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REVISTA 
 
 CRÍTICA DO 
 DIREITO 
 
 
 v. 67
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
 
 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA 
 
Revista Crítica do Direito nº 5, vol. 67 
São Paulo, 2015 
Quadrimestral 
ISSN 2236-5141 
QUALIS B1 
Vários editores 
1. Teoria do Direito - produção científica 
CDD 341.1 
 
Índice para catálogo sistemático 
1. Teoria do direito 341 
 
Fotos da capa: Lucas Trindade. 
 
 
 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
Expediente e Conselho Editorial 
1. Gerência Editorial 
Vinícius Magalhães Pinheiro 
2. Conselho Editorial 
Alexandre Marinho Pimenta 
Alysson Leandro Barbate Mascaro 
Celso Naoto Kashiura Jr. 
Clarissa Machado de Azevedo Vaz 
Daniel Francisco Nagao Menezes 
Edemilson Paraná 
Elcemir Paço Cunha 
Gabriel Tupinambá 
Gilberto Bercovici 
Irene Patrícia Nohara 
Joelton Nascimento 
José Luiz Quadros de Magalhães 
Júlio da Silveira Moreira 
Luiz Eduardo Motta 
Márcio Bilharinho Naves 
Willians Menezes da Silva 
Vinicius Magalhães Pinheiro 
3. Traduções 
Carolina Viana de Barros 
4. Contato Geral 
revistacriticadodireito@gmail.com 
 
 
 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
SUMÁRIO 
EDITORIAL ..................................................................................................................................................................... 10 
KISS: UM ENSAIO SOBRE A TRAGÉDIA DOS VIESES (Hermenêutica Cognitiva) ............................................................. 10 
(PÓS)POSITIVISMO JURÍDICO E A TEORIA DO DIREITO COMO INTEGRIDADE DE RONALD DWORKIN .......................... 24 
MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E EXPANSÃO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL ............................................................ 38 
DIREITOS HUMANOS E CINEMA: uma proposta pedagógica a partir do filme A Outra História Americana ................. 51 
BREVES REFLEXÕES: A RESISTÊNCIA OFERECIDA PELO GARANTISMO AOS AVANÇOS DO NEOCONSTITUCIONALISMO
 ...................................................................................................................................................................................... 67 
120 DIAS DE DIREITO: SOCIOCRÍTICA JURÍDICA A PARTIR DA FILOSOFIA LIBERTINA DE MARQUÊS DE SADE ............... 79 
O DIREITO À COMUNICAÇÃO À LUZ DA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO DE PAULO FREIRE ............................................... 88 
DIREITO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO, CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA E ABOLICIONISMO PENAL ............................ 98 
A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E OS POSITIVISMOS JURÍDICOS: A APLICAÇÃO DA LEI COMO “UMA OUTRA 
LEGALIDADE” .............................................................................................................................................................. 113 
DO HISTÓRICO ESTATAL BRASILEIRO À REFORMA DO ESTADO: A DICOTOMIA PÚBLICO/PRIVADO EM QUESTÃO .... 130 
A JURISDIÇÃO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................ 146 
ANOTAÇÕES SOBRE TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA E CRISE NA AMÉRICA LATINA: A EXPERIÊNCIA DO BRASIL 
CONTEMPORÂNEO ..................................................................................................................................................... 156 
MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO: DIREITO FUNDAMENTAL E HUMANO JUDICIÁVEL ................... 172 
A COMPREENSÃO DO FENÔMENO JURÍDICO NA OBRA INTRODUÇÃO À CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA DE KARL 
MARX .......................................................................................................................................................................... 194 
OS MOVIMENTOS GREVISTAS NA DITADURA MILITAR: UM ESTUDO SOBRE AS GREVES NO ABC PAULISTA ............. 209 
HOMOSSEXUALIDADE E DIREITO BRASILEIRO ............................................................................................................ 220 
ASSESSORIAS JURÍDICAS POPULARES UNIVERSITÁRIAS E O TRABALHO VIVO ............................................................ 230 
O QUINTAL DE COMBATE DO DIREITO ESTATAL: UMA ANÁLISE A PARTIR DO MOVIMENTO DAS FÁBRICAS OCUPADAS
 .................................................................................................................................................................................... 244 
POSSIBILIDADE DE LIBERTAÇÃO PELOS CAMINHOS DA AUTOGESTÃO? UMA REFLEXÃO SOBRE O COOPERATIVISMO A 
PARTIR DA FILOSOFIA DESCOLONIAL .......................................................................................................................... 258 
O PLURALISMO JURÍDICO E AS RELAÇÕES DE PODER: CONSTRUÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA DO DIREITO............... 278 
A TEORIA CRÍTICA DO VALOR E O DIREITO – UMA BREVE REFLEXÃO ......................................................................... 294 
MARX, DURKHEIM E A MUDANÇA SOCIAL NA SOCIEDADE PÓS-REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: ENTRE A REALIDADE 
INEXORAVEL DA DISPUTA PELA RIQUEZA SOCIAL E A UTOPIA DA SOLIDARIEDADE ................................................... 309 
O “ESTADO SOCIAL”, SEUS AFAZERES DOMÉSTICOS E OS INSTRUMENTOS JUDICIAIS DE CONTROLE ............................ 0 
A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA APLICADA AOS GRUPOS ECONÔMICOS DE FATO À 
LUZ DO DIREITO TRIBUTÁRIO NACIONAL. ....................................................................................................................... 0 
A MODERNIDADE COMO FATOR GERADOR DA EXCLUSÃO: UM DIÁLOGO COM ENRIQUE DUSSEL ............................... 1 
VALIDADE DAS LICENÇAS AMBIENTAIS: NECESSÁRIO APRIMORAMENTO EM FACE DA DINÂMICA DA ECONOMIA ...... 0 
A LEI GERAL DA COPA E A NEGAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – INTERESSES ECONÔMICOS COMO 
FUNDAMENTOS DA CRIMINALIZAÇÃO ........................................................................................................................... 0 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
O ABSTRATO E O CONCRETO NA TEORIA DO DIREITO: A QUESTÃO DO MÉTODO EM KELSEN E PACHUKANIS .............. 0 
O PRELÚDIO PARA A CRIMINALIZAÇÃO DAS CULTURAS PERIFÉRICAS .......................................................................... 14 
AS INSUFICIÊNCIAS DEMOCRÁTICAS E A RESPONSABILIDADE POLÍTICA COMO CONDIÇÃO PARA O EXERCÍCIO DO 
PODER ........................................................................................................................................................................... 32 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
EDITORIAL 
 
O Brasil continua a viver um conturbado período. O acirramento das crises econômica e política, além de uma maior 
polarização ideológica na população, transformam os dias em anos e qualquer previsão do amanhã, frágil. As novas 
formas de Estado, nesse contexto, ainda se apresentam sem contornos definidos. Todavia, é visível e preocupante 
um alargamento do regime de exceção jurídica, em nível ainda experimental, mas já visando a construção de novos 
consensos, tanto nas reformas e propostas legislativas, como no caso da tipificação ampla de terrorismo, quanto nas 
práticas das instâncias jurídico-repressivas e seus corriqueiros e já conhecidos absurdos. 
Se no discurso midiático alcançamos enfim o status da independência do jurídico em relação ao poder econômico e 
político, como no caso das prisões da operação lava-jato, devemos observar com bastante cautela as consequências 
dessa disputa interna das classes dominantes do país e seus posteriores reflexos na repressão política contra as 
classes populares e seus movimentos - que tendem a se ampliar e radicalizar diante da imensa crise econômica, 
política e social, fora a virulência das disputas de projetos alternativos. 
No exato momento em que escrevemos, milhares de estudantes paulistas organizam um movimento de ocupação de 
escolas contra o projeto do governo do estado de São Paulo. Esse eventoinesperado e de força e vitalidade 
impressionante apenas mostram que apesar de toda a arbitrariedade e violência cinicamente assumida pelos 
governantes ainda se é possível furar o bloqueio no sufocante cenário político e seu jogo de cartas marcadas. 
Nesse contexto delicado, a REVISTA CRÍTICA DO DIREITO busca oferecer mais um vez sua colaboração com 
artigos que apontem para horizontes mais progressivos para o país. Através de uma pluralidade teórica visamos 
oferecer um espaço de diálogo e reflexão sobre fundamentos e conjunturas que dizem respeito ao direito sob uma 
perspectiva crítica e na esperança de que o novo que está a surgir em nosso país não seja apenas um retrocesso. 
 
 
Boa leitura! 
Brasil, 06 dezembro de 2015 
Gerência Editorial 
 
 
KISS: UM ENSAIO SOBRE A TRAGÉDIA DOS VIESES (Hermenêutica Cognitiva) 
 
 
Taís Hemann da Rosa1 
 
 
1
 Taís Hemann da Rosa / Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica 
do Rio Grande do Sul – PUC/RS / Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – 
CNPq / Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa de Direitos Fundamentais (GEDF) / Contato: 
taishemann_sb@hotmail.com. 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
 
Resumo: Com base na pesquisa desenvolvida pelo professor Juarez Freitas, que apresenta uma 
nova abordagem hermenêutica para o processo de tomada de decisões, apresentando a 
condição humana de predisposição à automatismos mentais, objetivou-se analisar quais desvios 
cognitivos estiveram presentes na tragédia da Boate Kiss, ocorrida em 27 de janeiro de 2013, na 
cidade de Santa Maria no Rio Grande do Sul. O estudo realizado por Juarez Freitas tem por base 
a obra Thinking, Fast and Slow do pesquisador Daniel Kahneman, que propõe no funcionamento 
cerebral dois sistemas ficcionais, um primitivo, responsável pelas decisões impulsivas, e outro 
reflexivo, responsável pelas decisões reflexivas. Foi utilizado como fonte para a pesquisa o 
Inquérito Policial do caso. Assim, utilizou-se dos chamados vieses cognitivos, para analisar 
algumas das decisões dos envolvidos nessa tragédia. 
 
Palavras-chave: hermenêutica cognitiva; sistema primitivo e reflexivo; automatismos mentais; 
desvios cognitivos; caso Kiss. 
 
