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CAPÍTULO 2 Modelos e Técnicas educacionais na educação de surdos A partir da perspectiva do saber fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Obter conhecimento acerca das metodologias e técnicas implantadas na modernidade na educação de Surdos. 3 Repensar uma educação bilíngue na educação inclusiva para Surdos. 26 Deficiência Auditiva e Libras 26 27 Modelos e Técnicas educacionais na educação de surdos 27 Capítulo 2 conTexTualização A educação e sua pedagogia não compreenderam ou desconheceram os métodos próprios para o ensino de sujeitos Surdos. Isso se deve ao fato de o espaço educacional estar permeado de ações de controle e poder e de visão fonocêntrica de supervalorização da língua oral e da cultura não-surda Como salienta Skliar (1998), a problemática da vida escolar e acadêmica foi baseada nos modelos ouvintes, ou “ouvintismo”, que culminam na “negação” e no “assujeitamento”, nas palavras de Foucault (1987, 2007), e do pós- colonialismo, termo usado por Bhabha (2005). A progressão histórica a partir do ato punitivo do Congresso de Milão, que culminou no fechamento dos internatos e dos institutos e na criação de programas de política educacional nas escolas de Surdos, modificou todo o panorama da educação e da pedagogia que concerne à área da surdez, ou seja, anulou a experiência visual. Historicamente, no movimento da filosofia oralista, foram implantadas várias metodologias sob a perspectiva clínica terapêutica. A educação, o currículo e a metodologia educacional para Surdos, por meio de experiência visual, foram postos de lado para se envolver nos treinamentos da oralização. O que era coletivo passou a ser individual. Os recursos da oralização até a Comunicação Total foram totalmente aceitos nas salas de aulas. Atualmente, a educação bilíngue está sendo implantada aos poucos e utilizada em poucos estados do Brasil. Vamos expor, cronologicamente, como essas práticas foram implantadas. Modelo oralisTa e suas Técnicas A criação do primeiro Imperial Instituto de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos, por decreto imperial, no Rio de Janeiro, foi reproduzida dos modelos europeus, como: asilo e sistema de internato com currículo adequado e adaptado de acordo com as suas características. Ao longo de muitos anos, muitas instituições particulares foram criadas em caráter de assistencialismo, pois o governo não atendia a demanda do número existente de pessoas portadoras de deficiência. A educação especial era voltada à prática de assistencialismo e sem currículo definido. Em 1957, o governo federal assumiu a educação especial, transformando-a em um órgão especial e, a partir de então, implantou uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961, objetivando a 28 Deficiência Auditiva e Libras 28 educação dos “excepcionais” no sistema geral de ensino, tanto na esfera federal como em associações não governamentais. Em um dos artigos da lei, incluía a “integração” das pessoas portadoras de deficiência na comunidade, assegurando-lhes o direito de receber educação. Na década de 70, os estados do Brasil passaram a incluir os tratamentos especiais nas escolas. Para ter melhor controle governamental a respeito da educação especial, foi criado o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), vinculado ao Ministério de Educação e Cultura, em 1973. Com a promulgação da Constituição de 1988, foram inseridos vários capítulos, artigos, incisos sobre educação, habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência, graças aos movimentos políticos e sociais. (BRASIL.MEC, 2008). No ano de 1861, com a saída do primeiro diretor surdo, Eduard Huet, do Imperial Instituto de Surdos, esse Instituto passou por várias fases, com os regimentos alterados, revogando vários decretos, até a década de 50. A gestão do governo Getúlio Vargas impulsionou o Instituto Nacional de Surdos- Mudos a implantar o primeiro Curso Normal, em 1951, para a formação de professores para Surdos, com três anos de duração, por meio de orientação