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Patrimônio Cultural e Histórico Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Esp. João Augusto Menoni Vieira Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro O Que é Patrimônio Cultural? • Introdução; • Memória, Identidade e Patrimônio Cultural; • Patrimônio Cultural e Patrimônio Natural; • Patrimônio Cultural Material e Imaterial; • Preservação do Patrimônio Cultural e sua Trajetória no Mundo e no Brasil; • Cartas Patrimoniais, Legislação e Mecanismos de Proteção do Patrimônio Cultural; • Cidadania e Patrimônio Cultural. • Distinguir o signifi cado de patrimônio cultural e histórico e de seus conceitos relacionados e as suas relações com a memória das comunidades; • Compreender a diversidade de patrimônios culturais (material, imaterial, arqueológico); • Conhecer a legislação e as políticas públicas de salvaguarda e de conservação de bens culturais; • Explorar as diversas funções e usos do patrimônio cultural por meio das atividades econô- mica, turística, de entretenimento e de geração de empregos. OBJETIVOS DE APRENDIZADO O Que é Patrimônio Cultural? Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE O Que é Patrimônio Cultural? Memória, Identidade e Patrimônio Cultural O culto que se rende hoje ao patrimônio histórico deve merecer de nós mais do que simples aprovação. Ele requer um questionamento, porque se constitui num elemento revelador, negligenciado, mas brilhante, de uma condição da sociedade e das questões que ela encerra. (CHOAY, 2001, p. 12) Figura 1 – No Brasil, as ruínas do sítio arqueológico de São Miguel Arcanjo, localizadas em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul, inscritas na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, em dezembro de 1983, representam importante testemunho da ocupação do território e das relações culturais que se estabeleceram entre os povos nativos, na maioria do grupo étnico Guarani, e missionários jesuítas europeus. Durante os séculos XVII e XVIII, ocorreu um processo de evangelização promovido pela Companhia de Jesus nas colônias da coroa espanhola na América do Sul Foto: iphan.gov.br A memória, conforme já ressaltava nos anos 1920 o sociólogo francês Maurice Halbwachs (1877-1945), deve ser entendida como um fenômeno coletivo e social, construído de forma conjunta e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes (POLLAK, 1992, p. 2). Halbwachs foi o criador do conceito de memó- ria coletiva. Ela (a memória), também, de forma óbvia, é um fenômeno individual, íntimo, próprio da pessoa. Alguns elementos constitutivos da memória – coletiva ou individual – são facilmente identificáveis como, por exemplo, acontecimentos vividos pessoalmente e/ou vividos “por tabela”, ou seja, experimentados pelo grupo ou pela coletividade a qual a pessoa pertence, ainda que ela não os tenha vivido ou presenciado. Seria algo como uma memória herdada. Além desses acontecimentos, a memória também é constituída por pessoas e personagens, que encontramos pessoalmente no decorrer da nossa vida e aquelas conhecidas indiretamente, que se transformam em “conhecidos”, ainda que não te- nham pertencido ao nosso espaço ou tempo. “Não é preciso ter vivido na época do general De Gaulle para senti-lo como um contemporâneo”, salienta Pollak (1992, p. 2). Choay (2001) reforça essa ideia, afirmando que indivíduos e sociedades pre- servam e desenvolvem as suas identidades por meio da memória. 8 9 E, por fim, temos os lugares e os objetos, ligados a uma lembrança que pode ser pessoal ou coletiva como a casa em que passamos nossa infância, o armazém do nosso tio, a escola, o museu, a casa mais antiga da cidade etc. Temos, também, os lugares históricos que contam a trajetória de um povo, de um herói, ou os monu- mentos naturais, sítios e paisagens. Cada um desses critérios de lembranças – acontecimentos, personagens, lugares e objetos – estão à nossa volta em livros, filmes, histórias orais, formando a nossa iden- tidade pessoal, ou seja, quem somos. São a nossa herança. Aliás, o primeiro registro da nossa identidade é a certidão de nascimento. É ela que especifica oficialmente o nosso nome completo, onde e quando nascemos, quem são nossos pais, avós. Pensando nisso, será que o Brasil tem uma “certidão de nascimento”? A carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal Dom Manuel I, datada de 1º de março de 1500 (link a seguir), é considerada pelos historiadores como a “certidão de nascimento do Brasil”. O texto anuncia o descobrimento de uma nova terra, informa sobre a viagem, os episódios ocorridos durante a chegada da expedição no Brasil, impressões sobre a fauna e a flora e sobre os nativos (MARTINS, 2005). Redigida em forma de diário, como uma reportagem sobre os fatos ob- servados, a carta é composta de sete folhas de papel florete, cada uma delas com quatro páginas, totalizando 27 de texto e uma de endereço, com medida de cerca 296 mm x 299 mm, típica da época. Foi escrita com pena de pato, usual entre os séculos XV e XVI. A carta encontra-se hoje no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa. Confira a carta original de Caminha e a transcrição do texto, disponível em: Trecho inicial da carta original de Pero Vaz de Caminha: https://bit.ly/2I5ulJb. A transcrição do texto: https://bit.ly/1SbUC6U. Ex pl or Assim, acontecimentos, personagens, lugares e objetos nos ajudam a compreender a sociedade onde vivemos, e, por conseguinte, entender também como funcionam outras sociedades, próximas ou longínquas e em diversos períodos na história. Essa herança cultural adquirida cumpre um importante papel ao fornecer informações sobre a história de um povo, de um país, de uma região e do passado da sociedade, contribuindo para a formação da identidade local e para o resgate da memória, sendo um elo entre o cidadão e suas raízes. “Em vista disso, sua preservação torna-se fun- damental no que diz respeito ao desenvolvimento cultural de um povo, uma vez que se reflete em sua formação sociocultural” (ROCHA; OLIVEIRA, 2012, p. 2). Preservar a herança cultural, portanto, oferece às comunidades a oportunidade de conhecimento de suas próprias histórias e também as de outros. E como isso pode ser feito? Por meio do patrimônio1material, imaterial, arquitetônico ou edi- ficado, arqueológico, artístico, religioso e da humanidade. O escritor e crítico de arte inglês John Ruskin (1819-1900), por volta de 1850, atribuiu à memória uma destinação e um valor novos em relação ao monumento histórico, sentenciando: “Nós podemos viver sem [a arquitetura], adorar nosso Deus sem ela, mas sem ela não podemos nos lembrar” (CHOAY, 2001, p. 139). 