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ISBN 978-85-8143-641-8 U N O P A R Homem, cultura e sociedade Giane Albiazzetti Márcia Bastos de Almeida Okçana Battini H o m e m , cu ltu ra e so cie d a d e C M Y K CL ML LB LLB 88822-978-85-8143-641-8_Unopar_capa.pdf, page 1 @ Preflight Server ( 9788581436418_UNOPAR_Homem_cultura_sociedade.indd ) - 06:34:48 - January 10, 2014 - PG-1 C M Y K CL ML LB LLB Homem, cultura e sociedade Homem_cultura_e_sociedade.indd 1 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-1 Avaliação e ação docente Sandra Regina dos Reis Rampazzo Marlizete Cristina Bonafini Steinle Edilaine Vagula AvaliacaoAcaoDocente.indd 3 8/3/12 3:28 PM Homem_cultura_e_sociedade.indd 2 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-2 Homem, cultura e sociedade Giane Albiazzetti Márcia Bastos de Almeida Okçana Battini Avaliação e ação docente Sandra Regina dos Reis Rampazzo Marlizete Cristina Bonafini Steinle Edilaine Vagula AvaliacaoAcaoDocente.indd 3 8/3/12 3:28 PM Homem_cultura_e_sociedade.indd 3 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-3 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Albiazzetti, Giane Homem, cultura e sociedade / Giane Albiazzetti, Márcia Bastos de Almeida, Okçana Battini. — São Paulo : Pearson Education do Brasil, 2013. Bibliografia ISBN 978-85-8143-641-8 1. Cultura – Estudo e ensino 2. Desenvolvimento cultural 3. Evolução humana 4. Homem 5. Sociedade I. Almeida, Márcia Bastos de. II. Battini, Okçana. III. Título. 13-01074 CDD-306.07 Índices para catálogo sistemático: 1. Cultura e sociedade : Sociologia : Estudo e ensino 306.07 2. Sociedade e cultura : Sociologia : Estudo e ensino 306.07 © 2013 by Pearson Education do Brasil e Unopar Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Unopar e da Pearson Education do Brasil. Diretor editorial e de conteúdo: Roger Trimer Gerente de produção editorial: Kelly Tavares Supervisora de produção editorial: Silvana Afonso Coordenador de produção editorial: Sérgio Nascimento Editor: Casa de Ideias Editor assistente: Marcos Guimarães Revisão: Viviane Oshima Capa: Solange Rennó e Wilker Araujo Diagramação: Casa de Ideias 2013 Pearson Education do Brasil Rua Nelson Francisco, 26 CEP: 02712 ‑100 — São Paulo — SP Tel.: (11) 2178 ‑8686, Fax: (11) 2178 ‑8688 e ‑mail: vendas@pearson.com Homem_cultura_e_sociedade.indd 4 01/03/13 11:10 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-4 Sumário Unidade 1 — A transição do mito ao logos ....................1 Seção 1 A filosofia e sua origem ........................................................3 Seção 2 O movimento sofista e socrático .......................................12 Seção 3 Do pensamento clássico aos medievais ..............................18 Seção 4 Filosofia dos modernos ......................................................25 Unidade 2 — O pensamento moderno ........................39 Seção 1 Concepção de ciência moderna .........................................41 Seção 2 O racionalismo ..................................................................46 Seção 3 O empirismo ......................................................................50 Seção 4 O mundo máquina .............................................................53 Seção 5 O criticismo kantiano no movimento iluminista ................55 Seção 6 O positivismo .....................................................................57 Unidade 3 — Cultura e ideologia .................................69 Seção 1 Ideologia e cultura: uma relação indissociável e espaço de contradição .................................................................70 Seção 2 O surgimento do modo de produção capitalista e a formação da nossa sociedade .......................................... 73 Unidade 4 — Antropologia e cultura ...........................85 Seção 1 Cultura: o “cimento” que possibilita a união social ...........86 Seção 2 Antropologia: as correntes teóricas e a interpretação sobre a construção da cultura ...........................................89 2.1 Por que a Antropologia surgiu? ..............................................................89 2.2 O pensamento científico como base para o surgimento da Antropologia ..93 Homem_cultura_e_sociedade.indd 5 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-5 vi H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e 2.3 Estruturalismo .....................................................................................108 2.4 Antropologia interpretativa ou hermenêutica .......................................114 2.5 Diversidade cultural: etnocentrismo e relativização .............................117 Unidade 5 — Formação da cultura brasileira .............131 Seção 1 Aspectos históricos na formação da cultura brasileira .....132 1.1 Gilberto Freire .....................................................................................137 1.2 Sérgio Buarque de Holanda .................................................................137 1.3 Florestan Fernandes .............................................................................139 Seção 2 Diversidade cultural brasileira e relações inter-étnicas ....141 Referências ................................................................159 Sugestão de leitura .....................................................163 Homem_cultura_e_sociedade.indd 6 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-6 O crescimento e a convergência do potencial das tecnologias da informação e da comunicação fazem com que a educação a distância, sem dúvida, contribua para a expansão do ensino superior no Brasil, além de favorecer a transformação dos métodos tradicionais de ensino em uma inovadora proposta pedagógica. Foram exatamente essas características que possibilitaram à Unopar ser o que é hoje: uma referência nacional em ensino superior. Além de oferecer cursos nas áreas de humanas, exatas e da saúde em três campi localizados no Paraná, é uma das maiores universidades de educação a distância do país, com mais de 450 polos e um sistema de ensino diferenciado que engloba aulas ao vivo via satélite, Internet, ambiente Web e, agora, livros‑texto como este. Elaborados com base na ideia de que os alunos precisam de instrumentos didáticos que os apoiem — embora a educação a distância tenha entre seus pilares o autodesen‑ volvimento —, os livros‑texto da Unopar têm como objetivo permitir que os estudantes ampliem seu conhecimento teórico, ao mesmo tempo em que aprendem a partir de suas experiências, desenvolvendo a capacidade de analisar o mundo a seu redor. Para tanto, além de possuírem um alto grau de dialogicidade — caracterizado por um texto claro e apoiado por elementos como “Saiba mais”, “Links” e “Para saber mais” —, esses livros contam com a seção “Aprofundando o conhecimento”, que proporcionaacesso a materiais de jornais e revistas, artigos e textos de outros autores. E, como não deve haver limites para o aprendizado, os alunos que quiserem ampliar seus estudos poderão encontrar na íntegra, na Biblioteca Digital, acessando a Biblioteca Virtual Universitária disponibilizada pela instituição, a grande maioria dos livros indicada na seção “Aprofundando o conhecimento”. Essa biblioteca, que funciona 24 horas por dia durante os sete dias da semana, conta com mais de 2.500 títulos em português, das mais diversas áreas do conhe‑ cimento, e pode ser acessada de qualquer computador conectado à Internet. Somados à experiência dos professores e coordenadores pedagógicos da Unopar, esses recursos são uma parte do esforço da instituição para realmente Carta ao aluno Homem_cultura_e_sociedade.indd 7 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-7 viii H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e fazer diferença na vida e na carreira de seus estudantes e também — por que não? — para contribuir com o futuro de nosso país. Bom estudo! Pró‑reitoria Homem_cultura_e_sociedade.indd 8 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-8 O presente texto aborda a importância do homem como agente responsável pela construção da realidade social, enfocando a cultura como categoria central para a constituição das relações sociais vigentes. Para isso torna‑se essencial a discussão dos princípios do modo de produção capitalista e sua influência nos aspectos econômicos, políticos e culturais, sendo que esses fatores é que sustentam a sociedade e a formação do ser social. Para isso devemos analisar o processo de expansão europeia a partir do século XV e da dominação colonialista e imperialista, com suas consequências sobre a organização social, cultural, política e econômica dos povos dominados. Além disso, o livro propõe uma discussão em relação às implicações desse processo colonialista e imperialista sobre o caso particular do Brasil, especialmente no que se refere à formação histórica, cultural e educacional da sociedade e da cultura brasileira, enfatizando‑se as relações de dominação política e econômica como fundamentos da hierarquização social e das desigualdades étnicas e de classe ao longo da nossa história. O passado, portanto, não pode ser tomado como obra do acaso ou de meros acidentes históricos, tampouco como o acúmulo progressivo de grandes atos e feitos heroicos de homens especiais. O que o professor Mota (1974, p. 14, grifo do autor) propõe