre os dois, seria possível dizer que é o texto é uma 
espécie de objeto de figura (manifestação e materialização de algo dito), enquanto 
o discurso é um objeto do dizer, a representação máxima da enunciação. 
Segundo Marcuschi (2009, p. 58) 
esta distinção entre texto e discurso é hoje cada mais complexa, já que 
em certos casos são vistas até como intercambiáveis. A tendência é ver 
o texto no plano das formas linguísticas e de sua organização, ao passo 
que o discurso seria o plano do funcionamento enunciativo, o plano de 
enunciação e efeitos de sentido na sua circulação sociointerativa e 
discursiva envolvendo outros aspectos. 
Em algum sentido, seria possível pensar que o texto é o objeto empírico, a 
instância do particular, aquilo que pode ser observável. Daí, portanto, a 
possibilidade de vislumbrar um texto composto apenas com uma frase, três 
parágrafos ou mesmo um romance de 500 páginas. Na outra ponta, o discurso 
atenderia a um caráter universal, apontaria para o funcionamento motivado por 
um enunciado (pensando ainda na ideia do romance, tratar-se-ia das esferas 
discursivas que alicerçam como certa temática foi tensionada). Para alguns 
teóricos, o discurso seria o resultado do texto, somado, necessariamente, às 
condiçõesde produção que o cercam; já o texto poderia ser tomado como o 
discurso, sem que as ditas condições de produção sejam agentes influenciadores. 
Novos rumos na linguística textual passaram a relativizar o fato de que só pode 
ser registrado no discurso as condições de produção, uma vez que nenhum texto 
pode ser enunciado sem que ele esteja diretamente relacionado ao seu contexto. 
Daí, portanto, a afirmação ao dizer que texto e discurso guardam, cada vez mais, 
sinuosidades. A separação entre texto e discurso, para teóricos como Jean-Michel 
Adam, é apenas o resultado de uma perspectiva ou necessidade metodológica. 
 
 
17 
Frisa-se a importância de que texto e discurso não sejam tomados como 
valores proporcionais para diferenciar, respectivamente, a escrita da fala. Essa 
comparação, além de incoerente, se distancia – e muito – de tudo o que 
conversamos até aqui. Além de apontarmos as fronteiras porosas entre texto e 
discurso, esta seção arquiteta o raciocínio com base na asseveração da 
linguagem como resultado de um recorte ideológico e, portanto, não neutro, 
pontuando – ainda que de maneira subjacente – questões como a noção de língua 
e de registro (sobretudo no contexto da escrita). 
TEMA 5 – O TEXTO E AS SUAS ARQUITETURAS 
Para finalizar esta unidade, é fundamental que toquemos em algumas 
outras questões concernentes ao texto. Todo texto pode ser composto por tipos 
ou sequências linguísticas, ajudando a definir como será a sua arquitetura ou 
desenvolvimento discursivo. O tipo textual definirá, na prática, como um texto se 
consolida e se mostra aos interlocutores. Estão em jogo critérios como a 
argumentação, a narração, a exposição, a descrição, a injunção, entre outros. Isso 
não significa, obviamente, que um texto não possa apresentar mais de um tipo 
textual; o que haverá, sim, é certa predominância, fazendo com que um texto seja 
mais descritivo (caso de uma bula de remédio, por exemplo). 
Como unidade completa e capaz de assegurar significado, o texto se 
transforma em um dos pilares para que a comunicação verbal seja subsidiada. 
Dessa maneira, não seria incorreto pensar por que não pensar em um estudo que 
pudesse mapear tudo sobre o texto, não é mesmo? Arrolar todos os componentes 
do texto, dissecá-lo metodicamente, seria uma maneira lógica para se construir 
todas as possibilidades da língua, correto? Errado, uma vez que esse feito é 
totalmente impossível. Ao longo das décadas, a ideia de uma possibilidade de se 
falar em uma gramática de um texto passou a ser cada vez mais refutada, 
justamente por entender que nenhum texto pode ser definido ou determinado a 
partir de regras que justificassem questões intrínsecas. Cada texto é um mundo 
novo, aberto, construído a partir de fenômenos multifacetados. Criar todas as 
regras capazes de definir um texto ou gênero textual seria incorrer no mesmo tipo 
de incapacidade ou equívoco do narrador borgeano presente no conto Del rigor 
en la ciencia. No conto, conhecemos um narrador que idealizava a criação de tão 
minuciosa a ponto de ser igual à realidade: 
 
