Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PÓS- MODERNISMO CLARICE LISPECTOR E JOÃO CABRAL DE MELO NETO Surgido no contexto do fim da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria, o conceito de Pós-Modernismo ainda não é muito claro para os especialistas, dada a diversidade que marca esse período. A partir da década de 1940, embora com propostas diversas, surge, no Brasil, uma geração de escritores marcada pela experimentação e pela pesquisa estética. Neste tópico enfatizaremos a produção da prosadora Clarice Lispector e do poeta João Cabral de Melo Neto. 3º ano Pós-Modernismo CL e JCMN Out/09 Wilton Nome: Nº: Turma: Português Tendências da literatura pós-modernista Dentre as tendências mais significativas do período, destacam-se: a retomada, por parte de poetas como Ledo Ivo, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Geir Campos, José Paulo Passos e, com destaque, João Cabral de Melo Neto, de alguns recursos formais mais clássicos e o trabalho com a materialidade do texto poético; o Concretismo, representado pelos poetas Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos, e seus desdobramentos (Neoconcretismo e Poema- processo); a poesia social de Ferreira Gullar; a prosa realista fantástica dos escritores Murilo Rubião e José J. Veiga; a prosa de viés psicológico de Osman Lins, Nélida Piñon, Raduan Nassar, Autran Dourado e Lygia Fagundes Telles; a escritura do choque e da desautomatização de Clarice Lispector; o regionalismo fantástico de Guimarães Rosa; a prosa agressiva, irônica e direta de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan; Clarice Lispector (1920-1977) Em lugar de escrever histórias marcadas por enredos cheios de fatos e de reviravoltas, a escritora ucraniana aborda em suas crônicas, contos, romances – e em outros textos de gênero inclassificável – o tema do imprevisto que rompe a capa do rotineiro. Essa nova experiência literária chocou críticos e leitores quando a autora, em 1943, publicou Perto do coração selvagem, obra bastante distante dos pressupostos do ainda presente Neo-Realismo (ou Regionalismo) brasileiro, marcado pelo binômio fome/seca e pela denúncia social. Clarice desestabiliza os padrões literários preestabelecidos até aquele momento e sua obra foge do ditame segundo o qual cada autor deveria ser o porta-voz de seu povo e região, concretizado no “projeto literário” de escritores como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, entre outros (com as devidas diferenças estéticas que caracterizaram suas obras). A literatura de Clarice é marcada pela transgressão, pela ruptura e pela inquietação diante da automatização que amortece a vida. A autora procurou aproximar-se do indizível, daquilo que a palavra não pode representar, na tentativa de capturar o agora, mesmo tendo consciência de seu óbvio fracasso. Clarice buscou a reprodução do “instante-já” do pensamento. Segundo o escritor, crítico e ensaísta Affonso Romano de Sant’Anna, as obras de Clarice Lispector, em geral, percorrem quatro etapas: 1) A personagem está disposta numa determinada situação cotidiana. 2) Prepara-se um evento que é pressentido discretamente pela personagem. 3) Ocorre o evento que “ilumina” (epifania) a vida da personagem. 4) Ocorre o desfecho em que a situação da vida da personagem é revista. O fluxo de consciência (técnica marcada pela quebra de limites espaço-temporais da narrativa linear e pela tentativa de reprodução do caos do pensamento) e a epifania (momento de súbita revelação) são característicos das obras de Clarice Lispector. Publicou, dentre outras, as obras Laços de Família (1960), A paixão segundo GH e A Legião Estrangeira (ambas em 1964), Felicidade Clandestina (1971), A hora da estrela (1977). Destacam-se da produção da autora os contos “Amor”, “A imitação da rosa”, “Felicidade clandestina”, “Feliz aniversário”, “Legião estrangeira”, “A bela e a fera” ou “A ferida grande demais”, entre outros. Clarice também escreveu literatura infantil. João Cabral de Melo Neto (1920-1999) João Cabral é o mais importante poeta da Geração de 1945. O escritor nasceu em Recife, Pernambuco, e era primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre. A infância dele foi passada em engenhos de açúcar do Nordeste brasileiro. Foi apresentado, em 