pedagógico-emendativa. Em 1957, o Instituto Nacional de Surdos-Mudos passou a denominar-se de Instituto Nacional de Educação de Surdos, pela Lei 3.198, de 6 de julho de 1957, segundo o relatório anexado à carta da Professora e ex-Diretora do INES, Ana Rimoli Dória: de que o surdo é mudo, via de regra, porque não tendo ouvido nunca a voz humana, não pode imitá-la falando; e por outro lado a certeza de que o surdo é passível de receber a mesma educação, embora por processos diferentes, dos que falem e ouçam (DÓRIA, 1956). Para ampliar a ação da educação e fornecimento de professores especializados para as classes, foram firmados convênios com os estados de Minas Gerais, Santa Catarina, Espírito Santo e São Paulo. Em cada ano se formavam vários professores e estes eram distribuídos para cada estado mediante convênio. Ao mesmo tempo, foi criado o primeiro livro técnico, chamado de “Introdução à Didática da Fala”, e entrou em funcionamento o Centro de Logopedia destinado à assistência das crianças surdas que possuíam problemas fonatórios. Problemas fonatórios – são as várias alterações fonatórias (som e letras) encontradas em pessoas Surdas: dificuldades para controle da função respiratória, dificuldades para controle global do pitch e loudness e padrões prosódicos alterados. O surdo é mudo, via de regra, porque não tendo ouvido nunca a voz humana, não pode imitá-la falando; e por outro lado a certeza de que o surdo é passível de receber a mesma educação, embora por processos diferentes, dos que falem e ouçam. 29 Modelos e Técnicas educacionais na educação de surdos 29 Capítulo 2 Seguindo a metodologia e a filosofia oralista, foi criado o Serviço de Estimulação Precoce para atendimento de bebês, em 1970; Cursos de Estudos Adicionais aos professores de diversos estados do Brasil para trabalhar na área da surdez, em 1980. Em 1993, pelo ato ministerial, o INES passou a ser um centro nacional de referência na área da surdez. Atualmente temos Curso de Especialização. Entre os anos de 1880 até 1990, o turno da escola especial era integral e de internato (para quem morava em lugares de grande distância). O sujeito Surdo estudava em um turno e no outro turno ficava para receber reforço escolar, atendimento em fonoaudiologia e outras atividades extracurriculares, como curso de bordado, de marcenaria, de cozinha, de pintura e outros ofícios, como aprendiz. Os exemplos explicitados pela autora Costa (1994) da prática educacional e da metodologia mais conhecida ainda são utilizados nas classes especiais, nas classes mistas ou nas classes de integração, em algumas escolas atuais. Os dados reconhecidos são as sinopses das diversas orientações e técnicas, conforme a proposta curricular para deficientes auditivos do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP). Essas são divididas em duas categorias (COSTA, 1994): método unissensoriais e método multissensorial. a) Método unissensoriais São os aspectos básicos do oralismo, como leitura dos lábios, fonoarticulação e treinamento auditivo, que utilizam apenas um canal ou uma informação sensorial. São eles: • Leitura Labial – é uma leitura que consiste em adquirir as habilidades para captar as palavras oralmente, por meio de decodificação dos movimentos labiais e das articulações do emissor. • Fonoarticulação – também pode ser chamada de mecânica da fala. Os Surdos são chamados, e apelidados também pela comunidade Surda, como “fala de papagaio”. Envolve a leitura labial, movimento, articulação da fala e, por sua vez, envolve o som e o ritmo. Treina-se bastante para articular todos os fonemas, comexercícios de respiração, inspiração, expiração, relaxação e movimentação de língua, mandíbula, palato, lábios e bochechas. • Treinamento auditivo – Consiste em treinar a estimulação sonora com a exposição de ruídos e sons ambientais. Implica a exploração máxima dos resíduos auditivos para identificar, discriminar, associar, reproduzir e localizar os sons de duração, frequência, intensidade e ritmo diferentes e sons da fala. Métodos unissensoriais são os aspectos básicos do oralismo, como leitura dos lábios, fonoarticulação, treinamento auditivo, método Tadoma e Pollack. 