1 A palavra patrimônio tem origem nas estruturas familiares, significando um bem de herança que se recebe dos pais. A essa palavra, alguns adjetivos (histórico, cultural, material e imaterial) serão agregados com o tempo no processo de associação dos “monumentos” e “monumentos históricos” ao “patrimônio”. Para pesquisadores, o uso corrente da expressão “patrimônio histórico” passa a ser utilizado a partir da década de 1960. 9 UNIDADE O Que é Patrimônio Cultural? Para Ruskin, a arquitetura seria o meio para “conservar vivo um laço com o passado ao qual devemos nossa identidade, e que é parte do nosso ser” (CHOAY, 2001, p. 139). Em decorrência desse pensamento, entendemos que por meio da materialidade, conseguimos realizar e afirmar nossa identidade cultural, podendo também reconstruir o passado histórico. Os conceitos de Ruskin enriqueceram o conceito de monumento histórico, trazendo a arquitetura doméstica, ou seja, as residências mais humildes ao campo da herança histórica a ser preservada. As ideias de Ruskin contribuíram para a proteção dos monumentos históricos em escala in- ternacional. Em 1854m ele chegou a propor a criação de uma organização europeia de prote- ção do patrimônio cultural do continente. Confira em John Ruskin: teorias da preservação e suas influências na preservação do patrimônio brasileiro no início do século XX, texto de Flávia de Azevedo Monteiro, suas teorias que ainda se apresentam atuais e pertinentes à preservação do patrimônio. Disponível em: https://bit.ly/2Dniir2 Ex pl or Patrimônio Cultural Normalmente, quando pensamos em patrimônio, nossa tendência é de associá- -lo somente ao patrimônio material como edificações, obras de arte, monumentos, ligados à riqueza, que são herdados ou que possuem algum valor afetivo. Entretan- to, patrimônio se refere, também, às experiências e memórias, coletivas ou indivi- duais dos povos como lendas, mitos, ritos, saberes e técnicas, por exemplo. Dessa forma, o patrimônio possui a capacidade de estimular a memória das pessoas vin- culadas a ele, sendo alvo de estratégias que visam à sua promoção e preservação. A origem do conceito de patrimônio histórico e cultural, especialmente por meio da conservação de monumentos históricos na Europa, tem seus primeiros registros na Itália, mais precisamente em Roma, por volta de 1420, quando o Papa Martinho V restabelece a sede do papado na cidade onde deseja restituir o seu poder e o seu prestígio (CHOAY, 2001). Entretanto, não havia ainda qualquer ação concreta de preservação, apenas a tomada de consciência do valor histórico e artístico dos monumentos da Antiguidade. Outro momento importante nessa trajetória ocorreu no final do século XVIII, com a formação dos Estados nacionais e o consequente aumento da ideia de nação a partir da Revolução Francesa (1789-1799). É reforçada a noção de cidadania e os bens patrimoniais passam a atuar como documentos da história oficial. No século seguinte, em 1837, na França, foi criada a primeira Comissão de Monumentos Históricos do país, em função de grandes destruições de bens imóveis e de arte ocorridas até então (CHOAY, 2001). A noção de patrimônio histórico no momento de sua origem correspondia aos bens imóveis como prédios e monumentos públicos, e aos valores simbólicos que eles representavam (e representam). “Os valores e características culturais de um povo seriam então socialmente compartilhados e simbolicamente projetados sobre a propriedade coletiva, seu patrimônio” (SAPIEZINKAS, 2008). 10 11 Ao longo do tempo, o estudo do patrimônio cultural tem buscado a promoção, valori- zação e a consagração daquilo que é comum a determinado grupo social no tempo e no espaço. Esse conceito de patrimônio, atualmente, compreende três grandes categorias: A primeira engloba os elementos pertencentes à natureza, ao meio am- biente; a segunda refere-se ao conhecimento, às técnicas, ao saber e ao saber-fazer; e a terceira trata mais objetivamente do patrimônio histórico, que reúne em si toda a sorte de coisas, artefatos e construções resultantes da relação entre o homem e o meio ambiente e do saber-fazer humano, ou seja, tudo aquilo que é produzido pelo homem ao transformar os elemen- tos da natureza, adequando-os ao seu bem-estar. (TOMAZ, 2010, p. 3) No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 216, ampliou o con- ceito de patrimônio estabelecido pelo Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, substituindo a nominação Patrimônio Histórico e Artístico, por Patrimônio Cultural Brasileiro. Essa alteração incorporou o conceito de referência cultural e a definição dos bens passíveis de reconhecimento, sobretudo os de caráter imaterial. A Constituição estabelece ainda a parceria entre o poder público e as comunidades para a promoção e proteção do Patrimônio Cultural Brasileiro, no entanto, man- tém a gestão do patrimônio e da documentação relativa aos bens sob responsabili- dade da administração pública. A Constituição Federal de 1988 amplia a legislação relativa ao patrimô- nio cultural e define as competências de promoção, regulamentação e fiscalização das práticas de preservação, atribuindo um papel mais signi- ficativo para o âmbito da administração municipal e a participação po- pular nos processos. A participação da comunidade na preservação do patrimônio cultural está prevista em lei para ocorrer de três modos pos- síveis: na apresentação de projetos de lei, na fiscalização de execução de obras e na proteção direta do bem. O cidadão que tiver interesse poderá participar da preservação do patrimônio cultural seja sozinho, reunindo- -se com outros no mesmo interesse ou associando-se a alguma entidade. (SAPIEZINKAS, 2008, p. 83-84) Enquanto o Decreto-lei nº 25 de 1937 estabelece como patrimônio “o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (BRASIL, 1937), o Artigo 216 da Constituição conceitua patrimônio cultural como sendo os bens “de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988). Nessa redefinição promovida pela Constituição estão: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifesta- ções artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. 