 
Abstract: Based on the research developed by professor Juarez Freitas, which presents a new 
hermeneutic approach to the processes of decision taking, presenting the human condition of 
predisposition to mental automatisms, the objective of this study is to examine which cognitive 
deviations were present at Kiss Disco tragedy, which occurred on January, 27, 2013, in Santa 
Maria, Rio Grande do Sul. The study performed by Juarez Freitas has as basis the work Thinking, 
Fast and Slow from the researcher Daniel Kahneman, who proposes in brain functioning two 
fictional systems, a primitive, responsible for impulsive decisions, and other reflective, responsible 
for reflective decisions. The Police Inquiry of the case was used as source of data for this 
research. Thus, it was used the so-called cognitive biases, to analyze some of the decisions 
involved in this tragedy. 
 
Keywords: cognitive hermeneutics; primitive and reflexive systems; mental automatisms; 
cognitive deviations; Kiss case. 
 
 
Introdução 
 
Este paper tem por escopo analisar a influência dos desvios cognitivos no desfecho 
trágico do incêndio na Boate Kiss, ocorrido no dia 27 de janeiro de 2013, na cidade de Santa 
Maria, no Rio Grande do Sul, no qual mais de 241 pessoas perderam a vida e centenas ficaram 
feridas. É trazido à baila o trabalho pioneiro do Professor Juarez Freitas sobre os vieses 
cognitivos, desenvolvido com base na obra Thinking, Fast and Slow do pesquisador Daniel 
Kahneman, para analisar sua aplicação nas decisões dos envolvidos na tragédia. 
A esse passo, em um primeiro momento busca-se introduzir a teoria dos enviesamentos, 
esclarecendo sobre a proposta de funcionamento cerebral desenvolvida por Daniel Kahneman, 
tocante ao sistema primitivo e sistema reflexivo. Bem como elencar os principais vieses cognitivos 
a serem considerados na tomada de decisão conforme proposta de Juarez Freitas. 
Em um segundo momento, com base no Inquérito Policial sobre o caso (inquérito nº. 
94/2013/150501, da 1ª Delegacia de Polícia de Santa Maria-RS), constrói-se uma narrativa sobre 
o Caso da Boate Kiss, objetivando esclarecer os fatos ocorridos no incidente. 
Posteriormente, é realizada a análise dos enviesamentos possivelmente presentes nos 
nas deliberações dos envolvidos na tragédia. Assim, são analisados os vieses presentes nas 
deliberações dos Jovens e Vítimas, frequentadores da Boate, dos Poderes Públicos (Prefeitura e 
Corpo de Bombeiros), dos Sócios da Boate e dos Músicos da Banda Gurizada Fandangueira, que 
supostamente deu início ao incêndio. Esclarece-se, desse já, que a título metodológico, para 
preservação das identidades dos envolvidos na tragédia, serão utilizadas apenas as iniciais de 
seus nomes, de modo que possibilite a conferência posterior sobre as formulações realizadas 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
neste ensaio, sem, entretanto, expor suas identidades. Cabe ressaltar ainda, que não se pretende 
fazer qualquer juízo de valor sobre o caso, pretende-se apenas, por meio das informações 
elencadas no Inquérito Policial do caso, analisar os possíveis desvios cognitivos presentes nas 
deliberações dos envolvidos nesta tragédia. 
Por fim, destina-se um espaço para a realização de síntese conclusiva sobre a 
abordagem. Constatando que em razão da condição humana que se mostram os desvios 
cognitivos, o desafio é traçar alternativas que coloquem o sistema reflexivo em constante 
exercício, fazendo com que as deliberações iniciais sejam refletidas em busca da melhor e mais 
acertada decisão. O que, no caso Kiss, poderia ter conduzido a um desfecho menos trágico. 
 
1 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE ENVIESAMENTO 
 
O estudo desenvolvido por Daniel Khaneman sobre o comportamento financeiro e a 
ciência cognitiva, vencedor do Prêmio Nobel da Economia em 20122 (Prêmio do Banco da Suécia 
em Ciências Econômicas em memória de Alfred Nobel), aponta o funcionamento de dois sistemas 
cerebrais. Daniel Khaneman assinala a existência do que se pode denominar de sistema primitivo 
(sistema I), responsável pelo pensamento automático e imediato, e o sistema reflexivo (sistema 
II), sendo este o responsável pelo controle cerebral racional. A perspectiva é a seguinte: o 
sistema I “opera automática e rapidamente, tomando a maior parte das decisões por impulso sem 
maior senso de controle voluntário” (KHANEMAN apud FREITAS, 2013-b, p. 227), já o sistema II 
“diz respeito àquelas áreas do cérebro mais novas, responsáveis pelo esforço de calcular, pela 
concentração, pelo monitoramento e controle das sugestões formuladas pelo sistema I” 
(KHANEMAN apud FREITAS, 2013-b, p. 227). A esse passo, “o sistema II responde pela 
deliberada atenção regulatória, apesar de, com desafortunada assiduidade, revelar-se desidioso e 
confiado à lei do menor esforço (KHANEMAN apud FREITAS, 2013-b, p. 227). 
Com base na teoria de Khaneman, o pesquisador brasileiro Juarez Freitas (2013-b) traz 
para o cenário pátrio a discussão sobre os reflexos do funcionamento cerebral nas decisões 
jurídicas. Ou seja, propõe o debate sobre a influência do sistema primitivo na deliberação, bem 
como o necessário exercício consciente do sistema reflexivo no momento da tomada de decisão. 
Esclarece-se, desde já, que de acordo com Juarez Freitas (2013-b), a referência a 
existência de dois sistemas cerebrais não deve ser confundida com a existência de dois sistemas 
em sentido cartesiano (dois mecanismos distintos e separados no cérebro), mas apenas de forma 
ficcional para que se compreenda o funcionamento cerebral. Nas palavras do autor: “[...] ao 
adotar essa distinção didática [sistemasI e II], não retomo, nem de longe, o menor vestígio do 
dualismo cartesiano. Reconheço, sem hesitar, que os sistemas interagem o tempo todo, entre si e 
com o ambiente, descartando qualquer “localizacionismo” estrito” (FREITAS, 2013-b, p. 227). 
Neste contexto, desvios cognitivos ou pensamentos enviesados é como podem ser 
denominados os processos de predisposições automáticas do cérebro na compreensão do 
mundo, avaliação e sopesamento, o que Juarez Freitas (2013-b) denomina também de 
automatismos mentais. Em outras tintas, o sistema I, responsável pelos automatismos aponta 
soluções que demandam baixo gasto de energia cerebral, processos automáticos que 
demonstram fácil, e muitas vezes falsa, coerência, sem preocupar-se com possibilidades 
contrárias e/ou adversárias que deveriam ser levadas em consideração no momento da tomada 
de decisão. Esse processo de racionalização da decisão, confrontando-a com o mundo externo 
aos desvios cognitivos próprios do indivíduo é encargo do sistema II, realizado por meio de um 
processo reflexivo. Contudo, o processo reflexivo demanda maior gasto de energia cerebral, o 
que faz com que o sistema I rejeite até mesmo que este seja chamado ao exercício. 
Nesse sentido, “como acentua, de maneira precisa, Daniel Kahneman, o sistema primitivo 
confunde facilidade cognitiva com verdade, abusa das heurísticas e sucumbe ao automatismo, ao 
substituir as questões difíceis por fáceis, além de simplesmente inventar causas” (KAHNEMAN 
apud FREITAS, 2013-a, p. 282). Diante dessa sistemática cerebral Juarez Freitas (2013-b) 
 
2
 Obra vencedora do Prêmio Nobel: KHANEMAN, Daniel. Thinking, Fast and Slow. Londo: Pequin Books, 2012. 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
aponta a “[...] relevância de arrolar os principais vieses (biases) que comprometem a isenção e o 
balanceamento da interpretação jurídica, selecionados entre os mais frequentes” (FREITAS, 
2013-b, p. 234). Assim, o autor propõe a análise de pelo menos sete vieses no momento da 
tomada de decisão, quais sejam: o viés da confirmação, o viés da falsa coerência, o viés da 
aversão à perda, o viés do “status quo”, o viés do enquadramento, o viés do otimismo excessivo e 
o viés do presente (FREITAS, 2013-b). 
Resumidamente, tem-se como viés da confirmação “[...] a predisposição tendenciosa de 
optar por dados e informações que tão somente confirmem as crenças e impressões preliminares, 
sem passar pelo crivo apurado do sistema reflexivo” (FREITAS, 2013-a, p. 284). Segundo o autor, 
“[o] cérebro, ao pretender confirmar a qualquer custo, funciona rápido demais e se fecha a opções 
distintas. Nesse terreno, o melhor a fazer é rever assiduamente as inclinações e os precedentes, 
mantendo a mente o mais aberta possível” (FREITAS, 2013-b, p. 233). O viés da falsa coerência 
ou da certeza sem prova é “a predisposição de negar a (incômoda) dúvida e de suprimir 
artificialmente a ambigüidade moral (não menos incômoda), inventando narrativas coerentes, [...] 
suprimindo ambigüidades [...], com base em supostas vontades claras e peremptórias da lei ou do 
legislador original” (FREITAS, 2013-b, p. 233). O viés da aversão a perda, por sua vez, é aquele 
que faz co que o indivíduo valorize mais as perdas do que os ganhos, inviabilizando 
transformações positivas por aversão a possibilidade de perda (FREITAS, 2013-b). Se expressa 
pela propensão a valorização exagerada do que já se possui em detrimento de um possível risco. 
Já o viés do “status quo” é “a predisposição de manter as escolhas feitas, ainda que 
disfuncionais, anacrônicas e obsoletas” (FREITAS, 2013-b, p. 234). O viés do enquadramento é a 
predisposição do indivíduo de interpretar de acordo com o modo pelo qual a questão é 
enquadrada. Ou seja, o indivíduo deixa de levar em consideração se um enquadramento diverso 
sobre determinada questão conduziria a uma resposta mais plausível (FREITAS, 2013-b). O viés 
do otimismo excessivo ou da confiança extremada é aquele que “[...] guarda conexão com 
previsões exageradamente seguras (e negligentes), ligadas a erros nem sempre inocentes” 
(FREITAS, 2013-b, p. 236). Para Juarez Freitas a solução (2013-b), nesse caso, “é adotar apenas 
dose moderada de otimismo, porque o excesso de confiança distorce os julgamentos e afugenta 
os cuidados inerentes à prevenção e à precaução” (p. 236). Por fim, o viés do presente é aquele 
que tende a “[...] buscar recompensas imediatas, sem perguntar sobre os efeitos a longo prazo, 
causando prejuízos de toda ordem [...], por falhas nas escolhas intertemporais” (FREITAS, 2013-
b, p. 236). 
É a partir da existência de todos estes vieses que influenciam o individuo na tomada de 
decisão que se passará a análise sobre a possível influência de alguns destes vieses no caso 
trágico da Boate Kiss. Analisar-se-á os vieses que impossibilitaram o reconhecimento, tanto pelos 
Poderes Públicos e pelos Sócios, quanto pelos próprios Jovens (vítimas), de uma tragédia que se 
anunciava. 
 
