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Texto: Maria Amanda Capucho da Silva A Dinâmica do Açúcar no Brasil A formação econômica brasileira contou com diferentes ciclos econômicos, que podem explicar até determinado ponto a concentração de riqueza e população no país. O Brasil foi palco para o desenvolvimento de diversos ciclos, destacando os de maior importância: ciclo do açúcar, ciclo do ouro e ciclo do café. Aprofundando-se no período açucareiro, datado entre os séculos XVI a XVII, com o Brasil ainda sendo colônia de Portugal, é válido pontuar fatores que contribuíram para essa expansão agrícola. O primeiro é o conhecimento da produção açucareira pelos portugueses, que já haviam iniciado nas ilhas do Atlântico, em escala consideravelmente grande, a produção do açúcar, dessa maneira, já se tinha experiência com equipamentos e questões técnicas, além de conhecer o campo comercial. A colaboração dos flamengos também é outro fator importante a ser mencionado. Como traz o economista brasileiro, Celso Furtado, em uma das suas maiores obras econômica — Formação econômica do Brasil: A contribuição dos flamengos — particularmente a dos holandeses — para a grande expansão do mercado do açúcar, na segunda metade do século XVI, constitui um fator fundamental do êxito da colonização do Brasil. Especializados no comércio intra-europeu, grande parte do qual financiavam, os holandeses eram nessa época o único povo que dispunha de suficiente organização comercial para criar um mercado de dimensões para um produto praticamente novo, como era o açúcar. (FURTADO, 2007, pág. 33). Esses suportes foram de extrema importância para a implementação da empresa agrícola do açúcar no território brasileiro. Entretanto, assim como as facilidades, as dificuldades também estavam presentes, e uma delas era a mão-de-obra. Tornou-se inviável cultivar cana-de-açúcar (planta de clima tropical, inadaptável — ao menos no período colonial — às condições climáticas do continente europeu) em grandes proporções em locais distantes da Europa, pois não era atrativo sair do continente para terras relativamente desconhecidas sem salários mais elevados. A alternativa desumana encontrada pelos portugueses foi o tráfico de mão-de-obra escrava, que deixou marcas e dívidas presentes até os dias atuais na sociedade brasileira. A experiência dos senhores portugueses com o mercado de escravos viabilizou a aquisição de força de trabalho para as plantações de cana-de-açúcar, assim como para os engenhos de açucareiro. Postos esses aspectos, cabe a rápida introdução da história do açúcar, e pode utilizar-se de um trecho do samba enredo da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, de 2001. Cana-caiana Cultura que o árabe propagou Apesar dos cruzados plantarem A cana na Europa não vingou Mas conta a história que em Veneza O açúcar foi pra mesa da nobreza Virou negócio no Brasil, trazida de além-mar E, nesta terra, o que se planta dá Gira o engenho pra sinhô, Bahia faz girar E, em Pernambuco, o escravo vai cantar (Quero vê) Quero vê descê o suco até melá Na pancada doce do ganzá (Samba enredo da Imperatriz Leopoldinense, 2001) O açúcar, provavelmente, teve suas origens na Índia, e foi propagado pelos árabes e pelos cruzados (as Cruzadas serviram de intercâmbio cultural), sendo um alimento acessível para a nobreza. Veneza tinha o monopólio do refino do açúcar até a entrada portuguesa no mercado, que iniciou a produção nas ilhas do Atlântico e, posteriormente, em terras brasileiras. A colônia, que já havia passado pelo ciclo do pau-brasil, passou a ser crucial para a produção açucareira, pois, como diz o samba enredo apresentado acima: E, nessa terra o que se planta dá. Além dos fatores supracitados, as condições favoráveis do solo brasileiro influenciaram positivamente no êxito da primeira grande empresa colonial agrícola europeia, como denominou Celso Furtado. Mais um fator atribuído por Furtado foi a decadência da economia espanhola, concentrada na exploração de metais preciosos, o que a tornou ineficiente no setor agrícola. Devido a isso, Portugal conseguiu o monopólio da economia agrícola. Com a lógica mercantilista vigente na época, o incentivo à manufatura era posto em prática na colonização, no Brasil não diferente. Nas terras tupiniquins a manufatura foi implementada com sucesso e o sistema de sesmarias (distribuição de terras pelo donatário da capitania hereditária) teve extrema importância na implementação da plantation de cana-de-açúcar, que segundo o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marcio Miceli, era sustentado pelo tripé da monocultura, escravismo e latifúndio, e, em consequência, na produção de açúcar: Os titulares das Capitanias Hereditárias, por seu turno, promoviam a distribuição de suas terras por meio da carta de sesmaria, a colonos que deveriam formar roças, fazendas (propriedades maiores voltadas ao cultivo de produtos exportáveis, como a cana e o gengibre, ou à criação de gado) e/ou instalar engenhos (Schwartz, 1988, p. 36). (RODRIGUES, 2020, pág. 20). Sobre a localização da indústria açucareira, regiões como a Baía da Guanabara, Maranhão, a foz do Rio Amazonas e Planalto da Borborema, além da linha costeira, foram escolhidas para o cultivo da cana. Mas, pelas características geográficas mais apropriadas, as capitanias nordestinas obtiveram maior rendimento, com destaque para a capitania de Pernambuco, que tinha Duarte Coelho como donatário. Pernambuco por ter solos altamente propícios, recebeu os