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Formação Política e Econômica do Brasil MARIA FÁTIMA DE MELO TOLEDO FORMAÇÃO POLÍTICA E ECONÔMICA DO BRASIL 1ª Edição Taubaté Universidade de Taubaté 2014 Copyright©2014. Universidade de Taubaté. Todos os direitos dessa edição reservados à Universidade de Taubaté. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização desta Universidade. Administração Superior Reitor Prof.Dr. José Rui Camargo Vice-reitor Prof.Dr. Marcos Roberto Furlan Pró-reitor de Administração Prof.Dr.Francisco José Grandinetti Pró-reitor de Economia e Finanças Prof.Dr.Luciano Ricardo Marcondes da Silva Pró-reitora Estudantil Profa.Dra.Nara Lúcia Perondi Fortes Pró-reitor de Extensão e Relações Comunitárias Prof.Dr. José Felício GoussainMurade Pró-reitora de Graduação Profa.Dra.Ana Júlia Urias dos Santos Araújo Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação Prof.Dr.Edson Aparecida de Araújo Querido Oliveira Coordenação Geral EaD Profa.Dra.Patrícia Ortiz Monteiro Coordenação Acadêmica Profa.Ma.Rosana Giovanni Pires Coordenação Pedagógica Profa.Dra.Ana Maria dos Reis Taino Coordenação Tecnológica Profa. Ma. Susana Aparecida da Veiga Coordenação de Mídias Impressas e Digitais Profa.Ma.Isabel Rosângela dos Santos Ferreira Coord. de Área: Ciências da Nat. e Matemática Profa. Ma. Maria Cristina Prado Vasques Coord. de Área: Ciências Humanas Profa. Ma. Fabrina Moreira Silva Coord. de Área: Linguagens e Códigos Profa. Dra. Juliana Marcondes Bussolotti Coord. de Curso de Pedagogia Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Gestão e Negócios Coord. de Cursos de Tecnol. Área de Recursos Naturais Revisão ortográfica-textual Projeto Gráfico e Diagramação Autor Profa. Dra. Ana Maria dos Reis Taino Profa. Ma. Márcia Regina de Oliveira Profa. Dra. Lídia Maria Ruv Carelli Barreto Profa. Ma. Nanci Aparecida de Almeida Me.Benedito Fulvio Manfredini Maria de Fátima de Melo Toledo Unitau-Reitoria Rua Quatro de Março,432-Centro Taubaté – São Paulo CEP:12.020-270 Central de Atendimento: 0800557255 Polo Taubaté Polo Ubatuba Polo São José dos Campos Avenida Marechal Deodoro, 605–Jardim Santa Clara Taubaté–São Paulo CEP:12.080-000 Telefones: Coordenação Geral: (12)3621-1530 Secretaria: (12)3625-4280 Av. Castro Alves, 392 – Itaguá – CEP: 11680-000 Tel.: 0800 883 0697 e-mail: nead@unitau.br Horário de atendimento: 13h às 17h / 18h às 22h Av Alfredo Ignácio Nogueira Penido, 678 Parque Residencial Jardim Aquarius Tel.: 0800 883 0697 e-mail: nead@unitau.br Horário de atendimento: 8h às 22h Ficha catalográfica elaborada pelo SIBi Sistema Integrado de Bibliotecas / UNITAU T649f Toledo, Maria Fátima de Melo Formação política e econômica do Brasil / Maria Fátima de Melo Toledo. Taubaté: UNITAU, 2011. 71p. : il. ISBN 978-85-62326-80-6 Bibliografia 1. Formação política. 2. Estrutura econômica. 3. Sociedade brasileira. I. Universidade de Taubaté. II. Título. v PALAVRA DO REITOR Palavra do Reitor Toda forma de estudo, para que possa dar certo, carece de relações saudáveis, tanto de ordem afetiva quanto produtiva. Também, de estímulos e valorização. Por essa razão, devemos tirar o máximo proveito das práticas educativas, visto se apresentarem como máxima referência frente às mais diversificadas atividades humanas. Afinal, a obtenção de conhecimentos é o nosso diferencial de conquista frente a universo tão competitivo. Pensando nisso, idealizamos o presente livro- texto, que aborda conteúdo significativo e coerente à sua formação acadêmica e ao seu desenvolvimento social. Cuidadosamente redigido e ilustrado, sob a supervisão de doutores e mestres, o resultado aqui apresentado visa, essencialmente, a orientações de ordem prático-formativa. Cientes de que pretendemos construir conhecimentos que se intercalem na tríade Graduação, Pesquisa e Extensão, sempre de forma responsável, porque planejados com seriedade e pautados no respeito, temos a certeza de que o presente estudo lhe será de grande valia. Portanto, desejamos a você, aluno, proveitosa leitura. Bons estudos! Prof. Dr. José Rui Camargo Reitor vi vii Apresentação Este livro-texto tem por objetivo compreender o processo de formação do Estado e da nação no Brasil, com suas formas sociais, econômicas, políticas e culturais e especificidades que nos imprimiram um selo especial Outro período extremamente importante do ponto de vista político é aquele compreendido entre 1868-1889, período em que o país assiste a transformações profundas que levaram à implantação do regime republicano. Entre as grandes transformações que marcaram essa época estão o processo de imigração europeia em massa, a urbanização, as lutas pela abolição, a questão religiosa e a questão militar. viii ix Sobre a autora MARIA FÁTIMA DE MELO TOLEDO é graduada em História pela Universidade de São Paulo, onde realizou seu Mestrado (2000) e Doutorado (2006) em História Social. É professora das disciplinas História da América e História da África e Ásia na Universidade de Taubaté. Faz parte do quadro de professores do Mestrado em Desenvolvimento Humano da UNITAU. Como pesquisadora, atua, principalmente, nas áreas de História do Brasil, História da África e da América. Como professora, leciona História e Sociologia no Ensino Médio. E-mail: melotoledo@gmail.com x xi Caros(as) alunos(as), Caros( as) alunos( as) O Programa de Educação a Distância (EAD) da Universidade de Taubaté apresenta-se como espaço acadêmico de encontros virtuais e presenciais direcionados aos mais diversos saberes. Além de avançada tecnologia de informação e comunicação, conta com profissionais capacitados e se apoia em base sólida, que advém da grande experiência adquirida no campo acadêmico, tanto na graduação como na pós-graduação, ao longo de mais de 35 anos de História e Tradição. Nossa proposta se pauta na fusão do ensino a distância e do contato humano-presencial. Para tanto, apresenta-se em três momentos de formação: presenciais, livros-texto e Web interativa. Conduzem esta proposta professores/orientadores qualificados em educação a distância, apoiados por livros-texto produzidos por uma equipe de profissionais preparada especificamente para este fim, e por conteúdo presente em salas virtuais. A estrutura interna dos livros-texto é formada por unidades que desenvolvem os temas e subtemas definidos nas ementas disciplinares aprovadas para os diversos cursos. Como subsídio ao aluno, durante todo o processo ensino-aprendizagem, além de textos e atividades aplicadas, cada livro-texto apresenta sínteses das unidades, dicas de leituras e indicação de filmes, programas televisivos e sites, todos complementares ao conteúdo estudado. Os momentos virtuais ocorrem sob a orientação de professores específicos da Web. Para a resolução dos exercícios, como para as comunicações diversas, os alunos dispõem de blog, fórum, diários e outras ferramentas tecnológicas. Em curso, poderão ser criados ainda outros recursos que facilitem a comunicação e a aprendizagem. Esperamos, caros alunos, que o presente material e outros recursos colocados à sua disposição possam conduzi-los a novos conhecimentos, porque vocês são os principais atores desta formação. Para todos, os nossos desejos de sucesso! Equipe EAD-UNITAU xii xiii Sumário Palavra do Reitor .............................................................................................................. v Apresentação ..................................................................................................................vii Sobre a autora .................................................................................................................. ix Caros(as) alunos(as) ........................................................................................................ xi Ementa .............................................................................................................................. 1 Objetivos ........................................................................................................................... 2 Introdução ......................................................................................................................... 3 Unidade 1. A formação do Estado português e a expansão marítima ...................... 7 1.1 A formação do Estado Moderno e a expansão comercial: duas faces do mesmo processo ............................................................................................................................ 7 1.2 Por mares nunca dantes navegados: Portugal na época dos descobrimentos ........... 10 Unidade 2. A organização da produção: o Antigo Sistema Colonial ...................... 15 2.1 A fase inicial da exploração econômica: escambo e feitorias – 1500–1530 ............ 16 2.2 O sistema de capitanias hereditárias: 1530-1549 ..................................................... 19 2.3 O estabelecimento do governo-geral: 1549 .............................................................. 22 2.4 A política economica: o Antigo Sistema Colonial ................................................... 25 2.5 A organização da produção colonial ........................................................................ 27 Unidade 3. A economia colonial: séculos XVI-XVIII ................................................ 31 3.1 A economia açucareira ............................................................................................. 31 3.1.1 Antecendentes ........................................................................................................ 31 3.1.2 O emprego da mão de obra indígena e africana na economia açucareira .............. 