11 UNIDADE O Que é Patrimônio Cultural? Confira, na íntegra, o texto do Artigo 216 da Constituição brasileira de 1988 (BRASIL, 1988): Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portado- res de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destina- dos às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º O poder público, com a colaboração da comunidade,promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. § 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. § 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. § 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. § 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. Patrimônio Cultural e Patrimônio Natural O patrimônio cultural é composto por monumentos, conjuntos de construções e sítios arqueológicos, de fundamental importância para a memória, a identidade e a criatividade dos povos e a riqueza das culturas. Essa composição está definida na Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, elaborada na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em Paris (França), em 1972, da qual o Brasil é signatário. A Convenção definiu, também, que o patrimônio natural é formado por monumen- tos naturais constituídos por formações físicas e biológicas, formações geológicas e fisiográficas (descrição da terra e dos fenômenos que nela se produzem), além de sítios naturais. Dessa forma, a proteção ao ambiente, do patrimônio arqueológico, o respeito à diversidade cultural e às populações tradicionais são objeto de atenção especial. 12 13 Patrimônio Mundial Cultural e Natural no Brasil Desde o dia 1º de julho de 2012, a cidade do Rio de Janeiro passou a ser a pri- meira área urbana no mundo a ter reconhecido pela Unesco o valor universal da sua paisagem urbana. Sua inscrição na categoria de Paisagem Cultural, pelo valor universal excepcional, foi um passo importante para consolidar as ações de prote- ção e preservação de uma interação única entre a cultura e a natureza. Tabela 1 Patrimônio mundial cultural no Brasil / Unesco Unidade da Federação Ano da inclusão Centro Histórico de Ouro Preto (figura 2) MG 1980 Centro Histórico de Olinda PE 1982 Ruínas de São Miguel das Missões – Missões Jesuíticas Guaranis RS 1983 Centro Histórico de Salvador BA 1985 Santuário do Bom Jesus de Matozinhos - Congonhas MG 1985 Plano Piloto de Brasília - Distrito Federal DF 1985 Parque Nacional Serra da Capivara - São Raimundo Nonato PI 1991 Centro Histórico de São Luís – São Luís MA 1997 Centro Histórico de Diamantina MG 1999 Centro Histórico de Goiás - Goiás GO 2001 Praça São Francisco - São Cristóvão SE 2010 Paisagens cariocas entre a montanha e o mar - Rio de Janeiro RJ 2012 Conjunto Moderno da Pampulha - Belo Horizonte MG 2016 Cais do Valongo - Rio de Janeiro RJ 2017 Fonte: Unesco (https://bit.ly/2P Of3zv) Figura 2 – Ouro Preto (MG) foi uma das primeiras cidades tombadas pelo Iphan, em 1938, e a primeira cidade brasileira a receber o título de Patrimônio Mundial, conferido pela Unesco, em 1981. O reconhecimento se deve, principalmente, pelo fato de a cidade ser um sítio urbano completo e pouco alterado em relação à sua essência: formação espontânea a partir de um sistema minerador, seguido por uma marcada presença dos poderes religioso e governamental, e fortes expressões artísticas que se destacam por sua relevância internacional Fonte: iphan.gov.br 13 UNIDADE O Que é Patrimônio Cultural? Tabela 2 Patrimônio mundial natural no Brasil / Unesco Unidade da Federação Ano da inclusão Parque Nacional do Iguaçu (figura 3) PR 1986 Reservas da Mata Atlântica PR/SP 1999 Costa do Descobrimento: Reservas da Mata Atlântica BA/ES 1999 Complexo de Áreas Protegidas do Pantanal MT/MS 2000 Complexo de Conservação da Amazônia Central AM 2000 Ilhas Atlânticas: Fernando de Noronha e Atol das Rocas PE/RN 2001 Reservas do Cerrado: Parques Nacionais da Chapada dos Veadeiros e das Emas GO 2001 Fonte: Unesco (https://bit.ly/2POf3zv) Figura 3 – Em 28 de novembro de 1986, o Parque Nacional do Iguaçu, no estado do Paraná, foi inscrito na Lista do Patrimônio Natural Mundial pela Unesco Foto: iphan.gov.br Manual de Sinalização do Patrimônio Mundial no Brasil Para dar maior visibilidade aos sítios brasileiros declarados Patrimônio Mundial, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan (autar- quia Federal, vinculada ao Ministério da Cultura) e a Unesco lançaram, em 2013, o Manual de Sinalização do Patrimônio Mundial no Brasil – Orientações Técnicas para Aplicação (confira o manual no link a seguir). O objetivo da publicação é estimular gestores e comunidades locais a adotarem a identidade visual do pa- trimônio mundial na sinalização dos sítios culturais, naturais e mistos do país, valorizando assim a sua condição especial de detentores do título internacional concedido pela Unesco. Sinalização do Patrimônio Mundial no Brasil. Disponível em: https://bit.ly/2FdOcIi Ex pl or 14 15 Figura 4 – Desenhado pelo designer gráfi co belga Michel Olyff , em 1978, o emblema do patrimônio mundial simboliza a interdependência dos bens culturais e naturais. O quadrado central é uma forma criada pelo homem e o círculo representa a natureza, estando os dois elementos intimamente ligados. O emblema é redondo como o mundo, mas simboliza também a proteção. Simboliza a adesão dos Estados-membros2 à Convenção do Patrimônio Mundial e serve para identifi car os bens inscritos na Lista do Patrimônio Mundial. Este símbolo está associado ao conhecimento que o público tem da Convenção e se constitui em um selo de credibilidade e de prestígio Fonte: iphan.gov.br Patrimônio Cultural Material e Imaterial A Constituição Federal brasileira de 1988, como já vimos, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial (também denominados como tangível e intangível, respectivamente) e, também, ao estabelecer outras formas de preservação como o registro e o inventário de bens, além do tombamento – instrumento de proteção instituído pelo Decreto-Lei nº 25 (1937), relativo, principalmente, à proteção de edificações, paisagens e conjun- tos históricos urbanos. Tombo: O verbo “tombar” começou a ser empregado pelo Arquivo Nacional Português (fundado por D. Fernando, em 1378, originalmente instalado em uma das torres da mu- ralha que protegia a cidade de Lisboa). Com o passar do tempo, o local passou a ser cha- mado de Torre do Tombo. Ali eram guardados os livros de registros especiais ou livros do tombo. No Brasil, como uma deferência, o Decreto-Lei nº 25 (1937) adotou essa expressão para que todo o bem material passível de preservação, por meio do ato administrativo do tombamento, seja inscrito no Livro do Tombo correspondente. O patrimônio material protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, em nível na- cional, é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza, conforme quatro Livros do Tombo: Arqueológico, paisagístico e etnográfico; Histórico; Belas artes; Artes aplicadas. O tombamento pode ser realizado nos níveis federal (Iphan), estadual e municipal. Um bem pode ser tombado em mais de um nível. Ex pl or 2 A expressão Estados-membros designa os Estados (no sentido de nação) que se comprometem a praticar as normas e recomendações aprovadas nas Convenções Internacionais. 