Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Meio Ambiente e Constituição Meio Ambiente e Constituição Introdução As exigências de desenvolvimento econômico, apoiadas por um desenvolvimento científico e tecnológico jamais vivenciado, principalmente a partir de meados do século XX, levaram a severas e incontornáveis consequências para o meio ambiente por conta da utilização indiscriminada dos recursos naturais como meio para o desenvolvimento econômico pretendido a partir dos anos 50. A produção de bens e serviços massificada por processos globais realizados por grandes corporações, assim como o aprimoramento das tecnologias, da engenharia genética e o consumismo que marcam e caracterizam o final do século XX e o início deste século XXI, aliados à falta de preocupação com os possíveis e inexoráveis danos provocados ao meio ambiente por estes processos, conduziram aos fenômenos das mudanças climáticas que agora os Estados esforçam-se para mitigar e alcançar a necessária sustentabilidade ambiental, conjugando de maneira responsável o desenvolvimento econômicos e tecnológico com a preservação do meio ambiente para as gerações futuras. No plano normativo internacional o meio ambiente passou a gozar de proteção a partir de 1972, com a Declaração de Estocolmo. Em 1992, a Declaração do Rio estabelece o princípio da sustentabilidade que garante aos Estados o direito ao desenvolvimento, mas reconhecendo o meio ambiente como parte integrante deste desenvolvimento. Desde então, nas Conferências sobre Desenvolvimento Sustentável da ONU os Estados vêm tentando implementar o conjunto de medidas necessárias para garantir a integridade do meio ambiente mitigando as consequências já instaladas das mudanças climáticas no planeta. Esta realidade demanda o empenho de todos na busca de soluções concretas que possam mitigar os efeitos destas profundas mudanças, não só dos Estados, mas da sociedade civil e das corporações. Neste sentido, a rede de soluções para o desenvolvimento sustentável das Nações Unidas divulgou também em 2014 os 17 objetivos e as respectivas metas para o desenvolvimento sustentável que devem nortear o caminho em busca de soluções efetivas para 2030 e como consequência desta iniciativa foi elaborado o texto do Acordo de Paris em 11 de dezembro de 2016, através do qual os Estados pretendes fortalecer a resposta global às ameaças das mudanças climáticas em um contexto de desenvolvimento sustentável e os esforços para erradicar a pobreza. Diante deste contexto, nesta disciplina buscar-se-á compreender o direito constitucional ambiental brasileiro em sua inter-relação com o direito internacional do meio ambiente, tendo como parâmetro a relação entre direitos humanos e direitos fundamentais e sua interpretação no direito constitucional brasileiro. Sendo assim, essa disciplina tem como objetivos: 1. Compreender o meio ambiente como valor no modelo neoconstitucionalista brasileiro a partir da Constituição Federal de 1988; 2. Compreender os princípios constitucionais do meio ambiente a partir do conceito de princípio constitucional e sua normatividade na Constituição brasileira; 3. Compreender o direito fundamental ao meio ambiente sadio a partir do conceito de direito fundamental, suas garantias, sua natureza, suas características, sua importância no regime constitucional brasileiro e sua relação com os direitos humanos; 4. Conhecer estruturalmente o direito constitucional do meio ambiente a partir dos princípios constitucionais e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. 5. Identificar e analisar os conflitos entre os princípios do meio ambiente e os demais princípios constitucionais à luz da jurisprudência do STF. 6. Apresentar aos alunos novas questões e as novas propostas e tendências em termos normativos, executivos e jurisprudenciais. Aula 1: A globalização econômica, mudanças climáticas e o papel do Estado na proteção do meio ambiente Introdução A segunda metade do século XX foi marcada, por um lado, pelo crescimento acelerado da industrialização, pelo surgimento de uma economia de mercado global e das grandes corporações, pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, pelo rápido crescimento demográfico e por outro lado, pelo agravamento das desigualdades, pela desnutrição generalizada, pelo esgotamento dos recursos naturais não renováveis e pela deterioração ambiental. Nos últimos 100 anos a temperatura do planeta aumentou 0,6 graus, mas somente na década de 90 relacionou-se este aquecimento global à emissão de gases de efeito estufa e o desenvolvimento econômico às mudanças climáticas. A partir deste marco a proteção do meio ambiente passa a ser guiada pelo princípio do desenvolvimento sustentável, introduzido pela Declaração do Rio de 1992 e nas Convenções da Biodiversidade e da Mudança do Clima. O desequilíbrio ambiental causado pelo impactante desenvolvimento econômico vivenciado nas últimas décadas vem provocando mudanças climáticas com efeitos irreversíveis que estão alterando substancialmente as condições de vida no planeta, ameaçando seriamente a saúde, a segurança, o cultivo e a produção de alimentos, a água e outras e outras dimensões. Nesta aula serão apresentados o contexto atual da globalização econômica e mudanças climáticas e os desafios que impõem, principalmente ao Estado, a quem se atribui o dever de proteger e realizar os direitos fundamentais e os direitos humanos. Sendo assim, esta aula tem como objetivos: 1. Compreender o contexto atual de globalização econômica e de mudanças climáticas e a relação entre os dois processos em nível global e local. 2. Compreender e analisar o papel do Estado, como realizador dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, no enfrentamento dos desafios impostos pelos processos de globalização econômica e das mudanças climáticas. Conteúdo A globalização econômica: o mercado e o enfraquecimento do poder do Estado A segunda metade do século XX foi marcada, por um lado, pelo crescimento acelerado da industrialização, pelo surgimento de uma economia de mercado global e das grandes corporações, pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, pelo rápido crescimento demográfico e por outro lado, pelo agravamento das desigualdades, pela desnutrição generalizada, pelo esgotamento dos recursos naturais não renováveis e pela deterioração ambiental. O processo de desenvolvimento da economia de mercado global vem de longe. A expansão do mercado para além das fronteiras nacionais que a caracteriza foi um dos ingredientes que possibilitaram a passagem de uma economia mercantilista para um capitalismo mercantil1 e daí para um sistema auto regulável e mundial. Entre o início do século XVII e meados do sec. XVIII o mercado estrangeiro cresceu sete vezes e esta expansão teve como consequência o aumento da quantidade de capital que saía do monopólio do Estado e se acumulava na esfera privada e esta acumulação “original” foi uma das condições originais do capitalismo como sistema de produção que alavancado pelo desenvolvimento tecnológico e científico resultou no que se 1 O surgimento dos Bancos para superar os problemas econômicos oriundos deste processo expansionista. passou a denominar de globalização da economia ou economia de mercado global. A Globalização econômica é uma tendência recente2 da economia em direção ao aumento de fluxos internacionais de bens que mudou qualitativamente a natureza da integração econômica que passa então a ser baseada no mercado, mercado este formado por ações de agentes economicos tais como investidores, empresas e consumidores, deslocando-se rapidamente para além dos Estados e determinando o fluxo de bens e serviços dentro e fora das fronteiras nacionais. A economia de mercado global é caracterizada,então, pela extensão da integração de uma economia baseada no mercado a todas as fronteiras locais, regionais ou nacionais e que teria como função fornecer à humanidade os meios para alcançar desenvolvimento e prosperidade. O processo de globalização pode ser descrito pela conjunção de alguns fatores, algumas afinidades eletivas O progresso científico e tecnológico em curso, associados à expansão planetária da economia de mercado, ao aumento contínuo do comércio de bens e serviços , à dependência crescente das economias nacionais a vista de seu comércio , às mudanças nos modos de produção, no papel crescente dos serviços, dos fluxos de capital e das empresas transnacionais na economia capitalista, à conexão sempre mais forte das sociedades nacionais e à porosidade das fronteiras estatais, são algumas das manifestações das mudanças econômicas e sociais, cuja 2 Podemos tomar como marco o século XX e o século XXI. intensidade, rapidez e talvez novidade constituam bem uma das marcas distintivas da mundialização.3 A internacionalização da produção e a internacionalização das operações financeiras como característica do processo de globalização econômica são uma das principais causas do enfraquecimento do poder do Estado, já que o interesse das corporações transnacionais, que são responsáveis pelas cadeias de produção e do mercado financeiro, “está principalmente na lucratividade global, e seu país de origem pode ter pouca importância em sua estratégia de conjunto4. As mudanças no cenário mundial - especificamente no que tange à crescente difusão das empresas transnacionais - jamais teriam acontecido sem o progresso tecnológico que favoreceu a internacionalização da produção de bens e serviços, um movimento que não poderia ser contido, diante do imenso poder econômico que se consolidava nestas empresas. Enquanto que a importância política das empresas transnacionais que proporcionalmente se expandem, a autonomia dos Estados diminui, uma vez que estes se submetem às suas estratégias que implicam em produção de riqueza e progresso tecnológico.5 As interconexões globais, provocadas pela economia de mercado global, reduzem o poder do Estado no controle de atividades realizadas dentro e fora do seu território e mais ainda, a expansão das forças e interações transnacionais reduzem e restringem a influência que os governos têm sobre a atividade dos seus cidadãos6 3 (SENARCLENS, 2002). 