2 O CASO DA BOATE KISS 
 
Aguardar por horas e horas em uma fila que descia uma longa lomba na Rua dos 
Andradas, cujo desconforto passava despercebido, era comum na cidade de Santa Maria (RS) – 
já com as melhores roupas, o melhor penteado, o melhor sapato, maquiagem para as meninas e 
muito perfume para ambos os sexos. Sob a luz da lua e sob o breu da noite, incontáveis jovens 
esperaram ter como triunfo a entrada na Boate Kiss, sem dúvida, muito animada e que irradiava a 
alegria juvenil. Esse intróito lúdico esconde uma tragédia que, se anunciada, os pensamentos 
enviesados não os permitiram ouvir. 
Como em outros tantos bares e casas noturnas da cidade a preocupação foi sempre a 
diversão. O entusiasmo da juventude aparecia não permitir mensurar os possíveis riscos 
escondidos por detrás de uma estrutura aparentemente segura. A preocupação não se desviava 
da diversão para os riscos, para a segurança do local, para sua manutenção. Não havia um plano 
“B”. 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
Foi, possivelmente, em um contexto como o acima narrado que a tragédia do dia 27 de 
janeiro de 2013 teve seu desenlace no cenário “Kiss”. Por volta das três horas da madrugada, 
iniciou-se um pequeno foco de incêndio na Boate que ao se propagar por material isolante 
acústico, altamente tóxico quando em contato com o fogo, resultou na morte de 241 (duzentas e 
quarenta e uma) pessoas por asfixia e deixou centenas de feridos3. 
Narra o inquérito policial4 (p. 88), que havia, naquela noite, por volta de 1000 (mil) 
pessoas no interior da Boate, quando sua capacidade máxima era de 769 (setecentos e sessenta 
e nove) pessoas, fator que muito provavelmente colaborou para o desfecho trágico do ocorrido. A 
banda Gurizada Fandangueira se apresentava, era certamente o ponto alto da festa, tudo estava 
dando certo. Era chegada à hora do show com fogos de artifício da banda, prática relatada como 
corriqueira5 em seus shows. Porém, na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, o resultado do 
show de fogos não foi o esperado. Ao que tudo indica um dos integrantes da banda6, ao levantar 
o equipamento, já aceso, deu início à tragédia que marcou o “Coração do Rio Grande7”. Uma 
faísca do artifício alcançou o teto da Boate que era revestido com uma espuma altamente tóxica e 
com alto potencial de propagação de fogo quando incendiada, o que provocou um foco de 
incêndio imediato8. A tentativa de conter o fogo, com o uso de extintores de incêndio foi em vão 
por dois motivos centrais. Primeiro, o extintor que havia no local não funcionou. Segundo, porque 
não havia extintores suficientes ao alcance9. 
Assim, a multidão, já em pânico devido à escuridão provocada pela fumaça, começou a 
buscar a saída. Mais um problema. Aquela boate que antes despertava o interesse por parecer 
um “labirinto”, escuro e com luzes a piscar, que tanto agradava em seu estilo moderno, agora se 
convertia no “labirinto dos horrores”,no “labirinto do caminho infindável”. Naquele lugar, naquele 
 
3
 “A questão da espuma de poliuretano neste Inquérito Policial foi fator determinante no resultado , primeiro 
porque é combustível, altamente inflamável e tóxica. Segundo porque da sua queima foi produzido gás cianídrico ou 
cianeto, o qual agindo em sinergia com o monóxido de carbono, foi o responsável pela asfixia e morte de 241 
pessoas, além de ter provocado lesões em centenas de outras” (Trecho retirado do Inquérito Policial nº. 
94/2013/150501, p. 33) [grifos do autor]. 
4
 Inquérito Policial nº. 94/2013/150501, da 1ª Delegacia de Polícia de Santa Maria-RS. 
5
 “[...] L. alegou que em todos os shows da banda Gurizada Fandangueira eram realizadas apresentações com fogos 
de artifício nos moldes do feito na Kiss e que nunca havia acontecido qualquer problema. Por isso, já tinha certas 
habilidades no manuseio, fato este efetivamente confirmado por diversas testemunhas que alegam que presenciaram 
shows desta banda com uso de fogos de artifício em diversos locais (Kiss, Absinto, Centro de Eventos da UFSM, 
Ballare, entre outros). Tal dado demonstra que a Banda GURIZADA FANDANGUEIRA, há muito tempo, vinha 
expondo seu público a um grave perigo iminente, pois poderia ter acontecido o incêndio em qualquer local que 
também não oferecesse segurança para os frequentadores, tendo em vista que em todos os shows eram utilizados 
fogos de artifício inadequados a ambientes internos” (Trecho retirado do Inquérito Policial nº. 94/2013/150501, p. 17). 
6
 “[...] há 98 testemunhas entre vítimas e funcionários da Boate KISS que presenciaram o exato momento em que o 
vocalista M. cantava e pulava com o objeto direcionado ao teto do palco, e que, neste momento, o fogo ou as faíscas 
produzidas pelo fogo de artifício tocaram a espuma do palco iniciando o incêndio [...] (Trecho retirado do Inquérito 
Policial nº. 94/2013/150501, p. 19). 
7
 Nome pelo qual é conhecida a cidade universitária de Santa Maria, que em razão de sua localização no centro do 
Estado do Rio Grande do Sul e de seu conhecido aconchego e calor juvenil, se expressa como o coração do Rio 
Grande. 
8
 “A investigação concluiu que o fogo iniciou-se por uma centelha de um fogo de artifício utilizado pela Banda 
Gurizada Fandangueira. O produtor da banda, L. A. B. L., responsável pelo fogo de artifício, colocou uma luva na 
mão no vocalista da banda, M. J. S., na qual estava acoplado o objeto. Posteriormente, L. acionou o referido fogo de 
artifício, mediante controle remoto. O vocalista da banda levantou a mão em direção ao teto e uma chama ou faísca 
tocou o forro, o qual possuía isolamento acústico de esponja, material altamente inflamável (poliuretano). Assim, 
poucos segundos depois a espuma pegou fogo, gerando uma fumaça preta e tóxica que se alastrou por toda a boate, 
circunstância comprovada pela prova testemunhal, pericial e por um vídeo de um minuto e vinte segundos, (referido 
no laudo pericial), extraído de um telefone celular pertencente a uma pessoa que se encontrava no interior da boate, 
fazendo com que muitas pessoas desmaiassem tão logo aspiraram o ar impregnado da fumaça originada da queima” 
(Trecho retirado do Inquérito Policial nº. 94/2013/150501, p. 02-03). 
9
 “E. confirmou que era responsável pelo funcionamento da boate como um todo, [...], pela retirada dos extintores de 
incêndio dos locais a eles destinados, sob a alegação de que estragavam o visual; pela falta de manutenção nesses 
mesmos extintores; pela permissão para que fossem utilizados fogos de artifício no ambiente fechado (o que, aliás, 
ele próprio utilizava quando sua banda, Projeto Pantana, fazia shows no local)”. [...]. (Trecho retirado do Inquérito 
Policial nº. 94/2013/150501, p. 24). 
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momento de pânico, é muito provável que qualquer alternativa, qualquer porta, se convertesse no 
caminho desejado. Porém, a porta de saída era uma só, difícil de ser encontrada em meio ao 
pânico e a multidão10. Assim, muitos dos jovens foram encontrados mortos nos banheiros, 
amontoados, uma cena que parece não merecer ser narrada. Certamente, mas narrar esta cena 
é tornar esta narrativa “palpável”, imaginável e real. É também, dimensionar o tamanho e o 
alcance desta tragédia que deixou mais de 241 mortos11 e centenas de feridos. 
Em 02 de abril de 2013, o Ministério Público Estadual de Santa Maria-RS fez a entrega da 
denúncia do caso Kiss. Foram denunciadas oito pessoas, dentre elas os sócios da boate E. S. e 
M. H., os músicos L. B. L. e M. J. S., todos por homicídio doloso qualificado. Os bombeiros G. R. 
P. e R. S. B., por fraude processual. E o contador V. A. P. e o ex-sócio da Kiss E. C. U., por falso 
testemunho. O caso ainda tramita na 1ª Vara Criminal do Foro de Santa Maria - RS. 
 