15 UNIDADE O Que é Patrimônio Cultural? Patrimônio Cultural Material Os bens de natureza material podem ser, por exemplo, imóveis como prédios, residências, pontes, ruas e até cidades históricas, sítios arqueológicos e paisagísti- cos; ou bens móveis, como coleções arqueológicas, acervos museológicos, docu- mentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. Desde setembro de 2018, o Brasil conta com a Política de Patrimônio Cultu- ral Material (PPCM). A normativa atua como um guiapara ações e processos de identificação, reconhecimento, proteção, normatização, autorização, licenciamen- to, fiscalização, monitoramento, conservação, interpretação, promoção, difusão e educação patrimonial relacionados à dimensão material do Patrimônio Cultural Brasileiro. Entre as novidades, há o instrumento inédito Declaração de Lugares de Memória, ou seja, ainda que um bem cultural tenha perdido sua integridade e autenticidade, em consequência da ação humana ou do tempo, o Iphan poderá reconhecer a importância de seus valores simbólicos. A PPCM consolida princípios, premissas, objetivos, procedimentos e conceitos para a preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro de natureza material, que se formaram e se modificaram ao longo do tempo. A política busca, principalmente, a participação ativa na elaboração de estratégias e da colaboração entre as esferas do Poder Público e da comunidade. O documento apresenta cinco objetivos: a) quali- ficação e ampliação das ações e atividades de Preservação do Patrimônio Cultural de Natureza Material; b) estabelecimento de práticas para construção coletiva dos instrumentos de preservação; c) institucionalização das práticas e instrumentos de preservação sugeridos pelo Comitê do Patrimônio Mundial; d) detalhamento dos entendimentos institucionais sobre termos e conceitos específicos; e) fortalecimento da Preservação do Patrimônio Cultural de Natureza Material de povos e comunida- de tradicionais. Patrimônio Cultural Imaterial A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) define como patrimônio imaterial “as práticas, representações, expres- sões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lu- gares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural” (BRASIL, 2018a). Os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito às práticas e aos do- mínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; nos luga- res (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas). A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou o conceito 16 17 de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e também imaterial. Para atender às determinações legais e criar instrumentos adequados ao reconhecimento e à preservação de bens imateriais, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan – coordenou os estudos que resultaram na edição do Decreto nº. 3.551, de 4 de agosto de 2000, que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI). Em 2004, uma política de salvaguarda mais estruturada e sistemática começou a ser implementada pelo Iphan a partir da criação do Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI). Em 2010, foi instituído o Inventário Nacional da Diversidade Lin- guística (INDL), utilizado para reconhecimento e valorização das línguas portadoras de referência à identidade, ação e memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. A preservação do patrimônio imaterial é realizada pelo poder público por meio do instrumento denominado registro – diferentemente dos bens materiais que são tombados. Em 2000, o governo federal instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e definiu um programa voltado especialmente para esses pa- trimônios. O registro é um instrumento legal de preservação, reconhecimento e valorização do patrimônio imaterial do Brasil, composto por bens que contribuíram para a formação da sociedade brasileira. Esse instrumento é aplicado àqueles bens que obedecem às categorias estabe- lecidas: celebrações, lugares, formas de expressão e saberes, ou seja, as práticas, representações, expressões, lugares, conhecimentos e técnicas que os grupos so- ciais reconhecem como parte integrante do seu patrimônio cultural. Ao serem re- gistrados, os bens recebem o título de Patrimônio Cultural Brasileiro e são inscritos em um dos quatro Livros de Registro, de acordo com a categoria correspondente: Saberes, Celebrações, Formas de expressão e Lugares. Figura 5 – A viola de cocho é um instrumento musical singular quanto à forma e sonoridade, produzido exclusivamente de forma artesanal, com a utilização de matérias-primas existentes na Região Centro-Oeste do Brasil. Os materiais utilizados na confecção da viola – esculpida em uma peça integral de madeira – incluem o fi o de algodão e a tripa de animais, entre outros. O Modo de Fazer a Viola de Cocho foi registrado no Livro dos Saberes, em 2005 Fonte: iphan.gov.br 17 UNIDADE O Que é Patrimônio Cultural? Figura 6 – A Feira de Caruaru – inscrita no Livro de Registro dos Lugares, em 2006 – é um lugar de memória e de continuidade de saberes, fazeres, produtos e expressões artísticas tradicionais que continuam vivos no comércio de gado e dos produtos de couro, nos brinquedos reciclados, nas figuras de barro inventadas por Mestre Vitalino, nas redes de tear, nos utensílios de flandres, no cordel, nas gomas e farinhas de mandioca, nas ervas e raízes medicinais. Sem a dinâmica e o mercado da feira, esses saberes e fazeres teriam desaparecido Fonte: iphan.gov.br