1940, pelo poeta Murilo Mendes, ao escritor Carlos Drummond de Andrade e aos intelectuais que frequentavam o consultório-ateliê do poeta Jorge de Lima. Em 1942, João Cabral publicou seu primeiro livro, Pedra do Sono, obra que já apresenta uma das características mais fortes do poeta: a objetividade. Três anos depois, publicou O engenheiro, em que os poemas são marcados pela preocupação com a linguagem e há neles o predomínio da substantivação. A realidade brasileira, sobretudo a presente na região Nordeste, a metalinguagem e a linguagem-objeto são marcas da literatura de João Cabral de Melo Neto e estão presentes nos poemas que compõem as obras O cão sem plumas (1950), O rio (1954), Morte e vida Severina (1965), A educação pela pedra (1966), Museu de tudo (1975), A escola das facas (1980), Poesia crítica (1982), entre outras. A carreira de diplomata possibilitou a João Cabral uma série de viagens que influenciaram sua trajetória: Barcelona, Londres, Sevilha, Marselha, Genebra e Berna. A poesia de João Cabral de Melo Neto dialoga com artistas plásticos como Mondrian e Juan Miró e tem forte ligação com o Cubismo. As teorias arquitetônicas de Le Corbusier e as estruturas das artes plásticas construtivas também tiveram influência sobre a obra do poeta pernambucano. Em Morte e vida Severina, João Cabral “relê” a história do nascimento de Cristo no Recife. O protagonista do poema narrativo é Severino, lavrador nordestino que se desloca do interior do sertão para o litoral a fim de buscar novas perspectivas para sua vida de miséria, fome e seca. O auto de Natal escrito pelo poeta recifense é estruturado em redondilhas. A obra foi encenada, com música de Chico Buarque, em 1966, no Teatro PUC de São Paulo e assistida por mais de cem mil espectadores. Barra de imagens http://www.claricelispector.com.br/obras.aspx http://www.claricelispector.com.br/obras.aspx http://www.claricelispector.com.br/obras.aspx http://www.claricelispector.com.br/obras.aspx http://www.claricelispector.com.br/obras.aspx http://www.claricelispector.com.br/obras.aspx http://4.bp.blogspot.com/_XrJQ_f7jD3k/SF0O1iBO8YI/AAAAAAAAAX4/eL5C_HJsiYE/s320/mort e%2Be%2Bvida%2Bseverina.jpg http://navegarlivros.com.br/loja/images/a_educacao_pela_pedra.bmp http://acervos.ims.uol.com.br/local/Image/biblioteca/o_engenheiro.jpg http://acervos.ims.uol.com.br/local/Image/biblioteca/Psico_composicao.jpg http://faculty.evansville.edu/rl29/art105/img/mondrian_composition.jpg http://blogsergiofreire.files.wordpress.com/2009/06/miro-joan-singing-fish-9969194.jpg http://contentor.files.wordpress.com/2009/05/le-corbusier.jpg PÓS-MODERNISMO 2ª. FASE CLARICE LISPECTOR E JOÃO CABRAL DE MELO NETO NO VESTIBULAR Professor, as questões a seguir têm como base os autores Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto. Em geral, os alunos apresentam muita dificuldade em analisar textos desses escritores. Eles também se sentem inseguros em relação a um método eficaz de estudo de textos literários e referenciais. Sugira que eles se organizem da seguinte maneira para os estudos literários: 1) retomar leituras integrais de contos e de poemas; 2) ler bons resumos e/ou estudos de romances dos principais autores solicitados nos concursos vestibulares; 3) destacar, após a leitura dos textos, características dos autores presentes nas obras bem como das estéticas literárias em que estão inseridos. Reforce a ideia de que memorizar características de autores, deslocadas dos textos que escreveram, nãotem função efetiva. Professor, a questão a seguir, proposta pela UFPR, tem como base os contos “Os desastres de Sofia” (inicialmente publicado no Jornal do Brasil com o título “Travessuras de menina”), que narra o processo de aprendizagem de uma garota de nove anos por meio do confronto dela como seu professor, e “Os obedientes”, que trata de um casal aparentemente feliz que vê seu cotidiano transformado por um incidente. Ambos os contos estão editados pela Editora Rocco e também aparecem em sites dedicados à autora. É preferível que os alunos leiam diretamente nos livros porque nem sempre os textos presentes em sites são fielmente reproduzidos. Se for possível, peça aos alunos como tarefa de casa, antes da aula de revisão sobre Clarice, a leitura integral dos contos utilizados