Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
GRADUAÇÃO 2020.1 TEORIA GERAL DA EMPRESA AUTOR: JOÃO PEDRO BARROSO DO NASCIMENTO COLABORADORES: BERNARDO SARMET (GRADUADO EM 2019.2 – FGV DIREITO RIO), LUCAS DANIEL GERMANO DA SILVA (GRADUANDO, TURMA 2017.1 – FGV DIREITO RIO) E MARIA JULIA PINHEIRO PIRES (GRADUANDA, TURMA 2017.1 – FGV DIREITO RIO). Sumário Teoria Geral da Empresa TEORIA GERAL DA EMPRESA ....................................................................................................................................3 1. A ORIGEM E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COMERCIAL .........................................................................................9 2. O EMPRESÁRIO E O CENÁRIO ECONÔMICO ...............................................................................................................14 3. TEORIA DA EMPRESA E O DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL ........................................................................................28 4. TEORIA DA EMPRESA: ATO DE EMPRESA E ATO SIMPLES ..............................................................................................42 5. FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA ..............................................................................................................................51 6. REGIME JURÍDICO DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL .......................................................................................................60 7. SÓCIOS .........................................................................................................................................................65 8. NOME EMPRESARIAL ........................................................................................................................................77 9. ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL ........................................................................................................................88 10. DIREITO SOCIETÁRIO .....................................................................................................................................106 11. PLURALIDADE DE SÓCIOS. SOCIEDADE UNIPESSOAL ...............................................................................................111 12. CAPITAL SOCIAL E PATRIMÔNIO .......................................................................................................................120 13. PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES. SOCIEDADES PERSONIFICADAS. SOCIEDADES NÃO PERSONIFICADAS. LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE ..........................................................................................................................................135 14. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ................................................................................................142 3FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA TEORIA GERAL DA EMPRESA 1. PROFESSOR João Pedro Barroso do Nascimento Professor de Direito Empresarial da FGV Direito Rio. Doutorando e Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Pós-Graduado em Direito Empresarial, com concentração em Direito Societário e Mercado de Capitais, pela FGV Direito Rio. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo. 2. EMENTA DO CURSO Origem e Evolução Histórica do Direito Comercial. O Empresário e o Cenário Econômico. A Ordem Econômica Constitucional. Teoria da Empresa. Ato de Empresa. Ato Simples. Função Social da Empresa. Regime Jurídico do Empresário Individual. Sócios. Nome Empresarial. Estabelecimento Empresarial. Contrato de Trespasse. Direito Societário. Pluralidade de Sócios. Sociedade Unipessoal. Capital Social. Personalidade Jurídica das Sociedades. Sociedades Personificadas. Sociedades Não Personificadas. Limitação de Responsabilidade. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Teorias da Desconsideração da Personalidade Jurídica. 3. OBJETIVOS GERAIS Esta disciplina tem como objetivos: (i) proporcionar aos(as) alunos(as) aprendizado sobres os elementos da Teoria Geral da Empresa, com abordagem inicial sobre os desdobramentos do Direito Empresarial; (ii) provocar o interesse dos(as) alunos(as) para questões jurídicas atinentes ao ambiente empresarial e à dinâmica econômica das sociedades, abordando questões jurídicas à luz da aplicação prática; e (iii) desenvolver as habilidades dos(as) alunos(as) para identificar e compreender problemas inerentes às situações concretas e conceber soluções para superá-las. 4FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA 4. METODOLOGIA Suporte teórico, a partir do estudo de material didático (sugestão de livros, artigos, pareceres, comentários à legislação, dentre outros). Suporte prático, a partir do estudo de casos concretos. Incentivo ao envolvimento e participação dos alunos. 5. PROGRAMA TÓPICO TEMA 1 Origem e Evolução Histórica do Direito Comercial. 2 O Empresário e o Cenário Econômico. 3 Teoria da Empresa e o Direito Empresarial no Brasil. 4 Teoria da Empresa: Ato de Empresa e Ato Simples. 5 Função Social da Empresa. 6 Regime Jurídico do Empresário Individual. 7 Sócios. 8 Nome Empresarial. 9 Estabelecimento Empresarial. 10 Direito Societário. 11 Pluralidade de Sócios. Sociedade Unipessoal. 12 Capital Social e Patrimônio. 13 Personalidade Jurídica das Sociedades. Sociedades Personificadas. Sociedades Não Personificadas. Limitação de Responsabilidade. 14 Desconsideração da Personalidade Jurídica. 5FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA 6. AVALIAÇÃO Serão realizadas 02 (duas) provas, em sala de aula, compreendendo toda a matéria ministrada até a data de cada prova. A média aritmética referente à disciplina será obtida com base em tais avaliações. O(a) aluno(a) que obtiver média aritmética inferior a 7 (sete) deverá realizar uma terceira prova, a qual compreenderá toda a matéria do semestre. 7. ATIVIDADES COMPLEMENTARES Poderão ser propostas atividades adicionais que valerão pontos para a média aritmética (obtida com base nas duas primeiras provas) referente à disciplina, a critério do professor. 8. BIBLIOGRAFIA BÁSICA CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa – 16ª. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019. COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 23ª ed. – revisada, atualizada e ampliada. Thompson Reuters – Revista dos Tribunais: Rio de Janeiro, 2019. ASCARELLI, Tullio. “Origem do Direito Comercial”, Corso di Diritto Commerciale. Tradução de Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 103, 1996. 9. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ASCARELLI, Tullio. “A Atividade do Empresário”, in Corso di Diritto Commerciale. Tradução de Erasmo Valadão A. e N. França. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 132, p. 203 e segs., 2003. ASCARELLI, Tullio. “O Contrato Plurilateral”, in Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, São Paulo, Saraiva, 1945, p. 274 a 332. 6FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA ASQUINI, Alberto. “Perfis da Empresa”; Tradução de Fábio Konder Comparato. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial vol I. 31ª edição. Saraiva. São Paulo/2012 MONTEIRO, Newton Lucca Rogério; SANTOS, J. A. Penalva; SANTOS, Paulo Penalva. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Do Direito de Empresa (arts. 996 a 1.087), vol. IX. Forense: Rio de Janeiro/2005 KRAAKMAN, Reinier; ARMOUR, John et. al. The Anatomy of Corporate Law: A Comparative and Functional Approach. 3ª edição. Oxford: Oxford University Press, 2017. Adicionalmente às leituras acima discriminadas, poderão ser indicadas bibliografia complementares específicas, a serem oportunamente sugeridas, conforme evolução das aulas e a disponibilidade dos(as) alunos(as). 10. DIREITO EMPRESARIAL A disciplina de Teoria Geral da Empresa é primeira matéria de direito empresarial e buscará apresentar a estrutura geral do direito empresarial, tornando possívela compreensão de seus fundamentos, que serão complementados e aprofundados com o estudo dos demais ramos relacionados, conforme descrito na tabela abaixo. TEORIA GERAL DA EMPRESA Capacitar os(as) alunos(as) a compreenderem a origem e estrutura geral do direito empresarial, como identificar as diferenças existentes entre os atos simples e atos empresários, a função social da empresa, compreender as noções de estabelecimento e nome empresarial, a distinção entre a pessoa do sócio e a pessoa da sociedade, compreender as noções de capital social, de personalidade jurídica, de limitação de responsabilidade, de desconsideração da personalidade jurídica. 7FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA TIPOS SOCIETÁRIOS Compreensão sobre os tipos de governança e os regimes jurídicos aplicáveis aos tipos societários existentes no direito brasileiro, tais como as sociedades em comum, as sociedades em conta de participação, as sociedades limitadas e as sociedades anônimas. CONTRATOS EMPRESARIAIS Compreender os diversos institutos relacionados aos contratos empresariais e aos contratos financeiros e a interpretação dos contratos empresariais. TÍTULOS DE CRÉDITO Compreensão sobre os institutos relacionados à mobilização dos créditos no direito brasileiro, como mecanismos de financiamento do exercício da atividade empresária. DIREITO SOCIETÁRIO AVANÇADO Estudos sobre os principais institutos e instrumentos do Direito Societário, tais como as operações de reestruturação societária, financiamento de projetos e operações estruturadas. REGULAÇÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS Compreender a regulação do mercado de valores mobiliários, o sistema financeiro e sua função econômica, a estrutura institucional do mercado de valores mobiliários, o conceito de valores mobiliários e as principais regras aplicáveis aos participantes do mercado de valores mobiliários, a responsabilidade civil e administrativa dos administradores e acionistas controladores e a arbitragem no âmbito das companhia abertas. DIREITO CONCORRENCIAL Compreender a política e os fundamentos da defesa da concorrência, com atenção para o controle de estruturas e de condutas anticompetitivas, analisar os atos de concentração capazes de limitar a livre concorrência e as estratégias para prevenção de estruturas e condutas que propiciem abusos em detrimento de concorrentes e consumidores, compreender a função do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE. 8FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS Compreensão sobre os institutos da falência e da recuperação judicial de empresas no direito brasileiro. PROPRIEDADE INTELECTUAL Compreender os institutos e as políticas públicas relacionadas aos Direitos Intelectuais, o marco internacional e o marco legal referentes a direitos autorais, marcas e patentes. ARBITRAGEM, MEDIAÇÃO E NEGOCIAÇÃO Compreender os métodos Alternativos de Solução de Disputas, a natureza jurídica e os fundamentos básicos da Arbitragem, o procedimento arbitral e a relação entre o juízo arbitral e a jurisdição estatal. 9FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA 1. A ORIGEM E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COMERCIAL A) MATERIAL DE LEITURA Leitura Básica COMPARATO, Fábio Konder. Origem do Direito Comercial. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Editora Revista dos Tribunais Ltda., nº 103, p. 87 a 103. Leitura Complementar COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 23ª ed. – revisada, atualizada e ampliada. Thompson Reuters – Revista dos Tribunais: Rio de Janeiro, 2019. O Direito Comercial surgiu por iniciativa dos comerciantes, que começaram a editar normas reguladoras, originárias da própria atividade, pois, como o direito comum não regulamentava o comércio, foi necessária a criação de sistema próprio para tutela dos seus interesses. Quando observamos a história do Direito, podemos notar que, em contraposição ao direito tradicional, já consolidado, surgem institutos que concorrem com ele até que estes venham a se constituir como Direito. Nesse sentido, conforme apresenta Tullio Ascarelli, tal dicotomia “exerce a importante função de conciliar a rigidez (que é certeza) do Direito, com a sua também perene exigência de elasticidade, de adaptação.”1 Assim, é na civilização das comunas italianas, durante a Idade Média, que: (...) o direito comercial começa a afirmar-se, em contraposição à civilização feudal (...). O direito comercial aparece, por isso, como um fenômeno histórico, cuja origem é ligada à afirmação de uma civilização burguesa e urbana, na qual se desenvolve um novo espírito empreendedor e uma nova organização dos negócios.2 1 Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Editora Revista dos Tribunais Ltda., nº 103. COMPARATO, Fábio Konder. Origem do Direito Comercial, p. 87. 2 Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Editora Revista dos Tribunais Ltda., nº 103. COMPARATO, Fábio Konder. Origem do Direito Comercial, p. 87. 1 Revista de Direito Mercantil, Indus- trial, Econômico e Financeiro. Editora Revista dos Tribunais Ltda., nº 103. COMPARATO, Fábio Konder. Origem do Direito Comercial, p. 87. 2 Revista de Direito Mercantil, Indus- trial, Econômico e Financeiro. Editora Revista dos Tribunais Ltda., nº 103. COMPARATO, Fábio Konder. Origem do Direito Comercial, p. 87. 10FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Nesse sentido, em clara contraposição à economia romana, até então lastreada em concepções servis, as comunas italianas valorizavam o exercício de um trabalho livre. Isto é, as cidades se tornaram, nesse aludido momento, em centros de circulação de mercadorias e serviços.3 Na segunda metade do século XII, surge o Direito dos Mercadores, o qual decorre de um processo de ruptura com o direito civil. Era um direito mais prático e dinâmico, que tinha como principais funções atender às necessidades e defender os interesses dos comerciantes que estivessem matriculados nas Corporações de Ofício para solução de conflitos nas relações de negócio entre eles. Tais corporações compreendiam “os mestres de cada arte e, ao lado deles, mas em posição subordinada, seus companheiros de trabalho e aprendizes”.4 Esta fase é considerada a origem do Direito Comercial e é identificada pela marca da teoria subjetiva5. Isto porque só eram considerados comerciantes aqueles que estavam matriculados nas Corporações, e somente estes tinham acesso aos privilégios próprios dos comerciantes, tais como: insolvência empresarial, presunção de veracidade da escrita contábil e acesso aos Tribunais do Comércio, que eram ligados às Corporações, compostos por comerciantes, dispondo de uma atividade jurisdicional especializada para tratar dos conflitos comerciais. O surgimento do Estado Centralizado, com o poder nas mãos de um Monarca, transforma o Direito Comercial (dos Mercadores) em um direito regulamentador das atividades dos comerciantes, contribuindo para o fortalecimento do Estado Nacional perante as Corporações de Ofício que, até então, legislavam livremente. A ruptura do sistema subjetivo se dá com os ideais da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade –, dando lugar ao surgimento de um direito unificado para todos que se dedicassem à atividade mercantil. A prática dos atos de comércio passa a ser livre e a classificação do comerciante passa a ser objetiva, ou seja, o que o torna sujeito um comerciante é a sua atividade – prática de atos de comércio. Em matéria de atividade produtiva, formaram-se duas ordens distintas de identificação: (i) uma ligada aos atos de comércio, que é a atividade negocial, e tem como exemplos a compra e venda de mercadorias, atividades financeiras, atividades industriais etc.; e (ii) outra ligada aos atos civis, peculiar e característica das atividades ligadas à terra, como a agricultura, extrativismo, pecuária, entre outras.3 Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Editora Revista dos Tribunais Ltda., nº 103. COMPARATO, Fábio Konder. Origem do Direito Comercial, p. 89. 4 Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Editora Revista dos Tribunais Ltda., nº 103. COMPARATO, Fábio Konder. Origem do Direito Comercial, p. 89. 5 Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Editora Revista dos Tribunais Ltda., nº 103. COMPARATO, Fábio Konder. Origem do Direito Comercial, p. 91. 3 Revista de Direito Mercantil, Indus- trial, Econômico e Financeiro. Editora Revista dos Tribunais Ltda., nº 103. COMPARATO, Fábio Konder. Origem do Direito Comercial, p. 89. 4 Revista de Direito Mercantil, Indus- trial, Econômico e Financeiro. Editora Revista dos Tribunais Ltda., nº 103. COMPARATO, Fábio Konder. Origem do Direito Comercial, p. 89. 5 Revista de Direito Mercantil, Indus- trial, Econômico e Financeiro. Editora Revista dos Tribunais Ltda., nº 103. COMPARATO, Fábio Konder. Origem do Direito Comercial, p. 91. 11FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Com esse fracionamento, era possível apresentar diferentes formas de solução para casos idênticos. A regra a ser aplicada variava segundo o ordenamento jurídico predominante nas diversas regiões do local. Em 1807, surge o Código Napoleônico objetivando o tratamento jurídico da atividade mercantil com a adoção da teoria dos atos de comércio. CODE DE COMMERCE - LIVRE PREMIER - DU COMMERCE EN GENERAL. TITRE Ier – DES COMMERÇANTS. Art. 1er. – Sont commerçants ceux qui exercent des actes de commerce et en font leur profession habituelle.. Em 1850, profundamente influenciado pelo Código Francês, surge, no direito brasileiro, o Código Comercial que, embora tenha adotando a teoria dos atos de comércio do sistema francês, não os elencou. Com isso, foi necessária a edição de um diploma adjetivo – o Regulamento nº 737/1850 – que discriminasse, de forma exemplificativa, os atos considerados de mercancia/comércio. Ao regulamentar o nosso Código Comercial, o Regulamento n.º 737 estabeleceu, no bojo dos artigos 19 e 20, os atos considerados de mercancia, complementando o art. 4º do Código Comercial, que somente estabelecia ser comerciante aquele que fazia da mercancia sua atividade habitual. Veja-se: Código Comercial de 1850: Artigo 4º - Ninguém é reputado comerciante para efeito de gozar da proteção que este Código liberaliza em favor do Comércio, sem que se tenha matriculado em algum dos Tribunais do Comércio do Império, e faça da mercancia profissão habitual. Regulamento n.º 737 de 1850: (...) Artigo 19 – Considera-se mercancia: a compra e venda ou troca de efeitos móveis ou semoventes para os vender por grosso ou retalho, da mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso. as operações de câmbio, banco ou corretagem; as empresas de fábricas, de comissões, de depósito, de expedição, consignação e transporte de mercadorias, de espetáculos públicos; os seguros, fretamentos, riscos e quaisquer contratos relativos ao comércio marítimo; e a armação e expedição de navios. 12FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Artigo 20 – Serão também julgados em conformidade dos dispositivos do Código, e pela mesma forma de processo, ainda que não intervenha pessoa comerciante: 1º. As questões entre particulares sobre títulos de dívida pública e outros quaisquer papéis de crédito do governo; 2º. As questões de companhias e sociedades qualquer que seja a sua natureza objeto; 3º. As questões que derivem de contratos de locação compreendidos na disposição do Título X, Parte I, do Código, com exceção somente das que forem relativas à locação de prédios rústicos e urbanos; 4º. As questões relativas a letras de câmbio e de terras, seguros, riscos e fretamentos. Em sequência, com o advento do Código Civil de 2002, o critério de identificação do comerciante desapareceu com a revogação expressa da parte I do Código Comercial.6 Assim, há uma substituição da figura do comerciante pela do empresário, o que, atualmente, traz ao cenário empresarial diferentes tipos de implicações, conforme abordaremos oportunamente. Contudo, há que se ressaltar que o Código Comercial não restou totalmente revogado, tendo em vista que, ainda hoje, é aplicável ao comércio marítimo, muito embora tenha sofrido a revogação expressa de sua Primeira Parte (art. 2.045 do Código Civil de 2002). Ademais, conforme alude o art. 2.037 do CC/02, a legislação aplicável a comerciantes individuais e sociedades comerciais e a atividades mercantis em geral permanece ainda em vigor, naquilo que não conflitar com as disposições do CC/02. Com efeito, embora a figura do comerciante tenha sido absorvida pela moldura do empresário: (...) o empresário não se mostra como simples versão moderna do comerciante. (...) Destarte, o empresário encampa não só o tradicional comerciante, modernamente chamado pela doutrina de empresário comercial, já na trilha da construção do Direito de Empresa, mas também algumas das espécies de empresários civis, que exercem atividade econômica, na qual reside, nesse gênero, a clássica sociedade civil com fim lucrativo.7 6 Art. 2.045 do Código Civil de 2002. “Revogam-se a Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei no 556, de 25 de junho de 1850”. 7 CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: direito de empresa – 16. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 3. 6 Art. 2.045 do Código Civil de 2002. “Revogam-se a Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei no 556, de 25 de junho de 1850”. 7 CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: direito de empresa – 16. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 3. 13FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Face ao contexto acima exposto, há que se destacar que surgem, com o advento do Código Civil de 2002, as sociedades empresárias, que exercem atividade própria de empresário, e as sociedades simples, que não exercem a empresa, conforme estudaremos ao longo dos próximos tópicos. 14FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA 2. O EMPRESÁRIO E O CENÁRIO ECONÔMICO A) MATERIAL DE LEITURA Leitura Básica Texto: “A Atividade do empresário”. Revista de Direito Mercantil n.º 132, p. 203 a 215. Texto: “O Empresário”. Revista de Direito Mercantil n.º 109 pgs. 182 a 189. BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito Administrativo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp. 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. Disponível em: <http://bibliotecadigital. fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47240/44652>. Acesso em: 25/01/2020. Leitura Complementar PORTUGAL GOUVÊA, Carlos e YOSHIKAWA, Caio Henrique, O Perfil do Advogado Empresarial Contemporâneo: Entre o Arquiteto Institucional e o Empreendedor Jurídico. Cadernos FGV Direito Rio n° 10, pp. 93- 114. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2444179 GRAU, Eros Roberto. Ordem Econômica na Constituição de 1988 - 19ª Ed. 2018. ASCARELLI, Tullio. “O Empresário”, in Corso di Diritto Commerciale. Tradução de Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 109, p. 183 a 189, 1998. Para que possamos adentrar a Teoria Geral da Empresa, temos que, inicialmente, refletir sobre o conceito de “empresa” em nosso ordenamento jurídico e, com isso, melhor compreender a influência do empresário e da sociedade empresária no cenário econômico nacional como responsável pela geração de empregos, arrecadação de tributos e fomento de riquezas8. 8 “O comércio civiliza as nações, enriquece os povos e constitui poderosas as monarquias, que se arruínam com a sua decadência e abatimento de cultura; mas é preciso que nele se pratique com mútua fidelidade. A alma do comércio consiste na liberdade” - Alvará do Rei de Portugal, de 17 de agosto de1758. 8 “O comércio civiliza as nações, enri- quece os povos e constitui poderosas as monarquias, que se arruínam com a sua decadência e abatimento de cultura; mas é preciso que nele se pratique com mútua fidelidade. A alma do comércio consiste na liberdade” - Alvará do Rei de Portugal, de 17 de agosto de 1758. 15FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA O QUE É EMPRESA? O Código Civil de 2002, ao adotar as concepções do direito italiano, não conceituou a empresa, fixando apenas o conceito de empresário9. Isto tendo em vista que a empresa é considerada elemento abstrato, fruto da ação intencional do empresário em promover o seu exercício de maneira economicamente organizada.10 Antes de adentrar neste tema, note-se que, observada a imprecisão científica e a insuficiência da teoria dos atos de comércio11 , fez-se necessária a construção de um novo sistema, que se adequasse aos avanços da economia e que delimitasse o âmbito de aplicação das normas comerciais. Tudo isto de forma a adaptar a disciplina às necessidades das sociedades contemporâneas. De fato, é inquestionável a importância do papel econômico e social atualmente exercido pela empresa, tendo se tornado imprescindível na ordem econômica globalizada. Tal relevância é salientada por economistas e juristas dos mais renomados, chegando-se a afirmar, com todo acerto, que: A evolução da empresa representa, na realidade, um elemento básico para a compreensão do mundo contemporâneo. Do mesmo modo que, no passado, tivemos a família patriarcal, a paróquia, o Município, as corpo rações profissionais, que caracterizam um determinado tipo de sociedade, a empresa representa, hoje, a célula fundamental da economia de mercado.12 No mesmo sentido, Fábio Konder Comparato resume bem a importância da empresa atualmente, da seguinte forma: Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa.13 Tal constatação é também com frequência apontada por diferentes economistas. Referindo-se especificamente às sociedades anônimas, assevera-se que “o capitalismo moderno não teria podido se desenvolver se a sociedade por ações não existisse.”14 9 CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 11. 10 CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p.11. 11 Tal foi a afirmação de J. X. Carvalho de Mendonça, autor que propôs conhecidíssima classificação dos atos de comércio, nos seguintes termos: “Os códigos e tratados de direito comercial não oferecem conceito jurídico unitário e completo sobre os atos de comércio. Legislação e doutrina não se harmonizam em tão relevante assunto, o que multiplica os embaraços à construção de sólido sistema científico.” (J.X. Carvalho de Mendonça, “Tratado de Direito Comercial Brasileiro”, vol. I, livro I, 6ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos,1957, p. 419). Na mesma obra, o autor revela a amplitude do problema no direito comparado, citando entre os que compartilham de seu entendimento Lyon Caen et Renault, na França, Vidari, Vivante e Navarrini, na Itália, além do suíço Muzinger, do espanhol Estaséne e do argentino Segovia (pp. 419-421). 12 WALD, Arnoldo. O Espírito Empresarial, a Empresa e a Reforma Constitucional. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro nº 98/51-57. São Paulo: Ed. RT, abril/junho, 1995. P. 55. 13 COMPARATO, Fábio Konder. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990. P. 3. 14 LIPPKANN, Walter. A Cidade Livre. 1938. P. 329 apud Georges Ripert, Aspectos Jurídicos do Capitalismo Moderno. Campinas: RED livros, 2002. P. 67. 9 CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo: Sa- raiva Educação, 2019, p. 11. 10 CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo: Sa- raiva Educação, 2019, p.11. 11 Tal foi a afirmação de J. X. Carvalho de Mendonça, autor que propôs co- nhecidíssima classificação dos atos de comércio, nos seguintes termos: “Os códigos e tratados de direito comercial não oferecem conceito jurídico unitário e completo sobre os atos de comércio. Legislação e doutrina não se harmoni- zam em tão relevante assunto, o que multiplica os embaraços à construção de sólido sistema científico.” (J.X. Car- valho de Mendonça, “Tratado de Direi- to Comercial Brasileiro”, vol. I, livro I, 6ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos,1957, p. 419). Na mesma obra, o autor revela a amplitude do problema no direito comparado, citando entre os que com- partilham de seu entendimento Lyon Caen et Renault, na França, Vidari, Vivante e Navarrini, na Itália, além do suíço Muzinger, do espanhol Estaséne e do argentino Segovia (pp. 419-421). 12 WALD, Arnoldo. O Espírito Empre- sarial, a Empresa e a Reforma Consti- tucional. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro nº 98/51-57. São Paulo: Ed. RT, abril/ju- nho, 1995. P. 55. 13 COMPARATO, Fábio Konder. Direito Empresarial: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990. P. 3. 14 LIPPKANN, Walter. A Cidade Livre. 