Preservação do Patrimônio Cultural e sua Trajetória no Mundo e no Brasil Importância da Unesco na Defesa do Patrimônio No início do século XX, o mundo ocidental convivia com a devastação causada pela Primeira Guerra Mundial, o crescente aumento da população, o desenvolvi- mento da indústria e o pensamento urbano e arquitetônico moderno de que era preciso construir e, para isso, era preciso destruir. Mas, em contrapartida, havia a preocupação, principalmente por parte de intelectuais, de que era preciso conser- var e também (principalmente) restaurar o patrimônio danificado. A partir desse momento, a preocupação com a preservação do patrimônio cul- tural começa a se constituir mais efetivamente. Surgem as primeiras tentativas de normatizar técnicas e procedimentos em nível internacional, a partir de 1931, com a promulgação da Carta de Atenas (Grécia). O instrumento buscou estabelecer princípios de práticas de restauração para a intervenção em patrimônios culturais. A preservação do patrimônio cultural mundial começou realmente a ganhar im- portância a partir da criação da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 16 de novembro de 1945, logo após o final da Segunda Guerra Mundial. A agência das Nações Unidas, além de promover a paz e os direitos humanos com base na solidariedade intelectual e moral da humanidade, incentiva à cooperação entre os Estados-membros e desenvolve um programa inter- nacional de preservação do patrimônio cultural de cada país e de defesa da diversida- de mundial das culturas. A Unesco promove, desde então, encontros internacionais 18 19 que resultam em “Recomendações” a serem seguidas pelos países-membros sobre os procedimentos para a preservação dos bens de natureza material e imaterial. Em 1964, é assinado outro instrumento importante: a Carta de Veneza (Itália), que difundiu mundialmente o conceito de patrimônio e as práticas de preservação associadas a ele. A partir desse momento, as ideias de conservação foram estendi- das também às cidades e à malha urbana como um todo. A partir desse momento, muitas diretrizes para a conservação e recuperação de bens culturais históricos passaram a ser definidas internacionalmente. Brasil, Patrimônio e Revolução Francesa “No caso brasileiro, o conceito de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tem o mesmo sentido dos valores enraizados na Revolução Francesa, ou seja, conferir identidade ao país” (TOMAZ, 2010, p. 7). A preocupação com a preservação do patrimônio histórico nacional, principalmente dos bens imóveis fora doâmbito dos museus, começa a ter um significado mais relevante a partir das primeiras décadas do século XX por meio de intelectuais, que denunciaram o descaso com as cidades históricas e a dilapidação do que seria um “tesouro” Nacional. Em 1916, o escritor Alceu Amoroso Lima (1893-1983) e o advogado Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969) viajam a Minas Gerais, anunciam a descoberta do barroco no Brasil3 e proclamam a necessidade de sua preservação. No mesmo ano, Amoroso Lima publica na Revista do Brasil o artigo Pelo Passado Nacional. Figura 7 – O barroco no Brasil está presente na Arquitetura e nas obras do arquiteto e escultor mineiro Aleijadinho (Antônio Francisco Lisboa, 1738-1814). Em 1796, o artista conclui 64 esculturas de madeira que representam cenas da Paixão de Cristo, e três anos mais tarde, fi naliza as 12 esculturas dos profetas, localizadas no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, ambas obras em Congonhas do Campo (MG) Fonte: Wikimedia Commons 3 Influenciado pelo barroco português, o movimento brasileiro, que ganhou força a partir do século XVII, apresentou suas próprias características. Na arquitetura, ainda que rico em detalhes e com adornos revestidos de ouro, não reproduziu a pompa e o luxo da corte portuguesa. 19 UNIDADE O Que é Patrimônio Cultural? Na Constituição de 1934, apareceu, pela primeira vez no Brasil, a noção jurídica de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. “O Artigo 10 tinha como objetivo res- ponsabilizar o poder público pela preservação dos monumentos de valor histórico ou artístico de importância nacional” (TOMAZ, 2010, p. 8). Nesse mesmo ano, ocorreram as primeiras tentativas reais de intervenção do poder público no sentido de preservar os bens de importância para a história e as artes nacionais com a criação da Inspetoria de Monumentos Nacionais, resultado da ampliação do Museu Histórico Nacional, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Cabia à Inspetoria fazer um catálogo dos edifícios de valor e interesse artísti- co e histórico e propor ao Governo Federal torná-los monumentos nacionais por meio de decreto. Igualmente se procurava uniformizar as legislações estaduais de proteção e conservação de monumentos nacionais, guardar e fiscalizar os objetos histórico-artísticos. Mas, foi em 1937, que a questão preservacionista brasileira começou a tomar forma com a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), por meio do Decreto-Lei nº 25. Estruturado por intelectuais e artistas brasileiros da época, principalmente pelo poeta Mário de Andrade (1893-1945), o órgão estava voltado especificamente à preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, principalmente com a adoção do tombamento – instrumento de proteção instituído pelo Decreto-Lei nº 25 (1937). A partir desse momento, definiu-se Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como: “O conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (BRASIL, 1937, Artigo 1º). Tomaz (2010, p. 10) salienta que, nos anos seguintes à organização do Sphan, as políticas de preservação do patrimônio no Brasil adotaram uma perspectiva “predominantemente estética em detrimento do aspecto histórico, deixando de incorporar conceitos da historiografia nacional e internacional tão relevantes para um alcance mais profundo no que diz respeito à preserva- ção do patrimônio”. Até o final da década de 1970, o conceito de patrimônio no Brasil estava vol- tado basicamente à preservação de bens arquitetônicos como peças únicas e de forma isolada, não levando em consideração seu entorno imediato e sua inserção em um conjunto histórico. Entretanto, não tardou para que esse conceito fosse ampliado para a preservação de conjuntos arquitetônicos inteiros – urbanos e rurais – relevantes para a sociedade como, por exemplo, o