nas questões propostas pelos vestibulares. Trata-se de uma ótima maneira de estudar literatura. O site oficial da autora (http://www.claricelispector.com.br) é uma boa fonte de estudo e traz textos sobre a vida da autora e sobre sua obra. UFPR – 2008 Questão 1 As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. Ou, pelo menos, não era apenas isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias. (de “Os desastres de Sofia”) (...) Na verdade era uma vida de sonho. Às vezes, quando falavam de alguém excêntrico, diziam com a benevolência que uma classe tem por outra: “Ah, esse leva uma vida de poeta”. Pode-se talvez dizer, aproveitando as poucas palavras que se conheceram do casal, pode-se dizer que ambos levavam, menos a extravagância, uma vida de mau poeta: vida de sonho. Não, não era verdade. Não era uma vida de sonho, pois este jamais os orientara. Mas de irrealidade. (de “Os obedientes”) Com base nos fragmentos acima transcritos, extraídos de contos do livro Felicidade clandestina, de Clarice Lispector, considere as seguintes afirmativas: 1. Narrar ou deixar de narrar, avaliar de diferentes maneiras um mesmo fato narrado são hesitações freqüentes dos narradores de Clarice Lispector. Como nos fragmentos acima, também em outros contos prioriza-se a abordagem da vida interior, própria ou alheia, revelando sutis alternâncias de percepção da realidade.Correta. 2. O aspecto metalingüístico do primeiro fragmento não está presente em todos os contos, mas é fundamental para algumas narrativas, dentre as quais “Os desastres de Sofia”, que trata da complexa relação entre uma menina e o professor que a ajudou a perceber a força da palavra escrita. Correta. 3. Como em “Os obedientes”, também nas outras narrativas de Felicidade clandestina homens e mulheres passam por idênticas angústias. Na ficção de Clarice Lispector, as diferenças entre a percepção masculina e a feminina não são tematizadas, pois o ser humano está sempre condenado a viver num mundo incompreensível. Clarice também se ocupa dessa distinção, mas enfatiza a investigação da percepção feminina. Embora em A maçã no escuro, por exemplo, Clarice Lispector narre a trajetória de Martim ou, em A hora da estrela, ela apresente a figura do escritor Ricardo SM, a maior parte de suas obras enfoca personagens femininas. Afirmativa com problemas. 4. O desfecho surpreendente do conto “Os obedientes”, com o suicídio da esposa, reforça a visão crítica dos narradores de Clarice Lispector sobre a rotina da vida doméstica, nunca observada como uma “vida de sonho”. Correta. 5. Na ficção de Clarice Lispector, apenas as personagens adultas têm consciência de seus processos interiores. As crianças e adolescentes sofrem o impacto de novas descobertas, mas sua inocência os afasta de qualquer comportamento perverso e os protege dos riscos de viver mais intensamente. Clarice mostra justamente o contrário. As pulsões do mal são humanas e não estão restritas ao universo adulto. Ofélia, por exemplo, personagem de “A legião estrangeira”, ou Sofia, do conto apresentado nesta questão, são perversas como qualquer adulto. Afirmativa errada. Assinale a alternativa correta. a-) Somente as afirmativas 1, 2 e 4 são verdadeiras. b-) Somente as afirmativas 1, 2 e 5 são verdadeiras. c-) Somente as afirmativas 3, 4 e 5 são verdadeiras. d-) Somente as afirmativas 2, 3 e 4 são verdadeiras. e-) Somente as afirmativas 2, 3, 4 e 5 são verdadeiras. Resposta: A. Professor, o conto/crônica “A descoberta do mundo” está reproduzido na íntegra e deve ser lido com bastante atenção. Se for possível, compare esse texto ao conto “Felicidade clandestina” ou a “Restos de carnaval” e indique essas leituras aos alunos como estudo. UNIRIO/ENCE – 2007 Texto para as questões 2, 3, 4 e 5 A descoberta do mundo O que eu quero contar é tão delicado quanto a própria vida. E eu quereria poder usar a delicadeza que também tenho em mim, ao lado da grossura de camponesa que é o que me salva. Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo aliás atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais. Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. Ou será que eu adivinhava mas turvava minha possibilidade de lucidez para poder, sem me escandalizar comigo mesma, continuar em inocência a me enfeitar para os meninos? Enfeitar-me aos onze anos de idade consistia em lavar o rosto tantas vezes até que a pele brilhasse. Eu me sentia pronta, então. Seria a minha ignorância um modo sonso e inconsciente de me manter ingênua para poder continuar, sem culpa, a pensar nos meninos? Acredito que sim. Porque eu sempre soube de coisas que nem eu mesma sei que sei. As minhas colegas de ginásio sabiam de tudo e inclusive contavam anedotas a respeito. Eu não entendia, mas fingia compreender para que elas não me desprezassem e à minha ignorância. Enquanto isso, sem saber da realidade, continuava por puro instinto a flertar com os meninos que me agradavam, a pensar neles. Meu instinto precedera a minha inteligência. Até que um dia, já passados os treze anos, como se só então eu me sentisse madura para receber alguma realidade que me chocasse, contei a uma amiga íntima o meu segredo: que eu era ignorante e fingira de sabida. Ela mal acreditou, tão bem eu havia antes fingido. Mas terminou sentindo minha sinceridade e ela própria encarregou-se ali mesmo na esquina de me esclarecer o mistério da vida. Só que também ela era uma menina e não soube falar de um modo que não ferisse a minha sensibilidade de então. Fiquei paralisada olhando para ela, misturando perplexidade, terror, indignação, inocência mortalmente ferida. Mentalmente eu gaguejava: mas por quê? Mas por quê? O choque foi tão grande — e por uns meses traumatizante — que ali mesmo na esquina jurei alto que nunca iria me casar. Embora meses depois esquecesse o juramento e continuasse com meus pequenos namoros. Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez. Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. Esse adulto saberia como lidar com uma alma infantil sem martirizá-la com a surpresa, semobrigá-la a ter toda sozinha que se refazer para de novo aceitar a vida e os seus mistérios. Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é pudor apenas feminino. Pois juro que a vida é bonita. Clarice Lispector Questão 2 Descoberta do Mundo é representante do gênero textual crônica porque a) a partir de espaços temporais, avalia-se o processo de amadurecimento do personagem. b) a estrutura narrativa só comporta um personagem com reflexões intimistas. c) apresenta um monólogo interior, utilizando estruturas, predominantemente, informais. d) a partir de um dado particular se faz projeção de um conhecimento maior do mundo. e) apresenta relação de causa e efeito proporcionais à atitude de descoberta do mundo. Resposta: b Questão 3 No texto, há várias ocorrências da palavra então. Considerando o trecho “ ... que não ferisse a minha sensibilidade de então.” (§ 6º.), o valor semântico dessa palavra é a) realce. b) conclusão. c) tempo. d) inclusão. e) intensidade. Resposta: c Questão 4 Em “eu quereria poder usar a delicadeza que também tenho em mim, ao lado da grossura de camponesas que é o que me salva...” O uso da expressão “quereria poder usar “ antecipa ao leitor a) perspectiva inicial sem definição. d) reação ao momento observado. b) visão de futuro imediato. e) visão de uma ação não realizada. c) conjunto de ações globais. Resposta: e Questão 5 Nos parágrafos 4º, 5º.,6º. e 7º. , há predominância de conjunções adversativas e concessivas. A função discursiva destes elementos no parágrafo corroboram o sentimento de a) ilusão repentina vivida pelo narrador. b) contraposição vivida pela personagem e o mundo. c) contradição vivida entre a adolescência e a fase adulta. d) permanência e transformação típicas da fase adulta. e) intimidade com as descobertas na fase adolescente. Respostas: b ou c Professor, as questões propostas pela UFR tratam do último romance escrito por Clarice Lispector, em 1977, A hora da estrela. Nele, a autora narra, pela voz de um escritor chamado Rodrigo SM, a vida da nordestina Macabéa, na cidade do Rio de Janeiro. Trata-se de uma das obras brasileiras mais inovadoras do ponto de vista do foco narrativo adotado. A autora faz um complexo exercício metalinguístico ao optar por contar a vida da nordestina pelos olhos de seu autor-criador. Mesmo tendo escrito uma obra em que “denunciava” as condições de vida de muitas nordestinas que se deslocam de suas terras para o Rio de Janeiro, Clarice Lispector não se enquadrava no rótulo