3 ANÁLISE DOS ENVIESAMENTOS 
 
3.1 Dos Jovens 
 
Pelo número expressivo de jovens presentes na Boate Kiss no dia 27 de janeiro de 2013, 
aproximadamente 1000 (mil) pessoas segundo o Inquérito Policial12, possivelmente, ninguém 
questionava a segurança do local. Arguições básicas como: Se existiam extintores? Se eles 
funcionavam? De qual o material era feito o revestimento acústico do local? Se haviam saídas de 
emergência e se elas eram suficientes? Se os corredores escuros seriam tão legais quanto 
pareciam inicialmente em caso de pânico? Ou ainda, diversos outros questionamentos que 
parecem triviais, como a existência de alvará de funcionamento, por exemplo. Provavelmente, 
nada disso pareceu importante aos jovens naquela noite, pois, nada iria dar errado! Esse é o 
reflexo do viés do otimismo excessivo, na tomada de decisão. 
Aquelas pessoas que se dirigiram a Boate Kiss na noite da tragédia, muito provavelmente 
não levantaram essas questões por ter a plena confiança de que nada iria acontecer além do que 
era previsto, apenas uma festa como tantas outras, não havia com o que se preocupar. Essa 
narrativa é evidenciada com a realização da análise dos depoimentos dos sobreviventes da 
tragédia, em que diversos deles13 afirmam que já haviam presenciado shows pirotécnicos, 
realizados em ambientes fechados, em outras apresentações da Banda. Esta situação, sem 
 
10
 “O pânico tomou conta dos indivíduos que estavam na boate, fazendo com que as pessoas se desesperassem e 
tentassem deixar o local, mas a Boate Kiss possuía apenas uma saída que dava acesso ao seu exterior. A referida 
saída foi absolutamente insuficiente para dar vazão à quantidade de pessoas que se amontoaram na tentativa 
desesperada de deixar o local, sendo que muitas delas morreram buscando a saída” (Trecho retirado do Inquérito 
Policial nº. 94/2013/150501, p. 03). 
11
 M. W. V., 24 anos, foi à vítima número 242 desta tragédia, faleceu quase quatro meses após a tragédia em 
decorrência de pneumonia consequente das queimaduras. 
12
 “O Anexo I, item I, do Relatório (I) retrata que 125 pessoas afirmam que certamente havia mais de 1000 pessoas 
no local e outras 17 dizem que havia entre 1000 e 2000 pessoas, conforme Anexo I, item II, do Relatório, fato que 
também pode ser verificado pelos documentos encontrados no interior da boate, depois do sinistro, conforme 
Arrecadação anexada aos autos, que apontam que havia mais de 1000 pessoas no locus delicti no momento do 
incêndio, fato corroborado pelos depoimentos dos funcionários da boate” (Inquérito Policial nº. 94/2013/150501, p. 
90). 
13
 Depoimentos de sobreviventes da tragédia: “J. R. (19/02): p. 2410. Presenciou o show com artefatos pirotécnicos 
na Boate Kiss na data do sinistro e informou que já havia visto o mesmo show no Centro de Eventos da UFSM. R. L. 
A. (20/02): p. 2550. Aduziu que estava na Boate Kiss na data dos fatos e presenciou o show pirotécnico realizado 
pela Banda Gurizada Fandangueira. Informou que já foi em outros shows desta banda com a utilização de materiaispirotécnicos no Centro de Eventos da UFSM. M. S. A. (20/02): p. 2555. Asseverou que presenciou o show com 
artefatos pirotécnicos na Boate Kiss na data do sinistro e esclareceu que já havia visto o mesmo show no Centro de 
Eventos da UFSM. T. S. P. (20/02): p. 2578. Estava na Boate Kiss na data dos fatos e assistiu ao show pirotécnico 
realizado pela Banda Gurizada Fandangueira. Declinou que já foi em outras apresentações desta banda com a 
utilização de materiais pirotécnicos na Boate Ballare. M. A. F. (27/02): p. 3191. Presenciou o show com artefatos 
pirotécnicos na Boate Kiss na data do sinistro, e também informou que já havia visto o mesmo show no Centro de 
Eventos da UFSM” (Inquérito Policial nº. 94/2013/150501, p. 15). 
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dúvida, demonstra o viés do otimismo excessivo atuando de forma negligente, ofuscando a 
preocupação necessária e indispensável com a segurança. 
É comum ver e ouvir os jovens inflarem o peito e usar a expressão: “a vida é breve!”, 
certamente a maioria das pessoas já ouviu tal expressão, e, se ainda não ouviu possivelmente 
um dia irá ouvir. O uso dessa expressão é reflexo do viés do presente, que notadamente nos 
indivíduos com menos idade é mais aguçado. A diversão, recompensa imediata, é o que se 
busca. Desse modo, plausível que nessa tragédia, o viés do presente tenha irradiado efeitos 
fazendo com que a busca pela recompensa imediata inibisse qualquer pensamento que 
conduzisse a uma decisão contrária a entrada na Boate. No estilo juvenil “não havia com o que 
esquentar”, “a noite seria ótima”. Não foram levadas em consideração alternativas contrárias que 
levassem ao adiamento da diversão em prol da segurança. 
É provável que o viés do enquadramento também tenha colaborado para o desfecho 
trágico do Caso Kiss. Ou seja, os casos de tragédias ocorridas em Boates, ou espaços de 
eventos fechados, em decorrência da falta de estratégias para momentos emergência 
(especialmente em casos de incêndio), de nada importaram. Pois, afinal, eram alguns poucos 
casos14 (enquadramento) em uma imensidão inumerável de Boates, Bares e Casas Noturnas que 
realizam festas todos os dias e nada de trágico ocorre. A interpretação com efetiva colaboração 
do sistema cerebral reflexivo, por sua vez, poderia conduzir a decisão absolutamente oposta. Ou 
seja, a deliberação seria a de não entrar em um local superlotado, em que se desconhecia a 
existência de saídas de emergência, levando em consideração as tantas tragédias que já 
ocorreram em contextos similares. 
Nesse contexto, infere-se que se o sistema cerebral reflexivo dessas pessoas, 
responsável pelas apreciações racionais na tomada de decisão tivesse sido acionado de forma 
consciente, possibilitaria uma reavaliação das decisões automáticas. Como consequência, 
possivelmente, o número de indivíduos presentes na Boate Kiss, naquela noite, seria bastante 
reduzido, o que provavelmente conduziria, no mínimo, a um número mais seguro de pessoas no 
interior da Casa noturna, número que poderia ser evacuado de forma mais rápida, reduzindo, 
assim, o número total de mortos e feridos nesse episódio trágico. 
Percebe-se que ignorar a presença dos automatismos mentais pode guiar por um 
caminho obscuro, que negligencia consequências de fácil constatação se posto em exercício o 
sistema cerebral reflexivo. A gravidade da falta de conscientização do indivíduo sobre a existência 
de pensamentos enviesados é evidente quando posta em prova em uma tragédia como a da 
Boate Kiss. A alternativa é, portanto, uma vigilância aos hábitos mentais (FREITAS, 2013-b), de 
modo a intensificar o exercício do sistema reflexivo no momento da tomada de decisões. 
 
3.2 Do Poder Público 
 
Na atuação do Corpo de Bombeiros, responsável pela fiscalização e concessão de alvará 
de prevenção de incêndio, percebe-se a presença do tanto do viés do “status quoo”, quanto o viés 
do presente. Revela o Inquérito Policial que o Corpo de Bombeiros da cidade de Santa Maria, 
assim como todos dos demais Corpos de Bombeiros do Estado do Rio Grande do Sul, com 
 
14
 Em dezembro de 1993, um incêndio na discoteca Kheyvis, em Buenos Aires, matou 17 jovens; Em abril de 1997, 
incêndio em casa noturna em Portugal matou 12 pessoas; Em 1998, fogo em boate na Suécia matou 60 pessoas; Em 
1999, incêndio destruiu a casa noturna Chaos, que ficava no Itaim-Bibi, São Paulo; Em outubro de 2000, no México, 
mais de 20 pessoas morreram em discoteca que não possuía saídas suficientes; Em dezembro de 2000, na China, 309 
pessoas morreram em uma casa noturna; Em 2001, seis pessoas morreram e outras ficaram feridas em incêndio na 
boate Canecão Mineiro (antigo Trem Caipira), em Belo Horizonte, após show pirotécnico; Em novembro de 2001, 
fogos de artifício disparados durante um show de samba provocaram um incêndio que matou 6 pessoas na sala Caneco 
Mineiro, na cidade de Belo Horizonte - que não tinha saídas de emergência adequadas. Centenas de pessoas ficaram 
feridas; Em julho de 2002 um incêndio matou 24 pessoas em Casa noturna no Peru; Em julho de 2002, um incêndio 
matou 28 pessoas na discoteca Utopía, do centro comercial Jockey Plaza, em Lima; Em dezembro de 2002, 
na Venezuela, um incêndio matou cerca de 50 pessoas no clube La Goajira, em Caracas; Em dezembro de 2004, um 
incêndio matou 194 pessoas e deixou cerca de 1.400 feridos na discoteca República Cromañón, em Buenos Aires, 
Argentina; Em abril de 2008 em Quito, no Equador, 13 pessoas morreram na discoteca Factory. 
http://g1.globo.com/topico/venezuela/
http://g1.globo.com/mundo/argentina/cidade/buenos-aires.html
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exceção ao da Cidade de Porto Alegre, adotava um Sistema Integrado de Prevenção a Incêndio 
simplificado15. Tal sistema vislumbra, aparentemente, a possibilidade da concessão de um maior 
número de alvarás aos estabelecimentos em detrimento de uma maior qualidade/segurança dos 
estabelecimentos que recebiam esses alvarás. Segundo o inquérito, o sistema simplificado 
facilitava até mesmo que esses alvarás fossem concedidos em desconformidade com a 
legislação vigente. Durante o inquérito do Caso Kiss foram ouvidos diversos especialistas na área 
de prevenção de incêndio, os quais na maioria afirmam que o sistema de prevenção de incêndios 
simplificado (SIG-PI) é deficiente no que se propõe, pois não privilegia a segurança, mas a 
facilitação na concessão do alvará16. A partir destas constatações é patente que o viés do “status 
quoo” conduziu a reiterada utilização de um sistema de prevenção de incêndios simplificado e 
nitidamente de menor qualidade, disfuncional, obsoleto. 
O viés do presente também se mostra evidente nessa avaliação, pois a preocupação com 
a arrecadação, que se traduz na recompensa imediata, em menor tempo, deixou de lado um 
compromisso com a segurança, que apresenta reflexos (recompensa traduzida na efetiva 
segurança da população) apenas em longo prazo. O viés do presente conduz a deliberações não 
sustentáveis, exatamente o que emerge na escolha pelo Corpo de Bombeiros de um sistema que 
não se preocupa com a segurança, com a preservação da própria vida humana. 
Tocante a Prefeitura Municipal de Santa Maria, responsável pela concessão do alvará de 
localização, é possível perceber a presença do viés da aversão à perda e o otimismo excessivo. 
O raciocínio é o seguinte: - uma Boate como a Kiss fechada deixaria de arrecadar uma quantia 
significativa para o Município, e, se forçada a adotar as medidas necessárias para a segurança 
poderia acabar por encerrar as atividades. Apurou-se no inquérito policial que o Poder Público 
Municipal concedeu alvará de localização mesmo sem o preenchimento dos requisitos 
necessários, permitindo o funcionamento da Boate mesmo sem segurança para o público. Ou 
seja, o viés da aversão à perda manifesta-se “[...] na inércia que deixa de tomar providências 
reformistas,na ânsia simplista de tudo preservar” (FREITAS, 2013-b, p. 234), o que se buscava 
preservar aqui era a fonte de arrecadação que representava a Boate. Assim, mais uma vez, é 
possível constatar que a influência dos vieses na tomada de decisão pode ofuscar os perigos e 
 