centro histórico de Salvador (BA) (figura 8). Em 1972, a Convenção do Patrimônio Mundial, como é popularmente conheci- da, realizada em Paris, é hoje o instrumento internacional da Unesco que baliza a questão do patrimônio cultural, obtendo a adesão de 190 países-membros, incluin- 20 21 do o Brasil. É a comunidade internacional unida pela missão comum de identificar e salvaguardar sítios do Patrimônio Cultural e Natural mais significativos do mundo. Figura 8 – O conjunto urbanístico e arquitetônico contido na poligonal do centro histórico de Salvador – declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, em 1985 – é um dos mais importantes exemplares do urbanismo ultramarino português, formado basicamente por edifícios dos séculos XVI ao XIX. Com seus becos e ladeiras, acolhe um dos mais ricos conjuntos urbanos do Brasil, implantado em acrópole e distinguindo-se em dois planos as funções administrativas e residenciais (no alto) e o porto e o comércio (à beira-mar). Entre 1938 e 1945, vários monumentos do centro histórico foram tombados pelo Iphan, para garantir a preservação do Largo do Pelourinho e do seu entorno imediato Fonte: iphan.gov.br A partir da Constituição de 1988, como vimos, o conceito voltado apenas à preservação de bens imóveis foi repensado, sendo então adotadas medidas de pre- servação voltadas a outras áreas da cultura brasileira. Surgiu, assim, o registro de bens de natureza imaterial, instrumento que se aliou ao tombamento, que já prote- gia bens de natureza material.t O Brasil foi eleito, em 2017, para integrar o Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, jun- tamente com outros 11 países. O comitê é responsável pela aplicação da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural e se reúne anualmente para, entre outras tarefas, julgar as candidaturas para inscrição na Lista no Patrimônio Mundial. Esta é a quinta vez que o país participa como membro do grupo. O Brasil também já presidiu o comitê du- rante duas de suas reuniões anuais em 1988 e em 2010. O Comitê é um conselho integrado por 21 países, Estados-membros da Convenção, que têm mandatos de até seis anos. Ex pl or Cartas Patrimoniais, Legislação e Mecanismos de Proteção do Patrimônio Cultural A partir do início do século XX, observamos maior preocupação de intelectuais e gestores públicos com a conservação dos bens culturais a partir de Conven- ções Internacionais realizadas em Estados-membros, de diversas partes do mun- 21 UNIDADE O Que é Patrimônio Cultural? do, integrantes de organizações não governamentais como ONU (Organização das Nações Unidas), Unesco e Icomos (International Council of Monuments and Sites ou Conselho Internacional de Monumentos e Sítios), com sede em Paris. O produto resultante desses encontros são documentos oficiais chamados de Cartas Patrimo- niais, que expressam normas internacionais4 de salvaguarda e de preservação de bens culturais da humanidade. Assim, cabe a cada Estado-membro adaptar-se juridicamente conforme sua re- alidade econômica, social e cultural, para alcançar resultados reais de valorização, preservação e conservação do seu patrimônio, com o objetivo de transmitir às futuras gerações seu legado cultural. “As Cartas também sugerem revisões nos pla- nos diretores das cidades em níveis de planejamento físico-territorial e urbanístico, com o intuito de proteger as edificações e os conjuntos históricos remanescentes” (UFRGS, 2007, p. 25). O marco inicial nesse processo de conscientização dos Estados modernos para a preservação de edificações e monumentos históricos é a Carta de Atenas (Grécia), de 1931, produzida pelo Escritório Internacional dos Museus Sociedade das Nações. O documento trouxe para discussão questões sobre as principais preo- cupações da época, que envolviam legislação, técnicas e princípios de conservação de bens históricos e artísticos. A Carta foi usada como referência para o desenvol- vimento da ideia de preservação e para o direcionamentodos trabalhos de conser- vação, restauração e intervenção, realizados até 1964, quando a Carta de Veneza forneceu novos entendimentos profissionais ligados à área de preservação. Vamos conhecer um resumo das sete principais Cartas Patrimoniais nos níveis nacional e internacional por ordem cronológica. O Iphan apresenta, na íntegra, um total de 46 documentos que tratam do tema (BRASIL, [2018b]). Cartas Patrimoniais. Disponível em: http://bit.ly/2QgnWyT Ex pl or Principais Cartas Patrimoniais Tabela 3 Carta de Veneza 1964 Conservação e restauração de monumentos e sítios Busca evitar a deterioração de monumentos e sítios, mantendo vivas as obras de arte e o testemunho histórico que elas compreendem. Recomenda que os trabalhos de restauração sejam documentados e publicados após sua conclusão. Desmistifica a edificação histórica, possibilitando uma releitura de sua vocação original, tornando o prédio compatível às necessidades sociais e culturais contemporâneas, sem alterar suas características fundamentais como expressa seu Artigo 9º: “[...] todo trabalho complementar reconhecido como indispensável por razões estéticas ou técnicas destacar-se-á da composição arquitetônica e deverá ostentar a marca do nosso tempo [...]”. 4 As normas internacionais (conteúdo das Cartas Patrimoniais) não são medidas jurídicas punitivas por meio de san- ções às infrações, como é o caso das legislações nacionais, mas recomendações adotadas pelos Estados-membros para o aperfeiçoamento de suas legislações em benefício da salvaguarda de seus bens culturais. 