34 3.2 A mineração no Brasil .............................................................................................. 37 3.2.1 Antecedentes .......................................................................................................... 37 3.2.2 A descoberta das minas ........................................................................................ 38 3.2.3 Conflitos coloniais do século XVIII ...................................................................... 42 3.2.4 A produção de ouro ............................................................................................... 44 3.3 A crise do sistema colonial: as inconfidências ........................................................ 46 Unidade 4. Da Monarquia à República ...................................................................... 49 4.1 O período colonial tardio .......................................................................................... 49 4.2 A transferência da família real para o Brasil e o processo de emancipação política 50 xiv 4.2 A montagem da economia cafeeira .......................................................................... 55 4.3 A “paz” do Segundo Reinado e o colapso do regime imperial ................................ 57 4.4 O regime republicano no Brasil ................................................................................ 59 Caderno de Atividades.................................................................................................... 65 Referências ..................................................................................................................... 67 11 ORGANIZE-SE!!! Você deverá usar de 3 a 4 horas para realizar cada Unidade. Formação política e econômica do Brasil Ementa EMENTA A disciplina se propõe a uma reflexão sobre a formação e organização do Estado brasileiro, partindo da experiência colonizadora até a formação do Estado nacional, tendo como abordagem a análise de longa duração dos séculos XVI ao XX, em que se pretende analisar os aspectos centrais que estruturam a política e a economia no Brasil. 22 Objetivo Geral Compreender o processo de formação política e econômica do Brasil e os principais aspectos internos e externos que norteiam esse processo. Obj eti vos Objetivos Específicos Compreender o sentido da colonização para a formação estrutural da economia e da sociedade brasileira; Analisar as estruturas econômicas ao longo do processo histórico; Discutir aspectos da formação do Estado e da nação brasileira como o processo de independência e a experiência republicana. 33 Introdução O estudo do passado não deve ser apenas uma atividade intelectual em si. Ele é indispensável para a compreensão do presente e para a transformação da realidade. "É o momento de regressar ao passado, o momento de voltar sobre si mesmo", escreveu Lucien Febvre em Combates pela História (1970). É também uma inquietação com o presente que nos faz debruçar sobre o passado de um povo, de uma sociedade e de suas instituições, que nos levam a ir em busca da sua formação, num conjunto dos fatos e acontecimentos essenciais que a constituíram num largo período de tempo, conforme postula Caio Prado Júnior no clássico Formação do Brasil Contemporâneo. Inserido nesse quadro de ideias, este livro-texto tem por objetivo apresentar as linhas gerais do processo de formação do Brasil, destacando o seu passado colonial e o programa político nele implícito, problematizando, por meio do processo de transição de colônia a nação, os impasses e as possibilidades na constituição da sociedade nacional e da democracia no país. Já afirmava Marx que a liberdade consiste na conversão do Estado de órgão imposto à sociedade civil em órgão completamente subordinado a ela. Com isso, o filósofo-economista quer dizer que a razão de ser do Estado é sociedade civil, ou seja, os cidadãos. O Estado não deve, portanto, atuar em benefício próprio ou de alguns grupos particulares em detrimento do todo, sob o risco de limitar a liberdade. Essa foi e continua sendo, no entanto, uma prática política comum na nossa história. Conhecer o contexto histórico em que o Brasil se formou e as relações que aqui se desenvolveram entre Estado e sociedade ajuda a esclarecer a presença de práticas políticas pouco democráticas em diferentes momentos da nossa história. Dessa forma, este livro-texto está dividido em quatro unidades. Na Unidade 1, A formação do Estado Português e a expansão marítima, estudaremos a constituição do Estado Moderno em Portugal, processo precoce em relação às demais 44 monarquias europeias, de modo a entender o que levou Portugal a ser a vanguarda da expansão marítima no século XV. Além disso, apresentaremos as linhas gerais do chamado Antigo Sistema Colonial, a política econômica em relação à colônia e os mecanismos necessários para que ela funcione a favor do Estado português. De acordo com essas diretrizes, abordar-se-á a colonização do Brasil, tema da Unidade 2, A organização administrativa e econômica da colônia, na qual apresentaremos as diferentes formas de exploração tentadas no Brasil, antes da colonização, propriamente pela coroa portuguesa. Nessa unidade, também veremos que a opção pela monocultura açucareira tinha a ver com as condições do comércio na Europa naquele momento e não foi novidade para Portugal que já produzia açúcar nas ilhas do Atlântico, com a mesma tecnologia que empregaria aqui. A diferença ficou a cargo do volume da produção e da constituiçãode toda uma sociedade cujas relações sociais foram fundamentadas no domínio de um homem sobre outro homem, do senhor sobre o escravo, formando a mentalidade da sociedade colonial, na qual todos vão querer ser senhore, conforme escreveu o jesuíta Antonil, porque traz consigo o ser respeitado e obedecido. Na Unidade 3, estudaremos a economia colonial nas suas duas principais atividades, a economia açucareira e a mineração, mostrando as relações de poder que se estabeleceram em torno da atividade econômica e a crise do sistema colonial no final do século XVIII, influenciado pelo contexto liberal norte-americano e europeu, apontando para o rompimento político entre colônia e metrópole. Até aqui procuramos mostrar a presença de práticas políticas mais ou menos contínuas para a vida política do país, relacionando-as ao contexto econômico. Na Unidade 4, Da Monarquia à República, estudaremos em linhas gerais (pois outras questões serão temas de livros-texto específicos futuros) o processo político da emancipação da colônia, a relação das elites agrárias do sudeste, o novo eixo econômico do país com o Estado imperial e o sistema republicano no Brasil. Indícios de Modernidade em sua época, tanto a monarquia constitucional brasileira, com seu poder moderador que concedia ao imperador direito quase absoluto sobre a vida política, como a república, com suas estratégias de exclusão da população da vida política do 55 país ou de coerção, indicam que se tratava antes de uma modernidade de superfície, pois traziam em seu bojo um profundo arcaísmo antidemocrático, que foi escancarado pela ditadura militar nos “anos de chumbo”. Procurar-se-á entender, por meio da formação histórica do país, os impasses e a fragilidade sobre a qual repousa a democracia no Brasil. Para tentar reverter esse quadro e transformar essa realidade, é, portanto, o nosso intuito. 66 77 Unidade 1 Unidade 1 . A formação do Estado português e a expansão marítima 1.1 A formação do Estado Moderno e a expansão comercial: duas faces do mesmo processo O início da Época Moderna, período em que ocorre o processo de expansão marítima e a colonização da América nos séculos XV e XVI, está ligado a um processo geral de transformações econômicas, sociais e políticas na Europa. O surgimento do Estado Moderno, que evoluiu para o Estado Burguês da forma que conhecemos hoje, ocorreu a partir desse período, com a concentração do poder político nas mãos dos soberanos. Diversos fatores concorreram para isso, entre eles a crise econômica e social dos séculos anteriores, marcados por epidemias de peste, cujo grau de mortandade acarretou a diminuição drástica da mão de obra disponível nas cidades e deixou abandonadas as lavouras, provocando crise no abastecimento e falta de alimentos. Outro fator que colaborou para desestabilizar a economia europeia medieval foi o ciclo de guerras que ocorreu entre os séculos XIV e XV, como a Guerra dos Cem Anos, entre França e Inglaterra, que forçou os países a aumentar ou criar impostos para financiar as guerras. Nesse contexto de crise generalizada, a nobreza, que vivia principalmente dos excedentes produzidos no campo, passou a depender cada vez mais do apoio do rei para manter suas rendas. Nesse momento, as monarquias europeias souberam reverter esse quadro a seu favor, diminuindo os poderes locais que mantinham até então os senhores feudais e fortalecendo os poderes régios, centralizando, progressivamente, o poder na figura do rei (ANDERSON, 1984). 