de escritora engajada e, por isso, pagou um preço alto pelo seu (des)enquadramento: a autora foi algumas vezes acusada de ser uma escritora burguesa e alienada. O cartunista Henfil chegou a “enterrá-la” no “Cemitério dos Mortos-Vivos” do Pasquim, como fazia com todas as figuras públicas que considerava “descomprometidas” com as causas políticas da época, com aqueles que não assumiam postura explicitamente “engajada”. O cartunista enterrava, “com sete palmos de desacato e desprezo”, personalidades que, segundo seu ponto de vista, simpatizavam com a ditadura, ou se omitiam politicamente em relação a ela. O professor Dênis de Moraes (em “Humor de combate: Henfil e os 30 anos do Pasquim”, 1966) afirma que Clarice ficou contrariada com a “brincadeira de Henfil” e fez chegar até ele sua indignação, por isso, no número 138 (22 a 28 de fevereiro de 1972) do Pasquim, o cartunista tentou se explicar em sua tira “Cabôco Mamadô”, surpreendendo negativamente ainda mais os defensores de Clarice: “Clarice aparece chorando e confessando-se chocada, traumatizada com tanta agressividade contra ela por parte do humorista. O Cabôco responde que Henfil não está livrando a cara nem dos intelectuais de centro. A escritora argumenta que é ‘uma simples cronista da flor, dos pássaros, das gentes, da beleza de viver...’. O Cabôco replica que ela foi parar no cemitério devido a uma reencarnação: no passado, era Pôncio Pilatos! A seguir, Henfil coloca Clarice dentro de uma redoma de vidro, lavando as mãos, cercada por pássaros e flores, enquanto Cristo é crucificado”. Em depoimento dado a O Jornal, em 20 de julho de 1973, Henfil explicou as razões pelas quais foi tão severo com Lispector em suas colunas: “Eu a coloquei no Cemitério dos Mortos-Vivos porque ela se coloca dentro de uma redoma de Pequeno Príncipe, para ficar num mundo de flores e de passarinhos, enquanto Cristo está sendo pregado na cruz. Num momento como o de hoje, só tenho uma palavra a dizer de uma pessoa que continua falando de flores: é alienada. Não quero com isso tomar uma atitude fascista de dizer que ela não pode escrever o que quiser, exercer a arte pela arte. Mas apenas me reservo o direito de criticar uma pessoa que, com o recurso que tem, a sensibilidade enorme que tem, se coloca dentro de uma redoma. [...] Ela escreve bem à beça, tem um potencial excelente para entender as angústias do mundo. O maior respeito todo mundo tem por Clarice Lispector. No entanto, ela não toma conhecimento das causas e dos motivos desses problemas existenciais, não só dela como do mundo inteiro. Foi por isso que botei a Clarice lá. Ela não gostou, e eu não vou tomar uma atitude fascista de matá-la”. Afirmar que Clarice Lispector “se coloca dentro de uma redoma de Pequeno Príncipe, para ficar num mundo de flores e de passarinhos”, que a escritora exerce “a arte pela arte”, ou que ela “não toma conhecimento das causas e dos motivos [dos] problemas existenciais” do mundo representa um desconhecimento total da literatura de uma autora que produziu obras marcadas justamente pela transgressão, pela ruptura e pela inquietação diante da automatização que amortece a vida, como é o caso do livro de contos Laços de Família, publicado em 1960; das obras A paixão segundo GH e A Legião Estrangeira, ambas de 1964; da coletânea Felicidade Clandestina, de 1971, sem contar as obras mais explicitamente “sociais” de Clarice (escritas depois do depoimento que Henfil deu a O jornal, em 1973), como o romance A hora da estrela e o conto “A bela e a fera ou A ferida grande demais”, produzidos em 1977. Talvez o que Henfil procurasse em Clarice era uma ficção que tivesse a pretensão de manifestar a experiência de maneira ampla, dando visibilidade aos conflitos de classe, a serviço da realidade, ou seja, uma literatura que cumprisse a função de desalienar o leitor por meio da mimeses. Clarice nunca buscou com sua obra um posicionamento político-partidário, sua ambição – ainda que não tenha sido literalmente assumida por ela – parecia ser maior. Numa crônica intitulada “A entrevista alegre”, publicada no Jornal do Brasil em 30 de dezembro de 1967, portanto alguns anos antes de ser “enterrada” por Henfil em seu “Cemitério dos Mortos-Vivos”, Clarice comenta com seus leitores sobre uma entrevista que