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Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio Átila Tolentino Políticas públicas preservação do patrimônio brasileiro SUMÁRIO 1. Apresentação ........................................................................................131 2. Preservar já! ...........................................................................................132 3. As políticas de pedra e cal: o patrimônio material em evidência . 134 4. A arqueologia nas políticas de patrimônio .....................................136 5. O Programa Nacional do Patrimônio Imaterial .............................138 6. A Política Nacional de Museus ...........................................................140 7. A educação patrimonial e museal como políticas públicas .......141 8. Por uma visão crítica das políticas de patrimônio ........................142 Referências bibliográficas.......................................................................143 PARA OS CURIOSOS 1. APRESENTAÇÃO este módulo, convido você a conhecer e refletir sobre as principais políticas pú- blicas desenvolvidas no Brasil para a preservação do nosso patrimônio cul- tural, por meio de institui- ções governamentais, de âmbito nacional, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). A atuação dessas instituições geral- mente é replicada ou serve de modelo para os órgãos de preservação do patri- mônio dos estados e municípios brasilei- ros, vinculados às Secretarias de Cultura. Ao final, indico referências bibliográficas que embasaram esse texto, mas que tam- bém são indicações para que você possa pesquisar, com mais profundidade, assun- tos específicos de cada política patrimonial, de acordo com seu interesse e/ou atuação. Então, bom estudo e boa leitura! No seu estado e no seu munícipio existem órgãos ou entidades do poder público que são responsáveis pela preservação do patrimônio cultural, além do Iphan e do Ibram? Você já os(as) conhecia? Caso positivo, há quanto tempo existem? Que ações desenvolvem? Você acompanha essas ações? Como? Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 131 2. PRESERVAR JÁ! o Brasil, a prática preser- vacionista, seguindo a tendência europeia, este- ve intimamente ligada à ideia de formação e afir- mação do Estado-Nação. Com a chegada de d. João VI e da Corte Portu- guesa em 1808, foram cria- dos a Biblioteca Nacional (1810) e o Museu Nacional (1818), entre outras instituições culturais, que reuniram documentos e obras artísticas, a fim de re- gistrar e atestar a história brasileira, ainda muito atrelada ao reino português. Bem mais tarde, entre o final do século XIX e início do XX, percebia-se a valoriza- ção da cultura erudita, cuja produção e consumo eram restritos à elite da época. É a partir da década de 1930, com a reformulação do Estado, que assistimos à ampliação dos serviços ofertados aos cidadãos e a valorização da cultura po- pular. E apenas assim, surgem também as primeiras políticas de cultura, muito as- sentadas nas ações de preservação do pa- trimônio histórico e artístico brasileiro, como preconizava a Constituição Federal de 1934, a primeira a tratar do tema. 132 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE É nesse contexto que se cria, dentro do Museu Histórico Nacional, o primeiro Curso de Museologia no Brasil (1932) e a Inspetoria dos Monumentos Nacionais (1934). Ambos foram idealizados pelo cea- rense Gustavo Barroso (1888-1959), figura de destaque no período pela preservação dos bens representativos da identidade nacional brasileira. Surgem, da mesma for- ma, as primeiras iniciativas na área de pre- servação dos monumentos históricos, norteadas por uma perspectiva tradiciona- lista, como a elevação da cidade de Ouro Preto (MG), em 1933, à categoria de monu- mento nacional, pelo governo federal. No entanto, essa perspectiva de Gus- tavo Barroso foi suplantada pela corren- te modernista, representada por Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969) e outros intelectuais que defendiam uma determinada “brasilidade” traduzida no nosso barroco colonial, de origem portu- guesa, mas que envolvesse também ele- mentos tipicamente brasileiros. Assim, em 1937, por meio do Decreto- -Lei nº 25, é criado o Serviço do Patri- mônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), hoje nominado Iphan, órgão na- cional em atuação até a atualidade, que tem por finalidade determinar, organizar, conservar, defender