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Tratamento e Disposição Final Ambientalmente Adequada de Resíduos Sólidos Urbanos Valdir Schalch Marcus Cesar Avezum Alves de Castro Marco Aurélio Soares de Castro Rodrigo Eduardo Córdoba São Carlos, 2013 2 Prefácio Este texto é resultado da compilação, revisão e ampliação do material didático de disciplinas ministradas em nível de graduação. Antes apresentado na forma de slides utilizados durante as aulas e disponibilizadas aos alunos em meio eletrônico, surge agora, na forma de apostila. Não se pretendeu apresentar aqui uma obra de fôlego, dadas a dimensão e complexidade da área de Resíduos Sólidos, mas sim um texto que funcione tanto como material de apoio às aulas da disciplina, como fonte de consulta inicial para os demais interessados no assunto. A propósito, percebemos que o interesse pela área cresce constantemente, resultado do aumento da atenção que o setor vem recebendo no país. No entanto, o longo período de tempo em que a preocupação com este assunto de fundamental importância se resumia quase que unicamente aos pesquisadores da área trouxe graves consequências de ordem ambiental, como os impactos causados pela a proliferação dos “lixões” e de outras práticas inadequadas, como a queima descontrolada de resíduos sólidos. Assim, percebe-se que há um longo caminho a ser ‘aberto’ e percorrido, em que avanços científicos, tecnológicos e de gestão devem ser combinados ao desenvolvimento, implantação e manutenção de políticas públicas sérias, no sentido de reverter o quadro observado no país. É necessário evoluir de uma condição em que a disposição de resíduos sem qualquer cuidado em áreas a céu aberto é prática comum, para cenários em que, após esgotadas as possibilidades de redução na geração, reuso e reciclagem - mediante programas de coleta seletiva consistentes e perenes - considerem-se opções adequadas de tratamento dos resíduos e disposição final de rejeitos. Estas duas últimas alternativas constituem o foco do presente texto que, pretende-se, será complementado em um futuro próximo por obra(s) com foco nas práticas de redução, reuso e reciclagem de resíduos sólidos. 3 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 5 1.1 Resíduos sólidos – definições ....................................................................................................... 6 1.2 Divisão dos resíduos sólidos quanto à origem .............................................................................. 6 2 GESTÃO E GERENCIAMENTO INTEGRADOS DE RESÍDUOS SÓLIDOS ................................ 9 2.1 Responsabilidades ......................................................................................................................... 9 2.2 Estratégias para gestão e gerenciamento integrado de resíduos sólidos ...................................... 10 3 TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS .................................................................................... 12 3.1 Compostagem .............................................................................................................................. 13 3.1.1 Aspectos importantes do processo de compostagem ............................................................ 14 3.1.2 Aspectos positivos e negativos do processo ......................................................................... 18 3.2 Tratamentos térmicos .................................................................................................................. 22 3.2.1 Gaseificação ......................................................................................................................... 22 3.2.2 Pirólise ................................................................................................................................. 23 3.2.3 Incineração........................................................................................................................... 23 4 DISPOSIÇÃO FINAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS ........................................................................... 28 4.1 Lixão ........................................................................................................................................... 29 4.2 Aterro controlado ........................................................................................................................ 29 4.3 Aterro sanitário ............................................................................................................................ 30 4.4 Aterro Sanitário de Pequeno Porte .............................................................................................. 31 4.5 Aterro sanitário – vantagens e desvantagens ............................................................................... 32 5 O ATERRO SANITÁRIO COMO OBRA DE ENGENHARIA ...................................................... 33 5.1 Critérios para implantação de aterros sanitários .......................................................................... 33 5.1.1 Estudo de Impacto Ambiental (EIA) / Relatório de Impacto Ambiental (Rima) ................. 33 5.1.2 Licenciamento ambiental de aterro sanitário ...................................................................... 37 5.1.3 Projeto de aterro sanitário ................................................................................................... 38 5.1.4 Implantação do aterro sanitário .......................................................................................... 40 5.1.5 Operação de aterro sanitário ............................................................................................... 44 5.1.6 Encerramento de aterro sanitário ........................................................................................ 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................. 47 4 5 1 INTRODUÇÃO A preocupação do homem com o impacto de suas atividades sobre o meio ambiente data de apenas algumas décadas. O resultado é que, atualmente, depara-se com um enorme passivo ambiental representado por resíduos dispostos inadequadamente ao longo das décadas, ao mesmo tempo que, em razão do aumento da população e sobretudo do aumento de padrões de consumo desordenados, tem-se o aumento constante na geração de resíduos. A soma destes fatores traz graves consequências: contaminação do ar, do solo, das águas superficiais e subterrâneas, criação de focos de organismos patogênicos, vetores de transmissão de doenças. Além dos prejuízos à saúde humana e ao meio ambiente de modo geral, o manejo inadequado de resíduos sólidos de qualquer origem gera desperdícios e contribui de forma importante à manutenção das desigualdades sociais (SCHALCH et al, 2002). Como se notará mais adiante, o manejo de resíduos sólidos urbanos no Brasil compreende frequentemente as mesmas etapas: geração, acondicionamento, coleta regular – isto é, não seletiva - , transporte e disposição final. Schalch et al (2002) apontavam a tímida inclusão de alternativas como coleta seletiva ou processos de compostagem ou de tratamento térmico, especialmente quando considerada a necessidade de integrar todas estas atividades em um sistema integrado. Assim, o que se tem muitas vezes é uma soma de iniciativas desconexas e mal planejadas, o que dificulta a operação e manutenção de programas, que se tornam rapidamente inviáveis. Com efeito, Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada pelo IBGE em 2008 e divulgada em 2010 aponta os seguintes dados: Tabela 1 – destinação final dos resíduos sólidos urbanos no Brasil número de municípios % dos municípios com manejo de resíduos sólidos Municípios pesquisados 5564- Com serviço de manejo de resíduos sólidos 5562 100,0 Com unidade de triagem de recicláveis 643 11,6 Com unidade de compostagem 211 3,8 Com unidade de incineração 34 0,6 Com aterro sanitário 1540 27,7 Com aterro controlado 1254 22,5 Com vazadouro em áreas alagadas/alagáveis 14 0,3 Com vazadouro a céu aberto (lixão) 2810 50,5 fonte: IBGE, 2010 Confirma-se a disposição dos resíduos em áreas a céu aberto como a prática predominante no país, bem como a existência de poucas iniciativas de tratamento de resíduos por compostagem ou incineração. É consenso entre os especialistas da área a necessidade em equacionar o quanto antes a questão do tratamento e da destinação final dos resíduos sólidos. Fica evidente a urgência em se adotar sistemas de manejo adequado dos resíduos, definindo uma política para gestão e gerenciamento que permita a melhoria continuada do nível de qualidade de vida, promova práticas recomendadas para a saúde pública e proteja o meio ambiente de quaisquer impactos negativos (SCHALCH et al, 2002). 