 
18 
DEL RIGOR EN LA CIENCIA 
. . . En aquel Imperio, el Arte de la Cartografía logró tal perfección que el 
mapa de una sola Provincia ocupaba toda una Ciudad, y el mapa del 
imperio, toda una Provincia, Con el tiempo, esos Mapas Desmesurados 
no satisfacieron y los Colegios de Cartógrafos levantaron un Mapa del 
Imperio, que tenía el tamaño del Imperio y coincidía puntualmente con 
él. Menos Adictas al Estudio de la Cartografía, las Generaciones 
Siguientes entendieron que ese dilatado Mapa era Inútil y no sin 
Impiedad lo entregaron a las Inclemencias del Sol y de los Inviernos. En 
los desiertos del Oeste perduran despedazadas Ruinas del Mapa, 
habitadas por Animales y por Mendigos; en todo el País no hay otra 
reliquia de las Disciplinas Geográficas. (Borges, 1974, p. 847) 
Se o mapeamento – tal como a maquete no conto do escritor argentino – 
se faz contraproducente, passa a ser exequível vislumbrar o texto a partir das suas 
múltiplas manifestações e práticas sociais: os gêneros textuais. Marcuschi (2009, 
p. 155) define os gêneros como “formas textuais escritas ou orais bastante 
estáveis, histórica e socialmente situadas”. Por serem fruto das nossas 
necessidades discursivas, as possibilidades de construção de gêneros textuais 
diferentes são mesmo incontáveis, sobretudo se pensamos no impacto causado 
pela tecnologia na criação de novos gêneros ou gêneros emergentes. Mais uma 
vez, “os gêneros textuais são dinâmicos, de complexidade variável e não sabemos 
ao certo se é possível contá-los todos, pois como são sócio-históricos e variáveis, 
não há como fazer uma lista fechada, o que dificulta ainda mais a sua 
classificação” (Marcuschi, 2009, p. 159). 
Para esta disciplina, é válido lembrar que são exatamente os gêneros 
textuais que nos permitem comunicar-nos em diferentes instâncias discursivas. 
Quando escolhemos escrever um e-mail em vez de escrever uma ata ou uma 
receita, significa que entendemos que o que desejamos comunicar encontra no 
gênero definido a melhor coerência discursiva. As diferenças entre um e-mail e 
uma receita não se dão por critérios linguísticos, mas funcionais. Ao definir, por 
isso, o e-mail como forma de comunicação com o nosso chefe, sabemos que 
deveremos cumprir com certas premissas, características específicas do gênero. 
Isso não significa que os parâmetros do gênero são estáveis, afinal, o caráter vivo 
e mutável da língua sempre irá governar a estrutura dos gêneros textuais. 
Ao retomar preceitos do linguista Bakhtin, passa a ser possível entender 
que os gêneros textuais fundamentam-se como gêneros do discurso. Há, de 
alguma maneira, uma estabilidade na natureza dos gêneros textuais, ainda que 
cada um possa guardar particularidades, de acordo com fatores como a 
intencionalidade e o grau de monitoramento do falante. Para serem enunciados, 
os gêneros textuais dependem de suportes, que podem ser, por sua vez, 
 