e propagar o patrimô- nio histórico e artístico nacional. Impor- tante também registrar que foi, por meio desse decreto, a criação do instrumento do tombamento. Os bens tombados pas- saram a ser inscritos em um ou mais livros de Tombo do Iphan. Seriam eles: • Livro de Tombo Histórico • Livro de Tombo de Belas Artes • Livro de Tombo Arqueológico, Etno- gráfico e Paisagístico • Livro de Tombo das Artes Aplicadas SAIBA MAIS Instituição ícone da época, o Sphan (hoje Iphan) foi resultado do anteprojeto* elaborado pelo pesquisador e poeta Mário de Andrade, a pedido do então ministro de Educação e Saúde, Gustavo Capanema. Muitos autores apontam o caráter extremamente inovador, para a época, desse anteprojeto, em que está patente o resultado dos estudos empreendidos pelo intelectual, sempre preocupado com a identificação de uma cultura nacional. No entanto, esse anteprojeto não foi bem recebido pelos setores da sociedade mais preocupados com a sobrevivência apenas da “pedra e do cal”, como veremos a seguir. * Anteprojeto Trabalho preliminar para a redação final de um projeto de lei. PARA OS CURIOSOS A palavra tombamento reporta-se à Torre do Tombo, situada em Lisboa. Trata-se de uma das instituições mais antigas de Portugal, criada em 1378, funcionando até hoje como um grande Arquivo Nacional, que guarda documentos importantes sobre a administração portuguesa, incluindo suas colônias, como o Brasil. O verbo tombar tem o sentido de registrar ou inventariar bens nos arquivos. No caso brasileiro, tombar significa, a partir do Decreto-Lei nº 25/1937, que o poder público atribui importância e estabelece a preservação de determinado bem de natureza material, a partir de práticas de registro, conservação e difusão do bem tombado. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 133 3. AS POLÍTICAS DE PEDRA E CAL: O PATRIMÔNIO MATERIAL EM EVIDÊNCIA o campo do patrimônio material, o principal e mais antigo instrumento de preservação do patri- mônio, como já mencio- nado, é o tombamento, criado pelo Decreto-Lei nº 25, de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico na- cional, vigente até o dia de hoje. De acordo com art. 1º desse decreto- -lei, “constitui o patrimônio histórico e artístico nacional, o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse públi- co, quer por sua vinculação a fatos me- moráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Complementa em seu § 2º: “Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e pro- teger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana”. Desta forma, podem ser tombados os bens de natureza material: a. bens imóveis, como construções e edificações, cidades históricas, sí- tios urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos; b. bens móveis, como coleções arque- ológicas e museológicas, acervos documentais, bibliográficos, arqui- vísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos; e c. bens integrados, ou seja, aqueles bens móveis que integram os imó- veis tombados, a exemplo de objetos de artes, esculturas, peças decorati- vas e imagens de igrejas e palacetes. Além do tombamento, o Iphan criou outros instrumentos de preservaçãodos bens materiais, como: a. A Valoração do Patrimônio Cultu- ral Ferroviário: Por conta da extinção da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), a Lei nº 11.483/2007 atribuiu ao Iphan a obrigação de “receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural oriun- dos da extinta RFFSA e zelar pela sua guarda e manutenção”. A Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário protegido foi publicada pelo Iphan por meio da Portaria nº 407/2010. b. A Chancela da Paisagem Cultural: Instituída pela Portaria Iphan nº 127/2009, reconhece a importân- cia cultural de porções peculiares do território nacional, represen- tativas do processo de interação do homem com o meio natural, às quais a vida e a ciência humana im- primiram marcas ou atribuíram va- lores. Pressupõe o estabelecimento de um pacto entre o poder público, a sociedade civil e a iniciativa pri- vada, visando a gestão comparti- lhada dessas parcelas do território 134 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE nacional. Embora exista a previsão legal e processos em andamento, nenhuma paisagem cultural até hoje (março de 2020) obteve essa chancela. Na prática, elementos da paisagem continuam sendo tomba- dos, a exemplo dos monólitos de Quixadá (CE), que em 2004 se tor- naram