88 CURIOSIDADE Novidade na Europa no século XVI e responsável pelo desenvolvimento político e econômico dos Estados Modernos, a burocracia existia na China desde o século VII. A burocracia chinesa centralizava a administração e o controle do Império, fundado no século III a.C., e era a responsável, ao lado das crenças filosóficas e religiosas, pela força do império. Foi um mecanismo de centralização do poder estatal – como a Europa faria cerca de mil anos depois – fruto de uma reforma institucional inspirada em Confúcio no século VII, pelos quais, aos poucos, foi substituída a casta aristocrática que detinha os principais cargos de poder por mandarins que tinham uma formação clássica e eram eleitos por mérito e não mais porque pertenciam a famílias nobres. É por meio desse processo que monarquias como a França, Espanha, Inglaterra começaram a se centralizar, representando, assim, uma ruptura com a soberania fragmentada das formações políticas e sociais medievais (ANDERSON, 1984). Para assegurar para si a autoridade pública e política, os Estados Modernos criam uma organização de tipo burocrático, uma burocracia racional para o cumprimento direto de tarefas administrativas, como, por exemplo, o sistema fiscal que, com sua capacidade de extrair por meio dos tributos parte do excedente produzido pela sociedade, determinava a consolidação do centro político e o exercício do poder do Estado sobre um território (COSTA, 2000). Todo o desenvolvimento do Estado Moderno se faz a partir daí, conforme a análise clássica do sociólogo alemão Max Weber, a partir da criação de um poder legal ou racional, impessoal, fundado num corpo de regras legais, onde os titulares têm sua autoridade limitada a uma determinada esfera de competência (WEBER, 1987). Portugal, no entanto, teve sua trajetória histórica e formação política, em certos aspectos, diferentes das dos países citados anteriormente. Seu processo de eliminação dos fracos traços de feudalismo e posterior centralização do poder na figura do rei é precoce em relação aos outros países, ocorrendo entre os séculos XIII e XV. Neste período, a nobreza e o clero portugueses têm sua autonomia limitada pelo rei, por meio de diversos mecanismos, como a proibição da concessão de novos feudos e a revolução de Avis, que coloca no trono português um rei apoiado pela burguesia de Lisboa (FAORO, 1997). 99 No Brasil, o jurista gaucho Raymundo Faoro foi um dos pioneiros no uso da sociologia interpretativa de Max Weber para analisar a formação do sistema político brasileiro. Em Os Donos do Poder, publicado primeiramente em 1958, Faoro afirmava que desde o período colonial o Brasil foi dominado por um “estamento burocrático”, cuja origem se encontrava nas características peculiares do Estado patrimonialista português, contradizendo assim a corrente historiográfica que afirmava que o Brasil tinha vivido um passado “feudal”, o que explicaria o domínio e a presença na sociedade pós-colonial de poderes rurais tradicionais. Essas transformações políticas fizeram da monarquia portuguesa uma das primeiras monarquias modernas; no entanto, em Portugal, ela manteve traços de patrimonialismo, forma de dominação política anterior, tradicional, a qual, pela força da tradição, todos deviam obediência ao rei. Isso era caracterizado pelas relações de caráter pessoal do soberano, em oposição às relações impessoais que predominam nos sistemas burocráticos modernos, o que explica, segundo Weber, a presença de uma das principais características nas monarquias patrimonialistas e a falta de distinção entre as esferas pública e privada: a separação entre os assuntos públicos e os privados, entre patrimônio público e privado e as atribuições senhoriais públicas e privadas dos funcionários se desenvolveu só em certo grau dentro do esquema de arbitrariedade do senhor (WEBER, 1987). Dentro desse quadro, é que se desenvolverá o capitalismo de tipo monárquico português, orientado pela arbitrariedade do soberano que caracterizava o desenvolvimento econômico das organizações políticas patrimonialistas (FERNANDES, 1976). Faltava ao soberano patrimonialista, segundo Weber, a qualidade de calculabilidade, indispensável ao funcionamento de uma organização estatalmoderna e ao desenvolvimento histórico posterior de formas econômicas capitalistas. [E]em seu lugar, aparecem a imprevisibilidade e o volúvel arbítrio dos funcionários, o favorecimento ou desfavorecimento do soberano e de seus súditos. Assim, mediante um hábil aproveitamento das circunstâncias e das relações pessoais, pode perfeitamente um simples homem privado obter uma posição privilegiada que lhe ofereça probabilidades de lucro quase ilimitadas. Porém deste modo, como é evidente, se põe grandes travas a um sistema econômico capitalista (Weber, 1987, p. 833). É, portanto, dentro dessa moldura que se organiza todo o desenvolvimento econômico português no período Moderno, especialmente o processo de expansão comercial e marítima portuguesa para a África e Ásia a partir do século XV, que houve um 1100 desdobramento importante na descoberta e colonização do Brasil. Foram as condições políticas analisadas anteriormente que permitiram a expansão marítima portuguesa no século XV, que serviu também para reforçar ainda mais o processo de fortalecimento do rei. Só um estado forte e centralizado poderia mobilizar recursos em grande escala para um empreendimento do nível da expansão marítima, que dependia de investimentos econômicos e desenvolvimento das técnicas. O Estado Moderno, com a autoridade centralizada na figura do rei, foi, assim, pré-requisito para a expansão marítima, o que explica que tenha sido Portugal estar na vanguarda desse movimento. 1.2 Por mares nunca dantes navegados: Portugal na época dos descobrimentos Denominamos expansão marítima o processo histórico de descoberta de novas terras, movimento ao qual se dedicaram Portugal e Espanha a partir do século XV (1400-1500). Esse processo ocorreu devido a uma série de fatores, que tem a ver com as condições históricas do período, como vimos acima. Além dos fatores políticos que favoreceram o desenvolvimento moderno em Portugal e Espanha, o impulso fundamental dos descobrimentos se deve também a uma mistura de interesses religiosos e econômicos. Na esfera religiosa, observa-se uma cruzada contra os muçulmanos que desde o século VII ocupavam o norte da África; no aspecto econômico, predominavam as ideias de encontrar ouro na Guiné e procurar por Figura 1.1 – Mapa contemporâneo de Portugal. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Portugal. Acesso em 21 dez. 2009. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Po-map.png 1111 Figura 1.2 - Propostas especiarias no Oriente, cujas rotas tradicionais do período medieval e o trafico no Mediterrâneo se encontravam, naquele momento, nas mãos dos turcos. Esse processo de expansão é hoje identificado com o de “europeização ou ocidentalização do mundo”, tentativa de uniformizar os costumes conforme valores e padrões europeus. Tratava-se de um movimento inteiramente novo, que não guardava semelhança com nenhum outro processo marítimo anterior, devido ao desenvolvimento náutico da época e, principalmente, às consequências que acarretou o desenvolvimento histórico (TOLEDO, 2010). As viagens de descobrimento dos portugueses iniciam-se por volta de 1419, depois da conquista de Ceuta, na África, aos mouros, em 1415. Até então, povos árabes estabelecidos no norte da África tinham o monopólio do transporte de ouro do Sudão ocidental pelo deserto do Saara e daí, por meio do Mediterrâneo, para os comerciantes italianos de Genova e Veneza. Com o estabelecimento português na África, mercadores e traficantes de escravos conseguiram drenar esse comércio de escravos, ouro e produtos do Oriente para Lisboa pelo Atlântico tirando da rota do Saara (BOXER, 2001). Esse processo de exploração marítima, no entanto, provocou disputa no atlântico entre Portugal e Espanha, cujas nobrezas tinham se tornado cada vez mais dependentes dos produtos de luxo do Oriente. Essa rivalidade está na origem do tratado de Tordesilhas, que dividiu o oceano entre os dois reinos em 1494. Antes disso, porém, o tratado de Alcáçovas, de 1479, estabeleceu a partilha horizontal do Atlântico. Ratificado em 1480 pelos reis espanhóis, o Tratado definia a ocupação das ilhas do Atlântico e as áreas de influência de cada país. Portugal reconhecia o domínio da Espanha nas ilhas Canárias. A Espanha, por sua vez, reconhecia os direitos 1122 CURIOSIDADE Portugal deixou à Espanha e a navegadores particulares a opção de explorar o Atlântico no sentido oeste, rumo às Índias. Um desses navegadores foi Cristovão Colombo que, segundo registros históricos, estava em Portugal quando Bartolomeu Dias retornou da sua viagem marítima com a notícia de que tinha dobrado o Cabo das Tormentas. Colombo estaria presente quando Dias narrou toda sua viagem e desenhou a costa da África, légua por légua, numa carta de navegação. Essa audiência fez Colombo desistir dos seus empreendimentos em Portugal e pedir apoio aos reis da Espanha, que, decididos a competir com Portugal pelos lucros provenientes do comércio com o Oriente, decidiu apoiar Colombo a chegar às Índias pelo ocidente, o que resultou no descobrimento do continente americano (COUTO, 1999). de Portugal sobre as demais ilhas, Madeira, Açores, Cabo Verde e São Tomé, bem como sobre todas as ilhas e terras descobertas, com o respectivo comércio, a partir de um paralelo traçado a sul das Canárias (COUTO, 1999). A partir de 1481, a coroa portuguesa começou a explorar o Atlântico sul na África, construindo o forte de São Jorge da Mina, navegando até o cabo da Boa Esperança (1488) dentro do projeto português de alcançar as Índias (isto é, o Oriente) pelo Atlântico sul, rota considerada mais viável, segura e próxima que o “atlântico ocidental” - em direção ao Oeste. Com o descobrimento da América, criou-se um impasse em relação ao antigo Tratado de 1479, que divida o oceano horizontalmente, porque Portugal pretendia estender paralelo original a todo o oceano e não apenas às ilhas próximas do continente europeu, o que faria com que parte das novas terras descobertas ficasse sob domínio português. Foi Colombo quem sugeriu adotar um novo critério para a divisão do