30 Deficiência Auditiva e Libras 30 • Método Tadoma – consiste em usar as informações táteis (percepção de vibrações) para surdocego e também, em alguns casos, para sujeitos surdos. • Método Pollack – objetiva aumentar o número de possibilidades na utilização do canal auditivo para que possa armazenar os estímulos sonoros com as informações adequadas. Preocupa-se em desenvolver a atenção perceptual sobre os estímulos visuais. b) Método multissensorial Utiliza-se para usar informações sensoriais com os dois órgãos dos sentidos (visuais/auditivas, visuais/táteis, auditivas/táteis) na educação dos Surdos. Utilizam-se várias alternativas, como pistas visual e tátil (via auditiva óssea), que são: • Método Sander – procede ao treinamento auditivo associando-o com as informações visuais. • Método Guberina – procede ao treinamento dos movimentos ginástico- rítmicos no ensino da articulação de fonemas, com o auxílio de fones de ouvido, amplificadores com filtros e vibradores (para exploração das vias auditivas aérea e óssea). • Método Verbatonal – favorece a entonação e a pausa na emissão das frases. • Método Perdoncini – dá ênfase à reeducação educativa. Trabalha-se com um analisador cinético composto de microfone unido a um analisador acústico. Quando o som é emitido de modo reduzido, acende-se uma lâmpada verde. Ao contrário, acende-se uma luz roxa. Tem a finalidade de os Surdos aprenderem a discriminar a acentuação das palavras. A metodologia oralista ainda é praticada, tendo em vista que algumas escolas particulares e públicas, em caráter assistencial, praticam a metodologia clínica terapêutica dentro dos turnos escolares e em grades extracurriculares. Isso envolve os profissionais da terapia da fala, como fonoaudiologia, no quadro profissional. Para sustentar essa metodologia, os profissionais recebem subsídio do SUS – Sistema Único de Saúde. O método multissensorial baseia-se em informações sensoriais com os dois órgãos dos sentidos (visuais/ auditivas, visuais/ táteis, auditivas/táteis) na educação dos Surdos. 31 Modelos e Técnicas educacionais na educação de surdos 31 Capítulo 2 A técnica de leitura labial: ”ler” os lábios por meio de captação dos movimentos dos lábios dos locutores quando está falando com palavras simples, pequenas ou frases curtas, de modo mais simples, claramente e devagar. A pesquisa comprovou que a maioria de Surdos só consegue captar e ler 20% da mensagem através da leitura labial (MARTINS, 2004). A captação em sentido contínuo e sem interrupção impossibilita a captação e leitura de todas as informações. Geralmente os surdos “deduzem” ou “adivinham” as mensagens de leitura labial através do contexto já condicionado e conhecido. É importante salientar que, com a nomenclatura na área da Surdez elaborada por Sassaki (2009), além dessas particularidades dos sujeitos Surdos “também existem pessoas surdas ou com deficiência auditiva que são indiferentes quanto a serem consideradas surdas ou deficientes auditivas” e “a origem dessa diversidade de preferências está no grau da audição afetada”. Se você quiser conhecer mais sobre as nomenclaturas pelo Sassaki, acesse o site: h t t p : / / s e n t i d o s . u o l . c o m . b r / c a n a i s / m a t e r i a . asp?codpag=8322&canal=opiniao Excepcional: A palavra era utilizada para todas as pessoas portadoras de deficiência. Integração: Significa o estabelecimento de formas comuns de vida, de aprendizagem e de trabalho entre pessoas deficientes e não-deficientes. Integração significa ser participante, ser considerado, fazer parte de, ser levado a sério e ser encorajado. Orientação: Costa (1994) esclarece que a utilização da palavra Método deve ser entendida como orientação. FINEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. 