patrimônio nacional e foram inscritos no Livro de Tombo Arque- ológico, Etnográfico e Paisagístico. c. A Política de Patrimônio Cultural Material (PPCM): Recentemente, o Iphan abriu uma consulta pública para receber pro- postas para essa Política, institu- ída pela Portaria nº 375, de 19 de setembro de 2018. A PPCM traz elementos novos aos processos de proteção dos bens culturais de na- tureza material. Alguns princípios merecem destaque: • Não estabelecer uma separação entre bens culturais materiais patrimonializados e as comunidades que os têm como referência; • Estimular redes de contato entre instituições (públicas e privadas), a sociedade civil organizada e profissionais da área de preservação patrimonial (arquitetos, sociólogos, historiadores etc), para que a gestão do patrimônio ganhe maior visibilidade e qualidade; • Fortalecer as ações de diferentes grupos sociais para preservação do seu próprio patrimônio cultural material. PARA OS CURIOSOS Atualmente, o Programa de Aceleração do Crescimento: Cidades Históricas (PAC-CH) do governo federal tem como finalidade apoiar projetos que visem à preservação do patrimônio material brasileiro, a valorização da cultura nacional e o desenvolvimento econômico e social, com sustentabilidade e qualidade de vidas para os cidadãos. O Iphan é o órgão federal que gerencia a distribuição e a aplicação dos recursos desse programa. Confira a página de divulgação do Programa, disponível em http:// www.pac.gov.br/infraestrutura- social-e-urbana/pac-cidades- historicas/pb.). Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 135 4. A ARQUEOLOGIA NAS POLÍTICAS DE PATRIMÔNIO entro das políticas de pre- servação do patrimônio cul- -tural, merecem destaque aquelas voltadas para os bens arqueológicos. A legislação brasileira considera duas categorias: a. patrimônio arqueológico emerso, regido pela Lei º 3.924/61 e b. patrimônio submerso, regido pela Lei nº 7.542/86 (com a alteração dada pela Lei nº 10.166/00). Por conta dessa legislação, os bens ar- queológicos não precisam de um instrumen- to administrativo como o tombamento, por exemplo, para garantir a sua proteção. Além disso, são tratados como bens públicos ma- teriais de propriedade da União, que não podem ser vendidos ou comercializados. Algumas exigências (a e b) e recomen- dação (c) a esse respeito devem ser de conhecimento de todos: a. Qualquer ação ou intervenção em bens ou sítios arqueológicos devem ser executadas por profissional ha- bilitado, o arqueólogo, e com auto- rização do Iphan. Emerso Que não está coberto por água de rios, lagos ou oceanos Submerso Que se encontra mergulhado em águas PARA OS CURIOSOS No seu estado ou munícipio existe algum Sítio Arqueológico ou um Museu de Arqueologia ou algum Museu que guarde objeto(s) arqueológico(s)? Você já o visitou? Sim? Parabéns, compartilhe, convide amigos e familiares para conhecê-los e ajudar na sua preservação. Não? Pois a hora é essa. Você agora sabe de sua importância. Conheça e influencie a seus amigos a visita- rem também, além de divulgar nas suas redes sociais. 136 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE b. Cabe ao Iphan a fiscalização dos bens e sítios arqueológicos. c. As ações voltadas para o conheci- mento, promoção e preservação desses bens e sítios arqueológicos devem ser efetuadas em um sistema de cogestão, envolvendo entidades públicas, arqueólogos, empresas e instituições de guarda (geralmente museus e universidades). A atuação do Iphan na preservação dos bens arqueológicos ficou bastante em evi- dência por conta dos processos que envol- vem licenciamento ambiental. Embora abranja todos os bens culturais legalmen- te protegidos (tombados, valorados etc), os bens arqueológicos se destacam nos processos de licenciamento ambiental, especialmente quando são desenvolvidos empreendimentos, como construções de estradas, instalação de estações de ener- gia, obras de infraestruturas nas cidades, entre outros. Nesses casos, para se receber o licenciamento, antes é necessário apre- sentar estudos e propostas de interven- ção. No âmbito do Iphan, o licenciamento ambiental está regulamentado pela Ins- trução Normativa/Iphan nº 01/2015. Antes da elaboração da legislação específica voltada ao patrimônio arqueológico, o Brasil já contava com 18 bens tombados, sendo 12 sítios arqueológicos e 6 coleções arqueo- lógicas localizadas em museus. Entre esses bens, estão as Itacoatiaras do Ingá, um sítio arqueológico localizado no interior da Paraíba. Trata-se de um sítio com inscrições rupestres em baixo relevo (escavadas na pedra), gravadas em rochas. Destaca-se um grande bloco, de 24m de largura por 3,80m de altura, com figuras zoomórficas, antropomórficas e fitomórficas. É considerado um dos sítios arqueológicos mais importantes do Brasil e foi tombado como patrimônio nacional em 1944. SE LIGA! Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 137 5. O PROGRAMA NACIONAL DO PATRIMÔNIO IMATERIAL (PNPI) último ano do século XX trouxe um marco nas po- líticas patrimoniais: a ins- tituição do Registro do Patrimônio Imaterial. Instituído pelo Decreto nº 3551, de 4 de agosto de 2000. O registro é um importante passo para o reconhecimento da diversidade cultural que integra a identidade e a memória na- cional. Ao lado do registro, este decreto criou Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), por meio do qual o go- verno federal promove ações de identifica- ção, reconhecimento, salvaguarda e pro- moção do patrimônio cultural imaterial. Os principais objetivos do Programa são: a. implementar uma política nacional de inventário, registro e salvaguarda de bens culturais de natureza imaterial; b. contribuir para a preservação da diversidade cultural do país e para a divulgação de informações sobre o patrimônio cultural brasileiro para toda a sociedade; Salvaguarda proteção concedida por instituições ou autoridades. PARA OS CURIOSOS Conheça a Carta de Fortaleza, documento que se originou no primeiro Seminário Internacional do Patrimônio Imaterial e que traz 12 recomendações, entre elas a criação do Grupo de Trabalho para a instituição do Registro dos bens culturais de natureza imaterial: portal.iphan.gov.br/uploads/ ckfinder/arquivos/Carta%20de%20 Fortaleza%201997.pdf PARA OS CURIOSOS Conheça a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial (2003). Acesse: https:// ich.unesco.org/doc/src/00009-PT- Portugal-PDF.pdf Conheça a Convenção de Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005). Acesse: unesdoc.unesco.org/ark:/48223/ pf0000150224_por 138FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE SE LIGA! Para a Unesco, o Patrimônio Cultural Imaterial compreende as práticas, representações, expressões, conhecimento, habilidades – assim como os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais a eles associados – que as comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos reconhecem como parte de seu patrimônio cultural. Esse patrimônio cultural imaterial, transmitido de geração a geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em resposta a seu ambiente, sua interação com a natureza e sua história e lhes dá um senso de identidade e continuidade, promovendo, dessa forma, respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana. Para fins da Convenção, é unicamente levado em consideração o patrimônio cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos de direitos humanos existentes, bem como com os requerimentos de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos e com o desenvolvimento sustentável. PARA OS CURIOSOS Para uma discussão mais aprofun- dada sobre a noção de patrimônio cultural e a indissociabilidade en- tre a sua face material e imaterial, sugerimos a leitura dos textos: Patrimônio material e imaterial: dimensões de uma mesma ideia, de Márcia Sant’Anna (2011) e Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil, de Márcia Chuva (2012). c. captar recursos; d. promover a constituição de uma rede de parceiros; e. incentivar iniciativas e práticas de preservação desenvolvidas pela sociedade por meio de seleção de projetos. A exemplo dos bens materiais tom- bados, os bens imateriais registrados são inscritos em um ou mais livros, as- sim definidos: • Livro de Registro dos Saberes • Livro de Registro das Celebrações • Livro de Registro das Formas de Expressão • Livro de Registro dos Lugares É importante ressaltar que o registro dos bens imateriais e a criação do PNPI são resultados de discussões e estudos prévios que já vinham ocorrendo no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, entre o Estado e a sociedade. Um importante evento nes- se sentido foi a realização, em 1997, pelo Iphan, do primeiro Seminário Inter- nacional do Patrimônio Imate- rial, na cidade de Fortaleza. As políticas voltadas para o patrimô- nio imaterial também são reforçadas, em nosso país, por meio da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial (2003) e a Convenção de Proteção e Pro- moção da Diversidade das Expressões Culturais (2005), ambas da Unesco. Ao ratificar uma convenção, os Esta- dos-membros da Unesco, como o Brasil, assumem determinadas obrigações e concordam em realizar ações para atin- gir em seus territórios as metas estabeleci- das internacionalmente. E você, cara leitora e caro leitor, deve atentar que, ao se falar em patrimônio cultural, devemos ter em mente a indis- sociabilidade entre seus aspectos mate- riais e imateriais. Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 139 6. A POLÍTICA NACIONAL DE MUSEUS pós amplo debate com a comunidade museológi- ca brasileira, o então Mi- nistério da Cultura (MinC) lançou, em maio de 2003, a Política Nacional de Museus (PNM), que tem como premissa a cons- tituição de uma ampla e diversificada rede de par- ceiros que, somando esforços, contribuam para a valorização, a preservação e o ge- renciamento do patrimônio cultural brasi- leiro sob a guarda dos museus. PARA OS CURIOSOS Leia na íntegra o caderno Política Nacional de Museus: memória e cidadania. Acesse: https://www. museus.gov.br/wp-content/ uploads/2010/02/politica_ nacional_museus_2.pdf A PNM foi a primeira política setorial do MinC. Para a sua construção foram re- alizados fóruns com Secretarias de Cultu- ra, Ministérios afins à área museológica, Universidades, profissionais e persona- lidades do meio museológico. Posterior- mente, o texto foi disseminado por meio eletrônico para que sugestões pudessem ser apresentadas. Finalmente foi consoli- dado e sistematizado no caderno Política Nacional de Museus: memória e cidadania. Atualmente, a PNM está instituciona- lizada pela Lei nº 11.904/2009, conhecida como Estatuto dos Museus, que regula- menta a política e a organização do setor museológico brasileiro e do Sistema Bra- sileiro de Museus (SBM). E para quem não sabe o que é o Sistema Brasileiro de Museus, instituído pelo Decreto nº 5.264/2004: ele se configura como o cum- primento de uma das metas previstas no do- cumento da Política Nacional dos Museus. O SBM tem como finalidade a “interação entre os museus, instituições afins e profissio- nais ligados ao setor, visando ao constante aperfeiçoamento da utilização de recursos materiais e culturais”, bem como a “gestão integrada e o desenvolvimento das institui- ções, acervos e processos museológicos”. Além do SBM, existem sistemas estaduais e municipais de museus. Um sistema estadu- al bastante consolidado é o do Rio Grande do Sul (Decreto nº 33.791/91), que serviu de modelo para a proposta de criação do SBM. Voltemos ao Estatuto dos Museus, que além de definir o conceito de museu, esta- belece os procedimentos para a criação de instituições museológicas, identifica suas funções e atribuições, bem como determina a proteção ao patrimônio musealizado. Um dos pontos mais relevantes desen- volvido no Estatuto encontra-se no dever dos museus, públicos ou privados, de ela- borar um Plano Museológico. E o que seria esse Plano Museológi- co? Trata-se de um documento com o registro da história da instituição, um diagnóstico da sua situação estrutural, além de um planejamento (a curto, mé- dio e longo prazo) dos seus programas de gestão e de atividades, que devem ser monitorados periodicamente. Com a edição da Lei nº 11906/2009 foi extinto o antigo Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan e criada uma autarquia específica para cuidar da Políti- ca Nacional de Museus: o Instituto Brasilei- ro de Museus, ou simplesmente Ibram. Entre as atribuições do Ibram está o gerenciamento da Plataforma Museusbr, um cadastro de museus, de amplitude na- cional, que tem como finalidade diagnosti- car e mapear a diversidade museológica brasileira. Também coube ao Ibram a im- plantação, coordenação e o monitoramen- to do Plano Nacional Setorial dos Museus (PNSM), com vigência de 2010 a 2020. Dentro da PNSM, destaca-se o Pro- grama Pontos de Memória, que visa a estimular iniciativas da sociedade civil, pautadas no protagonismo comunitário e na gestão participativa, com foco na iden- tificação, pesquisa e promoção do patri- mônio cultural. Muitas dessas iniciativas culminaram na criação de museus comu- nitários, autônomos do poder público. PARA OS CURIOSOS Sugerimos acessar a Plataforma Museusbr (museus.cultura.gov.br) e conhecer os Pontos de Memória Museu de Favela (RJ) e do Quilombo Sítio do Meio (MA). Aproveite e descubra se em seu estado ou