Atlântico, traçando uma linha a 100 léguas a oeste do arquipélago das Canárias. Tudo o que se situasse a oeste dessa linha pertenceria a Espanha e, a leste, a Portugal, o que foi rejeitado pela coroa portuguesa que propôs a negociação direta entre os representantes dos dois reinos – experientes navegantes, como Duarte Pacheco Pereira, que já tinham realizado expedições de reconhecimento à área em litígio. Com o Tratado de Tordesilhas, assinado em 07 de junho de 1494, Portugal exigiu o afastamento do paralelo para 370 léguas, alegando que esse era o espaço marítimo indispensável para a navegação com segurança e facilidade para as Índias. Os reis espanhóis concordaram 1133 Figura 1.3 - Tratado com a exigência, mas em troca viram garantida uma série de direitos, entre eles o de sucessão do trono de Portugal, garantido a D. Manuel, irmão da rainha de Portugal e primo-irmão da rainha da Espanha, Isabel (COUTO, 1999). Definidas as questões territoriais, Portugal retoma as expedições rumo às Índias por meio da África. Em 1497, parte a expedição de Vasco da Gama, primeira armada composta de naus para cruzar o Atlântico Sul e atingir Calicute, na Índia, em 1498, inaugurando a “época de Vasco da Gama da historia asiática” (BOXER, 2001, p. 55), caracterizada pelo comércio de especiarias produzidas na Ásia, que tinham grande procura na Europa: pimenta, canela, cravo-da-índia, noz moscada, gengibre, que provinham de Malabar, Molucas, Malaca, Goa e Ormuz (ver Mapa da Expansão Portuguesa disponível em <hptt://pt.wikipedia.org/wiki/Descobrimentos_portugueses>). É nesse contexto também que a expedição de Pedro Álvares Cabral partiu de Lisboa e, em uma inflexão exageradaa sudoeste, atingiu o Brasil (MAGALHÃES e MIRANDA, 1999). Organizada a rota do cabo, o Mediterrâneo perdeu sua importância como via de expansão do ocidente para o Oriente. Lisboa, no século XVI, é considerada uma “metrópole comercial” com uma aparência “mestiça”, devido à grande presença de escravos e mercadores estrangeiros. O Atlântico tornou-se a moldura do capitalismo moderno e sua integração inaugurou uma nova era - a capitalista -, e a projeção da Europa sobre o mundo (GRUZINSKI, 2000). 1144 CURIOSIDADE A polêmica em torno do descobrimento do Brasil Verdadeira obsessão entre alguns historiadores, o descobrimento do Brasil é motivo de intensos debates. O historiador português Jorge Couto defende a prioridade do navegador Duarte Pacheco Pereira na descoberta, apoiado nas instruções dadas a Cabral, secretamente, pelo rei D. Manuel, pelas quais Cabral deveria “procurar o continente já visitado por Colombo e Duarte Pacheco”. Para o historiador e almirante brasileiro Max Justo Guedes, não havia qualquer ordem para descobrir nada, mas havia uma noção das terras ao sul das que Colombo havia descoberto. Já Joaquim Romero de Magalhães, historiador português que, em 1999, publicou os documentos da armada de Cabral, entre eles a carta de Pero Vaz de Caminha, o Novo Mundo foi descoberto por acaso. Poderia haver suspeita de terras a oeste, mas os documentos não apontam para esse sentido. Segundo Romero, depois de descobrir o caminho marítimo para as Índias em 1498, o rei de Portugal queria enviar nova expedição às Índias – comando concedido a Pedro Álvares Cabral. Foi a maior frota que, até então, partiu de Portugal. 1155 Unidade 2 Unidade 2 . A organização da produção: o Antigo Sistema Colonial Na Unidade 1 deste livro-texto, tratamos dos vínculos entre a expansão marítima, que provocou a descoberta de novas terras, e a política econômica arquitetada pelas monarquias europeias para promover a riqueza e o fortalecimento dos Estados na Europa. Vamos ver agora como o Brasil se constituiu em colônia do ponto de vista econômico e administrativo, empregando o conceito de colônia de exploração, isto é, aquela que promove o seu povoamento com o objetivo principal de explorá-la economicamente, ao contrário da colônia de povoamento, que promove a sua exploração para atrair colonos e conseguir o seu povoamento (NOVAIS, 1969). Nesse sentido, a colônia viveu primeiramente um período de ocupação e exploração econômica na forma de feitorias, semelhantes às feitorias comerciais que Portugal desenvolvera na África no século XV, que não se caracterizava como colonização. Somente após 1549, que podemos falar em colonização efetiva do Brasil, quando se estabeleceu na colônia o primeiro governo-geral e, com ele, uma estrutura administrativa ligada às necessidades do processo de colonização. Vejamos então como a exploração econômica da colônia foi organizada, a partir das diferentes fases e atividades desenvolvidas no período colonial. 1166 Figura 2.1 - Bosque de pau-brasil no Jardim Botânico de São Paulo. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Caesalpinia_echinata>. Acesso em 22 dez. 2009. Figura 2.2 - Detalhe do mapa Terra Brasilis, de 1519, que mostra indígenas envolvidos na atividade de extração de pau-brasil na costa brasileira. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro: Brazil-16- map.jpg>. Acesso em 22 dez. 2010. 2.1 A fase inicial da exploração econômica: escambo e feitorias – 1500–1530 As primeiras explorações da costa brasileira datam de 1501 e 1503. Por ordem do rei de Portugal, a costa brasileira foi explorada pelo navegador italiano Américo Vespúcio, que deu notícias pessimistas ao rei D. Manuel, afirmando que na terra recém-descoberta só havia pau-brasil e cana-fístula, árvore da qual se extraía mirra. Por isso, ainda em 1503, o Brasil parecia ser apenas um bom lugar para parada de navios no abastecimento de água e provisões. Porém, as expedições que aqui paravam com esses objetivos já levavam carregamentos de pau-brasil na sua bagagem de volta à Europa. Ao contrário das outras ilhas do Atlântico, como Açores e Madeira, onde os portugueses imediatamente povoaram e deram início ao processo de colonização, o Brasil foi tratado pelos portugueses como tratavam os territórios explorados na África, isto é, o objetivo inicial era apenas a exploração por meio de feitorias comerciais e não a colonização que, da forma como foi definida, implica o estabelecimento de uma estrutura mais http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/20/Brazil-16-map.jpg 1177 CURIOSIDADE Uma madeira similar ao pau-brasil já era conhecida pelos europeus desde a Idade Média e utilizada com o mesmo fim de tingir tecidos. Era extraída desde o século XV na Ásia, especialmente na ilha de Sumatra, no Oceano Pacífico, e chamava-se em latim lignum brasile. Como se percebe, a madeira já devia seu nome à “brasa”, devido à cor vermelha que produzia. Em francês, chamava-se bresil e, em português, brasile. Era conhecida pelos índios do Brasil com o nome de ibirapitanga, que significa “madeira vermelha”. complexa que a de uma feitoria comercial. Nesse primeiro momento de exploração do Brasil, os produtos comercializáveis eram, principalmente, madeiras para tintura e animais exóticos, como macacos e papagaios. Além desses “produtos”, os europeus já enviavam índios escravizados para serem comercializados na Europa. Assim, os primeiros contatos entre os portugueses e os índios do Brasil ocorreram devido ao comércio de pau-brasil, madeira que produzia um corante vermelho muito usado na Europa para tingir tecidos como linho, seda, algodão, tecidos estes que seriam usados na confecção de roupas luxuosas para a nobreza europeia. Conforme registros da época, a exploração do pau-brasil era rudimentar, feita com a ajuda dos indígenas, com ferramentas portuguesas, em troca de miçangas e quinquilharias. Eram extraídos troncos de 8 a 12 m de altura, com 80 cm de diâmetro, encontrados no litoral - do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Norte. A madeira extraída era enviada para a Europa, onde havia grande comércio. Em Flandres, por exemplo, importante centro europeu de manufaturas têxteis, a única madeira corante usada era o pau-brasil de Pernambuco (MARCHANT, 1980) Como essa atividade econômica foi organizada pela coroa portuguesa? Nas primeiras décadas de exploração, estabeleceu-se o monopólio régio do pau-brasil, isto é, só a coroa portuguesa poderia explorar essa atividade, ficando proibida a exploração privada. Porém, não tendo ainda nos primeiros anos de exploração gerado grande receita para Portugal, especialmente quando comparada com a riqueza do comércio proveniente da Índia, a coroa portuguesa preferiu transferir a exploração do pau-brasil a particulares, por meio de contratos de arrendamento. Por meio desses contratos, o comerciante obtinha o direito de explorar o pau-brasil e comprometia-se a enviar a quinta parte da 1188 madeira extraída ao soberano. Além disso, o arrendatário do contrato deveria enviar seis navios para o Brasil, com o objetivo de explorar 300 léguas de costa e construir uma fortaleza, mantendo-a por sua conta durante um período de três anos e tirando da responsabilidade da coroa a proteção do novo território descoberto (COUTO, 1999) A primeira frota enviada nesse sistema de arrendamento da exploração saiu de Lisboa em agosto de 1502 e explorou Porto Seguro por um ano, retornando a Portugal com pau-brasil e escravos indígenas. Em 1505, a coroa retomou o monopólio de exploração do pau-brasil que deveria durar, sob controle da coroa, até 1534. Neste período, a coroa portuguesa instalou feitorias ao longo da costa, em pontos estratégicos, como Porto Seguro, Cabo Frio, Pernambuco,e autorizou embarcações comerciais a desembarcar e comerciar com os índios. A política de arrendamento e exploração do Brasil, no entanto, deixou o território a mercê de invasores estrangeiros, porque o lucro da venda do pau- brasil na Europa, ao longo dos anos, tornara-se considerável. Não se conhece exatamente os lucros dessa atividade, mas, sem dúvida, eram grandes para atrair a atenção de novos investidores e estados estrangeiros, como a França que, não tendo colônias na América, praticavam o comércio ilegal de pau-brasil. Esse comércio praticado pelos franceses acabou por criar entre Portugal e França um grave problema geopolítico, devido à presença constante de piratas franceses nas costas do Brasil, cujos ataques tornaram a exploração do pau-brasil pouco atrativa. É dessa época a célebre frase do rei da França, Francisco I, que teria dito, em resposta às queixas de Portugal, desconhecer onde estava escrito no testamento de Adão que o mundo deveria ser dividido entre espanhóis e portugueses apenas. A frase do rei francês indicava que os franceses não aceitavam os direitos exclusivos de Portugal sobre o Brasil e, com base na lei das nações, o jus gentium, e no conceito de império, insistiram no seu direito de comerciar livremente, recusando-se a respeitar qualquer pretensão territorial que não tivesse sido, efetivamente, ocupada pelos portugueses, o que no período significava toda a costa do Brasil (COUTO, 1999). 