32 Deficiência Auditiva e Libras 32 Modelo de coMunicação ToTal e suas Técnicas Comunicação Total é o título dado à filosofia da comunicação pelo norte- americano Roy Holcomb (1967, apud HAWKINS; BRAWNER, 1997) em substituição à palavra método (SCOUTEN, 1984, apud HAWKINS; BRAWNER, 1997). Nos anos de 1970 e em seus dez anos de observação e de prática, as escolas surdas norte-americanas e suas organizações viam a possibilidade de praticar a filosofia de comunicação dentro de programas educacionais como “uma comunicação simultânea que é a fórmula mais adequada para a comunicação utilizando como um dos ajustes educacionais para crianças Surdas” (KAPLAN, 1996, apud HAWKINS; BRAWNER, 1997). A Comunicação Total, na sua concepção, foi criada para atender todas as necessidades de comunicação dos sujeitos Surdos. Foi uma “transição” da educação oralista para a educação bilíngue. A Comunicação Total consiste na aplicação de todos os recursos e aspectos comunicativos, como no caso de falar e sinalizar ao mesmo tempo. De acordo com Denton (apud FREEMAN; CARBIN; BOESE, 1999, p. 171), a definição sobre a Comunicação Total: A Comunicação Total inclui todo o espectro dos modos linguísticos: gestos criados pelas crianças, língua de sinais, fala, leitura orofacial, alfabeto manual, leitura e escrita. A Comunicação Total incorpora o desenvolvimento de quaisquer restos de audição para a melhoria das habilidades de fala ou de leitura orofacial, através de uso constante, por um longo período de tempo, de aparelhos auditivos individuais e/ou sistemas de alta fidelidade para amplificação em grupo. Essa filosofia virou moda aqui no Brasil na década de 80 (CICCONE, 1999), quando foi trazida por alguns profissionais que foram visitar a Gallaudet University (Estados Unidos) e ficaram impressionados com a nova filosofia, passando a impulsionar a sua prática em todos os estados do Brasil. Há profissionais que favorecem, por comodismo, o uso de “português sinalizado”, que é uma mistura de duas línguas: a língua portuguesa e a língua de sinais. Essa prática é denominada de “bimodalismo” e objetiva o desencorajamento do uso inadequado da língua de sinais brasileira, por causa da gramática distinta da língua portuguesa. A Comunicação Total inclui todo o espectro dos modos linguísticos: gestos criados pelas crianças, língua de sinais, fala, leitura orofacial, alfabeto manual, leitura e escrita. 33 Modelos e Técnicas educacionais na educação de surdos 33 Capítulo 2 BilinguisMo Com a introdução de Estudos Culturais, de Estudos Surdos e de Estudos Linguísticos e dos eventos realizados nos estados do Brasil, apresentou- se uma nova proposta educacional mais ou menos viável, pois a questão linguística ainda permeia a discussão: pouca pesquisa sobre a língua de sinais e poucos profissionais que envolvem a questão linguística. A educação bilíngue consiste em dar habilidade aos sujeitos de se comunicar em duas línguas, sendo que uma língua pode predominar sobre a outra. Atualmente, não temos uma verdadeira proposta bilíngue. Algumas escolas utilizam a proposta bilíngue mesclando-a com outros métodos, como a comunicação total e a utilização de Intérprete de Língua de Sinais Brasileira nas salas de aula. Mas ainda há fatores importantesque atrapalham o desenvolvimento cognitivo das crianças Surdas, pelos dois motivos: a língua de sinais é distinta da língua portuguesa e deve ser ensinada separadamente e nunca as duas juntas; e segundo, os Intérpretes de Língua de Sinais Brasileira são como uma “caixa preta” que só repassam as informações do emissor e do receptor de forma mecânica e não há afeto e contato linguístico entre aluno e intérprete de língua de sinais. Há provas científicas, porém poucas, de que a educação bilíngue proporciona mais habilidades para percepções mentais, cognitivas e visuais e capacidade para analisar os conceitos de modo subjetivo e objetivo às informações recebidas. Com a introdução de novos espaços para pesquisadores Surdos, a proposta bilíngue vai caminhando aos poucos até chegar a uma resposta adequada para a educação e, em consequência, para o novo parâmetro da pedagogia dos Surdos. educação Bilíngue para surdos Em diversos estudos, Skliar (1997), Moura, Lodi e Pereira (1993) e Quadros (1997), e muito