15
 “Resta evidente que a adoção do SIG-PI pelos Corpos de Bombeiros de quase a totalidade do Estado do RS, 
excetuando-se apenas, Porto Alegre, deixou em segundo plano a questão que deveria ser a mais importante a 
ser considerada, ou seja, a efetiva segurança proporcionada ao público nos locais submetidos à análise e 
chancela do Poder Público. A concessão de alvará de proteção contra incêndio não poderia jamais ser um mero 
documento, obtido mediante o pagamento de taxas, sem representar, de fato, aquilo que dele se depreende. 
O SIG-PI privilegiou a possibilidade de se atingir um número maior de vistorias, em virtude de ser um sistema 
simplificado, em detrimento de um controle verdadeiro e seguro dos itens de segurança nos locais vistoriados. As 
falhas do referido sistema começam com a eliminação da necessidade de um responsável técnico, ou seja, pessoa 
com formação própria na área de engenharia ou arquitetura, com a consequente confecção de ART, 
desconsiderando locais onde há aglomeração de pessoas ou que contenham outras peculiaridades relativas à 
segurança da população. Ao contrário do pretendido por essa sistemática simplificada, o maior número de vistorias 
não significa locais mais seguros; muito pelo contrário, pois é nítida a opção pela quantidade de alvarás em 
detrimento de condições mínimas de efetiva segurança técnica” (Inquérito Policial nº. 94/2013/150501, p. 41-42) 
[grifos do autor]. 
16
 “C. A. T. (05/02 e 02/03): p. 1299/3454. Disse que foi bombeiro militar no RS de 1989 a 1999, ano em que pediu 
licença para tratar de interesse pessoal. [...]. Se existe legislação que embase a aplicação do SIG-PI, não é do seu 
conhecimento. Afirma que o sistema é totalmente falho. [...]; J. M. G. E. (21/02): p. 2750. Engenheira há 23 anos e 
há 20 anos proprietária da MARCA ENGENHARIA, empresa dedicada ao ramo de projetos de prevenção contra 
incêndios e também execução de projetos. [...]. Conforme seu relato, ‘embora o sistema SIG-PI esteja adequado à 
legislação, sob o ponto de vista da prevenção efetiva de incêndio, ele deixa a desejar, pois ele exige que o 
vistoriador tenha um grande conhecimento técnico especializado na legislação, deixando de lado a participação de 
um profissional especializado que no caso seria o engenheiro responsável por um Projeto’. [...] reafirma que o 
SIGPI é temerário, pois ele não visa a segurança, é um programa que desburocratizou em prol da 
arrecadação [...]; E. T. M. (06/03): p. 3614. Engenheira Civil, Secretária da Inspetoria do CREA-RS de Santa Maria-
RS e Secretária Adjunta da Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária de Santa Maria-RS. [...]. [Afirmou que] 
o SIG-PI é uma receita de bolo simplificada, pois é lacunoso e impreciso, já que os bombeiros primaram pela 
agilidade e não pela segurança nas edificações” (Inquérito Policial nº. 94/2013/150501, p. 39-40) [grifos do autor]. 
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consequências danosas da deliberação, fazendo com sejam valorados de forma desigual os 
ganhos que aparentemente a decisão traz. 
Dessa análise pode-se observar também a presença do viés do otimismo na ação do 
Poder Público Municipal. Tal observação se traduz na confiança de que, mesmo ausentes os 
requisitos de segurança obrigatórios para a concessão do alvará de localização, nenhum evento 
danoso aconteceria. A confiança mostra-se tamanha que os alvarás de localização foram 
concedidos, mesmo estando a Boate em desconformidade com a lei durante um período 
aproximado de três anos, conforme informações levantadas durante o Inquérito Policial17. 
Ainda na análise dos vieses presentes nas decisões tomadas pelo Poder Público 
Municipal, com relação à falha na atividade fiscalizatória por parte da Secretaria de Controle e 
Mobilidade Urbana, pode-se perceber a presença do viés do enquadramento e da falsa 
coerência. Ou seja, o Secretário de Controle e Mobilidade Urbana na época do ocorrido, afirmou 
em seu depoimento que ao realizar vistoria na Boate constatou que o alvará sanitário e dos 
bombeiros estavam vencidos. Contudo, não era sua função fiscalizar tais alvarás, portanto, 
apenas registrou no boletim de vistoria o fato, afirmando ainda, que não comunicou os órgãos 
emissores de tais alvarás, pois não era sua função18. Nesse entrecho, o viés do enquadramento 
faz com que o interprete analise sua decisão do modo que lhe parece mais aceitável, mais 
acertado, distorcendo a realidade e negando a escolha contrária. O viés da falsa coerência, por 
sua vez, faz com que o interprete esteja predisposto a negar a incômoda dúvida, suprimindo a 
ambiguidade moral e inventando uma narrativa coerente (FREITAS, 2013-b). Infere-se, que a 
presença desses vieses, na situação narrada, possivelmente, impediram o Secretário Municipal 
de avaliar os possíveis danos decorrentes de suas deliberações. Conduzindo o mesmo a buscar 
narrativas que lhe tragam conforto para a consciência, que lhe confirmem suas predisposições 
mentais. Uma decisão baseada no sistema reflexivo poderia ter levado a análise prévia das 
possíveis consequências danosas de uma deliberação descomprometida, fazendo com que o 
interprete (Secretário Municipal) adotasse posição enérgica em relação o fato, avisando os 
órgãos competentes sobre as irregularidades que encontrou, visando a proteção da população 
em relação a um possível evento danoso. 
Nesse ínterim, verifica-se que a atuação impulsiva do sistema primitivo, que não sopesa 
os ganhos e perdas (a pequeno, médio e longo prazo) das escolhas feitas, conduz o humano por 
caminhos de aparente imprevisão. Contudo, o exercício do sistema reflexivo, proporciona o efeito 
contrário, fazendo com que decisões alternativas sejam examinadas de modo a avaliar qual 
decisão apresenta maiores ganhos (seja a pequeno, médio ou longo prazo), bem como menores 
perdas em caso de eventos não desejados, mas que se reflitam em consequências para a 
decisão escolhida. 
 
3.3 Dos Sócios 
 
 
17
 “No caso vertente verifica-se que o Poder Público Municipal concedeu indevidamente o alvará de localização, 
tendo em vista que, primeiramente, não havia alvará sanitário válido no momento da expedição do Alvará de 
Localização, conforme exigido pelo decreto referido; segundo, pois o projeto arquitetônico apresentava 29 
irregularidades (p. 4008) e não havia sido aprovado, situação que perdurava até o dia do trágico evento, quando 
inadmissivelmente, após mais de três anos de funcionamento da boate, ainda não havia projeto arquitetônico 
aprovado. Dessa forma foi viabilizado o funcionamento indevido do estabelecimento, sem qualquer segurança 
para os freqüentadores” (Inquérito Policial nº. 94/2013/150501, p. 65) [grifos do autor]. 
18
 “M. C. P. (20/02): p. 2695. Secretário de Controle Mobilidade Urbana desde abril de 2012. Foi Secretário Adjunto 
da Pasta desde dezembro de 2011. Disse não competir aos fiscais da Secretaria de Controle e Mobilidade 
Urbana verificar a validade dos alvarás sanitário e de prevenção a incêndio, sendo que tais atribuições competem, 
respectivamente, à Secretaria de Saúde e aos Bombeiros. Em relação à boate KISS, durante sua gestão como 
Secretário, ocorreu somente uma fiscalização, no mês de abril de 2012, tendo conhecimento de que, naquela 
ocasião, o fiscal constatou que o tributo estava em dia. Naquela oportunidade, foi certificado pelo fiscal, no 
boletim de vistoria, que o alvará sanitário estava vencido e o alvará dos bombeiros estava por vencer em poucos 
meses. Reiterou que caso o fiscal constate que algum dos alvarás está vencido, não tem obrigação legal de 
comunicar osórgãos emissores dos alvarás” (Inquérito Policial nº. 94/2013/150501, p. 68) [grifos do autor]. 
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Diversos são os vieses que possivelmente estiveram presentes nas deliberações dos 
sócios da Boate Kiss e que contribuíram para o desfecho trágico do incêndio do dia 27 de janeiro 
de 2013. Em um primeiro momento pode-se apontar o viés do otimismo excessivo, revelado na 
decisão dos sócios de optar por um material de revestimento acústico de menor preço sem se 
preocupar com a qualidade ou com os riscos que o material oferecia, bem como na opção pela 
colocação de barras de contenção no interior da Boate, mesmo sabendo que as mesmas seriam 
reprovadas pelos Bombeiros19. É provável que na visão enviesada dos sócios, esses jamais 
imaginassem que algum evento imprevisível e danoso pudesse ocorrer e que, desse modo, não 
consideravam necessário gastar com extintores, material de revestimento acústico mais 
adequado ou abster-se da inclusão de barras de contenção em razão de serem óbices à saída da 
Boate em caso de emergência. O que emerge nessa situação é mais uma vez a ausência do 
exercício do sistema reflexivo no processo de tomada de decisão, o que não permitiu a avaliação 
básica de que um evento inesperado, como foi o caso do incêndio, poderia trazer consequências 
irremediáveis. 
O viés do presente também é evidente na análise das decisões dos sócios. O provável 
raciocínio realizado foi de que gastos com um material de maior qualidade (não tóxico) para o 
revestimento acústico da Boate não compensavam, pois se perderia dinheiro em um primeiro 
momento, não haveria lucro imediato (recompensa imediata) decorrente de investimento em infra-
estrutura não visualizada pelo público. Assim, mesmo advertido sobre a inadequação da 
utilização da espuma de borracha (altamente tóxica) como isolante acústico, o sócio responsável 
pelas reformas na Boate insistiu na colocação da mesma20. O que se percebe é o viés do 
presente fazendo com que a deliberação seja baseada apenas nos efeitos imediatos, impedindo 
uma escolha que vislumbre os ganhos à longo prazo. Nesse caso, o ganho à longo prazo se 
refletiria na própria viabilidade de funcionamento da Boate. Uma decisão reflexiva conduziria o 
interprete (sócio) a análise da sustentabilidade de sua escolha, dos possíveis reflexos produzidos 
pela decisão, sejam eles positivos ou negativos, fazendo com que um perigo iminente, como o 
que representa a utilização de um material altamente tóxico, jamais fosse ignorado. O viés do 
presente manifesta-se também na decisão dos sócios em trabalhar com superlotação da Casa21, 
visando lucro (recompensa imediata), sem cogitar possível desfecho negativo dessa atitude. 
Constata-se que mais uma vez a inabilidade na utilização do sistema reflexivo conduziu a uma 
decisão pouco prudente, que no caso específico da tragédia da Boate Kiss, produziu 
consequências catastróficas. 
 