1938. P. 329 apud Georges Ripert, As- pectos Jurídicos do Capitalismo Moder- no. Campinas: RED livros, 2002. P. 67. 16FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA No entanto, sob a égide da Teoria Objetiva, diversas atividades de caráter intrinsecamente empresarial eram ignoradas pelo Direito Comercial, visto não se enquadrarem nas acepções legais de ato de comércio. Apenas para citar um, entre diversos exemplos admissíveis, o desenvolvido setor de serviços, por exemplo, por não se enquadrar nas definições elaboradas para os atos de comércio, não se encontrava regulado pelas normas comerciais, o que per si demonstrava a necessidade de uma nova sistemática. Assim, a Teoria Subjetiva moderna apresenta como núcleo fundamental o conceito de empresa15. Ocorre que mesmo entre os adeptos da “Teoria da Empresa”, em especial os italianos, marcados pelo seu pioneirismo16, tem-se encontrado dificuldades para definir o seu conceito jurídico, não obstante sua pacífica conceituação nas ciências econômicas. A esse propósito, vale registrar a lição de Rubens Requião: Em vão, os juristas têm procurado construir um conceito jurídico próprio para tal organização. Sente-se em suas lições certo constrangimento, uma verdadeira frustração por não lhes haver sido possível compor um conceito jurídico próprio para a empresa, tendo o comercialista que se valer do conceito formulado pelos economistas. Por isso, persistem os juristas no afã de edificar em vão um original conceito jurídico de empresa, como se fosse desdouro para a ciência jurídica transpor para o campo jurídico um bem elaborado conceito econômico.17 Alguns autores, tais como Giuseppe Ferri, ensinam que a noção econômica de empresa, sob a qual deve se assentar o seu conceito jurídico18 , incorpora-se na organização dos fatores de produção, baseada em princípios técnicos e leis econômicas, propondo-se à satisfação de necessidades alheias, vale dizer, do mercado. A este propósito, vale citar, pela clareza, os ensinamentos de Sylvio Marcondes: O conceito econômico de empresa está na organização dos fatores de produção de bens ou de serviços para o mercado, coordenada pelo empresário, que lhe assume os resultados. Sobre este conceito econômico ninguém põe dúvida. Mas, como o Direito trata este conceito econômico?19 15 Tullio Ascarelli vê a manutenção de um critério objetivo, pela importância que se dá à atividade na qualificação do empresário (“O empresário” (Tradução de Fábio Konder Comparato, in “Corso di Diritto Comerciale — Introduzione e Teoria dell’Impresa”, 3ª ed., Milano: Giuff rè, 1962; pp. 145-160). Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n.º 109/183-189, São Paulo: Malheiros, janeiro/março, 1998). 16 Constata Rubens Requiãoque “são juristas italianos os que mais se dedicam ao estudo da empresa. Já sabemos que o moderno direito privado da Itália funda-se sobre a teoria da empresa. Mas, antes mesmo da reforma de 1942, os comercialistas peninsulares indagavam, como Vivante, sobre o seu conceito, em face das referências a ela feitas na enumeração dos atos de comércio” (REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2000. P. 53). 17 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 50. 18 O jurista italiano Vivante igualou o conceito jurídico ao conceito econômico, consoante apontado por Rubens Requião. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 53 19 MARCONDES, Sylvio. Questões de Direito Mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977. P. 8. No mesmo sentido, temos a lição de Waldírio Bulgarelli, nos seguintes termos: “Os economistas vêm se esforçando desde a Revolução Industrial em conceituar a empresa, nem sempre com êxito. Hoje, contudo, é quase unânime a ideia de que a empresa é uma unidade organizada de produção e comercialização de bens e serviços para o mercado”. BULGARELLI, Waldírio. Sociedades, Empresa e Estabelecimento. São Paulo: Atlas, 1980. P. 19. O mesmo autor, em obra diversa, demonstra o seu aceite pelo conceito econômico de empresa: “Uma vez, portanto, que há verdadeira unanimidade em relação ao conceito econômico de empresa, como aliás assinala muito bem Sylvio Marcondes, nada há de errado na sua aceitação por parte do Direito, e foi nessa conformidade que a legislação veio regulando os seus vários aspectos (...)”.BULGARELLI, Waldírio. Estudos e Pareceres de Direito Empresarial: o Direito das Empresas. São Paulo: Ed. RT, 1980. P. 17. 15 Tullio Ascarelli vê a manutenção de um critério objetivo, pela importância que se dá à atividade na qualificação do empresário (“O empresário” (Tradução de Fábio Konder Comparato, in “Corso di Diritto Comerciale — Introduzione e Teoria dell’Impresa”, 3ª ed., Milano: Giuff rè, 1962; pp. 145-160). Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n.º 109/183-189, São Paulo: Malheiros, janeiro/março, 1998). 16 Constata Rubens Requião que “são juristas italianos os que mais se dedi- cam ao estudo da empresa. Já sabemos que o moderno direito privado da Itália funda-se sobre a teoria da empresa. Mas, antes mesmo da reforma de 1942, os comercialistas peninsulares indaga- vam, como Vivante, sobre o seu concei- to, em face das referências a ela feitas na enumeração dos atos de comércio” (REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2000. P. 53). 17 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 50. 18 O jurista italiano Vivante igualou o conceito jurídico ao conceito econômico, consoante apontado por Rubens Re- quião. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 53 19 MARCONDES, Sylvio. Questões de Direito Mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977. P. 8. No mesmo sentido, temos a lição de Waldírio Bulgarelli, nos seguin- tes termos: “Os economistas vêm se es- forçando desde a Revolução Industrial em conceituar a empresa, nem sempre com êxito. Hoje, contudo, é quase unâ- nime a ideia de que a empresa é uma unidade organizada de produção e comercialização de bens e serviços para o mercado”. BULGARELLI, Waldírio. So- ciedades, Empresa e Estabelecimento. São Paulo: Atlas, 1980. P. 19. O mesmo autor, em obra diversa, demonstra o seu aceite pelo conceito econômico de empresa: “Uma vez, portanto, que há verdadeira unanimidade em relação ao conceito econômico de empresa, como aliás assinala muito bem Sylvio Marcondes, nada há de errado na sua aceitação por parte do Direito, e foi nessa conformidade que a legislação veio regulando os seus vários aspectos (...)”.BULGARELLI, Waldírio. Estudos e Pareceres de Direito Empresarial: o Direito das Empresas. São Paulo: Ed. RT, 1980. P. 17. 17FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Para responder à indagação formulada pela doutrina, deve-se atentar para uma observação feita por Alberto Asquini, o qual com muito acerto indicou que as dificuldades da conceituação jurídica de empresa derivam do fato de esta ser um “fenômeno poliédrico”. Com esta afirmação, o comercialista italiano demonstra que a empresa apresenta um conceito econômico unitário, o mesmo não ocorrendo com o seu conceito jurídico, recebendo a empresa tratamentos legislativos diversos.20 Firmado esse entendimento, sugere o jurista italiano que se abdique da tentativa de elaboração de um conceito jurídico de empresa, devendo-se focar no estudo dos “aspectos jurídicos da empresa econômica”, na expressão de Giuseppe Ferri21 Sob esses argumentos, Asquini elabora a sua difundida Teoria dos Perfis da Empresa22, bem resumida por Rubens Requião: Vislumbra, então, Asquini a empresa sob quatro diferentes perfis: a) o perfil subjetivo, que vê a empresa como o empresário; b) o perfil funcional, que vê a empresa como atividade empreendedora; c) o perfil patrimonial ou objetivo, que vê a empresa como estabelecimento; d) o perfil corporativo, que vê a empresa como instituição.23 O Codice Civile italiano de 1942, pioneiro ao sugerir um modelo que superasse o sistema francês, não chega a estabelecer um conceito jurídico de empresa, preferindo definir o seu perfil subjetivo — o empresário — em seu art. 2.08224, como sendo aquele que exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens ou serviços. O legislador brasileiro, inspirado pelo modelo italiano, não apresenta inovações em relação ao Codice Civile de 1942, ao definir, em seu artigo 966, o empresário como sendo “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”25 Das definições legais supracitadas decorrem os elementos essenciais à empresa, quais sejam, no entendimento de Rubens Requião: (i) o sujeito de direito, (ii) a sua atividade particular, (iii) a finalidade produtiva e (iv) o caráter profissional26. Waldírio Bulgarelli também faz referência a quatro elementos. 20 Apud MARCONDES, Sylvio. Questões de Direito Mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977. P.8. 21 Apud REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 55. 22 Referida tese foi publicada na Rivista del Diritto Commerciale, fascs. 1 e 2, em 1943, sob o titulo “Profi lidell’Imprensa”, conforme REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 71. Em português, a tese foi publicada, com tradução de Fábio Konder Comparato, na Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n.º104/109-126, São Paulo: RT, outubro/ dezembro, 1996. 23 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 24 Art. 2.082 do Codice Civile italiano de 1942: “Imprenditore — È imprenditore chi esercita professionalmente una attività economica organizzata al fi ne della produzione o dello scambio di beni o di servizi”. 25 Art. 966 do Novo Código Civil: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” 26 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 55. 