outros, argumentavam que a educação bilíngue é necessária para que “a criança possa ter um desenvolvimento cognitivo-linguístico paralelo ao verificado na criança ouvinte” (MOURA, LODI, PEREIRA, 1993, p.1). Para que a criança possa ter um desenvolvimento cognitivo-linguístico, é necessário esquecer a estimagtização que gira em torno da criança Surda ou do indivíduo Surdo em referência à surdez que carrega. “Não é o grau de surdez que importa, mas sim - em termos cruciais - a idade ou estágio em que ocorre.” (SACKS, 2002, p. 21). A educação bilíngue consiste em dar habilidade aos sujeitos de se comunicar em duas línguas, sendo que uma língua pode predominar sobre a outra. 34 Deficiência Auditiva e Libras 34 Para que a criança surda possa alcançar o rendimento linguístico e a competência comunicativa, faz-se necessária a implantação de uma proposta bilíngue, pois sendo filho de pais ouvintes (90% de Surdos convivem com a família não-surda), tem que viver, pelo resto da vida, a sua condição bilíngue. A proposta do bilinguismo surgiu nos fins da década de 70, quando os sociólogos, filósofos e políticos, através dos movimentos sociais dos Surdos, criaram a proposta bilíngue de educação de Surdos, em vários estados do Brasil e também internacionalmente. Isso mostra claramente que o sujeito Surdo vive duas condições: duas línguas (bilíngues, por o Brasil dominar a língua portuguesa, majoritária e oral) e duas culturas (bicultural, pelas duas culturas distintas: cultura não-surda e cultura Surda). Na abordagem educacional do bilinguismo, reconhece-se que as crianças Surdas são os sujeitos interlocutores naturais de uma língua e que podem se adaptar a outra língua sem prejudicar o desenvolvimento cognitivo-linguístico. Por isso, há um movimento social da comunidade Surda, que, ao lançar a manifestação, publicou um documento intitulado: “A educação que Nós os Surdos queremos”, em Porto Alegre, em 1999, reivindicando a língua de sinais brasileira como uma língua oficial (mais tarde oficializada, em 2002) é que esta língua seja ensinada desde os primeiros dias de vida da criança como primeira língua. A comunidade Surda reconhece que a língua oficial do Brasil é o português, no entanto, pede que para os Surdos seja reconhecido como ensino e aprendizagem de segunda língua. Igualmente defende que a língua de sinais brasileira deve ser adquirida, preferencialmente, pelos Surdos adultos e pelo convívio com outros Surdos da mesma comunidade. Para assegurar a efetiva comunicação das crianças Surdas, os pais devem aprender a primeira língua dos Surdos para que possam ser entrosados de maneira mais íntima e sem depender de outros fatores externos. A língua oral ou da escrita aprendida dentro de casa seria considerada como a segunda língua das crianças Surdas. A EDUCAÇÃO QUE NÓS SURDOS QUEREMOS DOCUMENTO ELABORADO PELA COMUNIDADE SURDA A PARTIR DO PRÉ-CONGRESSO AO V CONGRESSO LATINO- AMERICANO DE EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS, REALIZADO EM PORTO ALEGRE/RS, NO SALÃO DE ATOS DA REITORIA DA UFRGS, NOS DIAS 20 A 24 DE ABRIL DE 1999 [...] A educação que Nós os Surdos queremos é que esta língua seja ensinada desde os primeiros dias de vida da criança como primeira língua. 35 Modelos e Técnicas educacionais na educação de surdos 35 Capítulo 2 AS CLASSES ESPECIAIS PARA SURDOS Se não houver escolas de surdos no local e for necessário programa de surdos a distância com classes especiais para surdos ou em municípios polo, a comunidade surda recomenda que: 35. Nas classes especiais, que os surdos não sejam tratados como deficientes, mas como pessoas com cultura, língua e comunidade diferente. 36. Seja incentivado, mostrado e estimulado o uso das línguas de sinais pelo surdo, indo ao encontro de seu direito de ser e de usar a comunicação visual para estruturar uma língua de sinais coerente. 37. A aquisição da identidade surda seja considerada de máxima importância, tendo em vista que a presença de professor surdo e o contato com a comunidade surda possibilitam ao surdo adquirir sua identidade. 