19
 “R. C. P. (01/02): p. 1129-1333. Asseverou que era encarregado de pessoal, dava orientações para o devido 
andamento das festas, sendo o braço direito de KIKO. [...]. Afirmou que colocaram várias barras de ferro para 
organizar o pagamento nos caixas e, também, logo após as portas de entrada. Enfatizou que assim como E. e M., 
tinha convicção de que os bombeiros reprovariam as grades existentes na KISS. [...]. Anteriormente havia uma 
espuma preta na parede que fica a esquerda de quem entra no estabelecimento, a qual adquiriu em uma loja de 
colchões desta cidade, alegando que KIKO ordenou que comprasse a espuma por orientação do Engenheiro P.. 
Como o problema acústico persistiu, retiraram a espuma e construíram uma parede de pedra. Como a espuma 
estava sem uso resolveram colocá-la no teto localizado acima do palco, o que foi feito pelos próprios 
funcionários da KISS, com o fito de conter o problema acústico. Referiu acreditar que após isso a KISS não foi 
fiscalizada por autoridades competentes. Não existia contato via rádio entre os seguranças e os funcionários da 
KISS não tinham treinamento para incêndio” (Inquérito Policial nº. 94/2013/150501, p. 21-22) [grifos do autor]. 
20
 “M. A. T. P. (04/02): p. 1243. Asseverou que discutiu com E. quais as providências que deveriam ser tomadas para 
acabar com os ruídos sonoros. E. lhe comunicou que iria colocar espuma de borracha. Desaprovou tal 
pretensão de E., pois é engenheiro civil, porque a referida espuma de borracha é totalmente inadequada para 
isolamento acústico, ou seja, o material é indicado apenas para acondicionamento acústico e não para isolamento 
acústico. Nesse contexto, sugeriu a E. a construção de uma parede de alvenaria atrás do palco” (Inquérito Policial nº. 
94/2013/150501, p. 31) [grifos do autor]. 
21
 “A superlotação ficou evidenciada pelo depoimento do próprio E. [sócio da Boate], o qual, ao ser interrogado, 
afirmou que a lotação máxima seria de 1000 pessoas e anteriormente, em entrevista a jornal, declarou que a casa 
comportava 1400 pessoas. Essa circunstância é ainda corroborada por farta prova testemunhal coligida aos autos” 
(Inquérito Policial nº. 94/2013/150501, p. 89) [grifos do autor]. 
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Conforme o Inquérito Policial, os sócios admitiam shows pirotécnicos no interior da Casa 
Noturna22, sendo que, até mesmo, a banda de um dos sócios fazia uso de artifícios pirotécnicos 
em shows que realizava na Boate. Nesse contexto, verifica-se a presença viés do otimismo 
excessivo, que conduzia a falsa sensação de que não havia com o que se preocupar. Um dos 
efeitos do otimismo excessivo é que este torna nebulosos perigos iminentes, criando a falsa 
sensação de que nada dará errado, e, portanto, não precisam ser adotadas medidas de 
seguranças básicas. A falsa sensação de segurança traz imenso conforto ao ser humano, 
fazendo com que este desvie sua atenção de preocupações até mesmo óbvias. Ou seja, uma 
decisão com exercício do sistema reflexivo, não ignoraria a o perigo que representa o uso de um 
mecanismo que utiliza fogo em um ambiente superlotado e fechado. Contudo, essa análise, pelo 
menos aparentemente, não era realizada pelos sócios da Boate que permitiam constantemente a 
utilização de fogos de artifício para ambientes externos no interior da Boate Kiss. 
Dessa análise é possível concluir, de acordo com o que propõe o ilustre Professor Juarez 
Freitas, “que, seja por abuso, seja por omissão, entendo injustificável permitir, sem veto, a 
influência exacerbada do sistema impulsivo [primitivo], que se aproveita da eventual frouxidão do 
sistema reflexivo” (2013-b, p. 236-237). Em outras tintas, é vital ao ser humano que aprenda a 
exigir e fiscalizar o exercício do sistema reflexivo cerebral no momento da tomada de decisões, 
pois tal exercício contribui para a diminuição de reflexos negativos e inesperados de deliberações 
não refletidas. No caso Kiss, em especial, poderia evitar ou diminuir a dimensão dessa tragédia. 
 
3.4 Dos Músicos 
 
Mais uma vez, o lucro. Optar por fogos de artifícios inadequados para ambientes 
fechados, que oferecem riscos iminentes. Porém, tendo a crença de que nada iria acontecer, de 
que tudo iria dar certo. Tal narrativa revela tanto o viés do otimismo excessivo, quanto o viés do 
presente e o da aversão à perda. 
A expressão do viés do otimismo excessivo torna-se evidente na alegação do músico da 
Banda Gurizada Fandangueira, acusado de erguer o fogo de artifício que originou o incêndio, L. 
B. L.. O músico afirmou que em todos os shows da banda eram realizadas apresentações com 
fogos de artifício nos moldes do feito na Kiss e que nunca havia acontecido qualquer problema 
(Inquérito Policial, p.17). O que se percebe aqui, é que se o sistema reflexivo de L. estivesse em 
exercício crítico de sua avaliação sobre a inexistência de perigo no uso de fogos de artifício 
impróprios para ambientes internos, a decisão poderia ser contrária.A reflexão conduziria ao 
reconhecimento do perigo iminente ao qual a Banda estava expondo seus fãs. Pois, não haveria 
conclusão mais lógica quanto àquela que constasse que o uso de um equipamento de forma 
contrária as normas de segurança expressas se converteria em potencial risco de que o resultado 
não fosse o esperado. Ou seja, quando se está sob o efeito do viés do otimismo excessivo 
conclusões óbvias são distorcidas/desconsideradas ou tornam-se nebulosas. Nas palavras de 
Juarez Freitas (2013-b), “[...] o excesso de confiança distorce os julgamentos e afugenta os 
cuidados inerentes à prevenção e à precaução” (p.236). 
Ainda em consonância com o alegado pelo músico L. B. L., por várias vezes esses fogos 
já haviam sido utilizados em shows da Banda, o que reforçava sua tese de que não havia o que 
temer. Nesse entrecho, constata-se o viés do enquadramento. No qual L. busca reforçar sua tese 
inicial, evidente e comprovadamente equivocada, de que não havia o que temer. A conclusão do 
 
22
 “E. confirmou que era responsável pelo funcionamento da boate como um todo, e, assim, foi o responsável pela 
instalação da espuma no palco; pela colocação de guarda-corpos e corrimãos que dificultaram a saída das 
pessoas daquele ambiente; pelo excesso de público, não somente naquela noite, como em grande parte dos eventos 
ali promovidos; pela retirada dos extintores de incêndio dos locais a eles destinados, sob a alegação de que 
estragavam o visual; pela falta de manutenção nesses mesmos extintores; pela permissão para que fossem 
utilizados fogos de artifício no ambiente fechado (o que, aliás, ele próprio utilizava quando sua banda, Projeto 
Pantana, fazia shows no local). Tais condutas demonstram total descaso com a segurança das pessoas que 
frequentavam a boate, tendo o agente mantido seu agir, mesmo diante de um resultado previsível, sem se 
importar com as graves consequências” (Inquérito Policial nº. 94/2013/150501, p. 24) [grifos do autor]. 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
músico é tão evidentemente distorcida que não leva em consideração o fato de que nunca ter 
ocorrido nenhum evento danoso deve ser considerado à exceção e não a regra. Em outras, 
utilizar um equipamento de forma contrária às normas de segurança e nenhum evento danoso ter 
ocorrido não pode ser tomado como referencial em uma decisão com um mínimo de reflexão. 
Pois, a potencialidade de que o sinistro ocorra é iminente e alertada no próprio equipamento. Em 
outras tintas, o enquadramento diverso da questão, tornando exceção os casos em que nenhum 
evento danoso ocorreu e a regra o potencial evento danoso, conduziria à resposta/decisão mais 
plausível, qual seja a deliberação pelo uso do equipamento adequado. 
Extrai-se dos depoimentos constantes no Inquérito Policial que o baixo valor dos fogos de 
artifício para locais abertos foi o que, muito provavelmente, determinou a sua escolha em 
detrimento dos equipamentos indicados23. O lucro seria maior com esse tipo de fogos, mais 
econômicos. Essa narrativa evidencia o viés da aversão a perda. Tal viés não permite ao 
individuo que dimensione que por vezes um lucro (ou ganho) aparentemente menor, pode 
converter-se em um ganho pessoal e/ou psíquico imensamente maior que o valor desprendido. 
Ou seja, o lucro com o show já era considerável, mas, gastar um pouco mais com equipamentos 
pirotécnicos de qualidade e segurança era considerado perda que não compensava. O custo dos 
fogos de artifício para ambientes abertos era de R$ 2,50 (dois reais e cinqüenta centavos a 
unidade), já para ambientes fechados era de R$ 50,00 (cinquenta reais a unidade). De tal modo, 
os R$ 47,50 (quarenta e sete reais e cinquenta centavos), decisivos na tomada de decisão, 
representaram um valor tão elevado a se “perder” (investir) para uma mente sob o efeito do viés 
da aversão a perda, que acabou, possivelmente, por inibir a tomada de uma decisão mais 
adequada. Depreende-se que uma decisão tomada com o exercício do sistema reflexivo, 
conduziria a avaliação dos possíveis transtornos, danos em maior ou menor grau, potencialmente 
decorrentes do uso de um equipamento contrário as normas de segurança indicadas, 
direcionando a uma decisão mais acertada, que, neste caso em específico, poderia evitar essa 
tragédia. 
Por fim, cabe fazer referência a outro momento em que o viés do otimismo excessivo 
mostra-se evidente no desenlace trágico do Caso Kiss. Conforme o Inquérito Policial, os músicos 
foram os primeiros a sair do interior da boate após iniciado o incêndio. Ao constatarem o início do 
foco de incêndio, os músicos não buscaram avisar as pessoas que estavam na festa, eles, apesar 
de possuírem contato com microfone, possivelmente acreditaram que nada iria dar errado, 
abstendo-se de dar o anúncio do inicio de incêndio24. Mais uma vez, a distorção na avaliação da 
melhor decisão é evidente. Possivelmente, em razão da atuação do viés do otimismo excessivo, a 
 