município existe algum Ponto de Memória. Procure conhecê-lo. 140 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE 7. A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E MUSEAL COMO POLÍTICAS PÚBLICAS museólogo Mario Chagas (2013) alerta que a relação entre educação e patri- mônio remonta há perí- odos anteriores à criação do Iphan. Esclarece que essa relação está também presente nos museus des- de longa data, vindo de práticas museológicas ainda do século XIX. Nas últimas décadas, a educação pa- trimonial passou a ser considerada uma política pública a partir da criação da Ge- rência de Educação Patrimonial e Proje- tos, atualmente Coordenação de Educa- ção Patrimonial (Ceduc), no âmbito do Iphan. Seus objetivos e diretrizes foram sistematizadas na publicação Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos (2014) e institucionalizadas na Portaria Iphan nº 137, de 28/04/2016. Atualmente, a Ceduc defende que a Edu- cação Patrimonial se constitui de todos os processos educativos formais e não for- mais que têm como foco o patrimônio cul- tural,apropriado socialmente como recurso para a compreensão sociohistórica das refe- rências culturais em todas as suas manifes- tações, a fim de colaborar para o seu reco- nhecimento, sua valorização e preservação. Considera, ainda, que os processos educativos devem primar pela constru- ção coletiva e democrática do conheci- mento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das referências culturais, onde convivem diversas noções de patrimônio cultural. O projeto Casas do Patrimônio é o car- ro-chefe atual das ações de educação pa- trimonial desenvolvidas pelo Iphan, cuja proposta é “ampliar a capilaridade insti- tucional do Iphan e interligar espaços que promovam práticas e atividades de natu- reza educativa de valorização do patrimô- nio cultural” (IPHAN, 2014). Não são ne- cessariamente espaços físicos, mas ações educativas sobre o patrimônio desenvol- vidas em parceria com escolas, associa- ções de moradores, OSCs etc, respeitando os diferentes saberes e a participação dos detentores das referências culturais. Nesse quesito, as Casas do Patrimônio dialogam bastante com o Programa Pon- tos de Memória do Ibram, pois buscam trabalhar com diferentes grupos sociais, partindo da premissa de que as comuni- dades podem assumir a seleção das re- ferências culturais mais significativas para a formação de suas identidades e memórias coletivas. Após uma construção participativa, que incluiu consulta pública por meio de plata- forma on-line e encontros presenciais, regio- nais e nacionais, o Ibram institucionalizou a Política Nacional de Educação Museal (Pnem), por meio da Portaria nº 422, de 30 de novembro de 2017. O texto legal estabe- lece os princípios e diretrizes dessa Política, com a finalidade de nortear as práticas edu- cativas não só dos museus do Ibram, mas de todo o campo museal brasileiro. A Pnem compreende a educação mu- seal como “um processo de múltiplas di- mensões de ordem teórica, prática e de planejamento, em permanente diálogo com o museu e a sociedade”. Tem como princípio “garantir que cada instituição possua o setor de educação museal com- posto por uma equipe qualificada e mul- tidisciplinar, com a mesma equivalência apontada no organograma para os demais setores técnicos do museu.” Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 141 lém de conhecer as polí- ticas de patrimônio em suas diferentes vertentes, é importante que você, enquanto pesquisador(a), também faça uma análise crítica de suas concepções e implementações. Igualmente, é necessá- rio reconhecer que as práti- cas preservacionistas fazem parte de um processo que sofreram dinâ- micas e transformações ao longo tempo, mas sempre carregadas de disputas políti- cas, econômicas e simbólicas. Nesse sentido, o campo do patrimônio é concebido como um espaço de confli- tos, que envolve relações de força e de poder. Muitos são os autores que apontam que as políticas preservacio- nistas, desde sua origem, no Brasil, arquitetaram uma memória nacio- nal pautada numa herança portuguesa co- lonial. A maioria dos bens tombados está vinculada à Igreja católica, à nossa traje- tória militar e às elites econômicas e po- líticas brasileiras. Lembrando a todos que o primeiro tombamento de um bem de matriz africana só ocorreu quase 50 anos após a criação do Sphan, em 1984. Trata-se do emblemático caso do Terreiro da Casa Branca, em Salvador (BA). A patrimonialização