38. Sejam introduzidas palestras sobre cultura surda nas escolas com classe especial para surdos. 39. Garanta-se atendimento adequado nas escolas onde há classe especial de surdos no sentido de acabar com sentimentos de menos-valia e que os surdos recebam ensino adequado. 40. Implantem-se sistemas de alarme luminoso, cabinas de telefone tdd ou fax em escolas com classe especial de surdos. 41. Promova-se a criação de um banco de dados sobre a situação dos direitos dos surdos, bem como sobre sua cultura e história, visando à promoção da identidade surda na escola com classe especial. 42. Apoie-se a definição de ações de valorização da comunidade e cultura surda na escola com classe especial. 43. Trabalhe-se com os surdos e suas famílias no sentido de que a família adquira a língua de sinais. 44. Seja implantado um Programa de Pais, garantindo o acesso à informação e assessoramento adequados. 36 Deficiência Auditiva e Libras 36 [...] Fonte: Texto extraído e adaptado de: <http://groups.google.com/group/acessodigital/ browse_thread/thread/5d5d3d2e8936949a?pli=>. Acesso em: 03 mai. 2009. Caro(a) pós-graduando(a), Você pode acessar o documento completo “a educação que nós surdos queremos” no site: • http://groups.google.com/group/acessodigital/browse_thread/thread /5d5d3d2 e8936949a?pli= Em concordância com Kyle (1999, p. 16), que afirma: É relativamente óbvio que as crianças surdas deveriam ser bilíngues. Elas possuem uma língua natural visual e espacial que irão adquirir se forem agrupadas nas escolas. Elas vivem numa sociedade que é dominada pela língua falada e escrita. Para alcançar o potencial que é aparente em seu funcionamento cognitivo, precisam acessar a língua da maioria. A maioria dos grupos minoritários chegaram à mesma conclusão. Inicialmente, a educação bilíngue, em termos de práticas metodológicas, deve ser aplicada com a língua de sinais como língua dominante e, ao mesmo tempo, assimilando, aos poucos, o acesso à língua portuguesa, na modalidade escrita ou de escrita de língua de sinais, dependendo da maturação e do desenvolvimento cognitivo-linguístico de cada criança, em qualquer situação. O conceito do bilinguismo trabalha na introdução da aceitação da surdez como identidade natural e convencionada pela comunidade Surda e, assim sendo, poderá almejar, assim como as pessoas não-surdas, os diversos campos de atuação. O bilinguismo defende que os Surdos formem uma comunidade, com cultura e língua própria; e procura fazer entender que os Surdos têm as suas particularidades, a sua língua e a sua forma particular de se sentir e depensar, não ligando aos aspectos negativos da patologia da surdez. Também reforça a introdução do bicultural para que os Surdos possam obter conhecimentos acerca da sua língua com o objetivo de desenvolver a identidade cultural e ajudar a afirmar os seus valores culturais. Isso reforçará o melhor entrosamento no seio multicultural que hoje se expande no mundo. 37 Modelos e Técnicas educacionais na educação de surdos 37 Capítulo 2 Atividades de Estudos: 1) Na sua cidade existem escolas bilíngues? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Os professores ou escolas denominados de “bilíngues” usam a prática linguística distinta ou simultânea (uso da língua de sinais brasileira ou uso de português sinalizado)? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A experiência da escola bilíngue partiu, através da pesquisa, da Suécia, Noruega e Dinamarca (JOKINEN, 1999), que foram os países que implantaram a abordagem bilíngue na educação dos Surdos. E, mais tarde, essa abordagem foi implantada em outros países, como Estados Unidos, França e alguns estados do Brasil. 