é que “[...] há em curso uma história profunda, lenta, silenciosa, subterrânea, uma história das estruturas, diversa de uma história de superfície, rápida, leve, do dia a dia, uma ‘história dos acontecimentos’”. Com isso, o presente e o cotidiano passam a ser reconhecidos como resultado de um contexto mais amplo, que comanda os bastidores da realidade social, e por isso todas as evidências históricas têm que ser pesquisadas e analisadas em suas inúmeras facetas. Eric Hobsbawm, em seu livro Era dos Extremos (2000), afirma que essa articulação entre passado e presente é recuperar dados precisos e com‑ prováveis acerca da trajetória humana ao longo do tempo, fornecendo informações indispensáveis para a compreensão da realidade social. Assim, este livro faz uma abordagem histórica, filosófica, sociológica e antro‑ pológica mostrando como se deu a passagem do pensamento mitológico para o Apresentação Homem_cultura_e_sociedade.indd 9 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-9 x H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e pensamento filosófico e como este último foi se modificando e modificando a forma de conhecimento e as relações sociais. Esperamos que você se sinta provocado à busca de um conhecimento mais pro‑ fundo e consistente. Que este livro seja um “esticador” de horizontes em sua vida acadêmica. Homem_cultura_e_sociedade.indd 10 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-10 A transição do mito ao logos Seção 1: A filosofia e sua origem Nesta seção apresentaremos os aspectos gerais do pensamento mitológico e do nascimento do pensa- mento filosófico na Grécia Antiga como uma interpre- tação racional do mundo e dos fenômenos naturais seu sentido pedagógico. Seção 2: O movimento sofista e socrático Nesta seção apresentaremos o movimento que se tornou importante para o conhecimento e dissemina- ção da filosofia e a inauguração de um novo projeto filosófico-pedagógico: o movimento dos sofistas. Os sofistas, além de ensinarem, provocaram conflitos conceituais e promoveram discussões em torno da política e do novo modelo de governo instaurado Objetivos de aprendizagem: O objetivo desta unidade é aprender como o pensamento mitológico se constituiu em elemento fun- damental na passagem para o pensamento racional, lógico ou filosófico. Unidade 1 Márcia Bastos de Almeida Homem_cultura_e_sociedade.indd 1 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-11 naquele período. Ainda na mesma seção, apresen- taremos a figura de Sócrates que mudou o eixo da discussão filosófica e inaugurou a Ética, conforme conhecemos e pensamos. Seção 3: Do pensamento clássico aos medievais Apresentaremos nesta seção o pensamento pedagó- gico de Platão, Aristóteles e os filósofos que represen- taram a Idade Média: Santo Agostinho e São Tomaz de Aquino. O pensamento desses filósofos representa importante marco na Filosofia e, principalmente, na Filosofia da Educação no Brasil. Seção 4: Filosofia dos modernos Nesta seção, vamos apresentar o movimento filosó- fico educacional no período moderno que marcou profundamente o modelo educacional da contem- poraneidade. Da modernidade herdamos o modelo de conhecimento, os valores, o modo de produção e o modelo educacional. O pensamento de impor- tantes filósofos como Descartes, Rousseau e Locke ainda figura em fundamentação dos modelos peda- gógicos vigentes no sistema educacional brasileiro, daí a importância de dedicarmos uma seção aos modernos. Homem_cultura_e_sociedade.indd 2 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-12 a t r a n s i ç ã o d o m i t o a o l o g o s 3 Introdução ao estudo Nesta unidade, apresentaremos a origem da Filosofia e a Filosofia da Educação em sua especificidade. A importância de iniciarmos nossa leitura e o nosso curso com esse tema significa a importância que a instituição assegura ao curso de Peda‑ gogia por uma formação humanista e, principalmente, por um profissional reflexivo e comprometido com a educação em sua forma científica e não técnica. Todas as seções abordadas terão como foco a relação entre filosofia e educação em todos os períodos marcantes da História do pensamento da humanidade: a anti‑ guidade clássica, o período medieval, os modernos e os contemporâneos. Para isso iniciaremos uma breve apresentação da origem da filosofia, seus principais movi‑ mentos e filósofos em seus aspectos centrais. Faremos esse movimento porque precisamos voltar ao passado e conhecer as raízes no pensamento filosófico que inauguraram uma forma específica de conhecer e dar respostas à realidade, ao mundo e a tudo o que nele existe. A Filosofia, portanto, nasceu como teoria do conhecimento e se mantém até a atua‑ lidadedesvelando o real com a intenção de explicá‑lo e socializá‑lo, e isto só é possível por uma educação sistematizada. Assim, podemos dizer que a Filosofia também nasceu com vocação pedagógica, porque com ela se inicia um período de construção de conhecimento e um projeto pedagógico a ser executado: a Pai- deia. Eis o motivo de estudarmos, no curso de Pedagogia, a disciplina filosófica: teoria geral do conhecimento. A filosofia da Educação é uma disciplina que com a História, a Psicologia e a Sociologia se constituem como fundamentação da educação nos cursos de Pedago‑ gia. Nos anos 1970, com a abertura e a proliferação dos cursos de pós‑graduação, a disciplina conquistou um amplo espaço no debate educacional e se tornou uma das mais importantes áreas de pesquisa e produção literária. Contudo, consideramos por bem iniciarmos este trabalho explicitando a gênese (início) do pensamento filosófico, sua vocação educacional e sua trajetória no espaço acadêmico e, principalmente, no curso de Pedagogia. Portanto, vamos iniciar nossa leitura, ou melhor, a nossa viagem ao mundo do conhecimento. Seção 1 A filosofia e sua origem A filosofia nasceu da curiosidade e do espanto e é uma produção grega. Como área de conhecimento, que chegou até nós e influenciou o desenvolvimento da ci‑ vilização ocidental, a filosofia teve sua gênese e desenvolvimento na Grécia Antiga. Os povos do Oriente, embora com níveis de conhecimento, desenvolvimento social, político e econômico muito mais avançados, não conseguiram “fazer filosofia” da mesma forma que o conseguiram os gregos. Reale (1993, p. 11) explica: Homem_cultura_e_sociedade.indd 3 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-13 4 H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e Crenças e cultos religiosos, manifestações artísticas de natureza diversa, conhecimentos e habilidades técnicas de diferentes espé‑ cies, instituições políticas, organizações militares existiram seja nos povos orientais que chegaram à civilização antes dos gregos, seja entre os gregos, e, consequentemente, é possível fazer confrontos [...]. No que diz respeito à filosofia, porém, encontramo‑nos diante de um fenômeno tão novo que, como dissemos, não só não há entre os povos orientais idêntico correlativo, mas nem mesmo algo que analogicamente comporte comparação com a filosofia dos gregos ou que a prefigure de momo inequívoco. Ou seja, havia desenvolvimento em povos tão antigos quanto os gregos, mas a forma de pensar, de usar a razão e desenvolver o que ficou conhecido como LOGOS foi um fenômeno que se restringiu ao povo grego. Antes do que costumamos chamar de nascimento da Filosofia, assim mesmo, com F maiúsculo, as pessoas que ensinavam, explicavam os acontecimentos de or‑ dem natural, como os ciclos da natureza, a origem do universo e do homem, eram os poetas. Um desses poetas gravou seu nome na história da humanidade: Homero. Seus poemas eram lidos e relidos e, pode‑se arriscar uma afirmação aqui, tinham o mesmo valor que um livro “sagrado”. Isto porque seus poemas continham uma conotação mística e religiosa. Não podemos desprezar essa necessidade inerente ao ser humano de buscar explicações do cotidiano no sobrenatural daquilo que foge à sua racionalidade comum. Outros poetas existiram ao tempo de Homero, mas somente ele os construiu com imaginação rica e peculiar de uma mente privilegiada. Suas narrativas continham descrições dos eventos — tanto bons quanto ruins — de forma harmoniosa. Reale descreve seus dois grandes poemas, Odisseia e Ilíada: [...] foi bem observado que seus dois poemas, construídos por uma imaginação tão rica e variada, transbordantes de maravilha, de situações e eventos fantásticos, não caem, senão raras vezes, na descrição do monstruoso e disforme, como em geral acontece nas primeiras manifestações artísticas dos povos primitivos: a ima‑ ginação homérica já se estrutura segundo o sentido da harmonia, da eurritmia, da proporção, do limite e da medida, que se revelará, depois, uma constante da filosofia grega, a qual erigirá a medida e o limite até mesmo em princípios metafisicamente determinantes (REALE, 1993, p. 19). A produção poética de Homero já apresentava uma racionalidade sistemática, organizada e com nexos causais. Neles já se anunciava o afastamento de uma racio‑ nalidade mitológica para dar espaço a uma racionalidade lógica. Em seus poemas, os fatos são narrados com a apresentação de suas razões. Ou seja, há a explicações dos “porquês” dos eventos, ou a presença dos nexos causais. Dando continuidade à nossa caminhada em busca da compreensão da origem da filosofia, apresentamos na sequência pontos