6 Apenas recentemente a área de resíduos sólidos passou a ter seu marco regulatório. Isso ocorreu com a promulgação da Lei Federal 12305, em 02 de agosto de 2010, posteriormente regulamentada pelo Decreto-Lei 7404, em 26 de dezembro daquele mesmo ano. Desde então, o país conta com uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, que compreende um conjunto de definições uniformizadas, princípios, objetivos e instrumentos que devem balizar qualquer discussão ou atividade relacionada à área. Assim, entendemos que, antes de partir para os temas principais deste texto - o tratamento e a disposição final de resíduos sólidos – é necessário apresentar algumas dessas definições. Vamos a elas. 1.1 Resíduos sólidos – definições Até 2010, a definição mais frequentemente encontrada era aquela da norma NBR 10.004, segundo a qual resíduos sólidos são: “aqueles nos estados sólidos e semi-sólidos, que resultam de atividades da comunidade de origem: industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos, nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos, cujas particularidades tornem inviável seu lançamento na rede pública de esgoto ou corpos de água, ou exijam para isso soluções técnica e economicamente inviável em face à melhor técnica disponível.” (ABNT, 2004) O texto da Lei 12305/10, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, define resíduos sólidos como: “material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.” (BRASIL, 2010) O texto diferencia claramente resíduos de rejeitos, definindo estes como: “resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada” (BRASIL, 2010) Ou seja, o texto prevê que, com a evolução tecnológica e o desenvolvimento de novos processos, certos resíduos atualmente considerados inservíveis – ou seja, rejeitos – venham a ser aproveitados de algum modo. Assim, também estes resíduos não deverão ter como destino a disposição em aterro. 1.2 Divisão dos resíduos sólidos quanto à origem As ações de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos devem, logo de início, considerar os diferentes tipos identificáveis de resíduos. Também neste aspecto, a lei 12305/10 representa um marco do setor, uma vez que trouxe uma uniformização quanto à classificação dos resíduos sólidos. O artigo 13 divide os resíduos, quanto à sua origem, em: - resíduos domiciliares: resíduos gerados em atividades domésticas em residências urbanas; 7 - resíduos de limpeza urbana: originários da varrição, limpeza de logradouros e vias públicas e outros serviços de limpeza urbana; O conjunto dos resíduos domiciliares e resíduos de limpeza urbana recebe o nome de resíduos sólidos urbanos. - resíduos dos serviços públicos de saneamento básico: gerados nessas atividades, excluindo os resíduos sólidos urbanos; - resíduos industriais: gerados nos processos produtivos e instalações industriais; - resíduos de serviços de saúde: gerados nos serviços de saúde, conforme definido em regulamento ou em normas estabelecidas pelos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS); - resíduos da construção civil: gerados em construções, reformas, reparos e demolições de obras de construção civil, incluindo os resíduos resultantes da preparação e escavação de terrenos para obras civis; - resíduos de serviços de transportes: resíduos originários de portos, aeroportos, terminais alfandegários, rodoviários e ferroviários e passagens de fronteira; - resíduos de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços: resíduos gerados nessas atividades, excetuados os de limpeza urbana, serviços públicos de saneamento básico, serviços de saúde, construção civil e serviços de transportes 1 . - resíduos agrossilvopastoris: gerados nas atividades agropecuárias e silviculturais, incluídos os relacionados a insumos utilizados nessas atividades; - resíduos de mineração: gerados em atividades de pesquisa, extração ou beneficiamento de minérios; Em que pese o detalhamento desta divisão, alguns resíduos não são diretamente contemplados por ela. Assim, é necessário recorrer a outros dispositivos legais para englobar também resíduos complexos como os resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REE) e pneus. No estado de São Paulo, por exemplo, a portaria SMA 038/2011 dispõe sobre “produtos geradores de resíduos de significativo impacto ambiental”, enquadrando nesta categoria óleos comestíveis e lubrificantes, pilhas e baterias, lâmpadas contendo mercúrio, demais equipamentos eletroeletrônicos e pneus. Voltando às divisões constantes na lei da PNRS, quanto à periculosidade, os resíduos sólidos são divididos em: a) resíduos perigosos: aqueles que, apresentam significativo risco à saúde pública ou à qualidade ambiental, de acordo com lei, regulamento ou norma técnica, em razão de características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade, b) resíduos não perigosos: aqueles não enquadrados na alínea “a”. A figura seguinte representa a divisão considerada pela Lei da PNRS, complementada pela classificação adotada pela portaria SMA 38/2011: 1 Estes resíduos, caso sejam caracterizados como não perigosos, podem, em razão de sua natureza, composição ou volume, ser equiparados aos resíduos domiciliares pelo poder público municipal. 8 Figura 1 – divisão dos resíduos sólidos quanto à origem (fonte: os autores, 2011, a partir de BRASIL, 2010) 9 2 GESTÃO E GERENCIAMENTO INTEGRADOS DE RESÍDUOS SÓLIDOS ‘Gestão’ e ‘gerenciamento’ são palavras muitas vezes utilizadas como sinônimos tanto na língua portuguesa quanto na inglesa que, inclusive, usa o termo management para se referir a ambas. No entanto, este texto adota a distinção apresentada a seguir, comentada por Leite (1997): Gestão: definição de um conjunto de normas e diretrizes que regulamentem os arranjos institucionais (identificação dosdiferentes agentes envolvidos e seus respectivos papéis), os instrumentos legais e os mecanismos de financiamento. A gestão de resíduos sólidos abrange atividades referentes à tomada de decisões estratégicas e à organização do setor para esse fim, envolvendo instituições, políticas, instrumentos e meios (SCHALCH et al, 2002). Entende-se modelo de gestão de resíduos sólidos como um "conjunto de referências político-estratégicas, institucionais, legais e financeiras capaz de orientar a organização do setor". São elementos indispensáveis na composição de um modelo de gestão: - reconhecimento dos diversos agentes sociais envolvidos, identificando os papéis por eles desempenhados e promovendo a sua articulação; - consolidação da base legal necessária e dos mecanismos que viabilizem a implementação das leis; - mecanismos de financiamento para a auto-sustentabilidade das estruturas de gestão e do gerenciamento; - informação à sociedade, empreendida tanto pelo poder público quanto pelos setores produtivos envolvidos, para que haja um controle social; - sistema de planejamento integrado, orientando a implementação das políticas públicas para o setor (SCHALCH et al, 2002). Gerenciamento: é a realização do que a gestão delibera, através da ação administrativa, de controle e planejamento de todas as etapas do processo. Uma vez definido um modelo básico de gestão de resíduos sólidos, contemplando diretrizes, arranjos institucionais, instrumentos legais, mecanismos de financiamento, entre outras questões, deve-se criar uma estrutura para o gerenciamento dos resíduos, de acordo com o modelo de gestão (SCHALCH et al, 2002). O gerenciamento de resíduos sólidos é definido na Lei 12305/10 como o “conjunto de ações exercidas, direta ou indiretamente, nas etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”, segundo o plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos ou o plano de gerenciamento de resíduos sólidos, dependendo do caso. 2.1 Responsabilidades Neste ponto, é necessário chamar a atenção para a atribuição de responsabilidades na gestão e gerenciamento, que devem constar dos planos de resíduos sólidos previstos em lei. A responsabilidade pela gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos e dos serviços públicos de saneamento básico cabe ao município; no caso dos demais tipos de resíduos, a gestão e gerenciamento são de responsabilidade do próprio gerador. A figura a seguir apresenta essa divisão de responsabilidades: 10 Figura 2 – gestão e gerenciamento de resíduos sólidos: divisão de responsabilidades (fonte: os autores, 2011, a partir de BRASIL, 2010) No mais, a PNRS adota o conceito de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, que é o conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, visando minimizar a geração de resíduos e rejeitos gerados, bem como os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos. 2.2 Estratégias para gestão e gerenciamento integrado de resíduos sólidos A evolução tecnológica e conceitual da área de resíduos sólidos permite que hoje possa ser considerada uma série de estratégias possíveis para a gestão e gerenciamento. Nesta situação, é preciso necessariamente considerar tais estratégias segundo uma hierarquia, isto é, estabelecer uma ordem de prioridades sobre o que em geral constitui a melhor alternativa, sempre tendo em mente que certos tipos de resíduos poderão se afastar dessa ordem, por questões de viabilidade técnica, econômica e de proteção ambiental (UNIÃO EUROPEIA, 2008). A PNRS considera a seguinte hierarquia de estratégias: não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos (BRASIL, 2010). 