1199 Os direitos portugueses sobre o Brasil foram fixados em bulas papais e estabelecidos a partir da tradição medieval canônica da jurisdição papal, conceito formulado no século XIII, que conferia autoridade ao papa para atribuir, na forma de monopólios, as terras descobertas ou a descobrir a todo governante que aceitasse evangelizá-las. Esse conceito foi atacado no Renascimento e já não era aceito nem mesmo entre os juristas e teólogos espanhóis, como Francisco Vitória, que questionava, no século XVI, os direitos do papa à jurisdição do mundo. Juridicamente, as bulas papais e o tratado de Tordesilhas eram reconhecidos apenas pela Espanha. CURIOSIDADE As informações da nau Bretoa, navio que esteve no Brasil em 1511, revelam os produtos que encontravam mercado em Portugal. Quando retornou para a Europa, a nau levava em sua carga 5 000 toras de pau-brasil, 22 tuins, 16 saguis, 16 gatos, 15 papagaios, 3 macacos, tudo isso avaliado em 24$220 rs (vinte e quatro mil duzentos e vinte réis), além de 40 peças-escravos, na maioria mulheres. Durante toda a década de 1520, a reação de Portugal contra a pirataria e o contrabando franceses foi a de enviar frotas para patrulhar os mares com instruções para afundar navios estrangeiros não autorizados. A estratégia portuguesa, no entanto, não foi bem sucedida, pois, não só a pirataria não diminuiu como foi ampliada para outras áreas do império português, como o Açores e o estreito de Gibraltar. Segundo registros, entre as décadas de 1520 e 1530, teriam sido capturados pelos franceses cerca de 20 navios portugueses por ano. Diante desse quadro, a coroa portuguesa recuou, pois era impossível patrulhar toda a costa e também não havia dinheiro suficiente para povoá-la. A coroa portuguesa decide então que deveria ser instalado no Brasil algum tipo de colônia permanente, de maneira a ocupar e efetivar a posse do território. 2.2 O sistema de capitanias hereditárias: 1530-1549 A primeira solução encontrada pela coroa portuguesa para ocupar efetivamente o território foi o sistema de capitanias hereditárias. Esse foi um dos objetivos da expedição de Martim Afonso de Sousa em 1530. Com uma frota de cinco navios e quatrocentos colonos, a expedição servia tanto à antiga política de patrulha da costa como à nova - de colonizar. Assim, depois de reconhecer a costa, foi estabelecida uma colônia em 1532, no litoral sul, em São Vicente, por meio de concessões de terras aos chamados capitães donatários. 2200 Figura 2.3 - Capitanias hereditárias (Luís Teixeira. Roteiro de todos os sinais..., c. 1586. Lisboa, Biblioteca da Ajuda. Fonte:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Capitanias_do _Brasil>. Acesso em 05 maio 2011. Além da concessão de dez léguas da costa como propriedade própria, os donatários recebiam amplos poderes, como da jurisdição; da cobrança de impostos; dos privilégios, como o de fundar cidades, nomear funcionários, distribuir terras a outros colonos; do controle do comércio de escravos de índios, além de uma porcentagem do comercio de pau-brasil. Conforme Schwartz, o objetivo desse sistema era o de estimular o povoamento e o desenvolvimento econômico da colônia, daí os benefícios que os donatários recebiam (SCHWARTZ e LOCKHART, 2002). Segundo o perfil que Schwartz e Lockhart traçam dos donatários, eles eram fidalgos portugueses, nobres menores, isto é, membros da pequena nobreza, funcionários da Coroa e soldados que lutaram nas Índias, recebendo terras como mercê, isto como forma de recompensa pelos serviços prestados à coroa portuguesa no ultramar. Muitos donatários não dispunham de nenhum conhecimento prévio da função, nem de recursos financeiros para tocar o empreendimento, daí serem poucos os casos bem sucedidos do sistema de capitanias. Outros jamais conheceram suas possessões no Brasil, abandonando o projeto colonizador sem nem mesmo começar (SCHWARTZ e LOCKHART, 2002). 2211 Figura 2.4 - Ruínas do Engenho dos Erasmos, na atual divisa de São Vicente e Santos. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Engenho_dos_Erasmos>. Acesso em 05 maio 2011. Entre os casos bem sucedidos, podemos citar a capitania de São Vicente, no sul, que contou com a aliança do náufrago João Ramalho, que já vivia junto aos índios da região antes do estabelecimento dos portugueses. Nessa capitania, não havia pau-brasil, mas seu donatário, Martim Afonso de Sousa, conseguiu com que investidores estrangeiros investissem na produção de açúcar na região. O próprio Martim Afonso era dono de um engenho que, posteriormente, foi adquirido por uma família holandesa e recebeu o seu nome, sendo conhecido então como engenho dos Erasmos ou dos Schetz. Em termos econômicos, a economia açucareira desenvolvida em São Vicente foi semelhante àquela desenvolvida pelos portugueses nas ilhas do Atlântico, como a ilha da Madeira. Tratava-se, basicamente, de um empreendimento português montado com capital estrangeiro para produzir açúcar, ainda em pequena escala, para o comércio europeu (SCHWARTZ, 1992). O maior sucesso nessa primeira etapa do processo de colonização foi, sem dúvida, a capitania de Pernambuco, de Duarte Coelho Pereira, que migrou de Portugal com toda a família, irmãos e colonos para povoar a nova terra. É bastante favorecido pela localização da capitania, que era uma importante área de exploração de pau-brasil. Além disso, Duarte Coelho, assim como Martim Afonso, atraiu para a sua capitania outros investimentos – a produção de açúcar, que foi desde o início muito bem sucedida. Em1542, a capitania de Pernambuco já adquiria escravos africanos para trabalhar nos engenhos e, em 1585, já contava com mais de 60 engenhos de açúcar. Outro fator 2222 importante que ajudou o desenvolvimento de Pernambuco foi a aliança firmada com os índios por meio dos casamentos dos colonos com índias, estabelecendo vínculos familiares que garantiram o suprimento de comida e mão de obra ao povoamento desde as primeiras décadas. Entre as capitanias que malograram na tentativa de colonização, está Porto Seguro, capitania doada a um nobre português que migrou para o Brasil. Seu donatário foi aqui acusado de heresia e, perseguido pela Inquisição, retornou a Portugal. Da mesma forma, a capitania de Ilhéus não resistiu aos ataques de índios Aimorés e fez seu com que o seudonatário vendesse seus direitos a um mercador italiano. Na Bahia, igualmente, a invasão de terras provocou grande resistência e ataques por parte dos índios. Decididos a abandonar o empreendimento, os colonos tentaram retornar a Portugal, quando sofreram um naufrágio e foram mortos pelos índios. Assim, apesar dos casos bem sucedidos de São Vicente e Pernambuco, o sistema de capitanias não vingou, fracassando como instrumento de colonização. Entre as causas, Schwartz aponta que Portugal, apesar da riqueza do comércio com as Índias, era um país pequeno com o compromisso excessivo de criar tantas colônias. Era um “convite ao desastre”, como escreve o autor, mas era o possível na época. O autor destaca também a importância das alianças indígenas no empreendimento, enfatizando que ali onde elas ocorreram o sistema foi bem sucedido. Diante desse quadro, o fracasso de algumas capitanias mais o grande sucesso financeiro de Pernambuco levaram a coroa portuguesa a assumir, em 1543, o controle direto da colônia, instituindo, em 1549, o governo-geral. 