elucidativos para que isso aconteça. Compreender o mundo, os ciclos da natureza, o ser humano e suas fases crono‑ lógicas até a morte, a origem de todos os astros que compõem o universo, o ciclo Homem_cultura_e_sociedade.indd 4 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-14 a t r a n s i ç ã o d o m i t o a o l o g o s 5 marítimo e sua relação com as fases lunares, enfim, tudo isso e muito mais fazem parte de um conjunto de fenômenos que na antiguidade eram desconhecidos. Esse desconhecimento provocava a curiosidade, a admiração, a perplexidade, ou seja, provocava espanto! Tudo o que nos é estranho, ou que não conseguimos compreen‑ der a partir de nossas experiências e conhecimentos, nos causam esses sentimentos. Por isso, à medida que aos poucos a racionalidade filosófica passava a dar res‑ postas para esses “mistérios”, o espanto ia dando lugar a novas perguntas que eram respondidas por esse novo modo de conhecer: a Filosofia. Por isso é que podemos dizer que a Filosofia tem uma pergunta básica, ou seja, aquela pergunta que está sempre (ou deveria estar) em nossos pensamentos: o que é a realidade? Ou ainda: por que tudo o que está a nossa volta existe? Por que nós existimos? Qual o sentido da vida se existe a morte? Por que precisamos fazer escolhas? Depois de respondidas essas questões surgem outras, e outras, e outras... infinitamente. A Filosofia procura respostas e, quando as encontra, muda as perguntas! Atenção! Não é verdade que a Filosofia não encontra respostas. Encontra sim, mas suas respostas não têm o caráter de conhecimento absoluto e, dessa forma, todos podemos concordar ou não com as suas conclusões e é assim que o pensamento e o mundo vão se transformando. Na contemporaneidade, isto é, nos tempos atuais, nossas curiosidades não são tantas como no período antigo e para respondê‑las todos nós recorremos à Internet. Mas na antiguidade não existia Internet com todos os sites de busca que hoje nos são disponibilizados. Por isso e muito mais, convido o leitor para um passeio até a Grécia Antiga, mais especificamente entre os séculos V e VI a.C., e visitar as origens do pensamento ocidental, o nosso pensamento. Isto mesmo, o nosso modo de pensar, nossa cultura, nossos valores são marcados pela influência da Filosofia Grega. Pois bem, vamos começar por entender o significado etimológico da palavra Fi‑ losofia, ou seja, vamos entender o que a palavra significa ao pé da letra. Essa palavra é composta por outras duas palavras: Philo e Sophia, assim mesmo com PH. Philo significa amigo/amizade e Sophia que significa saber/sabedoria. Portanto, juntando o significado das duas palavras temos amigo do saber e daí pode‑se entender que o filósofo é aquele que é amigo da sabedoria ou aquele que busca sempre o conhe‑ cimento, o saber. A Profa. Marilena Chaui oferece a seguinte explicação: “Assim, filosofia indica um estado de espírito, o da pessoa que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber” (CHAUI, 2002, p. 19). Sevocê chegou até aqui, podemos dizer que a busca pelo conhecimento o está motivando e, no sentido exposto acima, podemos dizer que você é um filósofo e, portanto, podemos continuar estudando. Segundo registros na literatura, foi Pitágoras de Samos (século V a.C.) o criador da palavra filosofia sem dar a ela o estatuto de área de conhecimento, mas sim de uma postura diante do que se lhe apresenta diante dos olhos. Vamos compreender melhor a ideia de Pitágoras: Pitágoras teria afirmado que a sabedoria completa pertence aos deuses, mas os homens podem desejá‑la e amá‑la, tornando‑se filósofos. Dizia ainda que três tipos de pessoas compareciam aos jogos olímpicos (festa mais importante na Grécia): as que iam para Homem_cultura_e_sociedade.indd 5 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-15 6 H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e comerciar durante os jogos, ali estando apenas para servir aos pró‑ prios interesses e sem preocupação com as disputas e os torneios; as que iam para competir, isto é, os atletas e artistas (durante os jogos havia competições artísticas: dança, teatro, poesia, musica); e as que iam contemplar os jogos e torneios, para avaliar o desempenho e julgar o valor dos que ali se apresentavam. Esse terceiro tipo de pessoa, dizia Pitágoras, é como o filósofo (CHAUI, 2002, p. 20). Isso quer dizer que o comportamento natural de um filósofo não está ligado a interesses pessoais, mas tão somente à busca de uma compreensão das coisas, à busca da sabedoria e do conhecimento. Buscar o conhecimento, aprender e socializar esse conhecimento e aprender faz parte do perfil do filósofo. Pensando assim, podemos dizer que somos filósofos! Os primeiros gregos considerados sábios ou sophos ficaram conhecidos como filó‑ sofos pré‑socráticos. Isto porque Sócrates figura na história da Filosofia como “divisor de águas” na discussão filosófica. É assim porque os primeiros filósofos ou pré‑socráticos queriam compreender o mundo natural, a physis, e Sócrates concentraram‑se em compreender o agir humano inaugurando a Ética e, também, uma forma e um método de encontrar a verdade. A Filosofia Antiga está dividida conforme os problemas, as discussões e os confrontos entre os pensadores iam se definindo. Dessa forma, ela (a Filosofia) se dividiu nos seguintes períodos: 1. Período naturalista ou pré‑socrático: o problema dessa fase era a busca da compreensão da physis, ou seja, o cosmo e tudo o que nele existe. Os gru‑ pos de pensadores que o representaram estão divididos entre os jônicos, os pitagóricos, os eleatas e os pluralistas. 2. Período humanista: surgiu quando o período naturalista não atendia as “de‑ mandas” das discussões políticas, sociais e morais. Esse período é represen‑ tado no primeiro momento pelos sofistas e, na sequência, por Sócrates, que inaugura a busca pela essência do homem. 3. Período das Sínteses Platônica e Aristotélica: esse período, muito rico no pensa‑ mento filosófico, traz à tona a ideia do suprassensível e a formulação orgânica dos problemas filosóficos. Ou seja, explicam os problema de ordem ética e política (para citar apenas dois), a partir de uma ideia de organismo vivo. 4. Período das escolas helenísticas: esse período foi marcado pelas escolas que representavam os sistemas filosóficos: estoicismo, epicurismo e ceticismo. 5. Período religioso: representado pelo encontro entre a cultura helênica em Alexandria e o cristianismo. Vamos abordar aqui o primeiro período, conhecido também por movimento pré‑ ‑socrático. Sobre o movimento dos filósofos pré‑socráticos chamaremos a sua aten‑ Para saber mais A palavra sophos é de origem grega e significa saber/sabedoria. Homem_cultura_e_sociedade.indd 6 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:50 - January 10, 2014 - PG-16 a t r a n s i ç ã o d o m i t o a o l o g o s 7 ção para três movimentos que consideramos fundamentais para o seu entendimento posterior quando examinarmos a relação que pretendemos fazer com a educação e, mais especificamente, com a Pedagogia. Primeiro vamos compreender os atomistas. Esse nome, atomista, vem da palavra átomo (menor partícula indivisível) e o fundador desse movimento foi Leucipo. No entanto, suas ideias principais foram desenvolvidas por seu discípulo Demócrito que desenvolveu as ideias de Leucipo e as transformou em uma das doutrinas filosóficas mais influentes de toda a Antiguidade. Isto quer dizer que o modo como Leucipo e depois Demócrito compreendiam a realidade, ou o modo como eles interpretavam o mundo, a natureza e tudo o que nela existe, ficou marcado e influenciou muitos pensamentos, incluindo até o pensamento de Karl Marx muitos séculos depois. A doutrina atomista afirma que tudo que está a nossa volta (inclusive nós mesmos) se constitui por matéria. Tudo é matéria, ou melhor, tudo está formado por átomos. Eles foram os primeiros materialistas do mundo ocidental. Vamos entender melhor: A doutrina atomista sustenta que a realidade consiste em átomos e no vazio, os átomos se atraindo e se repelindo, e gerando com isso os fenômenos naturais e o movimento. A atração e repulsão dos átomos devem‑se às suas formas geométricas, sendo que átomos de formas semelhantes se atraem e os de forma diferente se repe‑ lem. Os átomos são imperceptíveis e existem em número infinito (MARCONDES, 2000, p. 34‑35). Mas agora é preciso compreender o conceito de átomos dos antigos. Você deve estar se perguntando: como eles viram os átomos se não existiam equipamentos, como os microscópios, para vê‑los? Então vamos à explicação! Os átomos a que eles se referiam eram uma ideia. Qual era o conceito de ideia? Reale (1993, p. 155) ensina: [...] ideia é o visível. Mas o átomo é invisível, pela sua pequenez, afirmada como consequência da sua indivisibilidade, pois é difícil declarar indivisível o que é perceptível aos sentidos e, portanto, pode ser considerado suscetível de fragmentação em partes. E então, em que sentido ideia, em que sentido visível? Visível, evi‑ dentemente, só à visão do intelecto: o intelecto abstrato, que parte do visível corpóreo, indo sempre mais além até onde os sentidos não podem chegar, encontra o seu termo final num mundo quin‑ tessenciado e despotenciado, que é a analogia do visível corpóreo. Forma é, pois, o visível geométrico, o que é visível ao intelecto. Assim, podemos compreender