38 Deficiência Auditiva e Libras 38 A questão primordial e crucial da educação bilíngue é a aquisição da língua natural e espontânea aplicada nas escolas. Sabemos que, para estudar, aprender a ler e reconhecer a língua portuguesa como segunda língua, é imprescindível que a escola prepare uma metodologia e material pedagógico adequado para o aprendizado da língua portuguesa como segunda língua dos Surdos. O uso das duas línguas (bilíngues/bicultural) proporcionará, na educação dos Surdos, o desenvolvimento das competências linguísticas, de uma forma prazerosa, objetiva e adequada às duas línguas e às duas comunidades em que os sujeitos Surdos estão inseridos. Jokinen (1999, p.116) afirma que: No seu aprendizado/ensino da primeira língua é importante que os estudantes aprendam a usar sua língua para expressar seus pensamentos e sentimentos em milhares de formas diferentes, em diferentes contextos. Eles talvez brinquem com os aspectos formais da língua e podem focalizar esses aspectos em contextos particulares significativos. A língua escrita é uma das modalidades que pode ser aprendida mais tarde, assim como ocorre com as crianças não-surdas. Pelo fato de os Surdos serem ágrafos e do acesso tardio à leitura e escrita de uma língua, a escrita é um dos pontos mais cruciais do desenvolvimento cognitivo-linguístico das crianças Surdas. Se as crianças Surdas forem expostas, em tenra idade, à língua escrita e visual, e com o conhecimento da estrutura gramatical e dos sinalários da língua de sinais (Escrita de Sinais), elas extrairão os significados do material escrito. A língua escrita, uma das modalidades da língua portuguesa, torna os sujeitos Surdos mais autônomos na coleta, leitura, procura e uso das informações gerais até as específicas, e essas informações permitem uma melhor integração na sua vida social, escolar, de trabalho e até acadêmica. Acesse o site sobre Escrita de Língua de Sinais (SignWriting), que contém coisas interessantes para conhecer!: http://www.signwriting.org/library/history/hist010.html Sem o uso adequado do sistema bilinguismo na vida social e escolar dos sujeitos Surdos, certamente advirão futuras consequências, tais como: - ausência de oportunidade de usar a variedade de linguagem; 39 Modelos e Técnicas educacionais na educação de surdos 39 Capítulo 2 - ausência do planejamento para a solução de problemas; - dependência da situação auditiva; - presença de agressividade, desvio comportamental e o sujeito Surdo será rotulado como anti-social. Estudos Culturais: são estudos sobre a diversidade dentro de cada cultura e sobre as diferentes culturas, sua multiplicidade e complexidade. São, também, estudos orientados pela hipótese de que entre as diferentes culturas existem relações de poder e dominação que devem ser questionadas. Estudos Surdos: sob o ponto de vista cultural, entendem a cultura surda como algo presente, compondo: língua, história cultural, pedagogia dos surdos, artes, literatura, etc. Compartilham a teoria cultural que enfatiza a cultura surda e seus discursos são contra a ideia do surdo como sujeito deficiente, estereotipado e como cultura subalterna. Estudos Linguísticos: é um grupo de estudo da aquisição de linguagem e de língua de sinais. Promove encontros, reuniões e seminários anuais, com a intenção de compartilhar informação científica e promover o progresso da pesquisa linguística de língua de sinais brasileira. Sinalários: é o conjunto de expressões que compõem o léxico da língua de sinais. É uma ferramenta para a escrita de língua de sinais (ELS). proposTas educacionais na educação inclusiva A proposta bilíngue na educação inclusiva está sendo utilizada em poucas cidades do Brasil (LACERDA, 2000) por vários motivos: dificuldade de organizar grupos de Surdos e de não-surdos com domínio de língua de sinais brasileira; resistência de pessoas não-surdas em aceitar a língua de sinais como a primeira língua dos surdos e, por último, a incompreensão da 40 Deficiência Auditiva e Libras 40 necessidade do uso de língua de sinais brasileira no trabalho com as pessoas Surdas. Apesar das dificuldades, a autora mostra que as experiências bilingues no atendimento educacional e inclusivo têm dado resultado satisfatório. Para concretizar a proposta bilíngue nas escolas inclusivas, deve-se possibilitar: a) a introdução da língua de sinais brasileira como primeira língua e o português (ou a língua majoritária) como a segunda língua; b) a introdução, o mais cedo possível, da