2.3 O estabelecimento do governo-geral: 1549 Em relação ao que foi dito anteriormente, podemos observar que, depois de quase cinquenta anos da “descoberta” do Brasil, a posse do território, principal causa da colonização, continuava ameaçada. As expedições guarda-costas não resolveram o problema da manutenção da posse. A colonização por meio de capitanias também não 2233 tinha dado resultados práticos e os índios não paravam de ameaçar os núcleos de povoamento existentes. Daí a nova tentativa da coroa portuguesa para garantir a posse da terra por meio do estabelecimento de um sistema administrativo e da presença de um governador-geral, de modo a garantir a permanência do povoamento e desse suporte econômico ao povoamento, estruturando uma produção de gêneros para o comércio europeu. O conceito de colonização, portanto, deve ser entendido nesta chave explicativa, enquanto “ocupação, povoamento e valorização econômica” de certa região, conforme visto anteriormente e definido por Fernando Novais. Isso significa que o processo colonizador empreendido no período moderno foi orientado pela política mercantilista das monarquias europeias, conforme estudado na Unidade anterior, ou seja, a colonização é realizada, em grande medida, em função das exigências das economias metropolitanas, visando à ampliação do setor mercantil na metrópole e ao fortalecimento do poder real (NOVAIS, 1969). Este é o sentido da colonização, o de ser retaguarda da metrópole, conforme a análise clássica de Prado Júnior (1994). O império português, embora tivesse um objetivo comum em desenvolver economicamente suas colônias, não adotou um único modelo administrativo. Na Índia, houve um vice-reinado desde o início da colonização, que abrangia todas as possessões portuguesas, do Cabo da Boa Esperança até o Extremo Oriente. No Marrocos, as várias praças e fortificações lá instaladas, desde o século XV, tinham governos independentes. Da mesma forma na África subsaariana, as possessões também eram independentes, espécies de reinos, como Angola. Segundo Ricupero, o tipo de administração levava em conta a realidade local, a dificuldade de comunicações, entre outros fatores (RICUPERO, 2006). No Brasil, a solução adotada foi a de um governo-geral que tinha por função, além de defender os portugueses contra os índios que resistiam à colonização, fundar uma nova povoação à qual seria dado o nome de São Salvador; castigar os índios que destruíram a antiga capitania da Bahia, fazendo com que a punição servisse de exemplo aos outros índios, além de favorecer os índios que não participaram da destruição, de modo a obter seu apoio. 2244 Eram funções do governador-geral também tomar medidas em relação à defesa das capitanias, mandando construir fortes, cercar as vilas e engenhos, juntar populações e fundar vilas, estabelecer cadeia em todas as vilas, demonstrando que sua autoridade se dava também em nível local, isto é, das câmaras municipais. Estabelecido no Brasil, o governador poderia então exercer o controle direto sobre os donatários, funcionários da coroa e moradores. Assim, capitães-mores e câmaras deveriam passar a funcionar como instâncias inferiores ao governo geral, que poderia, assim, limitar e controlar os poderes locais, como as câmaras e a burocracia colonial. Vejamos agora qual era a situação das capitanias depois do estabelecimento do governo- geral para percebermos corretamente o papel que representou para a economia colonial o estabelecimento do governo-geral. Quando da chegada de Tomé se Sousa, em 1549, havia dois tipos de capitania: as capitanias reais, como a Bahia, compradas pela coroa portuguesa aos descendentes, e as capitanias particulares. A partir daquela data, as capitanias reais, por causa do apoio da coroa portuguesa que investia financeiramente na melhoria das capitanias, principalmente em fortes e presídios, passaram a ter franco desenvolvimento (RICUPERO, 2006). Já as capitanias particulares não apresentavam o mesmo desenvolvimento, com exceção de Pernambuco e Itamaracá. As demais capitanias privadas, como São Vicente e Espírito Santo estavam estagnadas ou como Porto Seguro e Ilhéus, em franca decadência. Fica claro que, estabelecido na colônia o sistema de governo-geral, nas décadas que se seguiram a sua instalação, ele passou a ter um papel central na montagem do processo de colonização do Brasil, atuando nas guerras contra índios e invasores estrangeiros, como os franceses no Rio de Janeiro. O governo-geral possibilitou também a conquista de novas terras – como as capitanias da Paraíba (1584), Sergipe (1587), Ceará (1603- 13), Maranhão (1612-15) – e de escravos indígenas para a expansão da agricultura e da cana de açúcar, alicerce da economia colonial nos séculos XVI e XVII e fundamento de uma elite que nascia na colônia totalmente envolvida com o processo de colonização (RICUPERO, 2006) 2255 2.4 A política economica: o Antigo Sistema Colonial A partir da política econômica que dirige as ações do Estado no período Moderno, o Mercantilismo, a administração e o gerenciamento da colônia eram feitos a partir da metrópole. O mercantilismo pautava-se na ideia de metalismo, isto é, na identificação da riqueza com o metal nobre amoedável, especialmente o ouro e a prata. Ao contrário do pensamento medieval, cujo ideal era a pobreza, a política econômica dos Estados Modernos considerava que o enriquecimento era desejável e se fazia por meio do comércio. Essa é uma das ideias que levaram os países à expansão marítima. Outra forma de enriquecimento do Estado era o protecionismo. Para tal, o rei deveria colocar impostos em todas as entradas e saídas da sua região, incentivar a exportação de produtos industrializados, subsidiando essas exportações e importar produtos artesanais ou sobretaxar a sua produção local de modo a não incentivá-la. Outro princípio do ainda do mercantilismo era o colonialismo, pelo qual os Estados procuravam se expandir comercialmente e enriquecer por meio do comércio de especiarias; dos produtos tropicais, como o açúcar, dos metais preciosos. É graças ao colonialismo que Portugal e Espanha num primeiro momento, com a descoberta e colonização da América , França, Inglaterra e Holanda, num segundo momento, construíram seus impérios coloniais (NOVAIS, 1983). Em relação às colônias, a política mercantilista tinha por objetivo resguardar a área colonial dos demais países. Dessa forma, a medula do sistema, isto é, o ponto essencial para o seu perfeito funcionamento, tornou-se o monopólio do comércio. Esse é o eixo em torno do qual girava toda a política colonial. O monopólio definiu o sistema colonial, conforme análise de Novais (1983). A colônia, assim, só passou a ter sentido, devido à possibilidadede explorar o seu comércio por meio do monopólio. Para isso, existe entre metrópole e colônia, um pacto colonial que define as funções de cada parte. À colônia, coube produzir exclusivamente mercadorias tropicais (pau-brasil, açúcar) e metais preciosos, que foram comercializados pela metrópole na Europa. Já à metrópole, coube abastecer a colônia de produtos manufaturados cuja produção posteriormente proibida na colônia não era incentivada. Esse é o “sentido da 2266 colonização”, segundo o conceito clássico de Prado Júnior (1994): ser a retaguarda econômica da metrópole. É esse sistema econômico que permitiu à metrópole o seu enriquecimento, por meio dos “lucros extraordinários”, advindos do monopólio colonial (NOVAIS, 1974). Resumindo, a metrópole – no caso estudado, Portugal – enriquecera de maneira extraordinária, por meio do seguinte esquema: Mecanismo de funcionamento do Antigo Sistema Colonial. Esse esquema ilustra os vínculos da colonização europeia com a política mercantilista e com a etapa de formação do capitalismo comercial. Podemos verificar, assim, a importância fundamental da colonização moderna, pois permitiu o fortalecimento do Estado Moderno e a ascensão de uma burguesia mercantil na Europa que enriquecia com a venda de produtos coloniais e de produtos manufaturados para a colônia (NOVAIS, 1974). BRASIL Vende sua produção à metrópole a preços monopolistas Compra manufaturados da metrópole a preços monopolistas MERCADO EUROPEU Compra de Portugal a produção produzida na colônia aos preço do mercado europeu PORTUGAL Compra produtos coloniais ao menor custo Vende para a colônia produtos manufaturados a preços monopolistas 2277 2.5 A organização da produção colonial Essas são as linhas mestras do Antigo Sistema Colonial, pelas quais, após o descobrimento da América, os estados europeus se organizaram para explorar o novo continente, de modo a promover o seu enriquecimento, isto é, das metrópoles europeias que promoveram a expansão marítima. Chamamos esse processo de colonização moderna ou sistema colonial, isto é, um conjunto de regras que orientam a relação econômica entre a metrópole e suas colônias. Colonizar, portanto, no período moderno – aquele compreendido, em linhas gerais, entre o Renascimento e a Revolução Francesa –, não significa apenas povoar, promover a imigração de povos de uma região para outra, mas tem um significado mais profundo. Colonizar significa ocupar um território, povoar e, principalmente, promover a exploração de uma atividade econômica voltada para o mercado metropolitano, isto é, para o mercado europeu (NOVAIS, 1969). O Brasil, enquanto colônia de Portugal, insere-se neste contexto - o de exploração de caráter mercantil, que marcou, profundamente, a sua vida econômica e social. Quando o Brasil foi “descoberto”, em 1500, Portugal já explorava comercialmente regiões da África e da Ásia, mas na forma de entrepostos ou feitorias que comercializavam os produtos existentes nessas regiões. Nesse caso, os europeus não intervinham diretamente na produção das mercadorias, mas apenas comercializam-na. Isso não é colonizar, conforme o conceito que vimos anteriormente. No Brasil, após o período de comercialização do pau-brasil, a exploração agrícola de produtos tropicais foi a forma encontrada pela coroa portuguesa para valorizar a sua colônia e garantir sua posse, constantemente ameaçada pelos interesses franceses. O processo de expansão marítima, por sua vez, foi um instrumento da expansão da economia mercantil europeia para outros territórios. Por esse motivo, toda atividade econômica se orientava segundo o interesse da burguesia comercial europeia. A colônia, portanto, foi instrumento de riqueza da burguesia metropolitana e do poder da coroa portuguesa. A política econômica da época moderna visava, assim, à centralização e ao poder do Estado e provocou o enriquecimento da burguesia europeia. No entanto, constituiu-se também na colônia uma elite cujo enriquecimento da historiografia