concedera a uma jornalista identificada apenas como “Cristina”, a pedido da Editora Civilização Brasileira e de Paulo Francis, seu amigo. No texto, a escritora opina sobre a chamada “literatura engajada”: “Perguntou-me [a jornalista Cristina] o que eu achava da literatura engajada. Achei válida. Quis saber se eu me engajava. Tudo o que escrevo está ligado, pelo menos dentro de mim, à realidade em que vivemos. É possível que este meu lado ainda se fortifique mais algum dia. Ou não? Não sei de nada. Nem sei se escreverei mais. É mais possível que não”. UFR – 2009 INSTRUÇÃO: Da leitura do romance A hora da estrela e do trecho abaixo, responda às questões 06 e 7. Mas desconfio que toda esta conversa é feita apenas para adiar a pobreza da história, pois estou com medo. Antes de ter surgido na minha vida essa datilógrafa (Macabéa), eu era homem até mesmo um pouco contente,apesar do mau êxito na minha literatura. As coisas estavam de algum modo tão boas que podiam se tornar muito ruins porque o que amadurece plenamente pode apodrecer. (LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.) QUESTÃO 06 A respeito do romance, assinale a afirmativa correta. A) Filia-se à corrente realista e trata de questões próprias ao operariado urbano. B) É o único romance da autora que traz aspectos do regionalismo, tratando da vida dos migrantes nas metrópoles. C) Denuncia o charlatanismo das ledoras de sorte e a cultura massificada das estações de rádio. D) Ausenta-se de questões sociais, detendo-se na exploração dos sentidos da linguagem. E) Apresenta uma linguagem de cunho predominantemente referencial, centrando-se exclusivamente na ação das personagens. Resposta: B QUESTÃO 7 Sobre o processo de narração do romance, marque a afirmativa correta. A) O narrador-autor reflete sobre sua escritura e une sua vida à de sua personagem, existindo com ela e para ela. B) Clarice enuncia ser a narradora, retomando questões próprias ao conjunto de sua obra. C) Sem qualquer empatia pela personagem, o narrador, da mesma classe social, recusa qualquer sentimento de culpa ou piedade por Macabéa. D) No relato de vida e morte de Macabéa, o foco narrativo detém-se nas conquistas e vitórias da personagem. E) Os fatos da vida da heroína, suas carências, são mostradas cruamente, sem qualquer reflexão. Resposta: A Professor, a questão a seguir, proposta pela UFAC, tem como base o conto “Amor”, um dos mais importantes escritos por Clarice Lispector. Peça como tarefa de casa que os alunos leiam o conto integralmente e identifiquem nele as quatro etapas apontadas pelo estudioso Affonso Romano de Sant’Anna: 1) A personagem está disposta numa determinada situação cotidiana; 2) Prepara-se um evento que é pressentido discretamente pela personagem; 3) Ocorre o evento que “ilumina” (epifania) a vida da personagem; 4) Ocorre o desfecho em que a vida da personagem é revista. UFAC – 2009 Observe o fragmento abaixo de um conto de Clarice Lispector: “Nas árvores as frutas eram pretas, doces como mel. Havia no chão caroços secos cheios de circunvoluções, como pequenos cérebros apodrecidos. O banco estava manchado de sucos roxos. Com suavidade intensa rumorejavam as águas. No tronco da árvore pregavam-se as luxuosas patas de uma aranha. A crueza do mundo era tranqüila. O assassinato era profundo. E a morte não era o que pensávamos. Ao mesmo tempo que imaginário – era um mundo de se comer com os dentes, um mundo de volumosas dálias e tulipas. Os troncos eram percorridos por parasitas folhudos, o abraço era macio, colado. Como a repulsa que precedesse uma entrega – era fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante. As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia. Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada. A moral do jardim era outra. Agora que o cego a guiara até ele, estremecia nos primeiros passos de um mundo faiscante, sombrio, onde vitórias-régias boiavam monstruosas. As pequenas flores espalhadas na relva não lhe pareciam amarelas ou rosadas, mas cor de mau ouro e escarlates. A decomposição era profunda, perfumada... Mas todas as pesadas coisas, ela via com a cabeça rodeada por um enxame de insetos, enviados pela vida mais fina do mundo. A brisa se insinuava entre as flores. Ana mais adivinhava que sentia o seu cheio adocicado... O jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno.” (LISPECTOR, C. Amor. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. P. 25) Questão 8 A personagem Ana, uma dona de casa comum, tem um momento privilegiado de revelação quando desce errado do ponto e acaba indo parar quase sem querer no Jardim Botânico. Neste momento, várias imagens vão configurando um universo de sensações inesperadas em contato com uma natureza que sempre esteve no mesmo lugar. Por que agora a percepção desse mundo se torna diferente? a) porque a autora reforça a condição alienada da personagem. b) porque a autora conduz a personagem a um conto-de-fadas onde apenas cabe a mentira de suas aspirações pessoais. c) porque a personagem consegue perceber uma verdade que estava escondida dentro dela mesmo. d) porque a personagem vive um momento psicótico que pode levá-la ao suicídio. e) porque a autora permite que a personagem desloque para o Jardim Botânico as suas aspirações frustradas que apenas empobrecem aquele espaço. Resposta: C Questão 9 Quando o narrador descreve as percepções da personagem e seqüencia três sentenças conclusivas de um estado de espírito (A crueza do mundo era tranqüila. O assassinato era profundo. E a morte não era o que pensávamos), o verbo “ser” funciona como: a) uma valorização da morte dentro dos padrões habituais. b) um modo de percepção privilegiada do circuito natural dos fenômenos. c) um modo de conclusão falida e frustrante em relação ao sentido da vida. d) uma natural condição de não se aceitar o fim das coisas. e) uma impressão equivocada quanto ao sentido prático dos fenômenos. Resposta: B Questão 10 Nas sentenças “Os troncos eram percorridos por parasitas folhudos, o abraço era macio, colado. Como repulsa que precedesse uma entrega – era fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante”, o travessão encerra uma relação íntima com a natureza ao mesmo tempo assustadora, já que ela: a) elimina qualquer possibilidade de compreensão do seu papel naquele contexto. b) estabelece uma distância do seu universo doméstico, o que torna improvável qualquer relação futura com a humanidade. c) imprime aos poucos na sua personalidade uma repulsa por qualquer fenômeno que possa vir tirá-la do seu acomodamento. d) reprime a sua própria natureza para dar condições de uma personalidade doentia se manifestar, única capaz de revelar a sua verdade. e) consegue reunir em seu imaginário opostos que afirmam uma nova fase em sua vida. Resposta: E Questão 11 Em “...o mundo era tão rico que apodrecia.”, a antítese revela uma extraordinária capacidade de percepção da personagem porque: a) deduz aquele universo a uma compreensão pobre da sua própria dinâmica de funcionamento. b) induz a um equívoco em relação ao real valor dos fenômenos percebidos. c) subentende a limitação da herança do universo doméstico da personagem que não descola de qualquer possível compreensão fora dele. d) revela a necessidade de compreensão total do movimento das coisas que naquele momento só possa ser captado por meio de uma imagem figurada. e) torna a personagem incapaz de futuramente compreender fora das imagens figuradas. Resposta: D Questão 12 Quando a personagem pensa nas crianças e nos homens grandes com fome, há uma reversão de perspectiva de sentimentos em relação àquele universo que acaba lhe subindo uma náusea na garganta e a moral do Jardim Botânico se torna outra. Depois de uma série de novas percepções espantosas, ela termina com uma sentença terrível: “O jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno.” Desta maneira, fica estabelecido no fragmento que a personagem terá de: a) aprender a conviver com os sobressaltos da sua sensibilidade estética e emocional. b) suprimir qualquer coisa que saia fora do seu cotidiano. c) se afastar de naturezas selvagens para não dar espaço ao contraditório. d) fugir de si mesma para poder se encontrar apenas no seu plácido ambiente doméstico. e) aprender a fingir uma vida que lhe afaste o mais possível de tudo que lhe possa ser espantoso. Resposta: A Professor, a questão a seguir trata do poema Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. O site http://www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/joaocabral/joaocabral1.htm traz