11 Figura 3 - Hierarquia de estratégias de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos (fonte: os autores, 2011) Um aspecto importante é a integração ter em mente a necessidade de se estabelecer a gestão e o gerenciamento dos resíduos sólidos de forma integrada. A Lei 12305/10 define gestão integrada de resíduos sólidos como o “conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com “controle social” e “sob a premissa do desenvolvimento sustentável”. Jardim et al (2000) definiram o gerenciamento integrado de resíduos sólidos em um contexto municipal como “um conjunto articulado de ações normativas, operacionais, financeiras e de planejamento que uma administração municipal desenvolve (com base em critérios sanitários, ambientais e econômicos), para coletar, segregar, tratar e dispor o lixo de sua cidade”. Um sistema eficiente de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos considera como prevenir, destinar, tratar e dispor os resíduos de maneira a proteger a saúde humana e o ambiente. O gerenciamento integrado envolve a avaliação das necessidades e condições locais, e então a seleção e combinação das atividades mais adequadas para essas condições (EPA, 2002). Em outras palavras não existe ‘fórmula’ pronta e aplicável a qualquer situação, nem uma estratégia melhor que todas as outras: a gestão e gerenciamento integrados não consistem em definir qual a melhor estratégia – reciclagem, compostagem, incineração, disposição em aterro – mas sim qual a proporção mais apropriada de cada uma delas (JARDIM et al, 2000). Pichtel (1995) aponta que as estratégias que focam o ‘topo’ dessa hierarquia devem ser encorajadas sempre que possível; contudo, em um sistema de gestão e gerenciamento integrado de resíduos sólidos, todos os componentes são importantes, uma vez que é necessário apresentar uma solução ‘customizada’ para as capabilidades e necessidades de uma comunidade em particular, baseando-se em critérios como população, presença de indústrias, infraestrutura existente e recursos disponíveis. A experiência demonstra que a mudança nos modelos de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos urbanos ocorre aos poucos, em um processo lento e constante, que frequentemente obtém melhores resultados do que tentativas de equacionar a situação com um grande salto tecnológico (JARDIM et al, 2000). Ou seja, deve-se investir em um programa de melhorias reais e constantes, ainda que lentas, no sentido de equacionar a questão dos resíduos sólidos no ambiente urbano, em vez de acreditar em propostas ‘mágicas’ que garantem uma ‘solução’ rápida para a questão. 12 3 TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS A proposta de um modelo de gestão e de gerenciamento de resíduos sólidos exige o conhecimento das distintas formas de tratamento e destinação final de resíduos (SCHALCH et al, 2002). O tratamento dos resíduos sólidos pode ser definido como um processo de transformação das características físicas, químicas e biológicas dos resíduos. Nunca constitui um sistema de destinação final completo ou definitivo, pois ao final do processo sempre há um remanescente inaproveitável, isto é, um determinado volume de rejeitos, que deve ser necessariamente disposto em aterro. Entretanto, as vantagens decorrentes dessas ações tornam-se mais claras após o equacionamento dos sistemas de manejo e de destinação final dos resíduos. Dentre os fatores que recomendam o tratamento dos resíduos, dependendo da estratégia adotada, pode-se citar: - redução significativa do volume de resíduos a serem dispostos em aterro; - possibilidade de aproveitamento do conteúdo energético ou de nutrientes presentes dos resíduosque serão tratados; - diminuição da poluição das águas e do ar; - inertização dos resíduos perigosos; - geração de empregos, através da criação de indústrias do setor (SCHALCH et al, 2002). Alguns processos de tratamento de resíduos sólidos urbanos estão sintetizados a seguir. Tabela 2 - Processos de tratamento utilizados para o gerenciamento de resíduos sólidos urbanos Processo Exemplos Métodos de transformação Principais produtos da transformação Físico Separação de componentes Manual ou mecânica Componentes individuais encontrados nos resíduos domiciliares Redução de volume Aplicação de energia em forma de força ou pressão Redução de volume do material original Redução de tamanho Aplicação de energia para retalhamento e moagem Redução de tamanho dos componentes originais Químico Incineração Oxidação térmica Dióxido de carbono (CO2), dióxido de enxofre (SO2), outros produtos de oxidação, cinzas Pirólise Destilação térmica Vários gases, alcatrão e composto de carbono Biológico Compostagem aeróbia Conversão biológica aeróbia Composto humificado usado como condicionador de solos Digestão anaeróbia Conversão biológica anaeróbia Metano (CH4), dióxido de carbono (CO2), húmus Fonte: Tchobanoglous et al., 1993, adapt. O posicionamento da etapa de tratamento está indicado no diagrama de blocos a seguir, que retrata um modelo integrado de gestão e gerenciamento de RSU, já prevendo alternativas como redução na geração, reutilização e reciclagem: 13 Figura 4 – O tratamento em um modelo de gestão integrado de RSU (fonte: os autores, 2011) A seguir, serão apresentadas duas principais formas de tratamento de resíduos: a compostagem e a incineração. 3.1 Compostagem A compostagem é um processo biológico controlado de decomposição da fração orgânica biodegradável dos resíduos, realizado por uma população diversificada de organismos, que ocorre em duas etapas distintas: degradação ativa e maturação (ABNT, 1996). De modo geral, consiste em dispor a fração orgânica dos resíduos em pilhas cônicas, trapezoidais ou piramidais - chamadas de leiras - que devem ser revolvidas periodicamente, para permitir a aeração, até que se obtenha a decomposição da fração orgânica e a cura do composto (NAUMOFF e PERES, 2000). Durante o processo, alguns componentes da matéria orgânica são utilizados pelos próprios microorganismos para firmação dos seus tecidos, outros são volatilizados e outros, ainda, são transformados biologicamente em uma substancia chamada húmus, escura, uniforme, com consistência amanteigada e aspecto de massa amorfa, rica em partículas coloidais, com propriedades físicas, químicas e físico-químicas inteiramente diferentes da matéria-prima original (BIDONE e POVINELLI, 1999). O processo de compostagem representa uma interessante alternativa de tratamento de resíduos sólidos urbanos, visto que, conforme o relatório da ABRELPE (2011), mais da metade dos Resíduos Sólidos Urbanos brasileiros é compostável: Tabela 3 – composição dos resíduos sólidos urbanos no Brasil composição % Matéria orgânica (compostáveis) 51,4 Recicláveis (metais, papel/papelão/TetraPak, plástico, vidro) 31,9 Outros 16,7 fonte: ABRELPE, 2011 14 É possível identificar três fases no processo, segundo os intervalos de temperatura ideais de cada uma: 1ª fase – fase inicial ou mesofílica (20 a 45°C): dá condições iniciais; começa a proliferação de microorganismos termófilos; 2ª fase - fase termofílica (45 a 65°C); há intensa atividade microbiológica, elevado consumo de oxigênio, desenvolvimento de vários ácidos minerais e orgânicos, que tornam a fase fitotóxica, isto é, tóxica para as plantas; aqui, a manutenção da temperatura ideal e o tempo de exposição a essa temperatura garante quase total erradicação de plantas daninhas e microorganismos patogênicos. Temperaturas abaixo desta faixa ideal não eliminam microorganismos; temperaturas acima dela retardam ou encerram o processo; 3ª fase - maturação: a quantidade de oxigênio requerida é menor, o processo é mais lento; a temperatura baixa quase à ambiente, ocorre a mineralização da matéria orgânica, composto já pode ser aplicado no solo (BIDONE e POVINELLI, 1999; MODESTO FILHO, 1999; MASSUKADO, 2008). 3.1.1 Aspectos importantes do processo de compostagem Como já destacado, a compostagem é um processo controlado. Isto porque alguns aspectos do processo de compostagem têm grande influência no resultado final e portanto devem ser observados de modo a garantir que o processo ocorra de forma apropriada. São eles: 1) Aeração É o fator mais importante no processo de compostagem, pois a presença ou ausência de ar determina o tipo de decomposição: aeróbio ou anaeróbio. Além disso, para Fernandes e Silva (1999), o revolvimento das leiras no mínimo três vezes por semana permite: - aumentar a porosidade do meio, que sofre uma compactação natural devido ao peso próprio do resíduo; - homogeneizar a leira; - expor as camadas externas às temperaturas mais elevadas do interior da leira, melhorando a eficiência de desinfecção; - diminuir o teor de umidade dos resíduos e - controlar a temperatura do processo. A aeração pode ser feita por revolvimento manual ou mecânico, ou ainda pelo insuflamento de ar nas leiras. 