recente mostrou que “passava pelo serviço do rei”, como escreveu 2288 recentemente Bicalho (2005, p. 74). Nesse sentido, os diversos serviços prestados ao rei pelos colonos que já tinham algumas posses – a defesa da colônia contra estrangeiros e a conquista das terras do sertão aos índios, por exemplo – resultavam em mercês remuneratórias, funcionando como estratégias para o enriquecimento e “enobrecimento” da elite colonial. O pagamento pelos serviços prestados à metrópole vinha na forma de terras, títulos de fidalgo, com direito à pensão em dinheiro etc. Mas, especialmente, na forma de cargos na burocracia colonial. Envolvidos, ao mesmo tempo, em vários setores da economia colonial e da burocracia administrativa, muitos colonos souberam utilizar-se dessa estrutura organizacional em beneficio próprio, de modo a conseguir o seu enriquecimento, prática a qual a metrópole fazia vistas grossas porque precisava desses agentes para a colonização. Assim, apesar do enriquecimento da metrópole e do seu grupo mercantil, desde os primórdios da colonização, a ocupação de cargos burocráticos e postos militares operaram no sentido de fortalecer o poderio econômico e social dos agentes coloniais (TOLEDO, 2006) Sendo, no entanto, o principal motivo da colonização o enriquecimento da metrópole, a produção colonial organizou-se de modo a se ajustar a esse objetivo. Para tal, a atividade econômica a ser desenvolvida no Brasil será a agricultura de produtos complementares a da Europa. No caso do Brasil, esse produto foi a cana-de-açúcar voltada para a produção de açúcar branco e mascavo, comercializados no mercado europeu, como veremos adiante. A cultura da cana é assim escolhida porque permitia à coroa portuguesa valorizar economicamente a colônia e promover a sua ocupação e o seu povoamento, assegurando assim a defesa da colônia (NOVAIS, 1969) A opção pela exploração econômica de um só produto, a chamada monocultura, destinada à exportação, encontra sua lógica na natureza da colonização da época moderna. A monocultura de exportação é, portanto, inerente à colonização da época mercantilista e deriva das condições históricas – políticas e econômicas – do momento. Realizada dessa forma, por meio da exploração de um só produto, a economia colonial foi complementar a da metrópole e mostrou a necessidade de adquirir tudo o que não é produzido na colônia. Dessa forma, as colônias, além de produtores para as metrópoles, 2299 Metrópole: no contexto do sistema colonial, o termo identifica o país que detém o domínio político e econômico sobre uma colônia. Identifica, assim, um centro de poder e uma região periférica. CURIOSIDADE Introduzido na Europa pelos venezianos, o consumo do açúcar foi popularizado pelos portugueses, que são responsáveis também pela popularização do tabaco, que era ainda desconhecido na Europa. No início da expansão comercial, esses produtos eram conhecidos apenas pelas virtudes medicinais que lhes eram atribuídas. Em pouco tempo, no entanto, o tabaco e o açúcar se transformaram de condimento de luxo e remédio dado aos doentes em objetos de desejo de muitas pessoas. Até o século XV, o açúcar era uma droga de luxo, como a pimenta, acessível a poucos e vendida em boticas. Os que não podiam comprar açúcar (isto é, a maioria) adoçava os alimentos com mel. De tão luxuoso, o açúcar era deixado como herança em testamentos da nobreza e presenteado por reis a outros monarcas. tornam-se também centros consumidores da produção metropolitana, gerando a dependência da economia colonial da sua metrópole (NOVAIS, 1969) Da mesma forma que os interesses econômicos europeus determinaram a forma de exploração econômica, o modo de produçãoa ser empregado na colônia também foi estabelecido em função dos interesses da metrópole, de modo a permitir a maior lucratividade possível. Isso explica também o emprego da mão de obra escrava no Brasil, no momento em que essa forma compulsória de trabalho estava quase extinta na Europa. O emprego de mão de obra livre assalariada nesse momento poderia gerar uma economia de subsistência ou o desenvolvimento econômico interno, o que escaparia aos interesses da metrópole. O objetivo da colônia não era o seu povoamento, mas a exploração mercantil. A política metropolitana não era uma política que visava o individuo, mas a colônia se constituía para enriquecer a metrópole, como vimos. Por isso, renasce na colônia, no período moderno, a escravidão, cujo tráfico fará a fortuna de muitos mercadores. 3300 3311 Unidade 3 Unidade 3 . A economia colonial: séculos XVI-XVIII 3.1 A economia açucareira 3.1.1 Antecendentes Quando os portugueses iniciaram o cultivo da cana e a fabricação de açúcar no Brasil, a partir da década de 1530, essa atividade não era nenhuma novidade para eles, pois eles já cultivavam a cana-de-açúcar, trazida da Sicília por ordem do infante D. Henrique, nas ilhas portuguesas do Atlântico, como a Ilha da Madeira e os Açores. Da mesma forma, não se constituiu novidade o emprego da mão de obra escrava africana na economia açucareira. A novidade foi o volume de açúcar produzido pelo Brasil, que levou à ruína a produção das ilhas portuguesas, e a proporção que atingiu o tráfico de escravos africanos, que se transformou, por si só, numa atividade tão ou mais lucrativa que a produção de açúcar (MAURO, 1997) Os primeiros registros que temos da produção de açúcar nas ilhas do Atlântico datam de 1502, quando cabiam ao rei de Portugal apenas 500 arrobas do açúcar produzido nos Açores. Próximo do fim do século XVI, em 1570, a produção de açúcar da Ilha da Madeira era relativamente grande, de 200 mil arrobas. O surto do açúcar brasileiro, no entanto, foi responsável pelo declínio do açúcar nessas ilhas. Outros fatores, especificamente locais, concorreram para o declínio da produção nas ilhas. Como mostram numerosos autores, a produção do açúcar exigia grandes capitais e uma extensa rede de serviços intermediários, o que incluía processo de refino e representantes comerciais em Lisboa e na Flandres, responsáveis pela maior parte dos negócios. Onde não estivessem constituídas essas redes, dificilmente a produção 3322 passaria do consumo interno, isto é, as vendas não ultrapassariam o mercado local para atingir o mercado internacional. Assim foi nas ilhas portuguesas do Atlântico, mas também no México, no Peru e em Cuba, isto até o século XIX. (BRAUDEL, 1979). No Brasil, no entanto, a produção de açúcar nos séculos XVI e XVII atingiu níveis espetaculares e foi a principal riqueza do império português. Desde 1510, tem-se notícias do açúcar brasileiro na Europa, mas é só a partir de 1570 que começou a se exportar o produto em quantidades significativas. O principal destino da produção açucareira era Lisboa. Por meio de Lisboa, o açúcar ia para as mãos dos holandeses. A Holanda comprou, até 1600, 2/3 do volume de açúcar produzido no Brasil. O açúcar era refinado na Holanda e, em seguida, comercializado em toda a Europa. A inexistência de refinarias no Brasil deveu-se em parte à ausência de concorrência no mercado português, o que resultou num mercado menos complexo e menos exigente, levando o açúcar “barreado” do Brasil a uma maior aceitação (SCHWARTZ, 1992). Até o século XIX, o açúcar foi o principal produto de exportação no Brasil. Mesmo durante o período áureo do ouro, quando o Brasil ajudou a impulsionar a revolução industrial na Inglaterra, o valor das exportações de açúcar excedeu o de qualquer outro produto (SCHWARTZ, 1995). Embora já existissem engenhos de açúcar em São Vicente, desde a época das capitanias hereditárias, o centro da produção açucareira não estava no Sul da colônia, mas na atual região Nordeste, devido à presença nesta região do solo de massapé, específico dos climas quentes e úmidos, que retém muito bem a umidade. Muito rico em material orgânico, além de muito resistente, o massapé permitia até seis colheitas de cana antes de se esgotar. Outro tipo de solo que permitia a lavoura da cana era o salão, que era mais arenoso e, portanto, incapaz de reter tanto a umidade, característica essencial para a cultura da cana. As areias eram então o solo destinado ao cultivo da mandioca. Durante a segunda metade do século XVI e todo o século seguinte, essa foi a região da cana-de-açúcar. Em torno dessa atividade econômica, formou-se a chamada sociedade açucareira, com destaque para Pernambuco e Bahia. Apenas no século XVIII, a 3333 produção de açúcar, cuja exportação partia do Rio de Janeiro, ganhou volume e expressão, a partir da região de Campos dos Goitacazes. No início da produção colonial (século XVI), a palavra engenho designava apenas a máquina de fazer açúcar - o moinho propriamente. Com o tempo, o engenho passou a denominar todas as propriedades, terras e lavouras de cana, tornando-se um complexo açucareiro, uma unidade de produção. Por meio desse processo, os 63 engenhos instalados em Pernambuco, em 1591, produziram 378 000 arrobas de açúcar ou 87 toneladas por engenho. Igual prosperidade vivia a Bahia, que também contava com 63 engenhos, produzindo, em 1610, 300 000 arrobas de açúcar ou 69 toneladas por engenho (SCHWARTZ, 1992). Em 1614, a produção total de açúcar no Brasil atingia 700 000 arrobas, produzidas em 192 engenhos, cifra que aumentou para 960 000 arrobas, produzidas em 300 engenhos, em 1624, às vésperas da invasão holandesa. A montagem e grande expansão da economia açucareira no Brasil ocorrem, portanto, entre 1570 e 1620, o número de engenhos aumentou e o consumo do produto expandiu-se, provocando a elevação do preço do açúcar acima do nível de elevação geral dos preços na Europa. O século XVII, no entanto, ficou conhecido como o século da crise generalizada na Europa, conjuntura que colaborou para o declínio da produção açucareira no Brasil. A partir de 1620, no contexto da guerra entre a Holanda e o império espanhol, os preços do açúcar sofreram queda. Da mesma forma, a concorrência externa começou a afetar a produção do açúcar brasileiro. Depois de um breve período de recuperação, em 1630, quando seus preços subiram 120%, enquanto os preços dos produtos locais subiram apenas 45%, o açúcar sofreu nova queda (de 7%) entre 1635-1652. (FERLINI, 2003). Essa tendência manteve-se até o final do século seguinte, quando ocorreu um surto de renascimento da economia açucareira devido a outras condições históricas. 