4 (HELD, 1991, p. 167). 5 Ibidem (SENARCLENS, p. 75) 6Ibidem (HELD, p. 167). Segundo Otavio Ianni, O impacto desta transnacionalização da economia, através das corporações transnacionais tem sérias implicações na realidade sócio econômica dos Estados, já que estas empresas “(...) desenraizam-se progressivamente, planejando e concretizando as suas atividades em termos de geoeconomias próprias, muitas vezes alheias às peculiaridades ou idiossincrasias de governos nacionais ”7 A globalização econômica e as consequências para o meio ambiente. As consequências deste processo de globalização econômica para o meio ambiente são drásticas. Nos últimos 100 anos a temperatura do planeta aumentou 0,6 graus, mas somente na década de 90 relacionou-se este aquecimento global à emissão de gases de efeito estufa e o desenvolvimento econômico às mudanças climáticas. A partir deste marco, a proteção do meio ambiente passa a ser guiada pelo princípio do desenvolvimento sustentável, introduzido pela declaração do rio de 1992 e nas convenções da biodiversidade e da mudança do clima. O desequilíbrio ambiental causado pelo impactante desenvolvimento econômico vivenciado nas últimas décadas vem provocando mudanças climáticas com efeitos irreversíveis que estão alterando substancialmente as condições de vida no planeta, ameaçando seriamente a saúde, a segurança, o cultivo e a produção de alimentos, a água e outras e outras dimensões. As mudanças climáticas já são realidade no Brasil e já impactam a produção de alimentos, a água, a qualidade do solo segurança alimentar. O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) organizou dados e informações indicando que as diferentes regiões do Brasil já apresentam registros de 7 (IANNI, 1999, p. 190). variações em seus climas característicos. A previsão do PBMC é que as mudanças afetem de maneira não uniforme, o que dificulta o enfrentamento, não só os sistemas naturais, mas os humanos, de infraestrutura e o produtivo do país. Ainda segundo o Painel, um aumento da temperatura poderá conduzir a um incremento na frequência de eventos extremos nas diferentes regiões do Brasil, bem como uma alteração no regime das chuvas, com maior ocorrência de secas, inundações, alagamentos, deslizamentos de encostas e consequentes deslocamentos populacionais das regiões atingidas. Essas alterações terão consequências na sociedade, nos ecossistemas e nos diferentes setores da economia. À curto prazo, mudanças extremas provocam quebra de safra agrícola, com problemas de escassez para a oferta de alimentos e alta volatilidade dos preços, afetando diretamente o acesso físico e econômico aos alimentos. A combinação dos efeitos decorrentes das mudanças climáticas impactará o sistema de abastecimento alimentar brasileiro, os preços dos alimentos, a cesta e o orçamento alimentar das famílias. O Painel Brasileiro de Mudança do Clima estimou possíveis impactos das mudanças climáticas para o Brasil e a América do Sul que consistem na extinção de hábitats e de espécies, principalmente na região tropical; substituição de florestas tropicais por savanas e vegetação semiárida por árida; aumento de regiões em situação de estresse hídrico, ou seja, sem água suficiente para suprir as demandas da população e aumento de pragas em culturas agrícolas e de doenças, como a dengue e malária (PBMC. 2013, p. 16). Relatórios do PBMC e do IPCC (ONU) revelam que a América do Sul e o Brasil já apresentam registros de mudanças do clima previstos em modelos climáticos. a) aumento de temperatura de até 2,5ºC na região costeira do Brasil entre 1901 e 2012; b) aumento do número de dias com chuvas acima de 30 mm na região sudeste; c) aumento da temperatura do mar no Atlântico Sul e mudanças na salinidade; c) amento na ocorrência, intensidade e influência dos eventos de ENOS no clima continental do país (El Nino Pacifico Leste Equatorial, La Nina e El Nino Pacifico Central) Neste cenário devemos compreender o papel do Estado na garantia de um meio ambiente equilibrado e sadio para todos, o que significa compreender os limites e possibilidades do direito ambiental brasileiro, orientado a partir da Constituição como um direito fundamental que deve ser garantido e realizado pelo Estado. A plena realização do direito ao maio ambiente equilibrado no Brasil depende do cumprimento de obrigações positivas e negativas impostas ao Estado pelo direito internacional, pela Constituição Brasileira e por todo o sistema normativo criado a partir dela, obrigações que sofrem o impacto constante das exigências da inserção do Brasil no mercado global, cuja importância vem crescendo nas últimas duas décadas. O contexto do enfraquecimento do poder político, da influência que o mercado exerce internamente não isenta o Brasil de sua obrigação de respeitar, garantir e realizar o direito à um meio ambiente equilibrado e sadio, o que implica em garantir a todos o direito à vida, à saúde, à alimentação adequada, todos direitos humanos fundamentais. Para compreender os limites e possibilidades do cumprimento deste dever fundamental do Estado é necessário conhecer as normas constitucionais – e infraconstitucionais - e as internacionais como o sistemaque orientar e comanda o Estado na persecução de seus objetivos e metas internas e internacionais. Exercícios de fixação Pergunta 1: A definição de desenvolvimento sustentável mais usualmente utilizada é a que procura atender às necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras. Isso significa optar pelo consumo de bens produzidos com tecnologia e materiais menos ofensivos ao meio ambiente, utilização racional dos bens de consumo, evitando-se o desperdício e o excesso e ainda, após o consumo, cuidar para que os eventuais resíduos não provoquem degradação ao meio ambiente. Principalmente: ações no sentido de rever padrões insustentáveis de consumo e minorar as desigualdades sociais. O Brasil está em uma posição privilegiada para enfrentar os enormes desafios que se acumulam. Abriga elementos fundamentais para o desenvolvimento: parte significativa da biodiversidade e da água doce existente no planeta; grande extensão de terras cultiváveis. De acordo com esta definição, o desenvolvimento sustentável pressupõe: a) traçar um novo modelo de desenvolvimento econômico para nossa sociedade com o uso racional dos recursos naturais disponíveis e indisponíveis. b) a redução do consumo das reservas naturais com a consequente estagnação do desenvolvimento econômico e tecnológico; c) a preservação do equilíbrio global e do valor das reservas de capital natural, o que não justifica a desaceleração do desenvolvimento econômico e político de uma sociedade; d) a distribuição homogênea das reservas naturais entre as nações e as regiões em nível global e regional. Opção e: que o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras. Pergunta 2: “Um acordo inédito assinado por 195 países neste sábado deve renovar as chances para se salvar o planeta... este é o primeiro passo nesta direção e mostra que as nações do mundo inteiro estão finalmente no mesmo barco — inclusive os Estados Unidos e a China, os maiores poluidores que, pela primeira vez, se comprometeram com ações concretas globais para a redução de emissões” (O Globo, dia 12/12/2015). Com relação ao acordo de Paris, marque a opção correta: a) O acordo de Paris marca um retrocesso na busca de soluções para as mudanças climáticas, já que não reconhece a urgência na redução das emissões de gases de efeito estufa. b) O acordo exime os países desenvolvidos de ajudar financeiramente os países em desenvolvimento na mitigação e adaptação às mudanças climáticas, por não reconhecer o princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada. c) Acordo de Paris não reconhece a prioridade fundamental no combate à fome e não reconhece as vulnerabilidades dos sistemas de produção alimentar aos impactos adversos das alterações climáticas. d) O acordo estabelece, dentre outros, o compromisso de manter a temperatura média global a menos de 2 ° C acima dos níveis pré-industriais e de prosseguir os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 ° C acima dos níveis pré-industriais. Gabarito: D Pergunta 3: Acerca do direito ambiental, julgue Certo ou Errado o seguinte item: O desenvolvimento sustentável contempla as dimensões humana, física, econômica, política, cultural e social em harmonia com a proteção ambiental. Logo, como requisito indispensável para tal desenvolvimento, todos devem cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atender às necessidades da maioria da população do mundo. Gabarito: Certo Pergunta 4: Pergunta: “O Brasil deu um passo importante ao estabelecer um Plano Nacional de Mudanças Climáticas com metas para a redução do desmatamento da Amazônia e, por consequência, das emissões de gases do efeito estufa. O documento, porém, deixa uma lacuna em relação às adaptações aos danos que devem ser provocados pelo aquecimento global, mesmo se as emissões fossem zeradas hoje.” (O Estado de S. Paulo, Especial H4, 5 de dezembro de 2008). Esta afirmação traz uma questão fundamental: a) as metas do Plano Nacional de Mudanças Climáticas. b) a ausência de planos de adaptação aos efeitos do aquecimento global. c) as políticas de redução do desmatamento da Amazônia. d) os estudos de cientistas em torno das mudanças climáticas. e) a preocupação de ambientalistas quanto aos efeitos catastróficos do clima. Referências FEARNSIDE, Philip M. Desmatamento na Amazônia: dinâmica, impactos e controle. Acta Amazonia, v. 36, n. 3, 2006, p. 395-400. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/aa/v36n3/v36n3a18.pdf>. HELD, David. A democracia, o estado-nação e o sistema global. In: CONFERÊNCIA APROFUNDANDO E GLOBALIZANDO A DEMOCRACIA. Lua Nova, n. 23, Yokohama, Japão, 17 a 22 mar. 1990. Trad. Regis de Castro Andrade. IANNI, Otavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1999. SENARCLENS, Pierre de. La mondialisation: théories, enjeuz e débats. Édition Dalloz, Paris, 3. ed., 2002. Aula 2: O meio ambiente e o neoconstitucionalismo brasileiro Introdução O modelo neoconstitucionalista brasileiro foi introduzido pela Constituição de 1988, transportando o Brasil de um regime autoritário para o Estado Democrático de Direito, fundado no respeito aos direitos fundamentais e na justiça social. Este novo direito constitucional, resultado da superação da tradição das escolas jusnaturalista e positivista, surge como um novo conjunto de ideias denominado “pós-positivista, trazendo mudanças significativas para o direito constitucional, como a atribuição de normatividade à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional para uma esfera objetiva e uma nova hermenêutica constitucional. Como resultado destas mudanças, o direito se constitucionaliza como consequência direta da supremacia da Constituição que se torna agora o fundamento de validade de todo o sistema de normas, nele incluído o direito ambiental brasileiro. Nesta aula será apresentado o modelo neoconstitucionalista brasileiro, seu marco histórico no Brasil, suas características e fundamentos, comparando-o com o modelo anterior de perfil positivista. Esta aula tem também como objetivo a compreensão acerca ideia de Constituição suprema, com força expansiva sobre todo o sistema jurídico que se constitucionaliza como consequência da força normativa da Constituição, o que possibilitará a compreensão acerca da dimensão constitucional da proteção do meio ambiente no Brasil. . Sendo assim, esta aula tem como objetivos: 1. Conhecer o modelo neoconstitucionalista brasileiro, seu marco histórico no Brasil, suas características e fundamentos. 2. Compreender a ideia de supremacia constitucional e sua relação com a constitucionalização do direito ambiental Conteúdo O neoconstitucionalismo e o direito brasileiro O Estado moderno se consolida no século XX sob a forma de Estado de Direito, o Estado limitado por uma Constituição escrita, cujo núcleo essencial são as normas de repartição e limitação do poder, o que compreende as normas de proteção dos direitos individuais contra o próprio poder do Estado. O poder do Estado é limitado em face do reconhecimento dos direitos individuais. No entanto, a noção de democracia ainda não estava incluída neste ideal de Estado só veio a ser incorporada com o reconhecimento formal da fonte do poder constituinte, do procedimento adequado ao seu exercício e do estabelecimento das obrigações positivas e negativas dos órgãos de poder do Estados. Só então, o Estado constitucional de direito ou Estado democrático de direito é introduzido. Esta virada foi sustentada por um amplo e profundo debate teórico e filosófico que se deu ao longo doséculo XX sobre o conceito de estado de direito e de democracia, debate que ainda ecoa no direito constitucional, na tentativa de superar as dificuldades de compatibilização entre soberania popular e direitos fundamentais, de justiça e pluralismo. A passagem do Estado de direito para o Estado democrático de direito envolve um importante debate filosófico entre jusnaturalistas e positivistas. Segundo Barroso8: O jusnaturalismo moderno, desenvolvido a partir do século XVI, aproximou a lei da razão e transformou-se na filosofia natural do Direito. Fundado na crença em princípios de justiça 8 BARROSO, 2007, p. 5 universalmente válidos, foi o combustível das revoluções liberais e chegou ao apogeu com as Constituições escritas e as codificações. Considerado metafísico e anticientífico, o direito natural foi empurrado para a margem da história pela ascensão do positivismo jurídico, no final do século XIX. Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o Direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da 2a. Guerra, a ética e os valores começam a retornar ao Direito. O fracasso do jusnaturalismo, por sua justificação metafísica e a superação do positivismo, por sua formalidade e legalidade estrita, levam o direito ao pós- positivismo, cuja influência é determinante na Constituição Brasileira de 1988. Este conjunto de ideias chamadas de pós-positivismo ou principialismo, pode ser identificado pelo reconhecimento da normatividade dos princípios, pela definição de suas relações com valores e regras, pela volta da argumentação jurídica, pela formação de uma nova hermenêutica constitucional e de uma teoria dos direitos fundamentais sustentadas na dignidade da pessoa humana. Segundo Barroso, “nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o direito e a ética”. (BARROSO, 2007, p. 15) A Constituição de 1988 é o marco da fase pós-positivista do direito brasileiro, o neoconstitucionalismo. Neste novo paradigma, a constituição passa a ser um sistema aberto de normas jurídicas que não contempla apenas regras jurídicas biunívocas, formalmente postas pelo legislador, mas um conjunto regras e princípios, “que tiveram de conquistar o status de norma jurídica, superando a crença de que teriam uma dimensão puramente axiológica58, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e imediata.”9 9 (BARROSO, 2001, p. 21) O reconhecimento da normatividade dos princípios e sua distinção qualitativa com relação às regras é um dos identificadores do pós-positivismo e guia todo um debate teórico acerca dos traços distintivos entre estas duas espécies de normas jurídicas. Segundo Barroso, o fato de que princípios consagram valores é um destes traços: O reconhecimento de normatividade aos princípios e sua distinção qualitativa em relação às regras é um dos símbolos do pós- positivismo (v. supra). Princípios não são, como as regras, comandos imediatamente descritivos de condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados por diferentes meios. A definição do conteúdo de cláusulas como dignidade da pessoa humana, razoabilidade, solidariedade e eficiência também transfere para o intérprete uma dose importante de discricionariedade. Como se percebe claramente, a menor densidade jurídica de tais normas impede que delas se extraia, no seu relato abstrato, a solução completa das questões sobre as quais incidem. Também aqui, portanto, impõe-se a atuação do intérprete na definição concreta de seu sentido e alcance. (BARROSO, 2007, p. 13). Por terem uma carga valorativa, os princípios não são aplicados tal como regras, ou seja, um tudo ou nada. No caso das normas-regra sua aplicação é dada por sua validade formal; se válida é aplicável, se inválida não é aplicável. Os princípios têm dimensão de penso e sua aplicação dependerá da ponderação com outros princípios dentro do sistema constitucional. Princípios contêm, normalmente, uma maior carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão política relevante, e indicam uma determinada direção a seguir. Ocorre que, em uma ordem pluralista, existem outros princípios que abrigam decisões, valores ou fundamentos diversos, por vezes contrapostos. A colisão de princípios, portanto, não só é possível, como faz parte da lógica do sistema, que é dialético. Por isso a sua incidência não pode ser posta em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade. Deve-se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou importância. (BARROSO, 2001, p. 21) A supremacia da Constituição e constitucionalização do direito ambiental A supremacia da Constituição é o princípio sobre o qual se assenta o direito constitucional contemporâneo. A origem deste postulado está no direito americano no famoso caso Marbury versus Madison decidido pela Suprema Corte Americana em 1803. Segundo este princípio, a Constituição juridicamente superior à todas as normas do sistema e como consequência desta superioridade normativa, todos os atos jurídicos devem ter seu fundamento de validade nela e tudo o que for incompatível com ela não terá validade. Para a garantia da manutenção desta supremacia constitucional, o direito constitucional contempla mecanismos de jurisdição constitucional, para através do poder judiciário controlar a constitucionalidade das normas do sistema jurídico. Este princípio aliado ao caráter normativo das normas constitucionais acarreta a centralidade e superioridade da Constituição com relação a todo o sistema jurídico. A supremacia da Constituição deixa de ser puramente formal para gozar também de supremacia material. Assim, Compreendida como uma ordem objetiva de valores e como um sistema aberto de princípios e regras, a Constituição transforma- se no filtro através do qual se deve ler todo o direito infraconstitucional. Esse fenômeno tem sido designado como constitucionalização do direito, uma verdadeira mudança de paradigma que novo sentido e alcance a ramos tradicionais e autônomos do Direito, com o civil, o administrativo, o penal e o processual. 