15 Figura 5 – revolvimento manual de leiras Figura 6 – revolvimento mecânico de leiras (fonte: BACKHUS, 2013) 2) Temperatura Os microorganismos que atuam no processo de compostagem tem metabolismo exotérmico, isto é, ao decomporem a fração orgânica da massa de resíduos, liberam calor e elevam a temperatura da leira, em razão das propriedades isolantes da massa em compostagem (KIEHL, 2004). As variações naturais na temperatura de um processo bem conduzido indicam a mudança das fases do processo, já mencionadas anteriormente; as temperaturas atingidas ao longo do processo possibilitam a destruição dos organismos patogênicos, permitindo que o composto obtido seja aplicável no solo. Assim, é necessário controle do processo para atingir e manter as temperaturas adequadas pelos intervalos de tempo necessários. Considera-se que a faixa ótima de temperatura para a compostagem seja de 45°C a 65°C; temperaturas abaixo dessa faixa, não garantem a eliminação de organismos patogênicos; temperaturas superiores a 65°C retardam o processo e, se mantidas por longos períodos, podem provocar alterações químicas indesejáveis entre outros efeitos prejudiciais (KIEHL, 2004). 16 3) Umidade Sendo a compostagem um processo biológico de decomposição de matéria orgânica, a presença de água é fundamental para as necessidades dos organismos envolvidos. A umidade deve ficar na faixa de 40% a 60%, sendo 55% o valor ideal. Taxas de umidade abaixo de 40% inibem a atividade microbiana; o processo ocorre, mas será lento, com predominância da ação dos fungos; umidade acima de 60% pode causar anaerobiose: com o material molhado ou encharcado, a água toma os espaços vazios, não restando lugar para o ar; o processo pode se tornar anaeróbio em parte, com a possível geração de maus odores e geração de chorume 2 (KIEHL, 2004). O excesso de umidade pode ser corrigido com o revolvimento do material; já a falta de umidade pode ser compensada com a irrigação, sempre acompanhada de revolvimento, para evitar distribuição irregular da água. Ainda, aumentar o tamanho da leira reduz as perdas de água e diminui-lo facilita a eliminação de seu excesso (KIEHL, 2004). 4) pH O pH dos resíduos varia bastante durante o processo de compostagem: cai no início , quando são produzidos CO2 e ácidos orgânicos; depois, com a produção de amônia, o pH sobe e, na fase de maturação, se estabiliza próximo a 7, pois o húmus tem ´poder ‘tampão’ (MODESTO FILHO, 1999). Valores muito baixos ou muito elevados do pH podem prejudicaro processo. O pH abaixo de 5,0 causa diminuição na atividade microbiológica e a fase termofílica, quando se eliminam os patógenos, pode não ser atingida (ANDREOLI et al., 2001); valores altos de pH causam deficiência de fósforo e micronutrientes, além de perda de nitrogênio por volatilização, quando o NH4 + é convertido em amônia, NH3 (REZENDE, 2005). 5) granulometria (tamanho das partículas) A granulometria pode ser definida como a proporção relativa dos diferentes grupos de tamanho de partículas existentes. Quanto menor a partícula, maior a superfície que pode ser atacada e digerida pelos microorganismos, e mais rápida a decomposição da matéria orgânica. Essa rapidez é função da relação entre a superfície de exposição e a massa da partícula (KIEHL, 2004). 6) relação C/N (Carbono/Nitrogênio) O carbono e o nitrogênio são elementos essenciais para o crescimento e divisão das células dos microrganismos, o primeiro por ser considerado a fonte de energia para os microrganismos e o segundo por ser um elemento essencial para a síntese de proteínas, influenciando diretamente na sua reprodução (MODESTO FILHO, 1999, MASSUKADO, 2008). Os microorganismos absorvem o carbono e o nitrogênio sempre na relação C/N de 30 para 1, independentemente de qual seja a relação C/N da matéria-prima em compostagem. Com a própria compostagem a relação C/N será corrigida, de modo que estará em torno de 10/1 para o composto final. De modo geral, se a relação C/N estiver: - acima de 50/1: deficiência de nitrogênio, o tempo de maturação será mais prolongado. - entre 30/1 e 50/1: a decomposição será um pouco mais rápida do que a anterior; - entre 35/1 e 35/1: é considerada ótima para iniciar o processo 2 Líquido produzido pela decomposição de substâncias contidas nos resíduos sólidos, que tem como características a cor escura, o mau cheiro e a elevada DBO (demanda bioquímica de oxigênio) (ABNT, 1992) 17 - muito abaixo de 10/1: pode haver perda de nitrogênio, volatilizado na forma de amônia, se o resíduo não receber materiais ricos em carbono para atingir a faixa ótima e reduzir o tempo do processo. Para o desenvolvimento adequado da compostagem a relação recomendada entre esses dois elementos deve ser atendida, pois os microrganismos degradam o carbono orgânico somente se houver nitrogênio suficiente para o seu crescimento (MASSUKADO, 2008). Assim, podem-se incorporar resíduos como os apresentados a seguir para corrigir deficiências de carbono ou nitrogênio: - Fontes comuns de carbono: capim, vegetais secos, palhas, bagaço de cana, entre outros; - Fontes comuns de nitrogênio: legumes, lodo, vegetais frescos, entre outros (MODESTO FILHO, 1999). 7) microorganismos Bactérias, fungos e actinomicetos são os principais microorganismos responsáveis pela transformação da matéria orgânica em húmus; outros organismos como algas, protozoários, vermes, insetos e suas larvas também participam do processo, juntamente com agentes bioquímicos como enzimas, hormônios e vírus (KIEHL, 2004). As bactérias predominam principalmente durante a fase inicial de degradação, o mesmo acontecendo com os fungos, principalmente quanto a relação C/N é alta. Já os actinomicetos atacam substâncias que bactérias e fungos não degradam, e surgem principalmente na fase de maturação, dando odor aromático aos solos e aos compostos maturados (MODESTO FILHO, 1999). Outros microorganismos a considerar no processo de compostagem são os patogênicos. Indesejáveis, são destruídos na fase intermediária, quando a temperatura no interior das leiras permanece acima de 65°C por alguns dias ou acima de 55°C por três semanas (MODESTO FILHO, 1999). 8) Dimensões e formatos das leiras e montes Cada tipo de leira tem suas particularidades. O formato triangular é o mais usual. As leiras trapezoidais tendem a acumular água de chuva em sua parte superior, sendo uma forma não recomendável caso não se disponha de máquinas com grande capacidade de revolvimento A forma de monte é interessante para compostagem em pequena escala ou em experimentos científicos (KIEHL, 2004). Figura 7 - Formatos de leiras de compostagem (fonte: KIEHL, 2004) 18 Figura 8 - Leiras cônicas (fonte: SCHALCH, 2004) As dimensões das leiras também afetam o desenrolar do processo: leiras altas tem menor aeração natural, maior tendência para compactação das camadas externas e maior potencial de produção de chorume quando o material tiver excesso de umidade. Leiras muito baixas perdem umidade e calor rapidamente, o que pode impedir que as temperaturas ideias para destruição de patógenos sejam atingidas e mantidas (KIEHL, 2004). 3.1.2 Aspectos positivos e negativos do processo Um dos potenciais impactos ambientais negativos relacionados à compostagem é a possibilidade de geração de maus odores, no caso de utilização de determinados tipos de matéria orgânica. Outro é a possibilidade de escoamento de chorume, quando o material nas leiras encontra-se compactado ou sem proteção contra frequentes e fortes precipitações, que venham a causar encharcamento. Nos dois casos, a adoção de cuidados essenciais permite reduzir ou até mesmo evitar esses impactos. O controle na produção de maus odores pode ser realizado no início do processo, por exemplo, na triagem dos resíduos a serem destinados às leiras. Já para evitar o escoamento do chorume, pode-se aumentar a frequência do revolvimento, diminuir a altura da leira ou protegê-la com lona, em períodos de chuva excessiva (MASSUKADO, 2008). Por outro lado, as vantagens ambientais da compostagem são muitas. Além da produção de composto de qualidade para utilização na agricultura, consegue-se a redução no volume de resíduos destinados para aterros sanitários, que contribui para o aumento da vida útil destes, a redução na emissão do gás metano e na geração de lixiviado. Os benefícios indiretos são a redução nos custos de implantação e operação de sistemas para o tratamento do chorume (MASSUKADO, 2008). Como visto, é evidente que o processo precisa ser bem planejado e operado, pois só isso garante as condições necessárias para maximizar os benefícios da compostagem e minimizar ou eliminar os riscos de impactos negativos. 