língua de sinais brasileira, na educação nas séries infantis e séries iniciais do ensino fundamental (SOUZA, 1998); c) a exposição de LIBRAS garante aos Surdos o direito a uma língua de fato, e, em consequência, um funcionamento simbólico-cognitivo satisfatório e prazeroso; d) o asseguramento do acesso dos Surdos às duas línguas, no contexto escolar, ou seja, respeitar a autonomia da Língua de Sinais e da língua majoritária do país, no nosso caso, o Português (QUADROS, 1997); e) a proposta bicultural, já que a comunidade Surda, como a ouvinte, tem a sua cultura. É importante que a escola ofereça, à criança Surda, oportunidade de adquirir a sua primeira língua, da mesma maneira como essa oportunidade é oferecida à criança ouvinte. A cultura Surda deve ser inseridanos currículos escolares. A cultura do surdo é designada por Moura (2000) como representação linguística principalmente pela sua língua que tem propiciado a união dos surdos e continua viva nas comunidades. A história dos surdos mostra a necessidade de permanecerem unidos, de construírem uma identidade própria, “um lugar de direitos coletivos para a determinação própria” (p. 66) de seu grupo. A cultura dos surdos, assim entendida, revela-se no comportamento, valores, atitudes, estilos cognitivos e práticas sociais. A nova modalidade e sua perspectiva Surda pressupõem o respeito e o reconhecimento de sua singularidade e especificidade humana, refletidos no direito de apropriação da Língua de Sinais da qual dependem os processos de identificação pessoal, social e cultural (SKLIAR, 1997). Considerando a característica de língua viva da LIBRAS, o instrutor surdo é o profissional mais habilitado a atualizar profissionais da escola em LIBRAS 41 Modelos e Técnicas educacionais na educação de surdos 41 Capítulo 2 e prepará-los para receber alunos surdos em suas salas de aula/escola, porque recebeu capacitação adequada para ensinar LIBRAS e pertence à comunidade que a utiliza (SOUZA; GÓES, 1999). Hoje, com o movimento de inclusão, é cada vez maior a necessidade de se criar um espaço, junto às escolas, para os seus profissionais se atualizarem em LIBRAS ou conhecerem a língua capaz de aproximá-los e de auxiliá-los a compreender os alunos surdos incluídos e instrumentalizá-los para ensinar. Além disso, considerando a nova política educacional, esse trabalho deve vir integrado com um atendimento de apoio à família, visando a garantir o desenvolvimento educacional adequado aos alunos surdos. Atividades de Estudos: Pesquise nas escolas: 1) As propostas bilíngues nas escolas inclusivas estão sendo adequadas para o atendimento escolar das crianças Surdas? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Anote os pontos positivos e negativos da inclusão das crianças Surdas nas escolas inclusivas e discuta com seus colegas. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 42 Deficiência Auditiva e Libras 42 alguMas considerações A educação dos surdos e suas diversas metodologias foram permeadas por ações de controle, poder e de visão fonocêntrica, de supervalorização da língua oral e da cultura não-surda. Houve várias transições: Oralismo, Comunicação Total até culminar na Educação Bilíngue como método viável na Educação de Surdos, graças ao empenho e criação de vários estudos, tais como: Culturais, Surdos e Linguísticos. referências BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2005. BRASIL. MEC. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007. Brasília: MEC, 2008. CICCONE, Marta. Comunicação Total: Introdução, Estratégias a Pessoa Surda. Rio de Janeiro: Cultura Médica. 1999. COSTA, Maria da Piedade. O Deficiente Auditivo. São Carlos: UFSCAR. 1994. DÓRIA, Ana Rimoli. Relatório. 1956. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 33. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. FREMAN, Roger D.; CARBIN, Clifton F.; BOESE, Robert J. Seu filho não escuta? Um guia para todos que lidam com crianças surdas. Brasília: MEC/ SEESP, 1999. HAWKINS, Larry; BRAWNER, Judy. 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