23
 “Ficou plenamente evidenciado que L. agia de forma totalmente amadora, pois não possuía qualquer 
treinamento quanto ao uso de materiais extremamente perigosos, sobretudo porque sabia que os fogos de 
artifício que adquiria na Loja Kaboom eram para uso externo, conforme se depreende do depoimento de D. R. 
S., gerente da Empresa Kaboom. Porém, mesmo assim, utilizava-os em locais fechados, pois o preço destes era 
muito inferior aos dos fogos de artifício para uso externo, os quais custavam cerca de R$ 2,50 (dois reais e 
cinquenta centavos), conforme Nota Fiscal acostada aos autos (p. 208), em detrimento dos externos, que custavam 
aproximadamente R$ 50,00 (cinquenta reais). Tal comportamento evidencia que o único desiderato levado em 
consideração por L. era o de obtenção de um maior lucro possível, mantendo sua conduta, ainda que isso pudesse 
colocar em risco a segurança das pessoas que estivessem presentes aos shows da banda” (Inquérito Policial, nº. 
94/2013/150501, p. 16) [grifos do autor]. 
24
 Outro fato absolutamente reprovável cometido pelo vocalista da banda M. é que, apesar de ter visto que o 
incêndio tomaria maiores proporções (pois tentou apagar o primeiro foco com uma garrafinha de água, conforme 
relataram diversas testemunhas, e ainda tentou utilizar o extintor) não se preocupou em nenhum momento em 
pegar o microfone e anunciar que estava iniciando o fogo para que as demais pessoas pudessem ter a chance 
de sair do local, alegando que não o fez porque havia ocorrido uma queda de luz no palco, no que foi desmentido 
pela testemunha R. M. R. (p. 64 e p. 3590), que alegou ter feito uso do microfone para avisar as pessoas, bem como 
pelo vídeo submetido à perícia da Engenharia Legal do IGP (Laudo Pericial nº. 12.268/2013, fls. 67-73 do laudo), que 
demonstra que as luzes do palco permaneceram acesas durante o início do incêndio. Por outro lado, juntamente com 
os demais integrantes da banda, foi um dos primeiros a sair da Boate Kiss, demonstrando que poderia ter 
minimizado os efeitos, alertando as pessoas sobre o incêndio, já que muitas que estavam na boate não tinham 
visão do palco, onde ocorria o espetáculo musical, e não tiveram chances de sair do prédio (Inquérito Policial, nº. 
94/2013/150501, p. 20) [grifos do autor]. 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
decisão sem o crivo do sistema reflexivo foi um dos fatores que contribuiu para o aumento da 
proporção da tragédia. Uma decisão reflexiva levaria os músicos a avaliarem o perigo iminente 
em que se encontravam e também deixavam expostas as demais pessoas no local. Direcionando, 
desse modo, seus atos à diminuição dos potenciais danos de um incêndio, o que, obviamente, 
faria com que buscassem avisar de imediato a necessidade de evacuação da Boate. 
Percebe-se que o desconhecimento, ou cultura da “irreflexão25”, conduz o cérebro 
humano a decisões que, muitas vezes,deixam de sopesar os potenciais danos decorrentes de 
suas deliberações. O que, na maior parte dos casos, não guia a um resultado trágico, porém, 
como é possível observar nesta análise do Caso da Boate Kiss, decisões tomadas sem o 
exercício do sistema reflexivo podem esconder consequências danosas não mensuráveis. 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Como guisa conclusiva, constata-se que é inerente a condição humana o sistema 
primitivo, caracterizado pelo impulso, todos os seres humanos possuem pré-disposições mentais 
que conduzem a deliberações enviesadas. Contudo, é próprio do ser humano também o sistema 
reflexivo, é o que lhe confere racionalidade na toma de decisões. O pensamento enviesado é 
condição humana, porém, pode e deve ser constantemente colocado em xeque. Apenas 
reconhecendo a existência dos desvios cognitivos é possível traçar estratégias para diminuir as 
decisões tomadas de forma enviesada. Como consequência, é possível diminuir os reflexos 
desastrosos dessas decisões. 
No Caso da Boate Kiss, é possível perceber a atuação diversos automatismos mentais 
que não permitiram considerar as desvantagens ou equívocos das deliberações escolhidas ao 
longo do funcionamento da Boate, até o desfecho trágico do dia 27 de janeiro de 2013. Constata-
se que os desvios cognitivos ofuscam os perigos das decisões que aparentam facilidade e 
agilidade, fornecendo ao interprete uma falsa sensação de segurança e conforto com a decisão 
escolhida, bem como não dependem de maior gasto de energia cerebral, pois sua característica é 
a impulsividade. O exercício do sistema reflexivo, que por sua vez, permite ao interprete uma 
melhor avaliação da decisão inicial, sopesando os possíveis reflexos indesejados da mesma, 
porém, depende de um maior gasto de energia cerebral, pois exige reflexão. 
Depreende-se que o conhecimento dos automatismos mentais, bem como o 
desenvolvimento de técnicas para impulsionar o exercício do sistema reflexivo pode ajudar o 
interprete na construção de decisões mais acertadas, sustentáveis, coerentes e seguras. No caso 
Kiss, o autoconhecimento dos envolvidos na tragédia sobre essa condição humana inerente 
(desvios cognitivos) poderia ter evitado, ao menos, à proporção que essa tragédia alcançou. Não 
há como prever uma tragédia como esta, mas adotar deliberações reflexivas pode sem dúvida por 
em xeque alternativas que em um primeiro momento mostram-se lógicas e seguras. 
Por fim, cabe referir que, mais um desafio aos automatismos mentais será enfrentado no 
julgamento do caso Kiss, de um lado os vieses (bises), predisposições mentais dos jurados, de 
outro os desvios cognitivos do próprio juiz no momento da aplicação da pena. 
 
REFERÊNCIAS 
 
FREITAS, Juarez. Hermenêutica e Desvios Cognitivos. In: Revista de Direitos e Garantias 
Fundamentais. Vitória, n. 13, p. 277-308, jan./jun. 2013-a. 
 
 
25
 A expressão é utilizada para referir a existência tanto de hábitos mentais não reflexivos, quais sejam aqueles que 
conduzem a decisões e avaliações sem a preocupação com a análise de alternativas contrárias as pré-disposições 
mentais individuais inerentes à que todos os seres humanos. Bem como, a utilização destes hábitos não reflexivos 
(sem o exercício consciente do sistema cerebral reflexivo) pela falta de autoconhecimento, que por sua vez, é reflexo 
do desconhecimento da própria existência destes hábitos mentais revelados pela neurociência. 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
_____. A Hermenêutica Jurídica e a Ciência do Cérebro: como lidar com os automatismos 
mentais. In: Revista da AJURIS – v. 40 – n. 130 - junho 2013-b. 
 
FONTES 
 
INQUÉRITO POLICIAL nº. 94/2013/150501. Disponível em: 
<http://pt.slideshare.net/FabioRipardo/relatrio-definitivo-da-polcia-civil-sobre-o-incndio-na-boate-
kiss-em-santa-maria-rs>. Acessado em 16 abr. 2014. 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
(PÓS)POSITIVISMO JURÍDICO E A TEORIA DO DIREITO COMO INTEGRIDADE DE RONALD 
DWORKIN 
 
 
Alexandre de Castro Coura1 
Bruno Taufner Zanotti2 
 
 
RESUMO: É comum, na doutrina brasileira, uma preocupação com o que foi decidido nos 
tribunais, ou seja, com o próprio mérito da sentença ou acórdão. As teorias subjacentes ao que foi 
decidido não são levadas em consideração pela grande maioria dos manuais de Direito no Brasil. 
É nesse contexto que se insere a proposta do presente artigo e o estudo busca responder ao 
seguinte problema: Existe incompatibilidade teórica na aplicação do Direito por alguns 
magistrados brasileiros em face das premissas de um Estado Democrático de Direito? A resposta 
passa, necessariamente, pelos seguintes questionamentos secundários: Quais os fundamentos 
teóricos utilizados por alguns magistrados brasileiros ao aplicarem o Direito? Qual o papel da 
doutrina, da jurisprudência e da hermenêutica nesse complexo romance? Enfim, a partir desse 
contexto, o que é o Direito? Após a utilização do método dedutivo, concluiu-se que o positivismo 
jurídico, mesmo em pleno Estado Democrático de Direito, ainda se encontra enraizado no 
paradigma jurídico de alguns magistrados, motivo pelo qual se faz necessária a libertação dessa 
visão ultrapassada do que compõe o próprio conceito do Direito. Propôs-se, a partir de Dworkin, a 
utilização do Direito como integridade e o abandono de padrões extrajurídicos utilizados nos 
casos limítrofes. E mais, propôs-se a abertura do Direito a uma visão principiológica que se volta 
tanto para o passado quanto para o futuro, capaz de guardar coerência com o ordenamento 
jurídico vigente e mostrar o Direito sob uma melhor luz. 
 