19 3.1.3 Métodos de compostagem A compostagem pode ser realizada em pequena, média e grande escala - casas, escolas, indústrias, fazendas, municípios -, podendo ocorrer tanto de forma natural quanto de forma acelerada. Há diversos métodos, sendo que a escolha depende da utilização de resíduos adequados para a compostagem e da garantia que o processo biológico ocorra em boas condições. Leiras revolvidas (método Windrow) No método de leiras revolvidas, também conhecido como sistema windrow, a pilha de resíduos (leira) é montada sobre o solo compactado ou impermeabilizado. A aeração é realizada por meio de revolvimento manual ou mecânico, e tem como objetivo aumentar a porosidade da pilha e melhorar a homogeneidade dos resíduos. O revolvimento pode ser feito tanto por equipamentos específicos como por retroescavadeiras ou pás carregadeiras para revolver a leira, uma vez que são mais fáceis de encontrar no mercado e possuem preço menor comparado às máquinas específicas para esta função (MASSUKADO, 2008) Leiras estáticas aeradas (static piles) Neste método, as leiras são colocadas sobre uma tubulação perfurada de 10 cm de diâmetro acoplada a um soprador ou exaustor, que injeta ou aspira o ar na massa a ser compostada. Sobre essa tubulação, recomenda-se colocar uma camada estruturante, por exemplo, madeiras ou galhos triturados a fim de facilitar a passagem do ar através da pilha e sobre esta camada é montada a leira (ANDREOLI et al., 2001; REIS, 2005). Nesse sistema não há nenhum tipo de revolvimento. O sistema de leiras estáticasaeradas não é recomendado para qualquer tipo de resíduo, restringindo-se àqueles que tenham material de entrada mais homogêneo, tanto em sua composição, quanto em sua granulometria. Figura 9 - Leiras estáticas aeradas (aeração por tubos perfurados) (fonte: SCHALCH, 2005) 20 Sistema fechado ou acelerado É caracterizado pela utilização de equipamentos como digestores e bioestabilizadores que contribuem para acelerar o processo de compostagem e controlar melhor os odores, uma vez que o sistema é fechado e a aeração controlada. O processo mais comumente conhecido é o sistema DANO, no qual cilindros rotativos, com dimensões aproximadas de 3 metros de diâmetro e 35 metros de comprimento, giram a baixa rotação para homogeineizar o material. O interior do cilindoro tem diversos obstáculos dispostos longitudinalmente para promover um maior revolvimento da massa. O tempo de detenção da matéria orgânica no cilindro depende da velocidade de rotação e da inclinação. Após o período de detenção, tem-se um subproduto que precisa ser encaminhado para um pátio de cura a fim de terminar o seu processo de maturação (MASSUKADO, 2008). Tais sistemas são encontráveis nas chamadas usinas de reciclagem e compostagem, que desenvolvem atividades de triagem de resíduos recicláveis, separando-os dos resíduos orgânicos, que são enviados para o processo de compostagem. Na década de 80 houve o “boom” da instalação dessas usinas no Brasil, devido a linha de crédito do BNDES que financiava a compra destes equipamentos por parte das prefeituras. Porém, logo na década seguinte, boa parte das usinas instaladas já se encontrava desativada ou em obras. Entre as principais causas das paralisações e desativações apontadas por Galvão Júnior (1994) estava a falta de qualidade dos produtos da maioria das usinas, em razão do alto teor de impurezas nos recicláveis e no composto produzido, Isto se devia ao fato de que as usinas não foram pensadas como parte de um sistema integrado de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos. Vendidas como uma solução ‘mágica’ que eliminaria inclusive a necessidade de aterros, acabavam recebendo todo o volume de resíduos da coleta regular. Assim, os materiais orgânicos e recicláveis chegavam à usina misturados e prensados, o que impossibilitava sua separação. Essa contaminação mútua dos resíduos, somada ao uso de mão de obra desqualificada para fazer a triagem e à falta de manutenção preventiva que tornava frequentes os problemas de funcionamento, fez com que essas instalações fossem desacreditadas e caíssem em desuso no país. Com efeito, relatos da literatura mostram que a maioria das experiências em compostagem de RD no Brasil emprega sistemas que tratam a matéria orgânica proveniente da coleta regular, sendo raras as experiências em que os resíduos orgânicos já vêm coletados separados na fonte. -=-=-=-=-=-=- A tabela a seguir sintetiza as vantagens e desvantagens dos métodos de compostagem apresentados: 21 Tabela 4 - comparativo dos métodos de compostagem Método Aspectos positivos Aspectos negativos Leiras revolvidas ou sistema windrow - Baixo investimento inicial; - Flexibilidade na quantidade de resíduos processada; - Simplicidade de operação; - Uso de equipamentos mais simples; - Requer mais área; - Odor mais difícil de ser controlado, principalmente no momento do revolvimento; - Depende do clima. Em períodos de chuva o revolvimento fica prejudicado. Leiras estáticas aeradas ou static piles - Baixo investimento inicial; - Melhor controle de odores; - Etapa de estabilização mais rápida que o método de leiras revolvidas; - Melhor aproveitamento da área disponível; - Necessita de bom dimensionamento do sistema de aeração e controle dos aeradores durante a compostagem; - Operação também influenciada pelo clima; - Ausência de revolvimento requer que o material de entrada seja o mais homogêneo possível. Sistema fechado ou acelerado - Menor demanda de área; - Maior controle do processo - Menor dependência dos fatores climáticos; - Facilidade para controlar odores; - Reduz tempo de compostagem - Maior investimento inicial; - Dependência de sistemas mecânicos – manutenção mais delicada e cara; - Menor flexibilidade operacional para tratar volumes variáveis de resíduos; - Risco de erro difícil de ser reparado se o sistema for mal dimensionado. fonte: Reis, 2005 Vale notar ainda que: - o sistema de leiras revolvidas requer mais mão-de-obra, por causa do revolvimento mais frequente nas primeiras semanas de compostagem, quando a demanda por oxigênio é maior; exige menos investimento inicial, mas requer áreas maiores para operação. - nos sistemas de leiras estáticas e acelerado, o controle da aeração é mais contínuo, por dispositivos tecnológicos, que geralmente, dispensam mão-de-obra. - o sistema acelerado é geralmente empregado para plantas com maior capacidade de processamento, podendo tratar mais de 100 t/d de resíduos. Nesse caso, é importante garantir uma quantidade mínima contínua de resíduos a serem compostados, pois o investimento inicial desse sistema é alto, quando comparado aos demais (MASSUKADO, 2008). Por fim a escolha do sistema dependerá das condições locais: imposições legais para a área, infra-estrutura existente, custos com a disposição dos resíduos, nível de controle do odor, recursos financeiros disponíveis, necessidade de equipamentos e mão de obra. O caso das usinas de reciclagem e compostagem reforça que, apesar da tecnologia para o tratamento dos resíduos orgânicos ter evoluído, a separação dos resíduos na origem e posterior coleta seletiva contribui bastante para que o composto obtido seja de boa qualidade (REIS, 2005). Assim, parte-se da fração de material compostável encontrada nos resíduos sólidos urbanos, sendo possível estabelecer a seguinte sequência de etapas: 22 Figura 10 – processo de compostagem a partir de resíduos de coleta seletiva 3.2 Tratamentos térmicos Inicialmente, é importante destacar que qualquer forma de tratamento térmico, no contexto de um sistema de gestão e gerenciamento integrado de resíduos, deve estar associada à implantação prévia de políticas de redução na geração, reuso e reciclagem (USHIMA e SANTOS, 2000) Os tratamentos térmicos podem ser classificados como sendo de alta ou de baixa temperatura. Os tratamentos a alta temperatura normalmente ocorrem a temperaturas acima de 500°C C e visam principalmente a destruir ou remover a fração orgânica presente na massa de resíduos, além aproveitar a energia contida neles e promover sua assepsia. Permitem uma redução de até 70% na massa e 90% do volume da massa de resíduos. Já os tratamentos a baixa temperatura ocorrem em torno de 100°C e visam principalmente a assepsia da massa de resíduos; a massa e o conteúdo dos resíduos praticamente não se alteram, sendo possível reduzir a penas o volume (USHIMA e SANTOS, 2000). Os tratamentos térmicos de resíduos também podem ser classificados quanto à quantidade de ar necessária. Quando se fornece quantidade exata de oxigênio ou ar necessária para a combustão completa, o processo recebe o nome de combustão estequiométrica ou em condições estequiométricas. Abaixo desta quantidade, tem-se uma combustão em condições subestequiométricas; acima dessa quantidade, tem-se uma combustão com excesso de ar (TCHOBANOGLOUS et al, 1993). 3.2.1 Gaseificação Gaseificação é o termo geral usado para descrever um processo de combustão parcial em condições subestequiométricas. Foi descoberto no século XIX, porém apenas no final do século passado, começou a ser aplicado para tratamento de resíduos sólidos. 