que para os antigos o átomo não estava visível dire‑ tamente ao concreto, ou, aos sentidos, mas à ideia das formas. Quando olhamos um objeto em forma de círculo, por exemplo, não estamos vendo o círculo de fato, mas a ideia de uma representação geométrica. Essa é a ideia de átomo para os filósofos atomistas. Os átomos eram, portanto, considerados qualitativamente iguais e quan‑ titativa e geometricamente diferentes (círculo esfera, triângulo retângulo, quadrado e outros de tamanhos diferentes). A Filosofia moderna se apropria desse pensamento para fundamentar a base da ciência experimental que permanece em nossos dias. No entanto, também esse mo‑ Homem_cultura_e_sociedade.indd 7 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-17 8 H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e vimento apresentou falhas significativas em sua construção. O movimento atomista não deu conta, por assim dizer, das explicações acerca da existência do homem, da sua vida e do conhecimento. O ser humano não se constitui apenas de átomos, mas tem uma alma (a vida mesmo) e, segundo a teoria atomista, esta vida também se constitui por átomos. Ainda Reale (1993,159‑160): O corpo humano, como todas as outrascoisas, é constituído de um encontro de átomos, e assim, naturalmente, também a alma. A alma, que é o que dá a vida e também o movimento ao corpo, é constituída de átomos mais sutis que os outros, lisos e esferiformes, de natureza ígnea. Esses átomos propagam‑se por todo o corpo, e assim o vivificam. Pela sua sutileza, eles tendem também sair do corpo, mas com a respiração são sempre reintegrados todos aqueles átomos ígneos que conseguem sair. Cessando a respiração, advém a morte, e todos os átomos ígneos que estavam no corpo se dis‑ persam. A alma é, pois, da mesma natureza do corpo, e, portanto, mal se explica a sua superioridade sobre o corpo. Assim é a explicação da vida humana para os atomistas. A alma não tem nada de sobrenatural, mas é um conjunto de átomos redondinhos, lisos e quentinhos (natureza ígnea que é uma palavra para designar fogo) que se movimentam, entrando e saindo do corpo. Quando esse movimento cessa é porque o corpo morreu. Sobre o conhecimento, eles explicam que o movimento dos átomos que chegam aos sentidos gera a sensação e o conhecimento, que, por sua vez, se dividem em conhecimento obscuro e genuíno. O conhecimento obscuro advém das sensações, dos sentidos (olfato, tato, visão, audição e paladar) enquanto o conhecimento verda‑ deiro é aquele que está no intelecto e, dessa forma, sem contato com o conhecimento obscuro. Depois temos dois movimentos (e aí completamos três, conforme já anunciamos) que também influenciaram muito nossa cultura e, mais ainda, a nossa educação esco‑ lar. Porque, dessas duas, surgiram teorias de conhecimento e tendências pedagógicas. Então vamos aprender bem para depois ensinar. Para saber mais Atenção, leitor! Quando dizemos que uma pessoa é materialista porque gosta de comprar e dá extremo valor ao dinheiro e aos bens que ele proporciona, estamos fazendo uma interpretação economicista e até de senso comum, porque essa pessoa é consumista e não necessariamente materialista. Uma pessoa materialista é aquela que não acredita na formação do universo, da natureza e do próprio ser humano a partir de um ente espiritual. O materialista, de acordo com Demócrito, é aquele que não vê na realidade algo que se aproxima da espiritualidade. Para ele tudo se origina da matéria e por ela se mantêm. Isto sim é ser um materialista! Homem_cultura_e_sociedade.indd 8 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-18 a t r a n s i ç ã o d o m i t o a o l o g o s 9 Os dois movimentos ficaram conhecidos como mobilismo e monismo. Um se contrapondo ao outro. Heráclito nasceu em Éfeso e por isso tinha o nome da cidade natal como sobrenome (Heráclito de Éfeso), seu nascimento ocorreu em final do sé‑ culo VI e início do século V a.C. No entanto, não há um consenso na historiografia sobre o período exato do seu nascimento e morte. No entanto, seu pensamento filo‑ sófico marcou o pensamento ocidental de forma definitiva. Os problemas filosóficos que o antecederam não explicaram o dinamismo, real e perceptível aos sentidos, na realidade. Heráclito percebeu e falou sobre o seguinte: nada fica imóvel para sempre. Sempre há mudanças, tudo se modifica ao longo do tempo, tudo se move constantemente, tudo se transforma sem parar. Nada permanece igual. Para explicar isso, ele utilizou o exemplo de um rio que, depois, se tornou a frase (ou fragmento de seu pensamento) mais conhecida no mundo acadêmico e fora dele. A frase é: “Não se pode descer duas vezes ao mesmo rio” (HERÁCLITO apud REALE, 1993, p. 64). O que se tornou popular dessa frase é a ideia de que o rio muda sempre (renovando suas águas) e as pessoas se modificam constantemente (envelhecendo a cada segundo). Reale (1993, p.64) ensina ainda sobre essa frase: [...] o rio é aparentemente sempre o mesmo, mas na realidade é feito de águas sempre novas, que se acrescentam e se dispersam; por isso à mesma água do rio não se pode descer duas vezes, jus‑ tamente, porque, quando se desce a segunda vez, já é outra a água que se encontra; e porque nós mesmos mudamos, no momento em que completamos a imersão no rio, tornamo‑nos diferentes do momento em que nos movemos para mergulhar. Isto quer dizer que nada permanece e há movimento em todos os aspectos. O mundo, os fenômenos que compõem a realidade e a vida propriamente dita passam por mudanças constantes e eternamente. Trata‑se de um ciclo, ou como Heráclito dizia: é um constante devir. Uma coisa se transformando em outra. Por exemplo: um bebê em uma criança, que se transforma em um adolescente que se transforma em um adulto que envelhece e morre. No bebê há o devir da velhice porque ele irá passar por todos os processos de transformações da vida. A natureza, também, apresenta essa transformação. A semente se transforma em árvore que dá frutos e, novamente, a semente. No entanto, não se pode reduzir o pensamento de Heráclito ao aspecto do de‑ vir apenas no processo de transformação. Há também a questão dos opostos onde o devir se harmonizam. O devir é, também, um eterno conflito assim descrito em Reale (1993, p. 65): O devir é, pois, um contínuo conflito dos contrários que se alter‑ nam, é uma perene luta de um contra o outo, é uma guerra perpé‑ tua. Mas, dado que as coisas só têm realidade, como veremos, no perene devir, então, por consequência necessária, a guerra revele como o fundamento da realidade das coisas: a guerra é mãe de todas as coisas e de todas rainha. Homem_cultura_e_sociedade.indd 9 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-19 10 H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e É importante compreender que essa guerra de Heráclito é, também e ao mesmo tempo, paz. A paz é buscada porque existe a guerra. É nesse contraste que se cons‑ titui a harmonia. Outro ponto importante no pensamento de Heráclito é a formulação do princípio de tudo e de todas as coisas: o fogo. Para ele, o fogo, estando em movimento cons‑ tante, provoca as transformações existentes. Assim: O fogo, com efeito, é perenemente móvel, é vida que vive da morte do combustível, é incessante transformação em fumaça e cinzas, é, como diz perfeitamente Heráclito do seu Deus, fome e saciedade, vale dizer, unidade de contrários, fome das coisas, eu faz as coisas serem, e saciedade das coisas, que as destrói e faz perecer. E, com isso, fica claro também que o Deus heraclitiano (que já tinha sido chamado de noite‑dia, fome‑saciedade, guerra‑paz, isto é, unidade dos contrários) (REALE, 1993, p. 68). Quanto à alma, Heráclito expressou alguns pensamentos que afirmaram que esta (a alma) tinha propriedades muito diferentes do corpo. Sobre essa ideia encontrou‑ ‑se um fragmento que está registrado em Reale (1993, p. 70, grifo do autor): “Os confins da alma não os encontrarias nunca, embora percorrendo os seus caminhos; tão profundo é o seu logos”. Por fim, encontramos no pensamento desse filósofo alguns pensamentos sobre moral. Para ele, “[...] a felicidade não pode se constituir nos prazeres do corpo: se assim fosse, felizes seriam os bis diante do feno [...] difícil é a luta contra o desejo, pois o que este quer, compra‑o a preço da alma” (REALE, 1993, p. 71). Assim, para Heráclito e seus seguidores estava entendida que a realidade natural de constitui pelo movimento (daí a palavra mobilismo) e nada permanece igual para sempre e tudo vai se modificando no decorrer do tempo, ou seja, tudo é passageiro. Você percebeu que essa é uma ideia presente em nosso cotidiano? Nós sempre di‑ zemos que tudo passa, mas foi o Heráclito quem percebeu isso na realidade natural. Mas ele disse mais: tudo se constitui, também, pelos contrários. O mundo se compõe de quente e frio, seco e úmido, fogoe água, amor e ódio e daí por diante. Agora vamos entender um pouco do monismo que está representado por Parmê‑ nides. Esse movimento defende a ideia de uma realidade única, sem mudanças e sem transformações. O movimento e as transformações que percebemos são apenas aparentes e, de fato, não existe. Para Parmênides os nossos sentidos não são capazes de conhecer a realidade como de fato ela é. E como ela é? Parmênides responderá que temos a ilusão de movimento, mas a verdadeira realidade