10 Como diretriz de todo o ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição é também o fundamento de validade do direito ambiental, cuja validade passa a estar atrelada ao conjunto dos princípios constitucionais do direito ambiental que são guias para a interpretação de todas as demais normas ambientais. Tem-se reconhecido no princípio do desenvolvimento sustentável o status de primum principium11, tendo em conta que a realidade das mudanças climáticas provocadas pelo processo de desenvolvimento econômico e industrial dos últimos 40 anos, que asseverou o embate entre a proteção do meio ambiente e o direito ao desenvolvimento econômico. O Supremo Tribunal Federal, a corte guardiã e intérprete da Constituição, reconhece a importância deste conflito de valores. A questão da precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação constitucional explícita à atividade econômica (CF, art. 170, VI) – Decisão não referendada – consequente indeferimento do pedido de medida cautelar. A preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas. (ADI 3.540-MC, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 1º-9-2005, Plenário, DJ de 3-2-2006.) Diante da constitucionalização do direito ambiental a partir da Constituição de 1988, Herman Benjaminfaz algumas ponderações sobre os pontos positivos e negativos desta constitucionalização. 10 BARROSO, L.R. (2010). Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. Saraiva. 2ª edição, p. 87. 11 SAMPAIO, J.A.L; WOLD, C; NARDY, A.J.F. (2003). Princípios do direito ambiental. Ed. del Rey, p. 47. http://www.stf.jus.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?PROCESSO=3540&CLASSE=ADI%2DMC&cod_classe=555&ORIGEM=IT&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M&EMENTA=2219 Alguns – benefícios - apresentam caráter substantivo, material ou interno, isto é, reorganizam a estrutura profunda de direitos e deveres, assim como da própria ordem jurídica. Outros, diversamente, relacionam-se com a afirmação concreta ou implementação das normas de tutela ambiental - são benefícios formais ou externos. Tratar-se-á, primeiramente, dos benefícios substantivos12 Uma característica de constitucionalização do direito ao meio ambiente na Constituição de 1988, segundo Luiz R. Barroso, é que ela se dá de forma difusa, espalhando-se por todo o texto constitucional, embora no capítulo da ordem social, no art. 225, tenha consagrado especificamente a tutela do meio ambiente. (...) o constituinte de 1988, antes de chegar do art. 225, que concentradamente cuida da questão ambiental em inúmeros incisos e parágrafos, tratou-a difusamente ao longo do texto. Assim é que ela faz menção expressa às competências dos entes federativos; ao declinar os princípios específicos da ordem econômica e Financeira; ao abrigar o ambiente do trabalho no conceito de meio ambiente; e ao incluir os sítios de valor de valor arqueológico no património cultural brasileiro.13 A constitucionalização do direito ambiental foi um avanço na direção da maior efetividade da tutela do meio ambiente, seja pelo reconhecimento do valor da preservação para gerações futuras, a necessidade do desenvolvimento sustentável, mas também por ter estendido ao Estado e também à sociedade a 12 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e (2011). Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 77-150. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/40520>. Acesso em: 18 ago. 2011, p. 89. 13 BARROSO, L.R. (1992). A proteção do meio ambiente da Constituição brasileiro. Revista da Procuradoria Geral do Estado. Vol. 44. P. 51. missão de garantir o equilíbrio do meio ambiente em sentido amplo. Sobre a Constituição de 1988 e o constitucionalização do meio ambiente, conclui Herman Benjamim: Os avanços ético-jurídicos nela estatuídos, ao proteger a natureza, são numerosos e inegáveis. Sem pretender sumariá-los, chama a atenção a autonomização jurídica do meio ambiente, o tratamento jurídico-holístico da natureza, o reconhecimento, ao lado da dimensão intergeracional, de valor intrínseco aos outros seres vivos e ao equilíbrio ecológico, a ecologização do direito de propriedade e a instituição dos princípios da primariedade do meio ambiente e da explorabilidade limitada dos recursos naturais, para citar alguns pontos mais expressivos. 14 Exercícios de fixação Pergunta 1: Acerca do constitucionalismo, assinale a opção incorreta a) A origem do constitucionalismo remonta à antiguidade clássica, especificamente ao povo hebreu, do qual partiram as primeiras manifestações desse movimento constitucional em busca de uma organização política fundada na limitação do poder absoluto b) O neoconstitucionalismo é caracterizado por um conjunto de transformações no Estado e no direito constitucional, entre as quais se destaca a prevalência do positivismo jurídico, com a clara separação entre direito e valores substantivos, como ética, moral e justiça. c) O constitucionalismo moderno representa uma técnica específica de limitação do poder com fins garantidores. d) O neoconstitucionalismo caracteriza-se pela mudança de paradigma, de Estado Legislativo de Direito para Estado Constitucional de Direito, em que a Constituição passa a ocupar o centro de todo o sistema jurídico. 14 BENJAMIM, 2011, p. 149. e) As constituições do pós-guerra promoveram inovações por meio da incorporação explícita, em seus textos, de anseios políticos, como a redução de desigualdades sociais, e de valores como a promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais. Pergunta 2: “Chega de ação. Queremos promessas. Assim protestava o grafite, ainda em tinta fresca, inscrito no muro de uma cidade, no coração do mundo ocidental. A espirituosa inversão da lógica natural dá conta de uma das marcas dessa geração: a velocidade da transformação, a profusão de ideias, a multiplicação das novidades. Vivemos a perplexidade e a angústia da aceleração da vida. Os tempos não andam propícios para doutrinas, mas para mensagens de consumo rápido. Para jingles, e não para sinfonias. O direito vive uma grave crise existencial. Não consegue entregar os dois produtos que fizeram sua reputação ao longo dos séculos. De fato, a injustiça passeia pelas ruas com passos firmes e a insegurança é a característica da nossa era. Na aflição dessa hora, imerso nos acontecimentos, não pode o intérprete beneficiar-se do distanciamento crítico em relação ao fenômeno que lhe cabe analisar. Ao contrário, precisa operar em meio à fumaça e à espuma. Talvez esta seja uma boa explicação para o recurso recorrente aos prefixos pós e neo: pós-modernidade, pós-positivismo, neoliberalismo, neoconstitucionalismo. Sabe-se que veio depois e que tem a pretensão de ser novo. Mas ainda não se sabe bem o que é. Tudo é ainda incerto. Pode ser avanço. Pode ser uma volta ao passado. Pode ser apenas um movimento circular, uma dessas guinadas de 360 graus.” (L. R. Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. In: Internet: (com adaptações). Tendo o texto acima como motivação, assinale a opção correta a respeito do constitucionalismo e do neoconstitucionalismo. a) O neoconstitucionalismo tem como marco filosófico o póspositivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais, no entanto, não permite uma aproximação entre direito e ética. b) A democracia, como vontade da maioria, é essencial na moderna teoria constitucional, de forma que as decisões judiciais devem ter o respaldo da maioria da população, sem o qual não possuem legitimidade. c) No neoconstitucionalismo, a Constituição é vista como um documento essencialmente político, um convite à atuação dos poderes públicos, ressaltando que a concretização de suas propostas fica condicionada à liberdade de conformação do legislador ou à discricionariedade do administrador. d) O constitucionalismo pode ser definido como uma teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Nesse sentido, o constitucionalismo moderno representa uma técnica de limitação do poder com fins garantísticos. e) O neoconstitucionalismo não autoriza a participação ativa do magistrado na condução das políticas públicas, sob pena de violação do princípio da separação dos poderes. Pergunta 3: A Constituição brasileira inicia com o Título I dedicado aos "princípios fundamentais”, que são as regras informadoras de todo um sistema de normas, as diretrizes básicas do ordenamento constitucional brasileiro. São regras que contêm os mais importantes valores que informam a elaboração da Constituição da República Federativa do Brasil. Diante dessa afirmação, analiseas questões a seguir e assinale a alternativa correta. I - Nas relações internacionais, a República brasileira rege-se, entre outros, pelos seguintes princípios: autodeterminação dos povos, defesa da paz, igualdade entre os Estados, concessão de asilo político. II - Os princípios não são dotados de normatividade, ou seja, possuem efeito vinculante, mas constituem regras jurídicas efetivas. III - Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer, pois implica ofensa a todo o sistema de comandos. IV - São princípios que norteiam a atividade econômica no Brasil: a soberania nacional, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor; a propriedade privada. a) Apenas I, II, III estão corretas. b) Apenas II e IV estão corretas. c) Apenas III está correta. d) Apenas I, III, IV estão corretas. e) Todas as afirmações estão corretas Pergunta 4: Julgue como Certa ou Errada a assertiva abaixo: O neoconstitucionalismo caracteriza-se pela mudança de paradigma, de Estado Legislativo de Direito para Estado Constitucional de Direito, em que a Constituição passa a ocupar o centro de todo o sistema jurídico. Referências BARROSO, L. R. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, ano I, v. I, n. 6, set. 2001. ______. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, n. 9, mar./abr./maio 2007. ______. A proteção do meio ambiente da Constituição brasileiro. Revista da Procuradoria-Geral do Estado, Rio de Janeiro, v. 44, 1992. BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/40520>. Aula 3: A Constituição de 1988 e o princípios constitucionais Introdução O pós-positivismo tem como contribuição a atribuição de normatividade aos princípios (valores), o que significa dizer que princípios constitucionais são normas com eficácia jurídica e aplicabilidade direta e imediata, aproximando assim o direito e a ética. Nesse modelo, as normas jurídicas e em especial as normas constitucionais, são regras e princípios, diferentemente do modelo positivista, segundo o qual norma jurídica é sempre regra e os princípios são apenas valores sem força normativa. Embora regras e princípio tenham em comum sua normatividade na Constituição, distinguem-se qualitativamente o que implica em diferenças na sua aplicação. No modelo constitucional adotado pela Constituição de 1988, de perfil pós-positivista, princípios são normas jurídicas cujo conteúdo são valores compartilhados que dão o sentido jurídico, harmônico e coerente a todo o sistema de normas jurídicas e que, por força da posição de supremacia da Constituição irradiam normativamente o seu conteúdo material e moral para todo o sistema jurídico. Neste sentido, os princípios constitucionais do meio ambiente são as diretrizes básicas que permitem compreender a forma pela qual a proteção do meio ambiente deve ser vista na sociedade, servindo de critério básico para a exata interpretação de todas as normas que compõem o sistema jurídico ambiental. Sendo assim, esta aula tem como objetivos: 1. Compreender o conceito de princípio constitucional e sua natureza, relacionando sua dimensão normativa com sua dimensão axiológica, 2. Conhecer as distinções entre princípios e regras e as formas de interpretação e aplicação dos princípios 3. Compreender a importância dos princípios constitucionais para a interpretação e aplicação do direito ambiental. Conteúdo Na aula 2 conhecemos o neoconstitucionalismo brasileiro e a concepção de Constituição como um sistema aberto de regras e princípios, com a atribuição de normatividade aos últimos. Neste sistema, a Constituição é o centro do sistema, projetando sua normatividade para todo o ordenamento jurídico, sendo seu fundamento de validade. Nesta aula nos aprofundaremos um pouco mais nos princípios constitucionais, seu conceito e natureza. Definir princípios constitucionais como categoria jurídica não é tarefa fácil. A definição de princípio se faz com base no critério de distinção relativamente à regra jurídica, logo definir princípios, significa escolher antes de mais nada o critério de distinção em relação às regras. São vários os critérios distintivos15 e a proposta desta disciplina não é esgotar o tema, mas tão somente apresentar a questão e o critério adotado pela doutrina e jurisprudência brasileira. Humberto Ávila (2001) analisa as diversas concepções de princípio para apresentar a mais adequada. Segundo ele, em uma primeira fase, as teorias de Wollbachof e Forsthoff e Larenz trouxeram importantes contribuições: Essa foi a primeira etapa de redefinição das normas jurídicas, em virtude da qual se constatou que pertencem ao Direito, possuindo por isso validade, não apenas aquelas normas que possuem uma prescrição determinada (regras), mas também aquelas que estabelecem prescrições ligadas indiretamente a valores, fins, idéias e topoi a serem institucionalmente determinadas (princípios). (AVILA, 2001, p.7) 15 O critério pode tomar por base o conteúdo, a estrutura lógica, a posição no ordenamento jurídico, a função na interpretação e aplicação do Direito e outros. Numa segunda fase da teoria dos princípios, segundo Ávila16, o critério de Canaris se sustenta no caráter axiológico (valores) dos princípios e que por esta razão “eles recebem seu conteúdo de sentido somente por meio de um processo dialético de complementação e limitação”. Mas é na teoria dos princípios de Ronald Dworkin que Ávila e grande parte da doutrina do direito constitucional sustentam seu critério distintiva entre princípios e regras. Para Dworkin, segundo Ávila, o critério que distingue princípios de regras não é de grau, mas de qualidade e essa distinção acontece na aplicação: Para ele, as regras são aplicadas do modo “tudo ou nada” (“all-or- nothing”), no sentido de que se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita ou ela não é considerada válida. No caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam vinculativamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios. Daí a afirmação de que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso (“dimension of weight”), demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior sobrepõe-se ao outro, sem que este perca sua validade. (ÁVILA, 2001, p. 8) Em resumo, para Dworkin, os princípios, como valores fundamentais trazidos da tradição, distinguem-se de regras por terem dimensão de peso e assim não são válidos ou inválidos, mas são pesados com outros princípios do sistema, enquanto que a regras são sempre aplicáveis se ocorre a situação prevista pela norma e assim ela se torna válida e aplicável ou ao contrário, se não ocorre a situação prevista, ela é inválida e não aplicável. 16 (AVILA, 2001, p. 8) Robert Alexy complementa a teoria de Dworkin para afirmar que os princípios se diferem das regras primeiramente por serem limitadas na colisão, ou seja, se distinguem “na medida em que os princípios colidentes apenas tem sua realização normativa limitada reciprocamente,ao contrário das regras, cuja colisão é solucionada com a declaração de invalidade de uma delas”17. E também por não serem obrigações absolutas como as regras, que não superam normas que a ela se contrapõe, mas, obrigações prima face, “na medida em que podem ser superadas ou derrogadas em função dos outros princípios colidentes”18 Para Alexy, os princípios são deveres de otimização pois são aplicáveis em vários graus, dependendo das condições normativas e fáticas. Sendo os princípios deveres de otimização, então no caso colisão entre princípios constitucionais a solução se dá pela ponderação que trata das situações fáticas de que depende os princípios. No caso da concorrência ou colisão de princípios, a solução não se resolve com a determinação imediata de uma prevalência de um princípio sobre outro, mas é estabelecida em função da ponderação entre os princípios colidentes, em função da qual um deles, em determinadas circunstâncias concretas, recebe a prevalência.(AVILA, 2001, p. 9). Humberto Ávila propõe a sua própria definição de princípios, a partir de críticas às perspectivas anteriores. Para ele princípios são normas que estabelecem diretamente fins, para cuja concretização estabelecem com menor exatidão qual o comportamento devido 17 (ÁVILA, 2001, p. 9) 18 Idem, p. 9. (menor grau de determinação da ordem e maior generalidade dos destinatários), e por isso dependem mais intensamente da sua relação com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretação para a determinação da conduta devida.