23 Trata-se de uma técnica eficiente para redução do volume de resíduos e recuperar energia. A combustão de resíduos em um ambiente pobre em oxigênioproduz um gás combustível rico em monóxido de carbono, hidrogênio e hidrocarbonetos gasosos, principalmente metano. Este gás pode então ser utilizado em um motor de combustão interna, turbina a gás ou outros (TCHOBANOGLOUS et al, 1993) 3.2.2 Pirólise Pirólise é o um processo de combustão na ausência total de oxigênio. É semelhante ao processo de gaseificação, pois também converte resíduos sólidos em combustíveis para uso posterior; a diferença é que a pirólise requer uma fonte externa de calor para estimular as reações endotérmicas em um ambiente sem oxigênio, enquanto que a gaseificação é autossuficiente e usa o ar ou oxigênio na combustão parcial, sendo portanto exotérmica (TCHOBANOGLOUS et al, 1993). Uma vez que a maioria das substâncias orgânicas são instáveis termicamente, podem, pela pirólise, ser decompostos em frações combustíveis sólidas líquidas e gasosas – à medida que a temperatura é elevada as frações vão sendo obtidas, o que faz com que o processo também seja chamado de destilação térmica ou decomposição térmica (USHIMA e SANTOS, 2000; USEPA, 2012): - Combustível gasoso: composto basicamente por hidrogênio, metano, monóxido de carbono, dióxido de carbono; - Combustível líquido: oleoso, contendo ácido acético, acetona, metanol e hidrocarbonetos mais complexos; - Combustível sólido, composto quase totalmente de carbono, além de materiais inertes eventualmente presentes na massa de resíduos. A pirólise é largamente usada como um processo industrial para a produção de carvão a partir de madeira, gás combustível a partir de frações de petróleo, por exemplo. No entanto este processo não tem sido aplicado aos resíduos sólidos de forma tão bem sucedida. A agência ambiental dos Estados Unidos apresenta é o processamento de pneus como exemplo de aplicação da pirólise; porém aponta que não há relatos de sistemas de pirólise operando continuamente em escala comercial naquele país (USEPA, 2012). 3.2.3 Incineração Dentre os tratamentos a altas temperaturas, a incineração é o método mais antigo e difundido. Consiste na combustão dos resíduos a temperaturas acima de 800°C. Os gases da combustão devem se manter a 1200°C por cerca de 2 segundos, em um ambiente com excesso de ar e turbulência elevada para que os compostos orgânicos presentes na massa de resíduos sejam convertidos em gás carbônico e água. Os demais remanescentes da queima são geralmente gases, como o dióxido de enxofre (SO2), nitrogênio (N2), oxigênio (O2) proveniente do ar em excesso que não foi queimado completamente, cinzas e escórias constituídas de metais ferrosos e inertes, como vidro e pedras. A escória, geralmente da ordem de 15 a 20% da massa original do lixo, deve ser encaminhada para um aterro sanitário (SCHALCH et al, 2002). No Brasil, a incineração é empregada apenas para tratamento de resíduos de serviços de saúde conforme relatório da ABRELPE (2011), não havendo instalações que tratem resíduos sólidos urbanos. 24 Partes constituintes de um incinerador Para que uma usina de incineração opere com sucesso, uma série de informações a respeito dos resíduos a serem incinerados deverão direcionar o projeto. Entre elas incluem-se: - tipo, quantidade e composição dos resíduos a serem incinerados; - poder calorífico inferior (PCI), que indica a quantidade de calor liberado por uma determinada quantidade de resíduos durante o processo de queima; - quantidade de ar necessário para a combustão completa dos resíduos; - quantidade e natureza das cinzas, eventualmente geradas no processo etc. O desconhecimento dessas e de outras variáveis, pode resultar em projetos equivocados, dificultando o controle, a operação e a manutenção do equipamento, além de aumentar os riscos de poluição do meio ambiente. A figura a seguir ilustra as principais partes constituintes de um incinerador de resíduos sólidos urbanos. 25 1 Depósito de resíduo 2 Tremonha de alimentação de resíduo 3 Alimentador 4 Grelhas Móveis 5 Extrator de escória 6 Depósito de escória 7 Fogo na grelha 8 Evaporador 9 Superaquecedor 10 Economizador 11 Tambor da caldeira 12 Turbina 13 Tanque de água de alimentação 14 Absorvedor 15 Reator de fluxo 16 Filtro de manga 17 Silos 18 Ventilador ID 19 Chaminé Figura 11 - Partes constituintes de um incinerador (fonte: ENFIL, 2013) 1) depósito de resíduos: recebe os resíduos coletados; guindaste faz a homogeneização dos resíduos e os transporta à tremonha de alimentação 2; por uma canaleta, o resíduo chega ao alimentador; 26 3 ) alimentador: leva o resíduo às grelhas de combustão; 4) grelhas móveis: constituídas por fileiras de barras, uma ao lado da outra. As fileiras de barras das grelhas são dispostas uma sobrepondo-se à outra. De forma contínua e alternada se movimentam para frente e para trás. É nas grelhas móveis que ocorre a incineração propriamente dita. O resíduo e, posteriormente a escória, são transportados por essas fileiras até o fim das grelhas, onde a escória é depositada dentro do extrator de escória; 5) extrator de escória: está parcialmente cheio de água, o que faz com que não haja ar entre o meio ambiente e a caldeira. A escória, após as grelhas, é resfriada com água e encaminhada pela haste do extrator a um transportador vibratório que a leva ao depósito de escória 6; O calor dos gases de combustão é utilizado para aquecer a água desmineralizada nas superfícies de aquecimento do economizador 10; A água de alimentação da caldeira é então encaminhada ao tambor; 11) tambor: alimenta o evaporador operado por circulação natural. Nele, a mistura de água e vapor que surge na radiação das paredes da caldeira é separada; O vapor é levado às superfícies de aquecimento do superaquecedor (9). Depois de aquecido à uma temperatura especifica, é conduzido até a turbina; 12) turbina: contém um rotor que é acionado pelo vapor superaquecido, que logo após é condensado. A energia liberada durante esse processo é utilizada no gerador acoplado para produzir eletricidade, que é distribuída à rede pública. O condensado é coletado no tanque de água de alimentação 13 e retorna finalmente à caldeira; 14) absorvedor: em sua parte superior, água e leite de cal são injetados nos gases de combustão da caldeira. Ao descer pelo absorvedor o resfriamento dos gases de combustão atinge a condição ótima de reação para absorver os poluentes ácidos. Após o resfriamento os gases são recirculados (produtos de reação separados no filtro de manga), e reagente seco novo e carvão ativado são injetados no reator de fluxo forçado (15); 16) filtro de manga: retém os poluentes ainda contidos nos gases de combustão 18) ventilador: mantém a pressão baixa no processo de incineração e conduz os gases de combustão através da caldeira e do sistema de limpeza de gases. A pressão baixa garante também a hermeticidade relativa dos gases de combustão; 19) chaminé: elimina os gases de combustão para a atmosfera (ENFIL, 2013). Vantagens e desvantagens da incineração Dentre as vantagens do processo, as mais significativas são a grande redução na massa - até 70% - e no volume – até 90% da massa de resíduos; isso consequentemente diminui a quantidade de resíduos – ou, no caso, de rejeitos – enviados para aterro, o que aumenta sua vida útil. Também se destaca a esterilização dos resíduos, uma vez que as altas temperaturas da incineração destroem bactérias e vírus neles presentes, bem como compostos orgânicos tóxicos como o ascarel. Isto explica o uso mais frequente da incineração para tratamento de resíduos industriais e de serviços de saúde. No mais, a incineração pode permitir a recuperação do conteúdo energético dos resíduos sólidos, com vistas à geração de energia elétrica ou vapor d’água. Os chamados sistemas waste-to-energy (WTE) são comuns na Europa e nos Estados Unidos.27 Tabela 5 – plantas WTE em alguns países no mundo e respectivas capacidades de tratamento País Usinas WTE Capacidade instalada (milhões de t/ano) Alemanha 67 18,8 EUA 86 35,4 França 129 13,5 Itália 49 4,5 Reino Unido 20 4,4 Suécia 30 4,6 Fonte: SANTOS (2011) Como desvantagens, a incineração apresenta: - custos elevados de instalação e operação; no entanto, estes podem passar a ser competitivos nas grandes metrópoles, onde, em razão da disponibilidade cada vez menor de áreas, os custos relativos a aterros sanitários, tem aumentado cada vez mais; - exigência de mão de obra qualificada para garantir a boa operação; - emissões do processo: a incineração de materiais como plásticos causa a liberação de compostos tóxicos; assim, é fundamental a instalação de sistemas de limpeza de gases (USHIMA e SANTOS, 2000). Em resumo, faz sentido pensar na incineração apenas em um modelo integrado de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos que considere previamente a coleta seletiva; neste caso, o tratamento térmico seria aplicado apenas para os rejeitos desta forma de coleta. Ainda há que se considerar outros fatores o volume de resíduos a serem tratados termicamente, pois os altos custos do sistema só se justificam para o tratamento de volumes também grandes de resíduos. 