20 Apud MARCONDES, Sylvio. Questões de Direito Mercantil. São Paulo: Sarai- va, 1977. P.8. 21 Apud REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 55. 22 Referida tese foi publicada na Ri- vista del Diritto Commerciale, fascs. 1 e 2, em 1943, sob o titulo “Profi lidell’Imprensa”, conforme REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 71. Em português, a tese foi publi- cada, com tradução de Fábio Konder Comparato, na Revista de Direito Mer- cantil, Industrial, Econômico e Finan- ceiron.º104/109-126, São Paulo: RT, outubro/ dezembro, 1996. 23 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. 24 Art. 2.082 do Codice Civile italiano de 1942: “Imprenditore — È impren- ditore chi esercita professionalmente una attività economica organizzata al fi ne della produzione o dello scambio di beni o di servizi”. 25 Art. 966 do Novo Código Civil: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circu- lação de bens ou de serviços” 26 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 55. 18FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Contudo, o renomado comercialista os apresenta como sendo (i) a organização, (ii) a atividade econômica, (iii) o fim lucrativo e (iv) a profissionalidade27. Bugarelli acrescenta o fim lucrativo como elemento essencial à empresa, posto que não há empresa que não vise a obtenção de lucro. Por esse contexto, cabe observar que, no esforço de construir um conceito jurídico de empresa, pouco se afastou da noção econômica. A esse propósito, é incisiva a conclusão de Waldírio Bulgarelli, centralizando o conceito de empresa no seu perfil subjetivo, seguindo a opção legislativa italiana e brasileira: Com base no exposto, entende-se que o conceito de empresa pode ser compreendido como sendo a organização da atividade econômica com objetivo de produzir ou trocar bens ou serviços. Observa-se, com isso, que o conceito jurídico de empresa pouco se afastou da noção econômica: Dessume-se, assim, o conceito de empresa daquele de empresário, podendo-se conceituá- la como a organização da atividade econômica para o fim de produção ou de troca de bens ou serviços. Verifica-se, portanto, a transmutação que ocorreu no conceito econômico na sua passagem para o âmbito jurídico, sob a égide do empresário, ou seja, de organização da atividade econômica para o de exercício profissional da atividade econômica organizada.28 27 BULGARELLI, Waldírio. Sociedades, Empresa e Estabelecimento. São Paulo: Atlas, 1980. P. 22. 28 LAMY FILHO, Alfredo. A reforma da Lei de Sociedades Anônimas. IN: Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 18. 27 BULGARELLI, Waldírio. Sociedades, Empresa e Estabelecimento. São Paulo: Atlas, 1980. P. 22. 28 LAMY FILHO, Alfredo. A reforma da Lei de Sociedades Anônimas. IN: Temas de Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 18. 19FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL. A ordem econômica constitucional brasileira passou por considerável alteração desde o século XX, especialmente após a redemocratização com a Constituição da República de 1988. No século passado, o Brasil era, segundo aponta Bresser Pereira, um “Estado oligárquico e patrimonial, no seio de uma economia agrícola mercantil e de uma sociedade de classes mal saída do escravismo. Cem anos depois, é hoje um Estado democrático, entre burocrático e gerencial”.29 O sistema de governança brasileiro era inspirado no sistema francês, pautado na hierarquia e na centralização do poder nas mãos do Chefe do Poder Executivo. Nesse sentido, Sérgio Guerra aponta que: O quadro de forte centralização do poder nas mãos do Chefe do Poder Executivo só foi modestamente mitigado no Brasil com a implantação, parcial, do modelo de agências reguladoras. Esse modelo surgiu na década de 90 do século passado, sendo implantado em um momento de reestruturação do papel do Estado em relação à sua atuação na economia.30 Nota-se, portanto, que havia a preeminência da autoridade política no plano econômico. Tal fenômeno, especialmente após a II Guerra Mundial, tornou-se crescente nas economias mundiais: ao assumirem as sociedades mercantis, privadas na sua configuração jurídica, as formas burocratizadas dos entes públicos, o poder por elas exercido passou a manifestar uma tendência à concentração, implodindo-se a possibilidade de regulação dos mercados conforme os parâmetros pressupostos pelo Direito Privado, observando-se, ao contrário, a sua insuficiência progressiva. Por exemplo, o controle de preços claramente deixava de ocorrer apenas pela lei da oferta e da procura, pois a emergência de um verdadeiro poder econômico paralelo ao poder político, significava a possibilidade de um controle sobre as regras de controle, sua manipulação e transformação. Na contrapartida desta possibilidade de perversão das regras de mercado pelo próprio regime de mercado livre, reconhecia-se a legitimidade da intervenção reguladora do Estado na economia.31 29 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. In Pinheiro, Wilheim e Sachs (orgs.), Brasil: Um Século de Transformações. S. Paulo: Cia. Das Letras, 2001: 222-259. p. 1. 30 GUERRA, Sérgio. SEPARAÇÃO DE PODERES, EXECUTIVO UNITÁRIO E ESTADO ADMINISTRATIVO NO BRASIL - UM DOSSIÊ SOBREESTADO ADMINISTRATIVO. Revista Estudos Institucionais, Vol. 3, 1, 2017, p. 144. 31 FERRAS JR., Tércio Sampaio. Congelamento de preços - tabelamentos oficiais (parecer), Revista de Direito Público n° 91, 1989. 29 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. In Pi- nheiro, Wilheim e Sachs (orgs.), Brasil: Um Século de Transformações. S. Pau- lo: Cia. Das Letras, 2001: 222-259. p. 1. 30 GUERRA, Sérgio. SEPARAÇÃO DE PO- DERES, EXECUTIVO UNITÁRIO E ESTADO ADMINISTRATIVO NO BRASIL - UM DOS- SIÊ SOBREESTADO ADMINISTRATIVO. Revista Estudos Institucionais, Vol. 3, 1, 2017, p. 144. 31 FERRAS JR., Tércio Sampaio. Con- gelamento de preços - tabelamentos oficiais (parecer), Revista de Direito Público n° 91, 1989. 20FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Em face disso, a Constituição de 1988 consagrou, em seu art. 174, o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, sendo-lhes atribuídas as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Juntamente a isto, estabeleceu compreensão diametralmente oposta a imposição de um capitalismo de Estado. Assim, passou-se a enxergar o Estado como um dos agentes que compõe a ordem econômica, tendo ele, além do dever de promover a fiscalização, o incentivo e o planejamento da atividade econômica, o de não se substituir ao mercado.32 Inclusive, como fundamentos da ordem econômica, o Estado deve guardar respeito aos princípios fundamentais da livre iniciativa e da valorização do trabalho humano (art. 170, CRFB/88). Portanto, conforme apresentado por Tércio Sampaio, o papel do Estado como agente normativo e regulador foi fixado negativamente, no texto constitucional, pelo princípio da livre iniciativa, no sentido de que esta não poderá ser suprimida. E continua: O Estado, ao agir, tem o dever de omitir a sua supressão. Positivamente, os limites das funções de fiscalização, estímulo e planejamento estão nos princípios da ordem, que são a sua condição de possibilidade. O primeiro deles é a soberania nacional. Nada fora do pacto constituinte. Nenhuma vontade pode se impor de fora do pacto constitucional, nem mesmo em nome de alguma racionalidade da eficiência, externa e tirânica. O segundo é a propriedade privada, condição inerente à livre iniciativa e lugar da sua expansão. O terceiro é a função social da propriedade, que tem a ver com a valorização do trabalho humano e confere o conteúdo positivo da liberdade de iniciativa. O quarto é a livre concorrência: a livre iniciativa é para todos, sem exclusões e discriminações. O quinto é a defesa do consumidor, devendo se velar para que a produção esteja a serviço do consumo e não este a serviço daquela. O sexto é a defesa do meio ambiente, entendendo-se que uma natureza sadia é um limite à atividade e também sua condição de exercício. A redução de desigualdades sociais e regionais é o sétimo. Trata-se de um princípio-finalidade, um sentido de orientação. O oitavo é a busca do pleno emprego. 32 Tércio Sampaio Ferraz Jr, Congelamento de preços - tabelamentos oficiais(parecer), Revista de Direito Público n° 91, 1989. 32 Tércio Sampaio Ferraz Jr, Conge- lamento de preços - tabelamentos oficiais (parecer), Revista de Direito Público n° 91, 1989. 21FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Também é um princípio-finalidade. condição para a valorização do trabalho humano. O último é o tratamento favorecido às empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. É um princípio de equalização, que parte das desigualdades de fato, mas impõe um dever de condições mínimas de acesso à livre iniciativa.33 Consequentemente, cabe ao Estado a competência de desenvolver práticas redistributivas, assistencialistas, que venham a estimular a economia ou a sociedade de maneira geral. O Estado, inclusive, poderá atuar “estimulando comportamentos da iniciativa privada que conduzam a esses resultados, oferecendo vantagens fiscais, financiamentos, melhores condições de exercício de determinadas atividades, dentre outras formas de fomento.”34 Nesse sentido, Barroso aponta três formas de intervenção estatal na economia: (i) a intervenção direta; (ii) o fomento; e (iii) a disciplina. Veja-se: O Estado pode interferir na ordem econômica mediante uma atuação direta, isto é: assumindo, ele próprio, o papel de produtor ou prestador de bens ou serviços. Essa modalidade de intervenção assume duas apresentações distintas: (a) a prestação de serviços públicos e (b) a exploração de atividades econômicas. Entretanto, cabe não perder de vista que a atuação direta do Estado na economia é excepcional, só autorizada nos termos constitucionais, por representar uma exclusão da livre iniciativa. (...) De outra parte, o Estado interfere no domínio econômico por via do fomento, isto é, apoiando a iniciativa privada e estimulando (ou desestimulando) determinados comportamentos, por meio, por exemplo, de incentivos fiscais ou financiamentos públicos. (...) 