([AVILA, 2001, p.21) A colisão de princípios constitucionais, segundo Luiz Roberto Barroso19, decorre do pluralismo e da diversidade de valores e interesses afirmados na Constituição. Como valores, os princípios não são organizáveis hierarquicamente, já que na Constituição todos estão na mesma dimensão, mas à luz do caso concreto onde colidem uns com os outros pode um deles gozar de primazia sobre os outros. O desenvolvimento nacional guarda tensão constante com a preservação do meio ambiente, A livre iniciativa pode ser contraposta pelos princípios que legitimam a repressão ao abuso de poder econômico. A recorrência de colisões desta natureza apenas revela que os valores tutelados pela Constituição não são absolutos e devem coexistir. Tradicionalmente, o raciocínio na aplicação do direito sempre foi a subsunção. Segundo esta técnica a norma incide sobre os fatos e assim produz o resultado, ou seja, a aplicação da norma ao caso concreto leva ao resultado. No neoconstitucionalismo, como vimos, esta técnica não se mostra suficiente para a hipótese de colisão de princípios, já que podem existir várias normas aplicáveis ao mesmo caso concreto, o que exige a escolha da(s) norma(s) aplicáveis, sem descartar as demais, já que não há hierarquia entre princípios, pois a Constituição é uma unidade (princípio da hermenêutica constitucional). 19 BARROSO, 2010, p. 330. Adequada à colisão de princípios constitucionais, a ponderação, segundo Barroso (2010), é uma técnica de decisão jurídica, aplicável a casos difíceis. Esta técnica é realizada em três etapas: 1- O intérprete detecta no sistema as normas relevantes para a solução do caso, agrupando os diversos fundamentos normativos em função da solução que sugerem. 2- O intérprete examina os fatos, as circunstâncias concretas e sua relação com as normas. Neste momento é que as normas, em contato com os fatos, se preenchem de sentido. 3- Nesta fase, de decisão, o intérprete estará analisando fatos e normas de forma conjunta para apurar os pesos que devem ser atribuídos aos elementos normativos já agrupados e em consequência quais os que devem preponderar. Deve ainda o intérprete decidir com qual intensidade um o grupo de normas escolhido deve superar os demais. Esta fase é conduzida pelo princípio da proporcionalidade ou razoabilidade.20 (princípio da hermenêutica constitucional). O conhecimento da importância dos princípios constitucionais, sua natureza e forma de aplicação possibilitará a compreensão acerca da importância, natureza e forma de aplicação dos princípios constitucionais do direito ambiental e sua relação com todo o sistema de normas que compõe o direito ambiental como direito autônoma, mas constitucionalizado. Como argumenta Machado (2015, p. 133): Os nove princípios não têm uma ordem de importância. A receita de uma sociedade feliz não está contida só nesses princípios, pois também, em outras partes da Constituição, outros princípios podem ser extraídos. Mas esses princípios representam o mínimo 20 Segundo Ávila (2001, p. 31), pode-se definir a proporcionalidade como um postulado normativo aplicativo decorrente da estrutura principal das normas e da atributividade do Direito e dependente do conflito de bens jurídicos materiais e do poder estruturador da relação meio- fim, cuja função é estabelecer uma medida entre bens jurídicos concretamente correlacionados. que o constituinte indica para uma "existência digna". Muitas vezes todos os princípios funcionarão em uníssono, e algumas vezes haverá tensão, dissonância e até enfrentamento. No desenrolar da vida cotidiana, as pessoas, as empresas e os governos terão que se perguntar, em procedimentos como o licenciamento ambiental ou outras formas de autorização: cada um desses nove princípios está sendo observado Exercícios de Fixação Pergunta 1: Julgue Certo ou Errado os itens subseqüentes, relativos aos princípios regedores da proteção jurídica do meio ambiente. a) A promoção do meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado atua como fator de limitação ao direito de propriedade, razão pela qual a existência de área de preservação permanente em espaço pertencente a particular não acarreta direito a indenização, salvo quando inviabilizar totalmente o aproveitamento econômico do bem. b) O princípio do desenvolvimento sustentável preconiza um elo entre a economia e a ecologia, estando referido em diversas declarações internacionais, mas, por não estar previsto expressamente na Constituição brasileira, atua apenas como aspiração social e vetor ideológico para a atividade econômica. c) Os princípios da participação comunitária e da eqüidade intergeracional têm sede constitucional, uma vez que a Constituição brasileira estabelece a faculdade de a coletividade praticar atos com vistas à proteção do meio ambiente e sua preservação em prol das presentes e futuras gerações. Pergunta 2: No que se refere a diferença entre regras e princípios no direito constitucional, marque a opção correta: a) não há diferenças entre regras e princípios, pois ambas são normas jurídicas; b) princípios não são normas jurídicas, pois tem dimensão meramente axiológica, ética. c) Princípios tem dimensão de peso e regras são aplicadas pelo tudo ou nada. d) Princípios tem menor grau de abstração que as regras. Pergunta 3: A sociedade contemporânea vem transformando, aos poucos, a concepção privatista do direito de propriedade em direção à propriedade como sendo um direito-dever pautado pela necessidade de manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, adequado à sadia qualidade de vida e em conformidade com os ditames de um modelo de desenvolvimento sustentável. Em face disso, tanto a legislação ambiental como a CF impõem medidas quanto à preservação de áreas florestais, do solo, da água e da diversidade biológica, no que se refere à problemática de propriedades inseridas em espaços territoriais especialmente protegidos. Acerca do assunto de que trata o texto acima, assinale a opção correta. a) A função socioambiental da propriedade não constitui um simples limiteao exercício do direito de propriedade, por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício do seu direito, fazer tudo o que não prejudique a coletividade e o meio ambiente; ela vai além disso, pois autoriza até mesmo que se imponham ao proprietário comportamentos positivos, no exercício do seu direito, para que a sua propriedade concretamente conforme-se à preservação do meio ambiente. b) A função socioambiental da propriedade impõe ao proprietário que, no exercício do seu direito, apenas se abstenha de praticar atos lesivos aos interesses coletivos, pautando a exploração econômica da propriedade rural pelo princípio da precaução. c) As condicionantes socioambientais ao direito de propriedade do solo urbano incidem apenas sobre os latifúndios improdutivos, dado que a função econômica da propriedade da terra é que condiciona a adequação do exercício responsável das atividades agropecuárias às determinantes socioambientais. Pergunta 4: Determinada lei federal fomenta empreendimentos imobiliários do ramo hoteleiro, prevendo entre suas disposições que os impactos ambientais dos empreendimentos serão desconsiderados quando o valor do investimento for superior a 20 milhões de reais. Analisando a situação acima à luz do direito constitucional ambiental, podemos afirmar que: a) A lei é válida dada a importância do investimento para o desenvolvimento econômico brasileiro. b) O valor do investimento não é alto o suficiente para afastar as exigências de preservação ambiental. c) A lei é inválida, pois desenvolvimento econômico na Constituição brasileira é princípio fundado e limitado pelo princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado e pela responsabilidade intergeracional, dentre outros. d) A lei é válida já que passou por todo o processo legislativo e está vigente. Referências ÁVILA, H. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, ano I, v. I, n. 4, jul. 2001. BARROSO, L. R. Direito constitucional contemporâneo: conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MACHADO, P. A. L. M. Direito ambiental brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. Cap. I. SAMPAIO, J. A. L.; WOLD, C; NARDY, A. J. F. Princípios do direito ambiental. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2003. Cap. I, Segunda Parte. Aula 4: Meio ambiente na Constituição: princípios, direitos fundamentais e garantias Introdução No plano internacional o meio ambiente é reconhecido com status de direitos humanos pelos tratados internacionais desde 1972, vários já foram incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, adquirindo assim normatividade no plano interno e agregando-se ao direito ambiental brasileiro. A Constituição brasileira de 88 reconheceu o meio ambiente como um valor e o consagrou um princípio e um direito fundamental que deve ser respeitado e protegido pelo Estado, pela sociedade e por cada uma das pessoas no território brasileiro. De essência humanista, a Constituição afirma a centralidade dos direitos fundamentais ao reconhecer a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito. O meio ambiente, como valor integrante desta dignidade humana, é um direito fundamental relacionado a outros direitos fundamentais, gozando no âmbito do Estado brasileiro de imperatividade diante de outras normas jurídicas não fundamentais de garantias e instituições adequadas à sua natureza difusa e metaindividual, mais abrangente à própria coletividade social, além de ser um princípio constitucional que ilumina e orienta a interpretação e aplicação do direito ambiental como um todo sistêmico. Nesta aula apresentar-se-á o direito ao meio-ambiente a partir da noção de direito fundamental, relacionando-a ao conceito de princípio e de garantias, conhecendo suas características, seus fundamentos e compreendendo sua importância no regime constitucional brasileiro, relacionando o papel do Estado na proteção do meio ambiente com os princípios constitucionais, os direitos fundamentais, as garantias e com os direitos humanos. Sendo assim, esta aula tem como objetivos: 1. Conhecer o conceito de direito fundamental, suas características, fundamentos e sua relação com a noção de princípio constitucional. 2. Compreender o papel do Estado na proteção do meio ambiente como um valor, um princípio, um direito fundamental e um direito humano, como se relacionam em nível constitucional e com outros direitos fundamentais. 3. Conhecer as garantias do direito ambiental Conteúdo Constitucionalmente o direito à preservação do meio ambiente é um direito fundamental, já que é essencial à realização da dignidade humana em sua completude. Pode-se dizer que, em sua dimensão objetiva, direitos fundamentais: (...) são vinculações, mandados e objetivos referidos a aspirações, necessidades e interesses humanos que às vezes de adscrevem como nítidos dispositivos de direitos subjetivos, ora como enunciados de princípios e tarefas estatais (às vezes individuais e sociais) de hierarquia constitucional.21 Direitos fundamentais são prescrições destinadas ao Estado que tem o dever de respeitá-los, de violá-los e de realiza-los, cujo fundamento está na dignidade humana, que é o epicentro sobre os quais estes direitos orbitam. Segundo 21 (SAMPAIO; WOLD ;NARDY, 2003, p. 91). Sampaio22, “o pressuposto de que a dignidade humana é substrato de todo o sistema de direitos fundamentais serve, portanto, como referência de conteúdo para a transubstanciação de um direito ordinário em direito fundamental”. Em um sentido histórico23, o direito fundamental ao meio ambiente é um direito de terceira dimensão, chamados de direito de fraternidade ou solidariedade que trazem, segundo In Sarlet24, o fato de se “desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se a proteção de grupos humanos (família, povo e nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa”, o que significa que pertence a e ao mesmo tempo a todos. Explica Barroso25, que: (...) tais interesses caracterizam-se por pertencerem a uma série indeterminada de sujeitos e pela invisibilidade de seu objeto, de forma que a satisfação de um de seus titulares implica a satisfação de todos, do mesmo passo que a lesão de um só, ipso facto, lesão da inteira coletividade. Este novo grupo de direitos é fruto de novas reivindicações fundamentais do ser humano, que surgem como consequência das mudanças tecnológicas, do estado crônico de guerra, do avanço dos processos industriais e econômicos, da descolonização e de outras marcas da contemporaneidade que provocaram, e ainda provocam, profundos reflexos para os direitos fundamentais. Esta nova concepção de mundo, traz consigo uma nova onda de bens ou interesses comuns à toda a humanidade e assim de titularidade coletiva, “muitas vezes indefinida ou indeterminável, o que se revela, a título de exemplo, especialmente ao meio ambiente.”26 22 Idem, p. 94. 23 Segundo a teoria geracional dos direitos humanos (Bobbio), os direitos humanos fundamentais passaram por diversas transformações tanto em seu conteúdo e quanto aos seus titulares. Estes direitos não sofrem alternância ou são substituídos, mas acumulam-se, expandem-se. 24 (SARLET, 2003, p. 52). 25(BARROSO, 1992, p. 49) 26 (SARLET, 2003, p. 54). O Supremo Tribunal Federal reconheceu esta nova dimensão dos direitos fundamentais e definiu o direito ao meio ambiente como um direito metaindividual, caracterizando-o "como um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano,circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade - de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações".27 Na Constituição brasileira o direito fundamental ao meio ambiente saudável encontra seu fundamento no art. 22528, mas, não se esgota neste dispositivo, espalhando-se por toda a Constituição, relacionando-se a outros bens ou interesses de naturezas diversas e também constitucionalmente tutelados. Segundo Sampaio: (...) pode-se falar no Brasil de um direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como se pode referir a uma “ordem ambiental” que completa e condiciona “a ordem econômica” e que, por topologia, integra-se na “ordem social”. O direito fundamental ao meio ambiente saudável pode ser contemplado em sua dimensão objetiva e/ou subjetiva. Na primeira dimensão reconhece-se o meio ambiente como núcleo axiológico (valorativo), como instituição protegida, como dever estatal, da sociedade e dos indivíduos e na segunda, toma-se por base a sua natureza dúplice: como direito individual e de liberdade e como direito de prestação. Com relação dimensão subjetiva: Entre suas faculdades estão, portanto, o prazer contemplativo, a exploração racional dos recursos e o simples viver em um 27 ADI 3.540-MC, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 1º-9-2005, Plenário, DJ de 3-2- 2006. 28 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. http://www.stf.jus.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?PROCESSO=3540&CLASSE=ADI%2DMC&cod_classe=555&ORIGEM=IT&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M&EMENTA=2219 ambiente são. Mas, como seu objeto é indivisível, as faculdades podem ou devem ser contingenciadas pelo igual direito de todos – das presentes e futuras gerações. Por isso mesmo, a face coletiva do direito tem precedência sobre a face individual. Na Constituição Brasileira, o meio ambiente como direito fundamental é reconhecido na sua dimensão objetivo-subjetiva, ou seja, como direito subjetivo individual e coletivo, e como dever do Estado e da sociedade. Nesta última dimensão a realização do direito fundamental ao meio ambiente sadio para todos depende diretamente da ação do Estado em sua tripla função: legislativa, executiva e judicial. Ao poder executivo foi reservada uma ampla gama de competências na efetivação da tutela ambiental, remarcando-se, no particular, seus poderes regulamentar e de polícia, cujo exercício, em certos casos, poderá ser exigido judicialmente na hipótese de omissão em agir...paralelamente a um certo esvaziamento de sua atuação normativa, o legislativo tem acentuado seu papel de controle do Poder Executivo. É bem de ver, no entanto, que em matéria ambiental existe uma vasta legislação à espera de ser atualizada para incorporar as modernas preocupações como a natureza ecológica. O Poder Judiciário é o guardião supremo da efetividade das normas constitucionais...Além dos clássicos direitos subjetivos, que são aqueles referentes a titular determinado, as duas últimas décadas incorporaram o conceito de interesses difusos, para designar situações jurídicas de proveito que são desfrutadas por número indeterminado de pessoas.29 29 (BARROSO, 1992, p. 71). A todo direito devem corresponder garantias ao seu pleno exercício. Neste sentido, o meio ambiente saudável, como direito fundamental tem garantias e instituições aptas a tutela-lo em suas peculiaridades. A ação popular e a ação civil são ações judiciais que visam dar concretude aos mandamentos constitucionais. Na onda dos novos direitos vêm as novas garantias, aptas a tutelar o novo de forma efetiva. A ação popular não é instrumento novo, a novidade é a sua previsão na Constituição como uma garanta fundamental30. Segundo Machado31: A diferença primordial da tutela jurisdicional subjetiva, via ação popular, das demais de índole individualista está no fato de que esta última funda-se num interesse próprio", e no caso da ação popular "o ressarcimento não se faz em prol do indivíduo, mas sim indiretamente em favor da coletividade, por se tratar de um bem indivisível e de conotação social. A ação popular ambiental, como garantia fundamental, tem aplicação imediata de acordo como o princípio previsto no art. 5º, §1º da Constituição, muito embora o legislador constituinte tenha incluído a expressão “na forma da lei”. A norma infraconstitucional que regula a ação popular – lei 4717/65 – foi recepcionada pela Constituição de 88 e segundo Gilmar Mendes32, “a ação popular é instrumento típico de cidadania e somente pode ser proposta pelo cidadão, aqui entendido como aquele que não apresente pendências no que concerne às obrigações cívicas, militares e eleitorais quem, por lei, seja exigíveis”. 