não se movimenta, é única e imutável. Parmênides também é considerado o filósofo que inaugurou a ideia de SER. Porque para ele o Ser é idêntico a si mesmo e não se modifica. O real e a verdade consistem naquilo que não muda, não se transforma nunca. O que muda, não pode ser verda‑ deiro. “[...] o ser é sempre idêntico a si mesmo, imutável, eterno, imperecível, invisí‑ vel aos nossos sentidos e visível apenas para pensamento” (CHAUI, 2002, p. 211). Homem_cultura_e_sociedade.indd 10 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-20 a t r a n s i ç ã o d o m i t o a o l o g o s 11 Os seus seguidores ou discípulos ficaram conhecidos como os Eleatas (Escola Eleata). Para esses filósofos, seguidores de Parmênides, uma coisa ou um ser que fosse ao mesmo tempo uno e múltiplo não poderia existir por que não seria nada. Todos seriam alguma coisa e, ao mesmo tempo, não seriam. Isso é impensável. Por exemplo: como alguém pode ser bonito e feio ao mesmo tempo (alguém acha bonito e outro feio); como o gelo, que é frio, pode queimar? Para ele, esse antagonismo era impensável e, assim, inexistente. Segundo Chaui (2002, p. 212): O que Parmênides afirmava era a diferença entre pensar e perceber. Percebemos a Natureza na multiplicidade das coisas que se trans‑ formam uma nas outras e se tornam contrárias a si mesmas. Mas pensamos ser, isso é, a identidade, a unidade, a imutabilidade e a eternidade daquilo que é em si mesmo. Perceber é ver aparências. Pensar é contemplar a realidade como idêntica a sim mesmo. Pensar é contemplar o to on, o ser. Toda a concepção essencialista de mundo e de homem tem sua inspiração em Parmênides. Os quatro filósofos apresentados — Leucipo, Demócrito, Heráclito e Parmênides — não foram os únicos filósofos daquele período. Outros que não estão citados, como Tales de Mileto, são muito importantes e também influenciaram o pensamento Ocidental. Só elegemos os primeiros por considerá-los fundamentais para o nosso estudo. Se você quiser saber mais dos pré-socráticos acesse os sites: <www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/socrates/presocraticos.htm>. <paxprofundis.org/livros/presocraticos/filosofos.htm>. <educacao.uol.com.br/filosofia/pre-socraticos-origens-da-filosofia-e-os-primeiros-filosofos- -gregoshtm>. Saiba mais Vamos dar uma paradinha para refletir sobre o tema apresentado até aqui: Como você avalia os argumentos de Heráclito e Parmênides? Você os reconhece em nossa vida e em nosso cotidiano? Existe alguma coisa que permanece e outras que se modificam? Questões para reflexão Homem_cultura_e_sociedade.indd 11 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-21 12 H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e Seção 2 O movimento sofista e socrático Neste espaço vamos conhecer uma parte muito importante para nossa compre‑ ensão do tema e, por isso, vamos apresentar o segundo momento da Filosofia na Antiguidade Clássica, ou seja, na Grécia Antiga, que compreende o período do século V e VI a. C. Vamos conhecer os sofistas e Sócrates, mas sem nos aprofundar muito; o texto é um encorajamento para aqueles que buscam o conhecimento. O segundo momento do pensamento filosófico está marcado por Sócrates e o movimento sofista. A importância de Sócrates está centrada na mudança do eixo das discussões ou dos problemas a que ele se dedicou. Enquanto os pré‑socráticos se preocupavam em compreender o mundo natural, esse filósofo que escreveu seu nome na História da humanidade se preocupou em compreender o agir do homem na polis. Pode‑se dizer que ele inaugurou o problema da relação entre ética e política. Mas antes de começarmos uma reflexão sobre a questão ética dos sofistas é preciso algum entendimento sobre as distinções sobre a questão moral. Todos os povos, desde o período primitivo, tiveram algum tipo de organização (mínima) para a manutenção do grupo. Assim, havia uma reflexão ética antes da Filosofia. Quando dizemos que Sócrates inaugurou a ética, significa que ele sistematizou essa área de conhecimento. Reale (1993, p. 179‑180) explica da seguinte forma essa questão: [...] para examinar, embora brevemente, as características da reflexão moral pré‑filosófica, e para compreender a fundo a dife‑ rença daquela sobre esta, é necessário que procedamos a algumas distinções terminológicas, da máxima importância: a) uma coisa é a moralidade ou conduta moral; b) outra são as convicções mo‑ rais que os homens expressamente professam; c) outra ainda é a filosofia moral. A) moralidade ou conduta moral, todos os homens a possuem [...] mesmo os primitivos e os selvagens. B) também as convicções morais são uma herança espiritual de todos os homens [...]. C) [...] no nível de filosofia moral, a razão vai além do particular, busca estabelecer não regras que valham para casos particulares, mas, em geral, busca estabelecer nexos e ligações universais e necessários. Vamos nos ater à questão da filosofia moral, que é a busca de um princípio das normas que regem a vida. Esse princípio, que irá fundamentar a ideia de uma filo‑ sofia moral, está na busca de uma essência humana. Ou seja, está na condição da determinação orgânica o princípio da moralidade. Antes disso, no período pré‑filosófico, as questões morais tinham como funda‑ mento as explicações mitológicas. Homero, em sua Odisseia, ofereceu um sentido ou uma concepção ética um pouco mais geral, como explica Reale (1993, p. 181): “[...] o homem reverente e obediente aos deuses tem sempre vantagem sobre os homens prepotentes e maus, os quais não podem fugir à vingança divina”. Trata‑se de uma motivação externa. Além disso, os gregos impressionam‑se pelos atos de seus heróis (Ulisses, Aquiles, Heitor, Helena, Penélope e outros/outras). Esses atos são estimula‑ dores de um comportamento para um ordenamento moral e social. Homem_cultura_e_sociedade.indd 12 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-22 a t r a n s i ç ã o d o m i t o a o l o g o s 13 Outro grande e notável poeta registrado pela historiografia é Hesíodo. Em seu poema O trabalho e os dias ele ensina que a vida dedicada ao trabalho eleva o ho‑ mem. Ainda Reale (1993, p. 181‑182): [...] o ideal da vida camponesa elevando à mais alta dignidade moral o humilde sacrifício de cada dia, a cotidiana fadiga sem prêmio, o trabalho como tal; mas sobretudo porque o poema con‑ tém preceitos, máximas e sentenças. A concepção ético‑religiosa da vida delineia‑se de maneira nítida em Hesíodo. Os males dos quais os homens sofrem são a punição infligida pelos deuses por causa da arrogância dos próprios homens. O duro trabalho vincula‑ ‑se a culpas humanas, mas é a única via que resta ao homem para viver; quem não trabalha deve recorrer à injustiça, a qual reclama a expiação, a punição. Para Hesíodo, o ideal de uma vida virtuosa estava atrelada ao trabalho diário e duro. Ensina, também, a seguir uma vida com moderação. Outros filósofos também refletiram e apresentaram suas concepções de vida moral no período que antecedeu à filosofia clássica. A historiografiaregistra que Sócrates, Platão e Aristóteles foram profundamente influenciados pelos sete sábios gregos que os antecederam. Não há um consenso sobre alguns nomes desses sábios. Transcreveremos aqui os sete sábios elencados por Platão, conforme Reale (1993, p. 182) “São eles: Tales, Pítaco, Bias, Sólon, Cleóbulo, Míson, Quíton”. Os filósofos e historiadores se divergem entre um e outro nome. Apenas isso. Por outro lado, os sofistas também fizeram história porque se dedicaram às ques‑ tões éticas e políticas, mas de uma forma diferente (aliás, bem diferente) de Sócrates. Mas é preciso deixar registrado o importante momento político de Atenas naquele período fazendo com que a Filosofia deixe de ter uma preocupação norteada pelos fenômenos naturais e passe a se constituir culturalmente naquele contexto. Vejamos: Esse surgimento corresponde ao começo da estabilização da socie‑ dade grega, com o desenvolvimento da atividade comercial, com a consolidação das várias cidades‑estados e com a organização da sociedade ateniense, que finalmente assumirá a hegemonia através da liderança da liga de Delos. Há um progressivo enriquecimento proveniente do comércio e da expansão marítima, dando origem a uma classe mercantil politicamente muito influente (477 a.C.) (MARCONDES, 2000, p. 40). Isto significa que a sociedade grega estava passando por profundas modificações em todos os segmentos. A política estava passando por uma reforma de governo e o comércio modificando os costumes locais com a influência de outros povos nos locais de intenso comércio e, ainda, uma classe emergente que exigia participação política. Foi nesse período que Sólon inicia uma reforma de governo instituindo a democracia no lugar da aristocracia. Homem_cultura_e_sociedade.indd 13 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-23 14 H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e Mas por que Sólon, que era um aristocrata (sem dinheiro porque sua família perdeu todos os bens, mesmo assim a sua condição de aristocrata foi mantida), resolveu mudar o modelo de go‑ verno para a democracia? Em primeiro lugar por‑ que a aristocracia estava em decadência, e depois porque na democracia todas as vozes podem ser ouvidas e todos os interesses podem ser contem‑ plados. Veja bem: podem! Não significa que são, porque