33 Tércio Sampaio Ferraz Jr, Congelamento de preços - tabelamentos oficiais (parecer), Revista de Direito Público n° 91, 1989, p. 77/78. 34 BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito Administrativo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp. 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 201. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/ view/47240/44652>.Acesso em: 25/01/2020. 33 Tércio Sampaio Ferraz Jr, Conge- lamento de preços - tabelamentos oficiais (parecer), Revista de Direito Público n° 91, 1989, p. 77/78. 34 BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limi- tes à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito Administra- tivo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp. 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 201. Disponível em: <http:// bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/ rda/article/view/47240/44652>.Acesso em: 25/01/2020. 22FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Por fim, o Poder Público interfere com a atividade econômica traçando-lhe a disciplina. O propósito principal dessa forma de intervenção, como já se viu, é a preservação e promoção dos princípios de funcionamento da ordem econômica. Assim, em que pese os textos constitucionais anteriores tenham previsão à livre iniciativa, a CRFB/88 trouxe concepção que se contrapõe às demais Constituições brasileiras anteriores a ela. Isso porque a Constituição de 1988 retira do legislador ordinário a possibilidade de instituir novos monopólios estatais, deixando a cargo da Constituição a possibilidade de fazê-lo. Isto é, “não se admite que o legislador ordinário possa livremente exclui-la, salvo se agir fundamentado em outra norma constitucional específica”.35 Neste passo, o princípio da livre iniciativa deve ser interpretado e ponderado à vista dos demais valores e fins públicos previstos constitucionalmente, sujeitando-se a regulação e fiscalização do Estado, “cujo fundamento é a efetivação das normas constitucionais destinadas a neutralizar ou reduzir as distorções que possam advir do abuso da liberdade de iniciativa e aprimorar-lhe as condições de funcionamento”.36 Dentre os princípios da ordem econômica constitucional, previstos no art. 170 da CRFB/8837, Barroso compreende ser possível agrupá-los em dois grupos: (...) conforme se trate de princípios de funcionamento da ordem econômica e de princípios-fins. Em linhas gerais, os princípios de funcionamento estabelecem os parâmetros de convivência básicos que os agentes da ordem econômica deverão observar. Os princípios fins, por sua vez, descrevem realidades materiais que o constituinte deseja sejam alcançadas.38 Nisso, os princípios de funcionamento têm a ver com as relações produtivas dos agentes econômicos. Assim, não só o Estado, mas também todos os agentes estariam a eles vinculados. São tais princípios: (i) soberania nacional; (ii) propriedade privada; (iii) função social da propriedade; (iv) livre concorrência; (v) defesa do consumidor; e (vi) defesa do meio ambiente. 35 BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito Administrativo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp. 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 190. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/ view/47240/44652>.Acesso em: 25/01/2020. 36 BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito Administrativo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp. 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 191. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/ view/47240/44652>.Acesso em: 25/01/2020. 37 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração o País. 38 BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito Administrativo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp. 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 193. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/ view/47240/44652>.Acesso em: 25/01/2020. 35 BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limi- tes à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito Administra- tivo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp. 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 190. Disponível em: <http:// bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/ rda/article/view/47240/44652>.Acesso em: 25/01/2020. 36 BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limi- tes à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito Administra- tivo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp. 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 191. Disponível em: <http:// bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/ rda/article/view/47240/44652>.Acesso em: 25/01/2020. 37 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos exis- tência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência;V - defesa do consumidor VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elabo- ração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - trata- mento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração o País. 38 BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limi- tes à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito Administra- tivo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp. 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 193. Disponível em: <http:// bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/ rda/article/view/47240/44652>.Acesso em: 25/01/2020. 23FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Já os princípios fins constituem-se como objetivos a serem alcançados pela ordem econômica como um todo. Significa dizer que são finalidades a que visa o Estado; sendo eles: (i) existência digna para todos; (ii) redução das desigualdades regionais e sociais; (iii) busca do pleno emprego; e (iv) a expansão das empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país Desta feita, o papel do Estado na ordem econômica é “Preservação e promoção dos princípios de funcionamento e implementação de programas para a realização dos princípios-fins (...). Os princípios de funcionamento (...) são endereçados primordialmente à atividade do setor privado. Os princípios-fins determinam a política econômica estatal.”39 39 BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito Administrativo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp. 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 198. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/ view/47240/44652>.Acesso em: 25/01/2020. 39 BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limi- tes à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito Administra- tivo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp. 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 198. Disponível em: <http:// bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/ rda/article/view/47240/44652>.Acesso em: 25/01/2020. 24FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA ESTUDO DE CASOS ANGRA DOS REIS/RJ: Com o declínio da pesca, com a demissão de milhares de trabalhadores do Estaleiro Verolme (3.500 trabalhadores) e do Porto (600 trabalhadores), com o término das obras da Usina Angra II (4.000 trabalhadores), a Prefeitura estimou, no final do ano de 1999, que “se multiplicarmos o número de desempregados pela média familiar, chegaremos a alarmante conclusão de que quase 40% de população do Município perdeu parte ou toda a renda familiar” (Extraído do documento “Centro de Formação Profissional da Baía de Ilha Grande” - Carta consulta elaborada pela Prefeitura Municipal de Angra dos Reis e enviada ao Ministério da Educação, 1999:-5). Em 1982, o Estaleiro Verolme chegou a ter 7291 funcionários, o que representava 21,78% do total de trabalhadores da indústria naval no Brasil. Absorvendo 12% da força de trabalho angrense, a Verolme era a maior fonte de geração de empregos no município além de contribuir para o surgimento de comércio e outras atividades ao seu redor. Como consequência à retração das atividades do Estaleiro Verolme na década de 90, a população de rua aumentou, favelas surgiram e o número daqueles que, através da economia popular, vêm tentando produzir – por conta própria – os seus meios de sobrevivência cresceu. PORTO REAL/RJ: O grupo PSA Peugeot-Citroën inaugurou a unidade de Porto Real no ano 2000 com 400 empregados. Em 2004, já empregava dois mil funcionários. A instalação da fábrica impulsionou a economia do Médio Paraíba, atraindo fornecedores e consolidando o Pólo Metal-Mecânico na região. Porto Real foi o município que registrou o maior crescimento do PIB no período 1996-2000 – 234,7%, contra 92,8% do segundo colocado, a vizinha Resende40. 