30 Art. 5º, LXXIII: "Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência 31 (MACHADO, 2015, p. 117) 32 MENDES, G.F. (2008). Curso de Direito Constitucional. Saraiva, Rio de Janeiro. P. 545. Este instrumento de tutela de interesse público, como instrumento de cidadania, tem por objeto anular atos lesivos não só ao meio ambiente, mas também ao patrimônio público, à moralidade pública e ao patrimônio histórico e cultural. A ação civil pública, instituída pela Lei 7.347, de 24.7.1985, é outro instrumento de tutela do direito ao meio ambiente como direito metaindividual. Sua finalidade é a responsabilidade por danos patrimoniais e morais causados não só ao meio ambiente, como também a outros interesses difusos, como o do consumidor, artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, além de outros previstos na lei. Na defesa dos interesses difusos, o Ministério Público tem função institucional, como previsto no art. 129, III da CRFB. Muito embora a tutela e defesa destes direitos não seja exclusividade do M.P., já que ele a compartilha com União, os Estados, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações ambientais. Segundo Machado33, Ganha muito o meio ambiente em ter como um dos atores da ação civil pública um Ministério Público bem preparado, munido de poderes para uma atuação eficiente e independente. O inquérito civil, atribuição constitucional do Ministério Público, servirá para uma apurada colheita de provas para embasar a ação judicial. Aponte-se que essa Instituição vem propondo uma grande quantidade de ações civis públicas ambientais em que no polo passivo estão os Governos Federal ou Estaduais, além de poderosas empresas públicas ou privadas. Os direitos fundamentais, com centralidade em nossa Constituição (art. 1º, inciso III), devem ser respeitos, garantidos e realizados e nesta tarefa conjugam-se direitos formalmente reconhecidos, garantias e instituições, todos integrados na busca da efetividade social destes direitos. 33 (MACHADO, 2015, p. 120) Exercícios de fixação Pergunta 1: O meio ambiente, ecologicamente equilibrado, é: a) Um bem de uso especial b) Um bem de domínio útil c) Um bem de uso comum do povo. d) Um bem dominical. Pergunta 2: Visando à anulação de ato lesivo ao meio ambiente, a ação popular pode ser intentada: a) por qualquer cidadão. b) apenas peloMinistério Público. c) apenas pelos juízes singulares. d) apenas pelas organizações da sociedade civil. e) por qualquer cidadão, pelas organizações da sociedade civil, pelo Ministério Público e pelos juízes singulares de ofício Pergunta 3: Em defesa do meio ambiente, o STF assim se pronunciou: O direito à integridade do meio ambiente típico direito de terceira geração constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Tendo o texto acima como referência, assinale a opção correta com base nas disposições legais de defesa do meio ambiente. a) Em atendimento ao princípio do poluidor pagador, previsto no direito positivo brasileiro, a Política Nacional do Meio Ambiente determina a proteção de áreas ameaçadas de degradação. b) A defesa do direito ao meio ambiente equilibrado nasceu a partir da Declaração de Estocolmo, em 1972, cujas premissas são marcadamente biocêntricas. c) O objeto de proteção do direito ambiental concentra-se nos fatores bióticos e abióticos, que devem ser tratados isoladamente. d) Em razão do tratamento dispensado ao meio ambiente pelo texto constitucional, depreende-se que é exigido dos cidadãos, predominantemente, um non facere em relação ao meio ambiente. e) O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado afasta eventual tentativa de desafetação ou desdestinação indireta. Pergunta 4: A Constituição de 1988inclui entre os princípios da ordem econômica da República Federativa do Brasil a: Opção a: defesa do meio ambiente. Opção b: defesa do meio ambiente, dos recursos naturais e das populações tradicionais que os utilizam. Opção c: defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. Opção d: defesa do meio ambiente e dos recursos naturais, inclusive mediante proteção dos conhecimentos das populações tradicionais que contribuem para o patrimônio ecológico do país. Opção e: defesa do meio ambiente, inclusive mediante concessão de benefícios aos métodos de produção que promovam o desenvolvimento sustentável. Referências BARROSO, L. R. A proteção do meio ambiente da Constituição brasileiro. Revista da Procuradoria-Geral do Estado, 1992. FERRI, C.; GRASSI, K. Princípios de direito ambiental e estado constitucionalista: a incorporação do conceito de estado de direito ambiental na teoria do estado constitucionalista e o papel dos princípios de direito ambiental. In: MALINVERNI, C. E. (Org.). Princípios do direito ambiental: articulações teóricas e aplicações. Caxias do Sul: EDUCS, 2013. MACHADO, P. A. L. M. Direito ambiental brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. SAMPAIO, J. A. L.; WOLD, C.; NARDY, A. J. F. Princípios do direito ambiental. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2003. Cap. III. SARLET, I. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. Aula 5: Direito Constitucional Internacional do meio ambiente Introdução É a Constituição que estabelece os limites da atuação política, seja em nível interno como no plano internacional e a Constituição de 1988 tem este duplo olhar, estabelecendo os limites do exercício da soberania no plano interno e no plano internacional. O direito constitucional internacional tem como objeto o conjunto de normas constitucionais que repercutem na ordem jurídica internacional, limitando e regulamentando as atividades externas do Estado e neste sentido funcionam como mecanismo de comunicação entre o plano internacional e o plano interno, no qual o respeito, a proteção e a realização da dignidade da pessoa humana assumem função central. Nesta aula conheceremos o direito internacional do meio ambiente, sua evolução, seus principais instrumentos e sua relação com ordem jurídica brasileira, compondo, de acordo com o direito constitucional internacional e sua interpretação pelo Supremo Tribunal Federal, o direito ambiental brasileiro. Sendo assim, esta aula tem como objetivos: 1. Compreender os fundamentos e as normas do direito constitucional internacional e sua interpretação pelo Supremo Tribunal Federal. 2. Conhecer o direito internacional do meio ambiente, sua evolução e principais instrumentos 3. Compreender a relação do direito internacional do meio ambiente com o direito ambiental brasileiro, através do direito constitucional internacional Conteúdo 5.1. Direito constitucional Internacional e o meio ambiente como um direito humano fundamental As mudanças ocorridas contemporaneamente trouxeram duas importantes inovações para o Direito: a ascendência da Constituição para o centro do ordenamento jurídico, como já vimos na aula 1 e a expansão das normas que regem as relações no plano internacional. O direito internacional, antes destinado manter a coexistência pacífica entre os Estados, tendo como finalidade evitar ou fazer cessar os conflitos, garantindo a paz e a segurança, passa a ser um conjunto denso e extenso de normas que regulam a complexa sociedade internacional, não mais restrita apenas aos Estados e à algumas poucas organizações internacionais, mais uma sociedade que agrega diversos sujeitos e atores nas suas inter-relações no plano internacional. Neste contexto, os Estados não são mais independentes, embora soberanos, não podendo mais podendo seu destino alheio aos interesses de outros entes da sociedade internacional. Diante de uma economia de mercado global os Estados tornam-se interdependentes dos demais atores e neste sentido a Constituição passa a ser um guia também para as relações internacionais, um comando destinado ao chefe de Estado nas suas relações com outros entes no plano internacional. Este comando seria constituído por um conjunto específico e peculiar de normas jurídicas que repercutem na ordem jurídica internacional é que é chamado de direito constitucional internacional. Elas situam-se num plano intermediário, entre o interno e internacional O direito constitucional internacional então, segundo Celso Mello34, é “o conjunto das regras constitucionais e regras de direito interno que têm um alcance internacional.” Neste sentido, a grande controvérsia se dá quanto à natureza e eficácia destas normas. No Brasil, dado que estas normas são guias para a ação do chefe de Estado na sua relação com outros entes no plano internacional elas seriam de natureza principiológica e sua eficácia ainda é tímida, sendo inclusive classificadas como normas programáticas, já que seriam programas de ação direcionados ao chefe de Estado. Neste sentido, afirma o Ministro do STF Celso de Mello: Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando- se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da CR, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos 34 MELLO, Celso D. de A. (2000). Direito Constitucional Internacional: uma introdução. 2ª edição. Renovar, p. 5. constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do Mercosul." (CR 8.279-AgR, Rel. Min. Presidente Celso de Mello, julgamento em 17-6-1998, Plenário, DJ de 10-8-2000 Segundo Carmem Lucia Antunes Rocha35, temas como a preservação dos direitos humanos conduziram à necessidade de redimensionar
Compartilhar