28 4 DISPOSIÇÃO FINAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS A disposição final ambientalmente adequada consiste na distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos (BRASIL, 2010) No caso dos resíduos sólidos urbanos – ou, mais adequadamente dos rejeitos - consideram-se três formas de disposição final: lixão, aterro controlado e aterro sanitário. Apenas a última é considerada aceitável, constituindo uma forma de disposição final ambientalmente adequada. No entanto, as formas inadequadas são ainda frequentemente encontradas nos municípios brasileiros, conforme relatório da Abrelpe (2011): Figura 12 – destinação final dos resíduos sólidos urbanos coletados no Brasil (fonte: ABRELPE, 2011) O posicionamento da disposição final está destacado no diagrama de blocos a seguir reapresentado e que, como já comentado, já prevê alternativas como redução na geração, reutilização e reciclagem: Figura 13 – Disposição final em um modelo de gestão integrado de RSU (fonte: os autores, 2011) 29 4.1 Lixão É uma forma inadequada de disposição final de resíduos sólidos municipais, que se caracteriza pela simples descarga sobre o solo, sem medidas de proteção ao meio ambiente ou a saúde pública (JARDIM et al, 2000). Nos lixões, além da total falta de controle de descarte, destacam-se outros problemas: - os resíduos lá depositados permanecem a céu aberto, o que causa odores indesejáveis e proliferação de vetores, como pássaros, roedores e insetos. - a ausência de impermeabilização da base, o que permite que o chorume se infiltre no solo, eventualmente comprometendo a qualidade de águas subterrâneas; - ausência de um sistema coletor de gases e drenos de líquido percolado; - desvalorização imobiliária das áreas vizinhas ao aterro; - geração de ruído e poeira na fase de operação. Dessa forma, fica evidente que os lixões não previnem a poluição do ar, recursos hídricos e do solo. Figura 14 – lixão (fonte: ROLNIK, 2012) 4.2 Aterro controlado Constitui um modelo mais aceitável de disposição final dos rejeitos. É projetado segundo critérios da NBR 8849/85, que o define como “uma técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar danos ou risco à saúde pública e à sua segurança, minimizando os impactos ambientais, método este que utiliza princípios de engenharia para confinar os resíduos sólidos, cobrindo-os com uma camada de material inerte na conclusão de cada jornada de trabalho” (ABNT, 1985) Com efeito, a técnica é utilizada em áreas de antigos lixões, onde se passa a fazer a cobertura dos rejeitos com solo. Isto minimiza os impactos ambientais no solo, ar e recursos hídricos. De qualquer forma, ainda se destacam inúmeras desvantagens desta estratégia de disposição: 30 - confinamento de resíduos sólidos; - presença de animais e insetos; - necessidade de grandes áreas, agravada pelo fato de que os resíduos/rejeitos são ali dispostos sem ter seu volume reduzido por compactação; - desvalorização imobiliária das áreas vizinhas ao aterro; - a ausência de impermeabilização da base, uma vez que os aterros controlados são na prática, antigos lixões, isto é, áreas onde a disposição de resíduos/rejeitos se iniciou de forma descontrolada; sem a impermeabilização, o chorume se infiltra no solo, da mesma maneira e trazendo as mesmas consequências que no caso dos lixões; - não há sistemas de tratamento de chorume ou de dispersão dos gases gerados; - geração de ruído e poeira na fase de operação. Figura 15 - Aterro controlado em Mogi das Cruzes–SP (fonte: SCHALCH, 2009) 4.3 Aterro sanitário É definido pela norma NBR 13896 como uma “técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar danos à saúde pública e à sua segurança, minimizando os impactos ambientais, método este que utiliza princípios de engenharia para confinar os resíduos sólidos à menor área possível e reduzi-los ao menor volume permissível, cobrindo-os com uma camada de terra na conclusão de cada jornada de trabalho, ou a intervalos menores, se necessário.” (ABNT, 1997). Além da redução de volume e da cobertura com terra, aterros sanitários dispõem de diversos sistemas que evitam ou ao menos minimizam os riscos ambientais decorrentes do processo de disposição de resíduos/rejeitos no solo. Tais aspectos construtivos serão detalhados mais adiante, na seção sobre projeto de aterros. O aterro sanitário constitui, portanto, uma instalação adequada de disposição final dos rejeitos, para quantidades maiores que 20 t/dia. No caso de aterros sanitários que recebam quantidades superiores a 25 t/dia, é necessário realização de EIA/Rima, conforme detalhado mais adiante. 31 Figura 16 - Antigo aterro de São Carlos-SP (fonte: Prefeitura Municipal de São Carlos, 2009) 4.4 Aterro Sanitário de Pequeno Porte É um aterro sanitário para disposição no solo de resíduos sólidos urbanos, até 20 t por dia ou menos, quando definido por legislação local, em que, considerados os condicionantes físicos locais, a concepção do sistema possa ser simplificada, adequando os sistemas de proteção ambiental sem prejuízo da minimização dos impactos ao meio ambiente e à saúde pública. É projetado segundo orientações da norma NBR 15849 (ABNT, 2010), que prevê os mesmos sistemas de proteção ambiental dos aterros sanitários de maior porte, como coleta de gás, dreno de percolados e de águas pluviais; seu licenciamento ambiental também se dá de forma simplificada, conforme a Resolução CONAMA nº 404/2008. Figura 17 - Aterro de Pequeno Porte (fonte: SCHALCH, 2009) 32 4.5 Aterro sanitário – vantagens e desvantagens Ainda que a disposição final ambientalmente adequada de resíduos sólidos deva se dar necessariamente em um aterro sanitário, do qual portanto, não se pode prescindir, ele não constitui uma estratégia ‘priorizável’, muito menos ‘desejável’. Isto porque as vantagens do aterro sanitário são acompanhadas necessariamente de aspectos negativos, observados desde a implantação e a operação, passando pelas fases de encerramento e pós-encerramento. De modo geral, as vantagens de um aterro sanitário são: - não requer, portanto, equipamentos específicos para sua execução e operação: são utilizados equipamentos empregados em serviços de terraplanagem; - possibilita a recuperação de áreas topograficamente inutilizadas; - proliferação de vetores é controlada, devido à realizaçãoda compactação e principalmente, da cobertura dos resíduos/rejeitos com terra; - não requer mão-de-obra especializada na operação; - dispõe de impermeabilização de base, que, se bem realizada, evita prejuízos à qualidade das águas subterrâneas; - sistemas de tratamento de chorume e de dispersão dos gases gerados; As desvantagens são: - confinamento dos resíduos sólidos; - necessidade de grandes áreas; - desvalorização imobiliária das áreas destinadas ao aterro, bem como das imediações; - risco potencial de poluição do lençol freático, se planejado ou operado de forma inadequada; - período longo para a estabilização do solo no aterro; - produção de ruído e poeira nas fases de execução e operação. 33 5 O ATERRO SANITÁRIO COMO OBRA DE ENGENHARIA Como outras obras de engenharia, a construção de um aterro sanitário requer planejamento e projeto; e como atividade modificadora do meio ambiente, requer a realização de estudos que apontem os potenciais impactos e as medidas necessárias para mitiga-los. Esta seção trata destes dois aspectos. 5.1 Critérios para implantação de aterros sanitários O licenciamento ambiental das instalações de tratamento e disposição final de resíduos sólidos no Brasil é realizado a partir da aplicação da Resolução 001/86 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que institui a obrigatoriedade do Estudo de Impacto Ambiental - EIA - e do Relatório de Impacto Ambiental - Rima, para as atividades modificadoras do meio ambiente. Figura 18 – relação de atividades sujeitas à realização de EIA (fonte: os autores, 2011, a partir de BRASIL, 1986) 5.1.1 Estudo de Impacto Ambiental (EIA) / Relatório de Impacto Ambiental (Rima) O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é um documento técnico de avaliação do impacto ambiental de qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: “I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; 34 IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais.” (BRASIL, 1986) As diretrizes e atividades do EIA são apresentadas esquematicamente a seguir. Figura 19 – Fluxograma das diretrizes e atividades técnicas do EIA Informações Gerais - Informações relativas ao porte do empreendimento; - Descrição das atividades a serem desenvolvidas (principais e secundárias); - Justificativa em termos de importância no contexto econômico do país, da região do estado e do município; - Vias de acesso e localização geográfica; - Previsão das etapas de implantação; - Compatibilidade com empreendimentos similares em outras localidades. Caracterização do empreendimento - Caracterização nas fases de planejamento, implantação, operação e se for o caso desativação; - Deve-se avaliar a compatibilidade do empreendimento com os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto; Área de influência - Apresentar os limites da área geográfica a ser afetada direta e indiretamente pelo empreendimento; - Apresentar a justificativa da definição das áreas de influência e incidência dos impactos, acompanhada de mapeamento; - Normalmente utiliza-se como recorde para estudo de impacto a bacia hidrográfica onde se insere o empreendimento. Diagnóstico Ambiental da Área de Influência Compreende a caracterização do meio físico, biológico e antrópico Meio Físico 35 - Caracterização climática: dados pluviométricos, predominância e direção dos ventos, temperaturas máximas, médias e mínimas anuais - Qualidade do ar e níveis de ruído; - Caracterização geomorfológica, geológica, solo e relevo; dados sobre a hidrologia superficial, rede hidrográfica, características físicas da bacia, mananciais, usos da água (montante e jusante), demandas atuais e futuras em termos de qualidade e quantidade; - Dados sobre a hidrogeologia, caracterizando os aquíferos subterrâneos, fluxos