textos interessantes sobre o autor e nele você pode ouviro poeta recitar o poema “Psicologia da composição”. O endereço http://www.releituras.com/joaocabral_menu.asp também traz uma coletânea considerável do autor e apresenta ao internauta o poema Morte e vida Severina (Auto de Natal Pernambucano) na íntegra. No site youtube há disponíveis imagens do especial que a Rede Globo produziu a partir da obra de João Cabral: http://www.youtube.com/watch?v=BB1TIbrlC6Q UFJF - 2008 – 2ª FASE Questão 13 Leia o fragmento abaixo de Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, e responda aos itens a e b. “ – Todo o céu e a terra lhe cantam louvor. Foi por ele que a maré Esta noite não baixou.” a) Informe o episódio da obra a que o trecho selecionado se refere. O trecho se refere ao episódio em que vizinhos e amigos louvam o nascimento do filho de Seu José, Mestre Carpina. b) Explique a relação entre o episódio informado na letra a e a fala final de Seu José, mestre carpina, a Severino. O episódio “a” (louvor ao nascimento da criança em um meio tão inóspito) sugere uma renovação da esperança na vida. É por meio dele que Seu José, Mestre Carpina, mostra a Severino o valor que a vida tem e o quanto ela vale a pena ser vivida, mesmo “pequena”, “franzina” e “severina”. PUCRS – 2009 INSTRUÇÃO: Para responder à questão 14, leia o texto de Clarice Lispector que segue. Aprofundamento das horas Não posso escrever enquanto estou ansiosa ou espero soluções a problemas porque nessas situações faço tudo para que as horas passem – e escrever, pelo contrário, aprofunda e alarga o tempo. Se bem que ultimamente, por necessidade grande, aprendi um jeito de me ocupar escrevendo, exatamente para ver se as horas passam. Questão 14 Considerando o fragmento acima, é correto dizer que a autora A) escreve para superar a ansiedade, resolver os problemas da vida e não ver o tempo passar. B) costuma encurtar o tempo de espera para solucionar algum problema escrevendo de modo profundo e prolongado. C) não costuma escrever quando está em situações complicadas, porque a escrita parece prolongar o tempo e o melhor, nessas ocasiões, é encurtá-lo. D) emprega o tempo de escrita para fugir dos problemas do cotidiano e viver estados de serenidade. E) não escreve quando está preocupada, porque esse estado se reflete na escrita, prejudicando sua qualidade. Resposta: C UFOP (MG) 2009 Questão 15 A metalinguagem está presente nestes versos de A Educação pela Pedra, de João Cabral de Melo Neto, exceto em: A) Certo poema imaginou que a daria a ver (sua pessoa, fora da dança) com o fogo. Porém o fogo, prisioneiro da fogueira, tem de esgotar o incêndio, o fogo todo; e o dela, ela o apaga (se e quando quer) ou o mete vivo no corpo: então, ao dobro. (MELO NETO, J. C. de. Dois P. S. a um poema. In: A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008, p. 218) B) Catar feijão se limita com escrever: jogam-se os grãos na água do alguidar e as palavras na da folha de papel; e depois joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois, para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco. (MELO NETO, J. C. de. Catar feijão. In: A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008, p. 222) C) Durante as secas do Sertão, o urubu, de urubu livre, passa a funcionário. O urubu não retira, pois prevendo cedo que lhe mobilizarão a técnica e o tacto, cala os serviços prestados e diplomas, que o enquadrariam num melhor salário, e vai acolitar os empreiteiros da seca, veterano, mas ainda com zelos de novato: aviando com eutanásia o morto incerto, ele, que no civil quer o morto claro. (MELO NETO, J. C. de. O urubu mobilizado. In: A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008, p. 209) D) Quando um rio corta, corta-se de vez o discurso-rio de água que ele fazia; cortado, a água se quebra em pedaços, em poços de água, em água paralítica. Em situação de poço, a água equivale a uma palavra em situação dicionária: isolada, estanque no poço dela mesma; e porque assim estanque, estancada, muda, e muda porque com nenhuma comunica, porque cortou-se a sintaxe desse rio, o fio de água por que ele discorria. (MELO NETO, J. C. de. Rios sem discurso. In: A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008, p. 229-230) Resposta: C
Compartilhar