na verdade nem todos são contemplados com a distribuição de riquezas, entretanto ela oferece espaço público para que todos possam se manifestar. Essa é uma das boas características da democracia. É nessa nova fase da Grécia que surgem em Atenas os sofistas e Sócrates, porque agora todas as deliberações são tomadas em as‑ sembleia em praça pública, na Ágora, por todos os cidadãos. Ah! Agora temos a figura do cidadão que se manifesta em praça pública. Mas a condi‑ ção de cidadão exige que ele seja homem, maior de 21 anos, nascido em Atenas e proprietário de terras. Ficaram excluídos desse modelo de cida‑ dania, as mulheres, crianças e estrangeiros. Os sofistas chegaram de toda parte da Grécia com uma bagagem de conhecimentos considerá‑ vel. Mas alguns historiadores registraram que eles chegaram a Atenas para ensinar tão somente a arte do discurso, já que agora era na Ágora que acontecia o debate político. Entretanto, sabe‑se que eles ensinavam também outros conhecimen‑ tos. Mas esse discurso tinha uma característica porque se tratava da retórica, ou seja, um discurso vazio, enganador, porque era desprovido de ver‑ dade. Além disso, eles cobravam para ensinar e isso causava uma grande irritação nos filósofos (Sócrates, Platão e Aristóteles), que não con‑ cebiam a ideia de ensinar por dinheiro. Mas é importante saber que Sócrates era um soldado e recebia o soldo (pagamento) mesmo se não hou‑ vesse guerra. Platão e Aristóteles eram aristocratas e tinham uma vida boa. Diferente dos sofistas, que não tinha absolutamente nada e cobravam de quem os procurava. Para saber mais Sólon foi governador de Atenas e realizou profundas mudanças. Dentre elas, a instauração da de- mocracia. Mas essa democracia era escravista e mantinha o Estado dividido por classes sociais. Para saber mais Democracia: do grego demo = povo e kratos = poder. Portanto: poder do povo. Para saber mais A palavra sofista significa: sábio, especialista no saber, possuidor do saber. No entanto, o termo ganhou um sentido negativo com Platão e Aristóteles, que assim os definiam: aquele que, fazendo uso de racio- cínios enganosos, enfraquecem a verdade. Homem_cultura_e_sociedade.indd 14 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-24 a t r a n s i ç ã o d o m i t o a o l o g o s 15 Quem os procurava eram os jovens da aristocracia que estavam encantados e ansio‑ sos para demonstrar a retórica em praça pública, mais especificamente, na Ágora. É nesse momento que a Filosofia toma um corpo diferente da Filosofia dos pré‑ ‑socráticos. Agora a palavra se tornou mais importante. Mas não uma palavra qual‑ quer, mas racional. A linguagem utilizada nos discursos precisa ter uma significação e justificativas com fundamentação racional. Assim explica Marcondes (2000, p. 41): O surgimento da filosofia corresponde, portanto, à busca de bases para essa discussão legítima, tais como: o que é a verdade? Quais os princípios da razão? Com base em que critérios se pode justi‑ ficar aquilo que se diz? É neste sentido que podemos entender o contexto histórico e político de surgimento do discurso filosófico, da filosofia, que encontra seu apogeu nos séculos V‑IV a.C.. O período marcado pela sofística, além de mudar o eixo das discussões engendra‑ das pelos pré‑socráticos ou filosofia naturalista, também adotou um novo método que ficou indentificado como o método empírico‑indutivo. Conforme Reale (1993, p. 194): [...] a sofística tem seu ponto de partida na experiência e tenta ganhar o maior número possível de conhecimentos em todos os campos da vida, dos quais, depois, extrai algumas conclusões, em parte de natureza teórica, como por exemplo sobre a possibi‑ lidade do saber, sobre as origens, o progresso e o fim da cultura humana, sobre a origem e a constituição da língua, sobre a origem e a essência da religião, sobre a diferença entre livres e escravos, helenos e bárbaros; em parte, ao invés, de natureza prática, sobre a configuração da vida do indivíduo e da sociedade. Ela procede, portanto, segundo o modo empírico‑indutivo. Os ensinamentos dos sofistas tinham um fim prático que se distanciava do ideal de busca teórica. Isso, no entanto, dava uma conotação de empobrecimento da busca pelo conhecimento verdadeiro, que, afinal, estava distante da vida ordinária dos homens comuns. Os sofistas profissionalizaram o conhecimento, o saber e, além do método empírico‑indutivo, ainda cobravam por esse saber. Platão e seus discípulos consideravam como sinal de baixeza moral o ato de cobrar para educar, para ensinar. Os sofistas sofreram preconceitos porque iam de cidade em cidade vendendo conhecimentos e “portanto, infringirem a fidelidade à sua cidade, rompendo o laço que o grego considerava intocável” (REALE, 1993, p. 196‑197). O grego alimentava, naturalmente, um sentimento de cidadania muito profundo. Esse período foi marcado, entre outros fatores, pela liberdade de espírito, de pensamento. Eles inverteram a lógica marcada pelo modelo da tradição dos pré‑ ‑socráticos e inauguraram a lógica da racionalidade em busca da compreensão da dinâmica do cotidiano. Os sofistas marcaram presença, mas foi Sócrates quem deixou um legado. Ou seja, deixou um modelo de Filosofia, um projeto, um método e muitos problemas que ainda estão presentes no campofilosófico. Seu projeto? Encontrar o verdadeiro conhecimento. Seu método? A Maiêutica. Seus problemas? Todos os que envolvem Homem_cultura_e_sociedade.indd 15 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-25 16 H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e o agir do homem: O que é o bem? O que é a justiça? O que é a verdade? O que é o amor? E tantos outros. Tanto Sócrates quanto os sofistas viviam rodeados por jovens que os admiravam. Esses jovens, da classe aristocrática, queriam aprender a arte da argumentação, do discurso. Eles queriam aprender a retórica que os sofistas ensinavam de forma bri‑ lhante. Por que eles queriam aprender a retórica? Para falar na Ágora, que com a Democracia se tornou um espaço público onde os atenienses iam apresentar e de‑ fender suas ideias para governar a Pólis. Mas é muito importante que todos saibam que esses sofistas não tinham compromisso com a verdade e tudo o que eles ensinavam não passava da superfície. Ou seja, eles tinham um projeto pe‑ dagógico sim, mas apenas para dar um “lustro” no aluno. Como isso é possível? Ora, eles ensinavam uma cultura geral ao aluno, mas essa formação não tinha um compromisso de uma formação completa do sujeito. Por fim, podemos dizer que se tratava de uma formação superficial. No entanto, com Sócrates era muito diferente! Ele tinha um projeto pedagógico mais consistente e com a finalidade de fazer com que o sujeito alcançasse o verdadeiro conhecimento com a fi‑ nalidade de formação integral do sujeito. Sócrates e seu discípulo Platão entenderam que a crise instalada em Atenas era resultado de um modelo educacional fracassado. Chamamos a sua atenção para esse ponto muito importante. Hoje falamos em fracasso escolar. Falamos de uma sociedade sem prin‑ cípios, sem escrúpulos e creditamos esses vícios ao modelo educacional deficiente. No entanto, vimos que o modelo de sociedade vinculado ao modelo educacional esteve presente como problema filosófico desde sua fase inicial. Pois bem, Platão e seu mestre Sócrates partiram do seguinte princípio: “[...] como as crianças e os jovens não receberam formação adequada e pertinente ao desenvolvimento de virtudes que levavam ao bem comum, a crise assolou a cidade” (NOGUEIRA JUNIOR, 2009, p. 27). A educação deveria contemplar um projeto de cidadania que promovesse a ideia de participação coletiva, e não um projeto centrado no indivíduo (que, aliás, foi um conceito inaugurado na Modernidade, como veremos depois). Para que a Pólis superasse a crise pela qual estava passando, seria preciso uma educação que contemplasse o cultivo daquilo que há de melhor no ser humano. Para que haja uma cidade onde se efetivasse a justiça para todos, seria necessária uma educação desde a infância para a formação do homem com todas as virtudes do bem comum. Essa é a ideia ou o conceito de PAIDEIA. A Paideia é o termo utilizado pelos gregos para indicar educação. E educação é a formação completa do homem desde a sua infância. Como nos ensina Nogueira Junior, “Paideia é o termo grego para educação, que indica formação do caráter, ação Para saber mais RETÓRICA (do grego; arte da ora- tória): Arte de utilizar a linguagem em um discurso persuasivo, por meio do qual visa-se convencer a audiência da verdade de algo. A linguagem utilizada não se baseia na lógica, mas na habilidade em empregá-la (JAPIASSU; MARCON- DES, 1996). Homem_cultura_e_sociedade.indd 16 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-26 a t r a n s i ç ã o d o m i t o a o l o g o s 17 de conduzir as crianças na trilha da virtude, ou simplesmente, cultura” (NOGUEIRA JUNIOR, 2009, p. 28). O ideal educativo grego aparece como Pai- deia, formação geral que tem por tarefa construir o homem como homem e como cidadão. Platão define Paideia da seguinte forma “[...] a essência de toda a verdadeira educação ou Paideia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tor‑ nar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento” (NOGUEIRA JUNIOR, 2009, p. 27). Portanto, para Sócrates e Platão, o conheci‑ mento tinha um