40 http://www.glb.com.br/clipweb/manchetes/noticias.asp?934355 (acesso em out/2005) 40 http://www.glb.com.br/clipweb/ manchetes/noticias.asp?934355 (aces- so em out/2005) 25FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA SAPIENS – A LENDA DA PEUGEOT “Nossos primos chimpanzés normalmente vivem em pequenos bandos de várias dezenas de indivíduos. Eles formam fortes laços de amizade, caçam juntos e lutam lado a lado contra babuínos, guepardos e chimpanzés inimigos. Sua estrutura social tende a ser hierárquica. O membro dominante, que quase sempre é um macho, é denominado “macho alfa”. Outros machos e fêmeas demonstram sua submissão ao macho alfa curvando-se diante dele enquanto emitem grunhidos, de modo não muito diferente de súditos humanos se ajoelhando diante de um rei. O macho alfa se esforça para manter a harmonia social em seu bando. Quando dois indivíduos brigam, ele intervém e impede a violência. Em uma atitude menos benevolente, ele pode monopolizar alimentos particularmente cobiçados e evitar que machos de postos inferiores na hierarquia acasalem com as fêmeas. Quando dois machos estão disputando a posição de alfa, eles normalmente fazem isso formando grandes coalizões de apoiadores, tanto machos quanto fêmeas, dentro do grupo. Os laços entre os membros da coalizão se baseiam em contato íntimo diário – abraçar, tocar, beijar, alisar e fazer favores mútuos. Assim como os políticos humanos em campanha eleitoral saem por aí distribuindo apertos de mão e beijando bebês, também os aspirantes à posição superior em um grupo de chimpanzés passam muito tempo abraçando, dando tapinhas nas costas e beijando filhotes. O macho alfa normalmente conquista essa posição não porque seja fisicamente mais forte, mas porque lidera uma coalizão grande e estável. Essas coalizões exercem um papel central não só durante as lutas pela posição de alfa como também em quase todas as atividades cotidianas. Membros de uma mesma coalizão passam mais tempo juntos, partilham alimentos e ajudam uns aos outros em momentos de dificuldade. Há limites claros ao tamanho dos grupos que podem ser formados e mantidos de tal forma. Para funcionar, todos os membros de um grupo devem conhecer uns aos outros intimamente. Dois chimpanzés que nunca se encontraram, nunca lutaram e nunca se alisaram mutuamente não saberão se podem confiar um no outro, se valerá a pena ajudar um ao outro nem qual deles é superior na hierarquia. Em condições normais, um típico bando de chimpanzés consiste de 20 a 50 indivíduos. À medida que o número em um bando de chimpanzés aumenta, a ordem social se desestabiliza, levando enfim à ruptura e à formação de um novo bando por alguns dos animais. 26FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Apenas em alguns casos os zoólogos observaram grupos maiores que cem. Grupos separados raramente cooperam e tendem a competir por território e por alimentos. Os pesquisadores documentaram guerras prolongadas entre grupos, e até mesmo um caso de atividade “genocida” em que um bando assassinou sistematicamente a maioria dos membros de um bando vizinho. Padrões similares provavelmente dominaram a vida social dos primeiros humanos, incluindo o Homo sapiens arcaico. Os humanos, como os chimpanzés, têm instintos sociais que possibilitaram aos nossos ancestrais construir amizades e hierarquias e caçar ou lutar juntos. No entanto, como os instintos sociais dos chimpanzés, os dos humanos só eram adaptados para pequenos grupos íntimos. Quando o grupo ficava grande demais, sua ordem social se desestabilizava, e o bando se dividia. Mesmo se um vale particularmente fértil pudesse alimentar 500 sapiens arcaicos, não havia jeito de tantos estranhos conseguirem viver juntos. Como poderiam concordar sobre quem deveria ser o líder, quem deveria caçar onde, ou quem deveria acasalar com quem? Após a Revolução Cognitiva, a fofoca ajudouo Homo sapiens a formar bandos maiores e mais estáveis. Mas até mesmo a fofoca tem seus limites. Pesquisas sociológicas demonstraram que o tamanho máximo “natural” de um grupo unido por fofoca é de cerca de 150 indivíduos. A maioria das pessoas não consegue nem conhecer intimamente, nem fofocar efetivamente sobre mais de 150 seres humanos. Ainda hoje, um limite crítico nas organizações humanas fica próximo desse número mágico. Abaixo desse limite, comunidades, negócios, redes sociais e unidades militares conseguem se manter principalmente com base em relações íntimas e no fomento de rumores. Não há necessidade de hierarquias formais, títulos e livros de direito para manter a ordem. Um pelotão de 30 soldados ou mesmo uma companhia de cem soldados podem funcionar muito bem com base em relações íntimas, com um mínimo de disciplina formal. Um sargento respeitado pode se tornar “rei da companhia” e exercer autoridade até mesmo sobre oficiais de patente. Um pequeno negócio familiar pode sobreviver e florescer sem uma diretoria, um CEO ou um departamento de contabilidade. Mas, quando o limite de 150 indivíduos é ultrapassado, as coisas já não podem funcionar dessa maneira. Não é possível comandar uma divisão com milhares de soldados da mesma forma que se comanda um pelotão. 27FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Negócios familiares de sucesso normalmente enfrentam uma crise quando crescem e contratam mais funcionários. Se não forem capazes de se reinventar, acabam falindo. Como o Homo sapiens conseguiu ultrapassar esse limite crítico, fundando cidades com dezenas de milhares de habitantes e impérios que governam centenas de milhões? O segredo foi provavelmente o surgimento da ficção. Um grande número de estranhos pode cooperar de maneira eficaz se acreditar nos mesmos mitos. Toda cooperação humana em grande escala – seja um Estado moderno uma igreja medieval, uma cidade antiga ou uma tribo arcaica – se baseia em mitos partilhados que só existem na imaginação coletiva das pessoas. As igrejas se baseiam em mitos religiosos partilhados. Dois católicos que nunca se conheceram podem, no entanto, lutar juntos em uma cruzada ou levantar fundos para construir um hospital porque ambos acreditam que Deus encarnou em um corpo humano e foi crucificado para redimir nossos pecados. Os Estados se baseiam em mitos nacionais partilhados. Dois sérvios que nunca se conheceram podem arriscar a vida para salvar um ao outro porque ambos acreditam na existência da nação sérvia, da terra natal sérvia e da bandeira sérvia. Sistemas judiciais se baseiam em mitos jurídicos partilhados. Dois advogados que nunca se conheceram podem unir esforços para defender um completo estranho porque acreditam na existência de leis, justiça e direitos humanos – e no dinheiro dos honorários. Mas nenhuma dessas coisas existe fora das histórias que as pessoas inventam e contam umas às outras. Não há deuses no universo, nem nações, nem dinheiro, nem direitos humanos, nem leis, nem justiça fora da imaginação coletiva dos seres humanos. As pessoas entendem facilmente que os “primitivos” consolidam sua ordem social acreditando em deuses e espíritos e se reunindo a cada lua cheia para dançar juntos em volta da fogueira. Mas não conseguimos avaliar que nossas instituições modernas funcionam exatamente sobre a mesma base. Considere, por exemplo, o mundo das corporações. Os executivos e advogados modernos são, de fato, feiticeiros poderosos. A principal diferença entre eles e os xamãs tribais é que os advogados modernos contam histórias muito mais estranhas. A lenda da Peugeot nos fornece um bom exemplo.”41 41 HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. Editora L&PM P. 30-33. 41 HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. Editora L&PM P. 30-33. 28FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA 3. TEORIA DA EMPRESA E O DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL A) MATERIAL DE LEITURA Leitura Básica CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019. Leitura Complementar COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 23ª ed. – revisada, atualizada e ampliada. Thompson Reuters – Revista dos Tribunais: Rio de Janeiro, 2019. MONTEIRO, Newton Lucca Rogério; SANTOS, J. A. Penalva; SANTOS, Paulo Penalva. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Do Direito de Empresa (arts. 996 a 1.087), vol. IX. Forense: Rio de Janeiro/2005. Páginas 3 a 41. ASCARELLI, Tullio. “A Atividade do Empresário”, in Corso di Diritto Commerciale. Tradução de Erasmo Valadão A. e N. França. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 132, p. 203 e segs., 2003 Já sabemos que quem praticava ato de comércio recebia tratamento diferenciado da lei, tendo em vista que o Estado reconhecia a importância da atividade econômica (mercantil) para a sociedade. Contudo, a principal lacuna da teoria dos atos de comércio consistia em não abranger atividades econômicas importantes, tais como a prestação de serviços, a agricultura, a pecuária e a negociação imobiliária, mesmo quando prestadas de forma empresarial. Antes de adentrarmos nas dificuldades existentes para definição dos atos de comércio, vejamos como identificar se uma atividade poderia, ou não, ser considerada advinda de um comerciante. 29FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA IDENTIFICAÇÃO DO COMERCIANTE. Neste ponto, veremos como identificar o comerciante, para que possamos melhor compreender e alcançar a moderna sistemática do direito de empresa. Durante a Revolução Francesa, a partir do Código Civil Francês de 1807 (texto original), especificamente em seu artigo 1º, Napoleão Bonaparte, ao editar a referida lei, teve como um de seus principais objetivos alcançar a burguesia e, assim, acabar com as castas (direito das castas – figura do cônsul). Nesse sentido, o Brasil, tomando como inspiração o Código francês, promulgou o Código Comercial de 1850, que, em seu artigo 4º, e artigos 19 e 20 do Regulamento 737/1850, estabeleceu critério objetivo para identificação do comerciante. Assim, o comerciante passou a ser identificado com base em 3 requisitos básicos, a partir dos quais dever-se-ia analisar se, no caso concreto, estavam materializadas: a) a prática de atos de comércio; b) com habitualidade; e c) com intuito de lucro. Com a teoria objetiva, passa a ser considerado comerciante aquele que pratica atos de comércio, aumentando-se, assim, a abrangência da aplicação do Direito Comercial, sempre no intuito de conferir os benefícios do direito comercial a um maior número de comerciantes. Com efeito, benefícios como a falência e a recuperação judicial (instituto novo que substituiu a concordata), atualmente dispostos na Lei n.º 11.101/05, têm a finalidade de estimular a atividade empresarial, considerada verdadeira mola propulsora de riqueza para a economia de um país, uma vez que gera empregos, arrecadação de tributos, acesso aos bens e serviços a serem consumidos, etc. 30FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA ATOS DE COMÉRCIO. Em que pese o exposto, para a definição do que vem a ser considerado ato de comércio, não existe uma regra rígida, pois, como assevera a doutrina, deve ser deixada a cargo dos intérpretes a sua classificação. Existem, sim, parâmetros, como, v.g., o disposto no revogado artigo 191 do Código Comercial (compra e venda de móveis ou semoventes), artigo 2º, § 1º da Lei 6.404/76 (a sociedade anônima será sempre mercantil); Lei 4.068/62 (as sociedades que se destinam à construção civil eram consideradas comerciais) e artigo 43 da Lei 4.591/64 (incorporação de imóveis). Além da teoria objetiva (prática de atos de comércio), a identificação tinha por base a prática efetiva de tais atos de mercancia, em consonância com o critério real, ao contrário do critério formal – não basta o ato constitutivo asseverar que se trata de um comerciante, mas este deve efetivamente exercer o comércio.Nesse sentido, não será o arquivamento dos atos constitutivos no Registro Público de Empresas (Juntas Comerciais) para se poder afirmar que se trata de um comerciante, importando o ato efetivamente por ele praticado. Ainda havia a possibilidade de nos depararmos com determinada pessoa que praticava atos considerados mercantis e atos classificados como não mercantis, o que se resolvia pelo critério da predominância (i.e., uma oficina mecânica que vendia produtos automotivos, além de prestar serviços de reparos em automóveis). Tal critério (real) também será utilizado para a identificação do empresário e da sociedade empresária no atual sistema jurídico. A dificuldade em traçar uma definição para “ato de comércio” capaz de abranger todas as atividades comerciais gerou, na doutrina, comentários críticos à teoria objetiva. Veja-se que, segundo aponta Rubens Requião42, a teoria objetiva, ao deslocar a base do direito comercial da figura tradicional do comerciante para a dos atos de comércio, tem sido infeliz, porquanto “até hoje não conseguiram os comercialistas definir satisfatoriamente o que sejam eles”. Além do autor acima, Fábio Ulhoa Coelho aponta que: A teoria dos atos de comércio resume-se rigorosamente falando, a uma relação de atividades econômicas, sem que entre elas se possa encontrar qualquer elemento interno de ligação, o que acarreta indefinições no tocante à natureza mercantil de algumas delas (COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 23ª ed. – revisada, atualizada e ampliada. Thompson Reuters – Revista dos Tribunais: Rio de Janeiro, 2019). 42 Rubens Requião in Curso de Direito Comercial. Vol.1. Saraiva: São Paulo/1995. 42 Rubens Requião in Curso de Direito Comercial. Vol.1. Saraiva: São Pau- lo/1995. 31FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA Nota-se, portanto, que um dos principais argumentos contrários ao sistema objetivo é a notória fragilidade científica em definir o que pode ser considerado ato de comércio. Nesse sentido, Alfredo de Assis Gonçalves Neto defende que: O principal argumento contrário ao sistema objetivo é justamente a precariedade científica da base em que se assenta – uma enumeração casuística de atos de comércio, feita pelo legislador ao acaso (de acordo com aquilo que a prática mercantil considerava, à época, pertencer ao Direito Comercial). Com isso, sequer se consegue encontrar o conceito de seu elemento fundamental, o ato de comércio (Alfredo de Assis Gonçalves Neto in Manual de Direito Comercial. 2ª ed. Revisada e atualizada. Juruá: Curitiba/2000. p. 47). HABITUALIDADE. Podemos alcançar a definição pela antítese – será habitual tudo que não se afigurar como eventual, no caso concreto. Assim, o simples requisito temporal não será um bom indicador, pois uma compra e venda realizada a cada 12 (doze) meses pode ser considerada eventual, na hipótese de se tratar da venda de um refrigerante e um sanduíche; por outro lado, vislumbrar-se-á o requisito da habitualidade se, no mesmo lapso, estivermos diante da compra e venda de um navio ou aeronave. INTUITO DE LUCRO. Não se quer dizer que toda a operação de compra e venda deveria alcançar o lucro, mas que o objetivo da atividade fosse o lucro. Não se pode olvidar que atividades sem fins lucrativos, apesar de eventualmente auferirem lucros, são assim nominadas em razão da ausência do objetivo de lucro, o qual caracterizar-se-ia somente se houvesse divisão dos respectivos lucros (dividendos). 32FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA A TEORIA DOS ATOS DE COMÉRCIO CEDENDO À TEORIA DA EMPRESA. Com a unificação dos direitos civil e comercial ocorrida na Itália em 1942, surge a teoria da empresa, superando o conceito objetivo de comerciante que o identificava como sendo quem praticava atos de comércio. No Brasil, antes da teoria da empresa ser adotada legalmente com o advento do Código Civil de 2002, algumas leis já vinham traçando um novo mecanismo para a identificação do comerciante, declarando como comerciais determinadas atividades. Vejamos: • Lei 4.068/62 – Construção Civil: “Art. 1º São comerciais as empresas de construção”. • Lei 4.591/64 – Condomínios e Incorporação Imobiliária: artigo 43, III – em caso de falência do incorporador, pessoa física ou jurídica...”. • Lei 6.404/76 – Sociedades por Ações – A Sociedade Anônima é sempre empresária, trata-se de classificação em razão da forma, por força e efeito de lei - §1º do artigo 2º: “Qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio”. No mesmo sentido, o p. único do artigo 982, do Código Civil: “Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa”. • Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor - artigo 3˚: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. • Lei 8.245/91 – Lei das Locações – artigo 51 – Direito à renovação compulsória do prazo locatício: “§4º - O direito a renovação do contrato estende-se às locações celebradas por indústrias e sociedades civis com fim lucrativo, regularmente constituídas, desde que ocorrente os pressupostos previstos neste artigo”. No ensinamento de Waldírio Bulgarelli, o Código Civil Italiano de 1942 foi um verdadeiro divisor de águas no âmbito legislativo, principalmente de países que adotavam o sistema da comercialidade, como o Brasil, que já contemplava a “empresa” através de leis esparsas. 33FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DA EMPRESA O Código Italiano, efetivamente, pôs em vigor o sistema normativo da empresa com estatuto jurídico qualificador do empresário, inclusive seu conceito. Ademais, trouxe um regime – e o seu conceito – para a azienda; uma ordenação da atividade empresarial e o regulamento das relações de trabalho no seio da empresa; e ainda em torno dela, porém integrante do sistema, a unificação obrigacional, tudo complementado por uma lei de falências, em apartado.43 Assim, temos que o Código Civil Italiano incorporou à teoria da empresa a necessidade de uma figura que se aplicasse a todas as formas de atividades econômicas. A empresa foi, então, introduzida nesse contexto como sendo uma relação entre atividade econômica e organização44. Sem muito se deter em conceitos e particularidades, o legislador italiano relegou à doutrina e à jurisprudência a tarefa de examinar os reflexos, no campo jurídico, desses elementos e verificar até que ponto princípios tradicionais como o objetivo de lucro e a habitualidade são fatores determinantes do conceito de empresa.45 Diferentes juristas italianos se dedicaram ao estudo do conceito de empresa. Pode-se citar, dentre eles, Vivante, que, adotando a ideia de organização e risco, associou o conceito jurídico com o econômico no sentido de que: (...) a empresa é um organismo econômico que sob o seu próprio risco, recolhe e põe em atuação sistematicamente os elementos necessários para obter um produto destinado à troca. A combinação dos fatores (natural, capital e trabalho) que associados produzem resultados impossíveis de serem alcançados individualmente, e o risco, que o empresário assume ao produzir uma nova riqueza são requisitos indispensáveis a toda empresa.46 Além deste, Rocco, destacando a organização do trabalho de outrem como elemento conceitual básico de empresa, defende que: segundo o Código, apenas temos a empresa e, consequentemente, ato comercial, quando a produção é obtida mediante trabalho de outros ou, por outras palavras, quando o empresário recruta o trabalho, o organiza, fiscaliza e retribui e o dirige para os fins da produção.47 43 BULGARELLI, Waldírio. A Teoria Jurídica da Empresa. RT/1985. 44 Art. 2.082. É empresário quem exerce profissionalmente uma atividade
Compartilhar