 
PALAVRAS-CHAVE: Positivismo jurídico. Convencionalismo. Direito como integridade. Estado 
Democrático de Direito. 
 
 
SUMMARY: It is common in the Brazilian doctrine, a concern with what was decided in the courts, 
in other words, a concern with the own merit of the judgment. The underlying theories of what was 
decided are not taken into account by most books of law in Brazil. In this context, the proposal of 
this article and the study seeks to answer the following problem: Is there a theoretical 
inconsistency in the application of law by some Brazilian judges based on the assumptions of a 
democratic state? The answer necessarily involves the following secondary questions: What are 
the theoretical bases used by some Brazilian judges to apply the law? What is the role of the 
doctrine, jurisprudence and hermeneutics in this complex novel? Anyway, in that context, what is 
the Law? After using the deductive method, we concluded that legal positivism, even in a 
democratic state, is still rooted in the legal paradigm of some judges, and that is the reason why 
this outdated vision of the concept of Law needs to be renewed. It was proposed from Dworkin the 
 
1
 Promotor de Justiça no Estado do Espírito Santo. Professor adjunto (licenciado) da graduação em Direito na 
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professor do programa de pós-graduação em sentido estrito 
(mestrado e doutorado) da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Doutor e mestre em Direito Constitucional pela 
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 
2
 Delegado da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo. Professor da pós-graduação lato sensu em Direito Público da 
Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ). Professor da pós-graduação lato sensu em Direito Público da Associação 
Espírito Santense do Ministério Público. Professor da Academia da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo. 
Doutorando e Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Especialista 
em Direito Público pela FDV. 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
use of law as integrity and the abandonment of “not legal” standards used in the hard cases. 
Furthermore, it was proposed the opening of Law to the world ofprinciples that turns to the past 
and to the future and is able to gain consistence with the current legal system and show the Law in 
a better light. 
 
 
KEYWORDS: Legal Positivism. Conventionalism. Law as integrity. Democratic State. 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
O constitucionalismo moderno vive um tempo de conflitos teóricos, na medida em que muitos 
magistrados, em pleno Estado Democrático de Direito, não são capazes de verificar a evolução 
paradigmática do Direito. De fato, o paradigma constitui e limita o ser humano, e não são todos 
que possuem a capacidade de aceitar a sua natureza finita e precária. 
É nesse contexto que o prólogo silencioso de cada veredicto deve ser estudado e analisado. A 
possibilidade de entender não o que está sendo julgado, mas as premissas teóricas que 
fundamentam o julgamento passa por uma análise do que constitui o próprio julgador e o seu 
entender do que é o Direito. 
O presente artigo tem justamente esta proposta: Quais os fundamentos teóricos utilizados por 
alguns magistrados brasileiros ao aplicarem o Direito? Qual o papel da doutrina, da jurisprudência 
e da hermenêutica nesse complexo romance? Enfim, a partir desse contexto, o que é o Direito? 
As respostas são complexas e demonstram um nítido confronto de paradigmas. A priori da 
retórica a ser exposta, cria-se um mito em torno da Teoria da “Doutrina nos Seguirá” (STRECK, 
2012b). Com essa teoria e, basicamente, com essas palavras, alguns ministros dos Tribunais 
Superiores divulgam em inúmeros julgados a ideia de que são os legítimos – e os únicos – 
intérpretes constitucionais, qualificando a doutrina como uma mera repetidora dos julgados. 
A partir desse contexto, serão analisadas as teorias subjacentes aos discursos de autoridade de 
alguns ministros de modo a se expor as esferas de pré-compreensões nas quais esses discursos 
estão inseridos para, em um segundo momento, confrontá-las com o pensamento de teóricos que 
mais bem representam a ideia de democracia constitucional presente em um Estado Democrático 
de Direito. 
Assim, inicialmente, serão apresentados e expostos os pensamentos de alguns ministros dos 
Tribunais Superiores, bem como analisadas as teorias que fundamentam esses discursos. Em 
seguida, será examinada a (im)pertinência teórica com os pressupostos de um Estado 
Democrático de Direito para, ao final, verificar a necessidade de uma efetiva evolução 
paradigmática do Direito. 
1 A PLENIPOTENCIARIEDADE DA REGRA E O DISCURSO DE AUTORIDADE 
O estudo de alguns julgados dos Tribunais Superiores e, em especial, dos votos dos magistrados 
que compõem esses tribunais, é capaz de desvelar visões paradigmáticas conflitantes que, ainda 
hoje, concorrem e condicionam a atuação dos magistrados no Brasil, mas que nem sempre se 
mostram adequadas à noção de um complexo e plural Estado Democrático de Direito. 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
Essa afirmativa é decorrente da visão do Direito por alguns magistrados que, presos ao 
positivismo jurídico, utilizam critérios quase estritamente linguísticos para analisar questões 
jurídicas, de modo a qualificar o Direito como um instrumento histórico de legitimidade da própria 
instituição que o constitui. 
De fato, numa certa ótica, alguns dispositivos das sentenças judiciais podem ser considerados 
interessantes – apesar do pressuposto teórico equivocado –, pois se analisa, nesse momento, o 
ponto de chegada e não o percurso feito. No entanto, não é porque um relógio parado acerta a 
hora duas vezes ao dia que ele não necessite de ser consertado. Decorre daí a importante tarefa 
de desvelar os paradigmas nos quais os magistrados estão inseridos. 
O ministro Gilmar Mendes, durante o julgamento do MS 32.033, no qual os ministros debatiam a 
manutenção ou mudança da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em um ponto do 
controle preventivo de constitucionalidade das normas, resignou-se com a postura dos seus pares 
que votavam contra a jurisprudência pacífica da corte de modo a afirmar que “havia ignorância 
em relação aos precedentes do Supremo sobre a matéria”, como se não fosse possível uma 
mudança do paradigma jurisprudencial para futuras decisões. 
Observa-se, no caso narrado, uma nítida busca por uma proteção da jurisprudência, como se o 
julgado do Pretório Excelso, por si só, representasse o conteúdo da Constituição Federal. Essa 
visão teórica muito se aproxima do que Dworkin (2007, p. 141 e 142) qualifica como uma visão 
convencionalista do Direito. O conceito de Direito, a partir de tal prisma, institui que a força do 
precedente, por si só, incide no presente em razão da força das convenções do passado: 
A força coletiva só deve ser usada contra o indivíduo quando alguma 
decisão política do passado (a convenção) assim o autorizou explicitamente, 
de tal modo que advogados e juízes competentes estarão todos de acordo 
sobre qual foi a decisão, não importam quais sejam suas divergências em 
moral e política (DWORKIN, 2007, p. 141). 
Nessa mesma linha de pensamento, ao julgar a Reclamação nº 4.335, o ministro Gilmar Mendes 
sustentou a inaplicabilidade do art. 52, X, da Constituição Federal ao fundamento de que o 
Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional construíram, desde 1988, uma jurisprudência 
e uma legislação no sentido de fortalecer o controle concentrado de constitucionalidade. 
Ao apresentar um voto com inúmeros julgados e legislações para sustentar a sua tese, o ministro 
Gilmar Mendes tentou impor uma ideia convencionalista de que “[...] qualquer consenso 
alcançado pelos juristas sobre a legislação e o precedente deve ser visto como uma questão de 
convenção” (DWORKIN, 2007, p.164) e, portanto, como uma questão vinculante para os seus 
pares, mesmo que, na visão do ministro, levasse a inaplicabilidade de uma determinação 
constitucional relativa à atribuição dos Poderes da República. 
O ministro Eros Grau, ainda na Reclamação nº 4.335, não só seguiu o voto do ministro Gilmar 
Mendes, como também menosprezou o trabalho dos cientistas do Direito (que se convencionou 
denominar doutrina), ao argumento de que o Direito é uma questão estritamente histórica, 
decorrente das legítimas decisões tomadas pelos legítimos intérpretes ao longo dos anos: 
Não estamos aqui para caminhar seguindo os passos da doutrina, mas para 
produzir o direito e reproduzir o ordenamento. Ela nos acompanhará, a 
doutrina. Prontamente ou com alguma relutância. Mas sempre nos 
Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 67, dez. 2015 mar. 2016 
 
acompanhará, se nos mantivermos fiéis ao compromisso de que se nutre a 
nossa legitimidade, o compromisso de guardamos a Constituição. O 
discurso da doutrina [discurso sobre o Direito] é caudatário do nosso 
discurso, o discurso do Direito. Ele nos seguirá; não o contrário. 
Vale citar, ainda, o voto do ministro Teori Albino Zavascki proferido no AI EREsp n° 64.4736: 
Sendo assim e considerando que a atividade de interpretar os enunciados 
normativos, produzidos pelo legislador, está cometida constitucionalmente 
ao Poder Judiciário, seu intérprete oficial, podemos afirmar, parafraseando a 
doutrina, que o conteúdo da norma não é, necessariamente, aquele 
sugerido pela doutrina, ou pelos juristas ou advogados, e nem mesmo o que 
foi imaginado ou querido em seu processo de formação pelo legislador; o 
conteúdo da norma é aquele, e tão somente aquele, que o Poder Judiciário 
diz que é. Mais especificamente, podemos dizer, como se diz dos 
enunciados constitucionais (a Constituição é aquilo que o STF, seu 
intérprete e guardião, diz que é), que as leis federais são aquilo que o STJ, 
seu guardião e intérprete constitucional, diz que são. 
Tem-se, seja no voto do ministro Eros Grau, seja no voto do ministro Gilmar Mendes, seja no voto 
do ministro Teori Albino Zavascki, a nítida divulgação de duas ideias basilares: a) de que a 
doutrina deve se curvar ao que foi decido, ao simplório argumento de que os magistrados são os 
legítimos intérpretes; e b) de que os

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