 
19 
convencionais ou incidentais. Por suportes podemos ter, por exemplo, 
embalagens, para-choques de caminhão, roupas, paredes, livros, o corpo humano 
etc. 
De acordo com Marcuschi (2009), os gêneros textuais também cumprem 
com um regime de poder social, já que, a partir deles, também acessamos a 
diferentes espaços sociais. Um exemplo rotundo dessa capacitação de 
adequação a uma esfera discursiva se dá a partir dos gêneros acadêmicos (tese, 
ensaio, dissertação etc.). Tudo o que escapa dos limites possíveis para os 
gêneros acadêmicos, por exemplo, acaba sendo sentenciado como uma não 
ciência. 
FINALIZANDO 
Para versar a respeito dos processos de compreensão e produção textual, 
demos início a esta disciplina com importantes problematizações teóricas. Nesta 
aula, discorremos a respeito do conceito de texto, discurso e enunciado, 
baseando-nos no pressuposto de que a língua não é apenas um código, mas uma 
manifestação ou prática social. Após apresentar uma breve linha temporal do 
processo de transformação do objeto linguístico e da criação pontual da área da 
linguística textual na década de 1960 do século XX, passou a ser possível 
entender o texto não como um bloco estanque e limitado à escrita, revelando-se 
como uma unidade completa à qual se pode atribuir um sentido. 
Da mesma maneira, por questões didáticas, problematizamos os conceitos 
de discurso e enunciado, atrelando ao primeiro a relação direta e necessária com 
o contexto e com as variáveis de produção. Aprendemos também que 
subsidiamos toda a nossa comunicação por meio dos gêneros textuais, seja 
destacando uma receita, uma bula de remédio, um romance lido, uma charge, 
uma reportagem, uma fábula escutada em torno de uma fogueira etc. 
Seja qual for o contexto discursivo no qual estivermos inseridos, a prática 
da leitura e produção de um texto com base em todo o seu potencial discursivo 
significa poder abrir frentes para discussõesem diferentes níveis linguísticos, tais 
como: estudar a construção lexical e a sua relação com variantes de uma língua; 
pensar em questões concernentes aos níveis sintáticos, semânticos e 
pragmáticos; entender diferentes fenômenos fonéticos e fonológicos; sistematizar 
tópicos de ordem estrutural, tais como paradigmas verbais; refletir a respeito do 
processo de construção de argumentação, estrutura de redação e escolha de 
20 
estilo textual; além da consequente possibilidade de se viabilizar a análise de 
leituras com base em um mesmo texto, dando margem para a discussão sobre a 
compreensão textual. 
Ademais, além de tudo o que foi comentado, foi possível, neste primeiro 
encontro, demonstrar como a produção discursiva vai muito além do ato de 
comunicar-se, uma vez que, para alimentar tal prática, é necessário estabelecer 
parâmetros argumentativos e, sobretudo, alinhar-se a eixos que possam garantir 
o reconhecimento e a decodificação de um determinado gênero textual. Para
escrever uma tese de doutorado, mais do que o aprofundamento e a pesquisa em
uma área, será necessário construir discursivamente uma hipótese a partir dos
parâmetros de tal gênero, oferecendo aos interlocutores possibilidades de
relacionar esse trabalho com outros de um mesmo grupo textual.
Em nossa próxima aula, seguiremos com a reflexão, dando especial 
atenção para os aspectos que caracterizam a textualidade. 
LEITURA COMPLEMENTAR 
Texto de abordagem teórica 
FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para entender o texto: leitura e redação. 17. ed. 
São Paulo: Ática, 2007. 
Texto de abordagem prática 
LÓPEZ MORALES, H.; SAMPER PADILLA, J.; HERNÁNDEZ CARRERA, C. E. 
Producción y comprensión de textos. Coruña: Netbiblo, 2003. 
SANTOS, L. W. Análise e produção de textos. São Paulo: Contexto, 2012. 
Saiba mais 
FÁVERO, L. L. Linguística textual: memória e representação. Revista Filologia 
linguística do português, n. 14, v. 2, 2012. p. 225-233. Disponível em: 
<http://www.revistas.usp.br/flp/article/viewFile/59911/63020>. Acesso em 5 ago. 
2018. 
 
 
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língua materna e língua estrangeira. Curitiba: InterSaberes, 2012. 
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São Paulo: Ática, 2007. 
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e escrita na universidade. São Paulo: Ática, 2009. 
GUIMARÃES, E. Texto & argumentação: Um estudo de conjunções no 
português. Campinas: Pontes, 2007. 
HARTMANN, S. H. de G.; SANTAROSA, S. D. Práticas de leitura para o 
letramento no ensino superior. Curitiba: InterSaberes, 2012. 
KOCH, I. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2001. 
KOCH, V. I.; TRAVAGLIA, C. L. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 2010. 
KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. 2 ed. 
São Paulo: Contexto, 2010. 
KÖCHE, V. S.; BOFF, O. M. B.; MARINELLO, A. F. Leitura e produção textual: 
gêneros textuais do argumentar e expor. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2014. 
LÓPEZ MORALES, H.; SAMPER PADILLA, J.; HERNÁNDEZ CARRERA, C. E. 
Producción y comprensión de textos. Coruña: Netbiblo, 2003. 
 
 
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Janeiro: Presença, 1976. 
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Paulo: Parábola, 2009. 
MARQUESI, S. C. A organização do texto descritivo em língua portuguesa. 
Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. 
METO NETO, J. C. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008. 
SANTOS, L. W. Análise e produção de textos. São Paulo: Contexto, 2012. 
SILVA, R. do C. P. da. Linguística textual e a sala de aula. Curitiba: 
InterSaberes, 2012. 
 
 
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