primeiros engenhos, e também possuía o principal porto de exportação da colônia, o Porto de Recife, por ter se tornado o principal expoente da indústria açucareira e pela localização mais próxima da Europa, isso levou a capitania a ser o centro açucareiro mais importante da colônia até meados do século XX. Com relação ao funcionamento dos engenhos, a mão-de-obra escrava foi essencial. O trabalho era realizado pelos africanos capturados e trazidos à força para o Brasil, eles desembarcavam principalmente em Pernambuco e na Bahia, e eram transformados em escravos. Existiam também, lavradores de cana (trabalhadores livres, porém sob tutela dos senhores de engenho), em pequenas quantidades, que cultivavam canaviais. A produção da colônia brasileira era comercializada apenas com o Reino de Portugal, em razão do Pacto Colonial, sendo assim, a Coroa Portuguesa deteve total controle sobre a riqueza produzida em solo tupiniquim. A fértil empresa agrícola, começou a ser desarticulada, maxime, pelas invasões (a partir de 1624) ao nordeste pelos holandese, que tiveram grande domínio do nordeste por 24 anos. Essas invasões foram motivadas pelos conflitos entre holandeses e espanhóis, vale lembrar que nessa época os reinos de Portugal e Espanha haviam se unificado, na conhecida União Ibérica. Com a Restauração, movimento que restaurou a autonomia de Portugal e deu fim a União Ibérica, os portugueses expulsaram os invasores vindos dos Países Baixos do nordeste, contudo, a passagem holandesa no principal centro açucareiro do Brasil resultou em mudanças na economia. A permanência nas terras brasileiras forneceu conhecimento técnico e agrícola aos holandeses, controladores do comércio marítimo, sobre a indústria açucareira, o que possibilitou aos holandeses a implantação de uma indústria concorrente, na região do Caribe, que veio a ser mais rentável na produção, desarticulando o monopólio português. A perda da importância da economia açucareira afetou em especial a formação econômica Nordeste, dado que os ciclos econômicos futuros (ciclo do ouro, ocorrido na região de Minas Gerais, e ciclo do café, predominantemente na região sudeste) e as políticas macroeconômicas, a exemplo a política de industrialização, posteriores não beneficiaram a região, como é posto pelo professor da UFPE, Valdecy Guimarães, em um palestra online realizada em 2020. Cabe ressaltar que até os dias atuais, a diferença entre a renda per-capita do Nordeste de do Centro-Sul é exorbitante. Furtadocoloca que “o Nordeste foi se transformando progressivamente numa economia em que grande parte da população produzia apenas o necessário para subsistir"(2007, pág. 106). Fazendo uma ligação entre passado e presente, Pernambuco continua apresentando áreas de grande cultivo de canaviais e usinas de açúcar e álcool, exemplo o Engenho Sanhaçu. Também é possível observar a presença de engenhos desativados ou turísticos, como o engenho de Jundiá, em Vicência, e a Usina da Arte, em Água Preta, no estado pernambucano. Ademais, é necessário falar das economias complementares ou atividades secundárias, as quais possuíam dependência da atividade principal, a canavieira. Durante o ciclo do açúcar as atividades complementares se concentraram no Nordeste, destaque para a pecuária e gêneros alimentícios. Essas atividades secundárias estavam dispostas no sertão e no agreste nordestino, que continuam produzindo e fornecendo sua produção para regiões metropolitanas e mais desenvolvidas economicamente. Em suma, o ciclo do açúcar teve papel fundamental para a formação econômica brasileira. Sendo o primeiro ciclo econômico notável (economicamente falando o ciclo do pau-brasil não teve tanta importância se comparar com o do açúcar), que acarretou em mudanças estruturais e elevou a colônia brasileira ao status de principal colônia de Portugal. Além disso, também se teve impacto na formação do Nordeste, não apenas pelas dinâmicas impostas que são presentes até o atual momento, mas também pelo desenvolvimento, que infelizmente sofreu retrocesso após o fim do domínio monopolista da indústria açucareira, das regiões que concentravam as atividades complementares, a citar o agreste pernambucano, que continua fornecendo, em especial, grãos para as regiões envolta e desenvolvendo a pecuária. A involução econômica nordestina após a mudança para ciclo minerador é sentida e notada até hoje, sobretudo nos locais menos desenvolvidos, como agreste e sertão, que além de terem uma industrialização pífia, possuem população com maior dependência de políticas públicas, pela concentração de riqueza e renda visível no país. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABPHE. Ciclo de palestras Intérpretes do Nordeste - Celso Furtado e Francisco “Chico” de Oliveira. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1C6Ji09Rigg>. Acesso em: 24 mar. 2022. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 34ª ed. São Paulo. Companhia das Letras, 2007. IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE, Cana-caiana, cana roxa, cana fita, cana preta, amarela, pernambuco... Quero vê descê o suco, na pancada do ganzá. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=wkc2QHuD9DQ>. Acesso em: 24 mar. 2022. RODRIGUES, G. S. S. C.; ROSS, J. L. S. A trajetória da cana-de-açúcar no Brasil: perspectiva geográfica, histórica e ambiental. Uberlândia. Edufu, 2020. https://www.youtube.com/watch?v=1C6Ji09Rigg https://www.youtube.com/watch?v=wkc2QHuD9DQ
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