22 23 Recomendações de Paris – 1968 Conservação dos bens culturais ameaçados pela execução de obras públicas ou privadas Considerando a necessidade de harmonizar a preservação do patrimônio cultural com as transformações exigidas pelo desenvolvimento social, político e econômico das cidades contemporâneas, as recomendações buscam estabelecer critérios aos Estados-membros da ONU, para a proteção de seus bens culturais quando expostos a situações de risco perante o empreendimento de obras públicas ou privadas. Considera que é dever dos governos assegurar a proteção e a preservação da herança cultural, recomendando que os Estados-membros mantenham medidas legislativas em níveis nacional e regional coerentes às necessidades de conservação de bens móveis e imóveis. Convenção de Paris – 1972 Proteção do patrimônio mundial, cultural e natural Tendo em vista as ameaças do desaparecimento e da destruição do patrimônio mundial e o decorrente empobrecimento cultural das nações, a Unesco recomenda aos Estados-membros identificar, proteger, conservar e valorizar os bens em seus territórios a fim de transmiti-los às futuras gerações. A Convenção passou a classificar esses bens em “patrimônio cultural” e “patrimônio natural”. Definiu, também, a necessidade de adoção de políticas globais que tenham como objetivo a integração desses bens na coletividade social, tornando-os uma extensão do indivíduo por meio de programas educacionais a fim de fortalecer o entendimento, a apreciação e o respeito da população por sua própria cultura. Recomendações de Nairóbi – 1976 Salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea Reconhece que os conjuntos históricos fazem parte do ambiente cotidiano dos seres humanos e constituem a presença viva do passado, representando um símbolo da expressão cultural local frente ao panorama da uniformização e despersonalização que enfrentam as cidades contemporâneas. Definiu conceitos como: a) ambiência: laços sociais, econômicos e culturais dos conjuntos históricos ou tradicionais com as suas comunidades; b) salvaguarda: identificação, proteção, conservação, restauração, reabilitação, manutenção e revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e de seus entornos. As Recomendações visam possibilitar a coexistência harmoniosa entre passado e presente. No nível educacional define que o estudo dos conjuntos históricos deve ser incluído em todos os níveis de ensino a fim de despertar nos jovens a compreensão e o respeito às obras do passado, demonstrando o papel deste patrimônio na vida contemporânea. Declaração do México – 1985 Políticas culturais Como uma forma de adaptação à realidade mundial como um ambiente de profundas transformações no qual a ciência e a técnica vêm modificando o modo de vida do homem, a Declaração busca fortalecer as sociedades por meio da valorização da diversidade cultural dos povos, sugerindo a democratização cultural com vistas à soberania nacional. Sendo a cultura um conjunto de traços distintos que caracterizam uma sociedade, a Declaração considera a educação um meio por excelência para transmitir os valores culturais nacionais e universais. Carta de Brasília 1995 Documento regional do Cone Sul sobre autenticidade Países integrantes do Cone Sul – Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile – voltam ao tema “autenticidade”, tratado em outros encontros. Os países sul-americanos discutem a questão diante da situação regional de uma cultura “sincretista” (ecletismo) e de resistência, no qual relaciona a autenticidade e a identidade; autenticidade e a mensagem; autenticidade e o contexto; a autenticidade e a materialidade. Outros pontos são levantados como o grau e a conservação da autenticidade. A Carta reforça a ideia de autenticidade da identidade regional como patrimônio cultural. Essa identidade é resultado de uma cultura plural à qual se agregam diferentes raças e etnias, que contribuíram para a formação da América Meridional. Recomendações de Paris – 2003 Salvaguarda do patrimônio cultural imaterial A Unesco, reconhecendo o valor que o patrimônio cultural imaterial exerce sobre os grupos de indivíduos e a importância de sua salvaguarda em relação aos processos de uniformização cultural advindas da globalização de costumes, recomenda aos Estados-membros a adoção de medidas a fim de identificar e inventariar o patrimônio cultural imaterial em seus territórios, além da adoção de políticas educacionais como meio de reconhecimento, respeito e proteção desses bens. Fonte: UFRGS, 2007, p. 26-29. Conciliar a preservação da memória, representada pelo passado com as deman- das contemporâneas, é um desafio presente em grande parte das Cartas Patrimo- niais. De um modo geral, elas alertam para o debate sobre o patrimônio cultural 23 UNIDADE O Que é Patrimônio Cultural? com o objetivo de sua preservação e salvaguarda, reconhecendo, quase que por unanimidade, que o veículo principal para essa tarefa são os bancos escolares de todos os níveis, “pois, através da educação o homem poderá ter consciência e dis- cernimento para reconhecer em si e nos outros povos o valor das culturas e sua diversidade” (UFRGS, 2007, p. 29). Cidadania e Patrimônio Cultural A cidadania é a garantia do exercício dos direitos do indivíduo, constituindo-se em um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme o Artigo 1º da Constituição Federal, de 1988 (BRASIL, 1988). Por meio da cidadania, a pessoa poderá participar ativamente das decisões sociais, seja de forma direta ou indireta. De acordo com Penteado et al. (2014, [3] apud BONAVIDES, 2014), cidadania pode ser conceituada como “a qualidade, condição ou estado de um cidadão; o indivíduo no gozo dos direitos civis ou políticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com este”. A partir dessa definição, caracteriza-se a ideia de participação do cidadão na construção de seu destino vinculado com o Estado. Patrimônio cultural, por sua vez, são os bens de uma sociedade que fazem cone- xão com suas origens e identidade. Conforme Penteado et al. (2014), o patrimônio cultural tem a capacidade de fazer o indivíduo se encontrar e se reconhecer e firmar raízes na vida em sociedade. “O patrimônio cultural reafirma a vida do indivíduo em conjunto e a cidadania complementa essa identidade. Quando a pessoa se vê como parte integrante da sociedade, consequentemente, passa a serpossuidora de direitos e deveres, e, ao exercê-los, exerce parcela da cidadania” (PENTEADO, 2014, [2]). Penteado et al. (2014) lembram que grande parte da população brasileira não tem conhecimento sobre a possibilidade de participar ativamente da construção e manu- tenção do patrimônio cultural do país como garante a Constituição Federal de 1988, no seu art. 216, § 1, onde estabelece que os cidadãos têm o direito/dever de auxiliar o Poder Público na criação, manutenção e uso efetivo do patrimônio cultural. Figura 9 – A preservação da rica cultura brasileira deve ser estimulada e fiscalizada pelo poder público e pela população Fonte: iphan.gov.br 24 25 Compromisso com a Preservação – Foco nos Jovens Cabe, sem dúvida, aos gestores públicos, às instituições de ensino e às organiza- ções da sociedade civil, em cada cidade, criar programas, condições e estratégias