alcance educacional, um projeto pedagógico. Ensinar o verdadeiro conhecimento (não aquele conhecimento ilusório dos sofistas) era imprescindível para a formação do homem vir‑ tuoso para que a cidade fosse justa. E o verdadeiro conhecimento para Sócrates está no conceito. Para ele, conhecer é conceituar! Os conceitos são imutáveis e universais. Para o leitor entender melhor daremos alguns exemplos. Para Sócrates precisamos encontrar o conceito de justiça, de bem, de bon‑ dade, de amor, de coragem — só para apresentar alguns — porque, uma vez encon‑ trado o conceito de cada um, encontraríamos a verdade que os constitui. A verdade não pode ser flexível e mudar sempre que for conveniente para alguém — que era o que os sofistas ensinavam. Para ele o conceito de uma ideia jamais poderia mudar. Pensando e falando sobre essa forma de alcançar o conhecimento, Sócrates formulou um método que se norteava pelo diálogo: A Maiêutica. Dessa forma, os jovens que se dispunham a aprender e que estavam dispostos a alcançar o verdadeiro conhecimento começavam a interpretar a realidade, ou seja, o cotidiano e tudo que o envolve (questões éticas, morais, políticas — principalmente políticas!) de forma reflexiva e crítica. Os seguidores de Sócrates não eram superficiais como os seguidores da maioria dos sofistas. Esse comportamento incomodou a classe governante porque esses jovens passaram a contestar o modelo de governo instaurado em Atenas, a democracia e, por isso, ele foi preso e condenado à morte por um veneno conhecido como cicuta. Explicamos tudo isso para mostrar ao leitor que as mudanças sociais, políticas e econômicas ocorridas na Grécia Antiga projetaram uma nova forma de filosofar e, com ela, nasceu também um projeto de educação. Porque nesse momento em que a filosofia se ocupa por questões éticas e políticas também está se ocupando da for‑ mação de um novo sujeito que atua na pólis: o cidadão. Mesmo os sofistas, ensinando de forma considerada pelos filósofos antigos como superficial, promoveram uma forma de educação e um debate. É do debate que sus‑ citam os movimentos sociais, econômicos, políticos e educacionais que é o nosso interesse aqui. Quanto a Sócrates, foi um mestre assumido e por excelência! Acesse a Biblioteca digital: NO- GUEIRA JUNIOR, Renato. Apren- dendo a ensinar: uma introdu- ção aos fundamentos filosóficos da educação. Curitiba: IBPEX, 2009. E também acesse o site: <www.educ.fc.ul.pt/docentes/ opombo/hfe/momentos/escola/ paideia/conceitodepaideia.htm>. Saiba mais Homem_cultura_e_sociedade.indd 17 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-27 18 H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e Seção 3 Do pensamento clássico aos medievais Quando falamos de pensamento filosófico clássico estamos nos referindo a: Sócrates, Platão e Aristóteles (e todas as escolas que eles influenciaram). Eles formam a tríade que fundamenta o pensamento clássico do ocidente. Assim, podemos dizer que, depois de Sócrates, um importante cidadão aparece no cenário político e educacional de Atenas: Platão (427‑348 a.C.). Foi esse filósofo grego que deixou registrado em toda a sua produção literária a preocupação com uma formação educacional, ou seja, um projeto pedagógico. Em sua importante e grande obra A República encontramos nos livros II, III, IV e VII o registro de sua preocupação com o conhecimento, a política e, principalmente, a educação. É importantedestacar que as três dimensões — conhecimento, política e educação — não se desvinculam da formação humana do sujeito. Para ele a busca do conhecimento tem o sentido do aperfeiçoamento humano porque o conhecimento verdadeiro leva o sujeito ao alcance do bem e quando isso acontece o homem está pleno em sua integralidade e em sua perfeição para bem conduzir a cidade. A República, sua obra mais conhecida, apresenta a Teoria das Ideias, onde ele demonstra o seu conceito de conhecimento verdadeiro e para isso ele se utiliza de uma forma bem didática de um diálogo entre Sócrates e outros discípulos. Platão escolheu a forma dialógica para apresentar suas ideias — o livro todo é assim, como seu mestre Sócrates fazia — para que o processo de conhecimento se efetivasse. No Mito da Caverna ele explica o que é o conhecimento, onde ele está e como se chega a ele. Para Platão o conhecimento está no conceito (aprendeu com Sócrates) imutável e universal, está no mundo inteligível e chega‑se a ele com um método de ascensão dialético. Leia com atenção a citação abaixo, ela explica muito bem o pensamento platônico. A caverna, enquanto signo pedagógico, é a representação da realidade sensível, das sombras dos reflexos, enquanto o mundo exterior representa o mundo inteligível, a realidade verdadeira. A caverna é iluminada pelo fogo, o mundo externo, pelo sol. A pas‑ sagem das sombras para o sol representa o bem e corresponde às etapas da educação do filósofo. Na passagem da ignorância para a sabedoria são relevantes os estudos de matemática, de astronomia, de harmonia e de dialética (522‑535 a.C.) (PAVIANI, 2008, p. 9). Vamos entender um pouco mais. Platão divide o mundo em duas partes — ele foi um dualista — ou em dois mundos: o mundo sensível, das sensações ou dos sentidos (onde estamos), e o mundo inteligível, mundo das ideias. Aqui, onde estamos no mundo sensível (das sensações), só existe a aparência, as sombras ou como ele dizia as cópias. No mundo das ideias estão os verdadeiros conceitos, a forma verdadeira, a ideia real. Com esse mito ele queria dizer que é preciso muito esforço e disposição para romper com as amarras que estão representadas pelo preconceito, a preguiça e a covardia que nos prendem às sombras e buscar o verdadeiro conhecimento. Uma Homem_cultura_e_sociedade.indd 18 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-28 a t r a n s i ç ã o d o m i t o a o l o g o s 19 vez que alcançamos esse conhecimento é preciso dividi‑lo com os outros para que todos possam se libertar das amarras do mundo das aparências ou da ignorância. Para entender melhor: a pessoa que se apropria do conhecimento verdadeiro precisa voltar e socializar esse conhecimento com os outros. Podemos dizer que nesse caso o filosofar ou o exercício filosófico é um ato pedagógico. O método dialético do mito da caverna se constitui de uma ascensão (uma su‑ bida) que vai do conhecimento mitológico e passa para a doxa (opinião); depois de algum tempo abandona a opinião e passa a se utilizar da razão e, só depois, por último alcança‑se o inteligível, o conceito (que é o verdadeiro conhecimento). Para o nosso filósofo a opinião não é um conhecimento verdadeiro por ser relativo. Ele estava dizendo que a opinião depende do momento, do espaço e da pessoa. Se cada um tem uma forma diferente de interpretar o real, essa interpretação não pode ser verdadeira porque a verdade está no conceito que se constitui pela essência que não muda e é universal. Platão acreditava em uma verdade eterna. Esse conhecimento verdadeiro, para Platão, reside apenas na essência do conceito. Por isso, ele é considerado um IDEALISTA (porque o verdadeiro conhecimento está no mundo das ideias) e ESSENCIALISTA (a verdade está na essência do conceito que é imutável). Sua pedagogia é, assim, essencialista. Para entender melhor a ideia de conceito, vamos recorrer à Chaui (2002, p. 213): 1) Um conceito ou uma ideia não é uma imagem, mas a descrição e uma explicação da essência própria de um ser (que pode ser qualquer coisa: uma pessoa, uma árvore, a água etc.); 2) Um conceito ou uma ideia não são substituídos para as coisas, mas a compreensão intelectual delas (porque estão na ideia); 3) Um conceito ou uma ideia não são formas de participação ou relação de nosso espírito em outra realidade, mas o resultado de uma análise dos dados da realidade ou do próprio pensamento; 4) Um juízo e um raciocínio não permanecem no nível da expe‑ riência, mas, partindo dela (da experiência) sistematizam (organi‑ zam) em relações racionais que a tornam compreensível ao ponto de vista lógico; 5) Um Juízo ou raciocínio buscam causas universais e necessárias para explicar a realidade tal como ela é. Esse modelo de pensamento filosófico nos deixou marcas profundas, por incrível que pareça. Essas marcas estão em nossos preconceitos quando acreditamos que as pessoas já nascem com qualidades ou defeitos e que a educação não é capaz de transformar o que já está internalizado, pelo nascimento, na pessoa. Quando dize‑ mos “filho de peixe, peixinho é!” ou “pau que nasce torto, morre torto!” estamos reproduzindo uma filosofia essencialista. Ou seja, a condição do sujeito é inata. Por outro lado, quando dizemos que: “aqui, neste mundo, só teremos sofrimentos e no céu haverá uma tranquilidade eterna!”, isso também é Platão. Esse modo de pensar foi absorvido pela filosofia cristã. Na Idade Média, quem interpretou Platão foi o bispo Santo Agostinho que, com Aquino, representaram a filosofia essencialista na Igreja. Homem_cultura_e_sociedade.indd 19 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-29 20 H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e Essa ideia de Filosofia como processo educacional e, portanto, projeto pedagó‑ gico se mantém até o final da Idade Média em sua vertente religiosa. Com isso queremos explicar que durante a Idade Média a educação formal ficava por conta da Igreja, em geral nos mosteiros. A ideia de conhecimento se norteava principalmente pela metafísica aristoté‑ lica, que estava, naquele período, interpretada por São Tomaz de Aquino. Esse modelo de co‑ nhecimento nos chegou com os jesuítas pelo Ratio Studiorum (o projeto pedagógico dos jesuí‑ tas) e foi o primeiro modelo de ensino que se instituiu no Brasil. Saviani, em seu livro História das ideias pedagógicas no Brasil descreve esse modelo como uma “[...] verdadeira pedagogia brasílica, isto é, uma pedagogia formulada e praticada sob medida para as condições encon‑ tradas pelos jesuítas nas ocidentais terras desco‑ bertas pelos portugueses” (SAVIANI, 2010, p. 47). 