de bens culturais re- lativos a outros grupos formadores da socie- dade brasileira (índios, negros, camponeses, moradores das periferias etc) só começou a tomar algum fôlego como resultado das lu- tas sociais, somente a partir das décadas de 1980-1990, sobretudo com a instituição do Registro do Patrimônio Cultural de Natu- reza Imaterial. Foi esse instrumento que possibilitou tornar patrimônio brasileiro o ofício das baianas de acarajé, o teatro de bo- necos popular e a literatura de cordel, entre outros exemplos. Ressalta-se, no entanto, que mesmo com o registro, a representati- vidade dos diferentes povos formadores da nossa sociedade ainda está aquém do ideal da patrimonialização das diferenças. Essa breve observação serve de alerta para que, em sua pesquisa e na sua atua- ção no campo do patrimônio, você possa refletir sobre como as políticas de Estado, voltadas para a constituição e preserva- ção de uma determinada memória cole- tiva, muitas vezes contribuem para rea- firmar hierarquias e privilégios histori- camente enraizados e naturalizados nas desigualdades sociais no Brasil. A despeito disso, também cabe observar que novos sujeitos sociais comumente não representados ou silenciados nos processos constitutivos de memórias na- cionais (como nos materiais didáticos e museus) têm produzido narrativas acerca de suas próprias memórias e identidades coletivas, aliados a lutas políticas por di- reitos sociais básicos. São os casos de mo- vimentos como o Ocupe Estelita (PE), Ocu- pe o Porto do Capim (PB), Espaço Comum Luiz Estrela (MG), além de diversos grupos quilombolas e indígenas do país. Um grande desafio na implementação das políticas patrimoniais é garantir a par- ticipação efetiva e democrática dos di- ferentes atores sociais, bem como a sua articulação a outras políticas públicas, de forma intersecional. As mudanças sig- nificativas em nossa sociedade exigem um governo que atue em rede e uma gestão compartilhada do patrimônio cultural, de modo que o Estado cumpra com sua responsabilização – disponibilizando pro- gramas, projetos e ações efetivas para a preservação da memória dos distintos seg- mentos sociais – ao mesmo tempo que a sociedade civil, na medida em que se reco- nhece como um importante ator nesse jogo político, pode propiciar um maior controle social sobre a ação do Estado e reivindicar que suas demandas sejam atendidas. Nós enquanto mediadores de Educa- ção para Patrimônio temos a obrigação de entender essas nuances, compartilhar com as comunidades, com a sociedade civil, com os detentores desse patrimô- nio, sujeitos sociais que muitas vezes ig- noram o poder e a riqueza daquilo que trazem em suas mãos. 8. POR UMA VISÃO CRÍTICA DAS POLÍTICAS DE PATRIMÔNIO 142 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Regina. 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ILUSTRADOR Daniel Dias é ilustrador e artista gráfico, com extensa produção em projetos editoriais, sendo a maior parte destinada ao público infantil e infantojuvenil. Seu trabalho tem como base a pesquisa de materiais e estilos, envolvendo estudo de técnicas tradicionais de pintura, desenho, fotografia e colorização digital. 143Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 143 Este fascículo é parte integrante do projeto Formação de Mediadores de Educação Patrimonial, em decorrência do Termo de Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza, sob o nº 02/2019. Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271 fdr.org.br fundacao@fdr.org.br EXPEDIENTE: FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) João Dummar Neto Presidente André Avelino de Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro Marcos Tardin Gerente Geral Raymundo Netto Gerente Editorial e de Projetos Emanuela Fernandes Analista de Projetos UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Viviane Pereira Gerente Pedagógica Marisa Ferreira Coordenadora de Cursos Joel Bruno Designer Educacional Thifane Braga Secretária Escolar CURSO FORMAÇÃO DE MEDIADORES DE EDUCAÇÃO PARA PATRIMÔNIO Raymundo Netto Coordenador Geral, Editorial e Revisor Cristina Holanda Coordenadora de Conteúdo Amaurício Cortez Editor de Design e Projeto Gráfico Miqueias Mesquita Diagramador Daniel Dias Ilustrador Thaís de Paula Produtora ISBN: 978-85-7529-951-7 (Coleção) ISBN: 978-85-7529-960-9 (Fascículo 9) Realização Apoio Universidade Estadual do Ceará
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