que estimulem a reflexão sobre o sentido e a importância do patrimônio cultural como uma as formas de cidadania. É preciso abrir caminho para que as comuni- dades conheçam e reconheçam a preservação como uma aliada na melhoria das relações sociais, da condição de vida e como um dos caminhos para o desenvolvi- mento sustentável. A própria Constituição Federal de 1988 consagra princípios voltados à política de preservação do nosso patrimônio histórico-cultural a partir da cidadania cul- tural, no qual o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e difu- são das manifestações culturais. Outro princípio consagra a diversidade cultural previsto no § 1º do art. 215 (BRASIL, 1988), ao estabelecer que o Estado tem a obrigação constitucional de proteger as manifestações culturais populares, indí- genas e afro-brasileiras, bem como de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. Preve e Campos (2012, p. 177), citando Marilena Chauí (1992), lembram que as questões em torno da preservação do patrimônio cultural estão diretamente relacionadas à cidadania e ao direito de acesso à informação. “Os indivíduos têm o direito de ter acesso à sua própria cultura, à sua história, à memória coletiva e social” e salientam: Ao definirmos a política cultural como cidadania cultural e a cultura como direito, estamos operando com os dois sentidos da cultura: como um fato ao qual temos direito como agentes ou sujeitos históricos; como um valor ao qual todos têm direito numa sociedade de classes que exclui uma parte de seus cidadãos do direito à criação e à fruição das obras de pensamento e das obras de arte. Portanto, conhecer e apropriar são questões fundamentais para o fortalecimen- to e a consolidação dos sentimentos de identidade e de cidadania de um povo. A participação de todas as camadas da sociedade na construção e no fortalecimento de seu patrimônio cultural garante a sensação de pertencimento. “É importante salientar-se que, enquanto o patrimônio natural é garantia de sobrevivência física da humanidade, que necessita do ecossistema – ar, água e alimentos – para viver, o patrimônio cultural é garantia de sobrevivência social dos povos, porque é pro- duto e testemunho de sua vida.” (PREVE; CAMPOS, 2012, p. 177, apud SOUZA FILHO, 1977). 25 UNIDADE O Que é Patrimônio Cultural? Figura 10 – A Arte Kusiwa é um sistema de representação gráfico (A) próprio dos povos indígenas Wajãpi, do Amapá, que sintetiza seu modo particular de conhecer, conceber e agir sobre o universo (B). Como patrimônio imaterial, a Arte Kusiwa – Pintura Corporal e Arte Gráfica Wajãpi foi inscrita no Livro de Registro das Formas de Expressão, em 2002, do Iphan. No ano seguinte, recebeu da Unesco o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade Fonte: iphan.gov.br Por que a Constituição Federal de 1988 é tão importante nesse sentido? É que as ações preservacionistas anteriores estavam vinculadas basicamente aos bens culturais ligados aos setores dominantes da sociedade. Assim, foram preserva- das as igrejas barrocas, as casas-grandes, os fortes militares, as casas de câmara e cadeia, “[...] em detrimento de outros bens reveladores de outros segmentos étnico- -culturais, a exemplo de senzalas, quilombos, vilas operárias, cortiços etc.” (PREVE; CAMPOS, 2012, p. 178). O reconhecimento, por parte das comunidades, de seu patrimônio cultural, seja ele local, regional, ou nacional, é fonte inesgotável de aprendizado e enriquecimen- to, tanto do indivíduo, quanto da sociedade na qual ele está inserido. É a identidade de seu povo, assim como a valorização de si próprio e o crescimento de sua auto- estima enquanto cidadão daquele lugar. Esse contexto, conforme Preve e Campos (2012, p. 179), resultará “em uma maior participação nas questões locais, sejam questões de cunho religioso, artístico, político, incluindo as questões voltadas para a preservação de sua cultura, identidade e bens comuns”. 26 27 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Patrimônio cultural e industrial: perspectivas e ações de preservação ITAÚ CULTURAL. Patrimônio cultural e industrial: perspectivas e ações de preservação. https://bit.ly/2GSto7X Conheça 10 museus paulistas tombados pelo patrimônio histórico SÃO PAULO. Conheça 10 museus paulistas tombados pelo patrimônio histórico. https://bit.ly/2Y1mNy1 Filmes Carijo Documentário sobre a metodologia de fabricação artesanal de erva-mate com o carijó (armação de varas onde ficam os ramos da erva-mate para que sejam dessecados pelo calor de um forno), suas implicações, relações e desdobramentos deste conhecimento ancestral, que remonta à época da dominação indígena na região Sul do Brasil, utilizado atualmente por agricultores familiares no Rio Grande do Sul. Leitura Proteção do patrimônio histórico-cultural contra incêndios em edificações de interesse de preservação ONO, R. Proteção do patrimônio histórico-cultural contra incêndios em edificações de interesse de preservação. Palestra apresentada na Fundação Casa de Rui Barbosa no ciclo de paletras Memória & Informação, abr. 2004, Rio de Janeiro. https://bit.ly/2UM65AF 27 UNIDADE O Que é Patrimônio Cultural? Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 5 out. 1988. Disponí- vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado. htm>. Acesso em: 12 nov. 2018. _______. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Patrimônio imaterial [2018a]. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/234>. Acesso em: 13 nov. 2018. _______. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Cartas Patrimoniais [2018b]. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/ detalhes/226>. Acesso em: 23 nov. 2018. _______. Decreto-Lei nº 25. Organiza a proteção do patrimônio histórico e ar- tístico nacional, 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIl_03/ Decreto-Lei/Del0025.htm>. Acesso em: 12 nov. 2018. CHOAY, F. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Unesp, 2001. MARTINS, A. V. A carta de Pero Vaz de Caminha: breve estudo das palavras gramaticais. 2005. 110 f. Monografia (Letras) – Faculdade de Ciências da Educa- ção, Centro Universitário de Brasília, Brasília. 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Manuais do patrimônio histórico edificado da Ufrgs: cartas patrimoniais e legislação. Porto Alegre: Editora da Ufrgs, 2007. 29
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