47). Continuando com Aristóteles: o interessante disso é que o próprio filósofo grego, que foi discí‑ pulo de Platão, pensou em um projeto pedagógico no sentido de formar um governante virtuoso na garantia de uma cidade feliz. Sua filosofia con‑ templava a ética, a política, a lógica, a poética e a metafísica e a ideia de educação. Para compreender um pouco mais sobre a metafísica vamos recorrer à Professora Marilena Chaui, que em seu livro Convite à filosofia (que pode ser baixado gratuitamente na Internet) explica as questões que são formuladas pela metafísica: O que é uma coisa? O que é um objeto? O que é o corpo humano? O que é uma consciência? [...] um filósofo grego não falaria em “nada”, mas em “não ser”. Não falaria em “objeto”, mas em “ente”, pois a palavra objeto só foi usada a partir da Idade média e, no sentido em que a empregamos hoje, só foi usada a partir do século XVII. Também não falaria em “consciência”, mas em pysche, isto é, alma. Jamais falaria em “subjetividade”, pois essa palavra, com osentido que lhe damos hoje, só foi usada a partir do século XVIII (CHAUI, 2002, p. 206, grifo do autor). Para saber mais Sobre o modelo de ensino institu- cionalizado aqui no Brasil, é muito importante explicar que a Ratio Studiorum foi o projeto pedagó- gico trazido pelos padres jesuítas para ensinar os filhos dos colonos portugueses. Os indígenas foram catequizados, ou seja, foram cris- tianizados e aculturados. Para isso não foi utilizado a Ratio Studiorum. Dica de Filmes: Sobre o ensino na Idade Média, assistam: Em nome do Pai. Sobre os primeiros Jesuítas no Bra- sil: A missão. Saiba mais Para saber mais Metafísica: A metafísica define-se como a filosofia primeira, o ponto de partida do sistema filosófico, na medida em que examina os princípios e as causas primeiras. (JAPIASSU; MARCONDES, 1996) Homem_cultura_e_sociedade.indd 20 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-30 a t r a n s i ç ã o d o m i t o a o l o g o s 21 Isso pode até parecer muito estranho para nós, mas já percebemos que a linguagem se modifica constantemente. Isto para falar do nosso vocabulário em nossos dias. Ima‑ gine você que a filosofia tem, pelo menos, 25 séculos de vida e a linguagem humana, muito mais do que isso. Por isso quando ouvimos um professor de Filosofia dizer que a pretensão de determinado filósofo é “conhecer a coisa em si” achamos que está divagando ou está muito longe da nossa realidade. Mas é preciso lembrar que “a coisa ou ente” é o nosso “objeto”. Mas por que não falar logo de uma vez a palavra objeto? Porque nós estaríamos ferindo o vocabulário do Filósofo. A Metafísica investiga a realidade em si de forma racional e não se baseia em da‑ dos conhecidos pela experiência sensível, mas nos conceitos formulados pelo pensamento. Portanto, é um conhecimento puramente abstrato. É um conhecimento sistemático (organizado) porque os conceitos se relacionam de forma dependente. No entanto, depois que Aristóteles se desligou de Platão, fundou uma escola para a pesquisa em‑ pírica e o ensino. As duas mantinham a interface porque para ele não existia conhecimento sem passar pela experiência. Vamos compreender um pouco mais dessa palavra tão diferente em nosso vocabulário: META‑ FÍSICA. A palavra meta significa depois ou acima e é por isso que dizemos nos dias atuais muito em “alcançar metas”. Isto quer dizer que tem alguma coisa acima que precisamos ou devemos alcançar, ou, algum lugar onde devemos chegar. Mas, verdade seja dita, a palavra metafísica não foi utilizada por Aristóteles e sim por um organizador, ou uma espécie de “bibliotecário” das suas obras: An‑ drônico de Rodes, por volta de 50 a.C. Pois bem, esse homem, Andrônico, recolheu e classificou todas as obras (de Aristóteles) que ficaram dispersas ou perdidas. Com a palavra grega ta meta ta physika, o organizador indicava um conjunto de escritos que, em sua classificação, localizavam‑se após os tratados sobre a física ou natureza. Já vimos o que significa a palavra meta (depois). A palavra ta aqueles; ta physika, aqueles da física. Então ficou assim: aqueles (escritos) que estão (catalogados) após os (escritos) da física. Portanto, METAFÍSICA. Aristóteles se referia a esses escritos como a FILOSOFIA PRIMEIRA, porque o seu tema era a o estudo do “ser enquanto ser”. Assim, o que Aristóteles designou como Filosofia Primeira, passou a ser conhecida como Metafísica. Vamos entender um pouco mais sobre a metafísica. Em seu primeiro momento os filósofos metafísicos, mais especificamente Aristóteles, investigavam somente aquilo que é, aquilo que existe. Olhando em torno de si mesmo, o filósofo se perguntava: o que é isso tudo que vejo, que posso tocar, ouvir e sentir (veja bem: ele utiliza todos os órgãos dos sentidos: visão, olfato, tato, audição e paladar). Mas aqui tem uma Aristóteles foi mestre de Alexan- dre, o Grande. Assista ao filme com o mesmo nome. Nele há uma cena com o filósofo ensinando alguns meninos da aristocracia. Aliás, Aristóteles ficou decepcionadíssimo com o comportamento violento com que Alexandre conduzia seu governo. Saiba mais Homem_cultura_e_sociedade.indd 21 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January 10, 2014 - PG-31 22 H o m e m , c u l t u r a e s o c i e d a d e diferença porque para compreender tudo o que existe é preciso ter o exercício ra‑ cional e apriorístico, ou seja, para conhecer o mundo existente de fato como ele é, é necessário abandonar a ideia de que o conhecimento é aquele que se nos apresenta pela experiência sensível ou sensorial (a partir dos órgãos dos sentidos). O conhecimento metafísico é, principal‑ mente, sistemático. Isto é, existe um sistema de organização, é organizado, tem uma lógica de encadeamento: um conceito depende de outros e se relaciona com outros. Percebeu? Não se trata de um conhecimento sem fundamentação, sem critério e sem rigor metodológico. A primeira metafísica faz uma distinção en‑ tre o que é e o que parece ser. Entre verdade e mentira. Ou, melhor ainda: entre realidade e aparências, entre o que é real e o que é falso. Esse primeiro momento foi longo e permane‑ ceu de Aristóteles, na antiguidade clássica, aos medievais. Somente com o filósofo David Hume (1711‑1776), no século XVIII, é que aconteceu uma grande mudança conceitual. Como demorou! Mas Hume demonstrou que os conceitos construídos pela metafísica não correspondem, exatamente, à realidade externa. O que a meta‑ física fornece são apenas nomes gerais para as coisas ou ainda como explica Chaui (2002, p. 207): “[...] nomes que nos vêm à mente pelo hábito mental ou psíquico de associar em ideias as sensações, as percepções e as impressões dos sentidos, quando são constantes, frequentes e regulares”. Logo, podemos entender que o filósofo Hume colocou um ponto final no primeiro período metafísico. Mas quem deu o “pontapé” inicial para o segundo período desse modelo de conhecimento foi Immanuel Kant, que demonstra a impossibilidade da utili‑ zação dos conceitos construídos pela metafísica para se conhecer a realidade como esta se apresenta. Por isso, ele propôs um conhecimento a partir da nossa própria capacidade racional. Ou ainda, a partir de uma razão crítica. Para Kant, a metafísica agora toma um caminho diferente daquele iniciado com Aristóteles e mantido pelos medievais. O sentido do conceito é aquilo que existe para nós e organizado por nossa razão. No século XVII (antes ainda de Hume, que era um inglês), outro filósofo (dessa vez um alemão), Jacobus Thomasius, decidiu que a palavra correta para designar os estudos da Filosofia Primeira ou Metafísica seria: ONTOLOGIA. Outra palavrinha para complicar a nossa vida de estudantes. Essa palavra, ontologia, é composta por duas palavras gregas: onto e logia. Onto vem de dois substantivos: ta onta (os bens e as coisas possuídas por alguém) e ta onta (as coisas realmente existentes). Essas duas palavras derivam do verbo ser. O ser é aquilo que realmente é e não aquilo que aparenta ser. Assim, podemos entender que Metafísica e Ontologia têm o mesmo significado, afinal estão dizendo que: para compreender o real é preciso buscar o princípio (racional) de cada ”coisa” para conhecê‑la (lembre‑se de que nesse período não havia a palavra objeto) de forma verdadeira e não de forma fantasiosa. Para saber mais APRIORISMO: O que vem em pri- meiro lugar. CONHECIMENTO SENSÍVEL: Aquilo que apreendemos com os cinco sentidos — tato, olfato, paladar, visão e audição. Homem_cultura_e_sociedade.indd 22 20/02/13 18:53 88822-978-85-8143-641-8.pdf, page 97 @ Preflight Server ( Homem_cultura_e_sociedade.indd ) - 06:43:51 - January
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