3344 3.1.2 O emprego da mão de obra indígena e africana na economia açucareira A escravidão não desapareceu por completo na Europa ocidental e mediterrânea após o colapso do Império romano. Porém, ao longo da Baixa Idade Média, a escravidão, enquanto sistema de trabalho, deixou de existir no Ocidente europeu, com exceção dos países do Mediterrâneo, isto é, dos países das penínsulas Ibérica e Itálica. Porém, mesmo assim, a escravidão era, nos séculos XIV e XV, uma instituição urbana e tinha pouca importância no conjunto da economia, pois o emprego em larga escala de escravos na produção agrícola havia se tornado residual nessas regiões. Assim, a recriação do escravismo, enquanto emprego massivo de escravos nas tarefas agrícolas, foi realizada por portugueses e espanhóis só após a segunda metade do século XV, com a introdução da produção açucareira nas ilhas atlânticas, e, no século XVI, com a colonização da América (MARQUESE, 2006). No Brasil, a mão de obra empregada na montagem da economia açucareira e dos engenhos de açúcar nos seus primeiros momentos foi, predominantemente,indígena. Uma parte dos índios (recrutados em aldeamentos jesuíticos no litoral) trabalhava sob regime de assalariamento, mas a maioria era submetida à escravidão, geralmente devido a guerras entre índios e colonos. Dessa forma, empregada, desde os primórdios da colonização, no plantio e beneficiamento da cana-de-açúcar, a mão de obra indígena permaneceu durante quase um século como uma das forças de trabalho nos engenhos e nas fazendas da Bahia e de Pernambuco, seja na forma cativa ou livre, como mostrou Schwartz (1992). Porém, a crescente oposição da Igreja à escravidão indígena e a ocorrência de várias epidemias no litoral brasileiro (como sarampo e varíola), que vitimaram muitos índios entre 1562-63, levaram à reposição da força de trabalho nos engenhos. Na década seguinte, em resposta à pressão dos jesuítas, a Coroa portuguesa promulgou leis que coibiam parcialmente a escravização de índios. Nessas condições históricas, em torno de cinquenta anos, a principal força de trabalho dos engenhos do nordeste, obtida nos sertões, deixou de ser indígena, sendo substituída pelo escravo africano. Os registros do engenho Sergipe do Conde, na Bahia, que pertenceu ao governador-geral Mem de Sá, mostram claramente essa transição. Em 3355 1572, apenas 7 % dos 280 escravos do engenho eram africanos. Vinte anos depois, no final do século XVI, esse percentual chegou a 38% do total de escravos. Finalmente, em 1638, não havia mais registros de mão de obra indígena cativa no engenho Sergipe do Conde e sim uma população de 81 escravos africanos (SCHWARTZ, 1992; FERLINI, 2003). A transição para a mão de obra africana acompanhava também o aumento da produção açucareira nas primeiras décadas do século XVII, provocado pelo crescimento do mercado europeu e pelos altos preços que o açúcar atingiu no período, conforme vimos antes. Pesquisando as razões da transição da mão de obra indígena para a africana, uma corrente de historiadores, nos anos 1970, colocou a seguinte questão: porque o colono adquiria o escravo africano se o índio, quando adquirido de aldeamentos jesuítas ou não, era cinco vezes mais barato que os africanos, considerando que ele, até as primeiras décadas do século XVII, funcionou bem como trabalhador? É a essa pergunta que historiadores, como Fernando Novais, e sociólogos como Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Otavio Ianni, buscaram responder. Para eles, a resposta está essencialmente relacionada à economia mercantilista do período. Segundo esses autores, o trabalho escravo, de índios ou negros, foi fundamental para o desenvolvimento da economia colonial e, portanto, da metrópole, porque só assim, dado o nível de tecnologia da época e a abundância de terras, a colônia pôde produzir gêneros de maneira barata e gerar, desta maneira, lucros extraordinários para a metrópole. Segundo Novais (1983), toda a estruturação das atividades econômicas coloniais, bem como a formação social a que servem de base, definem-se nas linhas de força do sistema colonial mercantilista, isto é, nas suas conexões com o capitalismo comercial. [...] o próprio modo de sua produção define-se nos mecanismos do sistema colonial [...] A colonização organiza-se no sentido de promover a primitiva acumulação capitalista nos quadros da economia europeia, ou noutros termos, estimular o progresso burguês nos quadros da sociedade ocidental. [...] Não bastava produzir os produtos com procura crescente nos mercados europeus, era indispensável produzi-los de modo a que a sua comercialização promovesse estímulos à acumulação burguesa nas economias europeias. [...] Ora, isso obrigava as economias coloniais a se organizarem de molde a permitir o funcionamento do sistema de exploração colonial, o que impunha a adoção de formas de trabalho 3366 compulsório ou na sua forma limite, o escravismo (NOVAIS, 1983, p. 97). A indústria açucareira, porém, continuou empregando mão de obra indígena na execução de algumas atividades secundárias durante o século XVII, especialmente quando se colocavam obstáculos ao uso da mão de obra africana. Já observa Novais (1983) que os colonos recorriam à escravidão indígena na falta dos africanos, devido a fatores conjunturais, como a dificuldade de navegação no Atlântico ou a concorrência colonial. Outros obstáculos ao tráfico negreiro puderam também provocar o recrudescimento da escravidão indígena. A atuação de corsários e piratas no contexto das guerras do século XVII, saqueando barcos portugueses em alto mar e capturando africanos que seriam vendidos no Novo Mundo, também provou o aumento da escravidão indígena no Brasil (ALENCASTRO, 2000). Esse período – especialmente entre as décadas de 1625 e 1650 – representou o chamado “período de fome de negros”, quando uma série de eventos ocorridos na África levou ao estanco o fornecimento de escravos para o Brasil (MAURO, 1997). No entanto, a produção açucareira no Brasil atingiu tal volume a partir de 1570, que exigiu grande quantidade de mão de obra, o que concorreu para o emprego definitivo da escravidão africana na colônia. Os primeiros escravos africanos começaram a ser importados em meados do século XVI e foram empregados basicamente nas atividades especializadas, como o processo de cozimento e purgação do açúcar. Por esse motivo, eram bem mais caros que os indígenas - um escravo africano custava, na segunda metade do século XVI, cerca de três vezes mais que um escravo indígena. A partir desse período, também, os portugueses aprimoraram o funcionamento do tráfico negreiro atlântico, sobretudo após a conquista definitiva de Angola, em fins do século XVI, território que passou a ser o principal ponto de fornecedores de escravos para o Brasilserá até o século XVIII. O desenvolvimento da produção açucareira é explicado pelos números do tráfico. Entre 1576 e 1600, desembarcaram em portos brasileiros cerca de 40 mil africanos escravizados. Entre 1601 e 1625, esse volume mais que triplicou, passando para cerca de 150 mil, sendo que a maior parte foi destinada a trabalhos em canaviais e engenhos de açúcar do nordeste (MARQUESE, 2006). Entre 1625 e 1650, esse número caiu para 3377 50 mil. A partir de 1720-1730, já no contexto de descoberta das minas, os escravos foram para Minas Gerais, diminuindo, com isso, ainda mais a produção de açúcar. 3.2 A mineração no Brasil 3.2.1 Antecedentes Encontrar ouro e prata na época Moderna, período entre o Renascimento e a Revolução Francesa – quando a riqueza de um país é expressa pelas reservas de metal amoedável, isto é, ouro e prata, que este país possuía –, era o objetivo máximo da colonização europeia. Era um ideal a ser perseguido e alcançado, o que está claro nas cartas que a Coroa Portuguesa encaminhava para a colônia ou na documentação produzida na colônia por meio dos relatos dos cronistas. Desde Pero Vaz de Caminha, já se falava em achar metais no Brasil. O ouro, no entanto, foi encontrado pela primeira vez apenas por volta de 1560, por Brás Cubas, em São Vicente. Mais do que o escravo índio, o ouro de lavagem proporcionou, nesse período, o maior ativo na exportação da vila de São Paulo. As crônicas da época mencionam as minas de Jaraguá, Vuturuna, Jaraguamimbaba, Ribeira de Iguape, Cananeia, Paranaguá e alguns outros pontos dos quais se extraíam ouro de lavagem na capitania de São Vicente. Em 1615, desapontada com as modestas receitas da mineração na colônia, a Coroa portuguesa retirou seus mineradores do Brasil e os enviou a África, desistindo da procura de ouro no Brasil. Os particulares, no entanto, continuaram a procurar o metal na colônia ao longo de todo o século XVII, tanto no nordeste (especialmente na Bahia) como nas capitanias do sul. Em 1596, enquanto sertanistas baianos e pernambucanos vasculhavam os sertões em busca de prata e ouro, três
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