e recargas e caracterização físico-químicas; - Dados sobre a qualidade das águas, bem como os principais usos, demandas atual e futura, em termos de qualidade e quantidade. Meio Biológico - Análise de ecossistemas terrestre, aquáticos e de transição existentes na área do empreendimento, com mapas, retratando estágios de coberturas vegetais e corpos de água, identificando espécies animais e vegetais endêmicas e em perigo de extinção; - Nos ecossistemas de transição deverão ser enfatizados seu papel regulador, abrangendo banhados e brejos. Meio Antrópico - Distribuição populacional nas áreas circunvizinhas, tendências de crescimento; - Identificação das redes viária e hidrográfica; - Deslocamentos diários e sazonais; - Uso e ocupação do solo, indicando vias e meios de acesso, áreas de interesse ambiental, histórico, científico e arqueológico; - Estrutura fundiária; - Infra-estrutura de serviços: portos aeroportos, redes de abastecimento, saneamento ambiental; - Níveis de vida: estrutura ocupacional, educação, saúde, alimentação, lazer, turismo e cultura; - Organização social: conflitos e tensões sociais, grupos comunitários, forças políticas e associações. Análise Ambiental - Estudo de viabilidade ambiental Consiste na análise dos impactos ambientais do empreendimento e de suas alternativas, através da identificação, previsão de magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando-os em: - positivos e negativos; - diretos e indiretos; - imediatos e a médio e longo prazos; - temporários ou permanentes; - grau de reversibilidade; - propriedades cumulativas e sinérgicas; - distribuição do ônus e benefícios sociais; Deve-se confrontá-los com a hipótese de não execução do empreendimento. Proposição de Medidas Mitigadoras As medidas mitigadoras devem ser definidas para as várias fases do projeto - implantação, operação e desativação e em caso de acidentes - de acordo com o fator ambiental - físico, biótico e antrópico - classificando em relação a: 36 - Natureza: Preventiva ou Corretiva; - Fase em que serão adotadas: implantação, operação, desativação e em casos de acidentes; - Fator ambiental a qual se destina: físico, biótico e antrópico; - Adequação da eficiência dos equipamentos de controle da poluição em relação aos critérios de qualidade ambiental, padrões de lançamento de efluentes líquidos, emissões gasosas, ruídos e resíduos sólidos. Deverão ser mencionados os impactos adversos que não possam ser evitados ou mitigados. Programa de Monitoramento Deve ser elaborado um programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos negativos e positivos onde estarão descritos os fatores e parâmetros utilizados para se avaliar a eficácia das medidas mitigadoras para o fim a que se propuseram; Os programas deverão conter: - justificativa dos parâmetros selecionados; - justificativa da rede de amostragem; - justificativa dos métodos de coleta e análise das amostras; - periodicidade de amostragem de cada parâmetro; - informação sobre a evolução dos impactos ambientais, eventualmente causados pelo empreendimento; - previsão do uso futuro da área. O Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) é um documento que reflete as conclusões do EIA. Deve ser apresentado de forma clara e objetiva, de modo a facilitar sua compreensão. Assim, todas as informações do Rima devem ser apresentadas em linguagem acessível e ser ilustradas por mapas, quadros, gráficos e outras formas de comunicação visual, de modo que a sociedade em geral possa “entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as consequências ambientais de sua implementação” (BRASIL, 1986). Os profissionaisda área têm no EIA/Rima um instrumento de gestão que possibilita a tomada de decisão integrando variáveis ambientais, econômicas, sociais e tecnológicas. No Estado de São Paulo, a normatização dos procedimentos para o licenciamento ambiental foi estabelecida pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA) através da Resolução 42/94, posteriormente modificada pela resolução SMA 54/2004, que institui dois instrumentos preliminares para a exigência ou dispensa do EIA e do RIMA: o Relatório Ambiental Preliminar - RAP e o Termo de Referência – TR (SCHALCH et al, 2002). O RAP é o documento básico para o licenciamento ambiental e fundamenta a decisão do órgão ambiental sobre a exigência ou dispensa de EIA/RIMA. O conteúdo do RAP deve ser elaborado e desenvolvido pelo empreendedor, geralmente através de consultoria especializada, e inclui os seguintes tópicos: - objeto do empreendimento; - justificativa do empreendimento quanto à necessidade, à apresentação das alternativas locacionais e tecnológicas estudadas e à defesa da alternativa adotada; - caracterização do empreendimento; - diagnóstico ambiental preliminar na área de influência do empreendimento, refletindo as condições atuais do meio físico, biológico e sócio-econômico, interrelacionadas em um diagnóstico integrado, que permita a avaliação dos impactos decorrentes da implantação do empreendimento; 37 - identificação dos principais impactos que poderão ocorrer como consequência das diversas ações previstas para a implantação e a operação do empreendimento; - medidas mitigadoras, compensatórias e/ou de controle ambiental, considerando os impactos previstos (SCHALCH et al, 2002). De modo geral, tem-se: Tabela 6 – documentos necessários segundo a capacidade do aterro Quantidade diária recebida no aterro Documentos necessários Até 25 t/dia RAP de 25 a 100 t/dia RAP + EIA/Rima Acima de 100 t/dia EIA/Rima obrigatório Uma vez aprovado o RAP e/ou o EIA, caso este tenha sido necessário, dá-se início ao processo de licenciamento ambiental propriamente dito, isto é, de obtenção das licenças ambientais. 5.1.2 Licenciamento ambiental de aterro sanitário Licenciamento Ambiental é o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso (BRASIL, 1997). A Licença Ambiental estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental. (BRASIL, 1997). O licenciamento ambiental de um empreendimento se dá em três etapas, conforme a resolução CONAMA 237/97 e a resolução SMA 54/2004 - Licença Prévia (LP): concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação; - Licença de Instalação (LI): autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante; - Licença de Operação (LO): autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação. O fluxograma mostrado na figura a seguir ilustra a sequência de etapas do processo de licenciamento; as etapas exclusivas previstas no estado de São Paulo estão em destaque: 38 Figura 20 - etapas para realização do licenciamento ambiental (fonte: Secretaria de Estado do Meio Ambiente, 1995) Deve-se observar que, dependendo do volume de resíduos sólidos gerado diariamente, será necessária a apresentação do EIA/RIMA. No entanto, este fato não dispensa a apresentação do RAP. 5.1.3 Projeto de aterro sanitário O projeto de um aterro sanitário no Brasil deve seguir as orientações técnicas da norma NBR 13896/97, e ter seu projeto apresentado conforme orientações da norma NBR 8419/92. De modo geral, na fase de pré-seleção de áreas, devem ser reunidas algumas informações fundamentais: - tamanho da população atual e futura, no horizonte de projeto; - caracterização quantitativa e qualitativa dos resíduos sólidos; - informação sobre a gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos. - dados sobre águas superficiais • identificar principais mananciais, bacias e corpos d’água na região; • identificar a qualidade e os usos dessas águas; • verificar áreas de proteção de mananciais; - dados sobre o clima: série histórica do regime de chuvas, direção e intensidade dos ventos; - informações referentes à legislação Federal, Estadual e Municipal; - informações sócio-econômicas: aspectos políticos, valor da terra, uso e ocupação do solo, distância do centro produtor de resíduos, integração à malha viária, aceitabilidade da população. A localização do aterro sanitário deve ser tal que: - o impacto ambiental a ser causado pela instalação seja minimizado; - a aceitação da instalação pela população seja maximizada; - esteja de acordo com o zoneamento da região, definido pelo Plano Diretor; - possa ser utilizado por um longo espaço de tempo, necessitando apenas de um mínimo de obras no início da operação (ABNT, 1997). Ainda segundo a NBR 13896/97, a análise de adequabilidade de um local para a instalação de um aterro sanitário deve considerar diversos fatores, como: - topografia: declividade do terreno deve ser entre 1% e 30%; - aspectos geológicos, e tipo de solos na área: é desejável que se tenha uma zona não saturada com espessura maior 3,0m e um depósito natural de solo com coeficiente de permeabilidade inferior a 10-6 cm/s; tais condições influem positivamente na capacidade de depuração do solo e na velocidade de infiltração no solo. - distância mínima de 200 m de recursos hídricos; 39 - distância de núcleos populacionais: deve ser superior a 500m; - fácil acesso ao local; - vida útil mínima de 10 anos. Consoni, Silva e Gimenez Filho (2000) sintetizam os critérios de pré-seleção da seguinte forma: Parâmetros Classificação das áreas Recomendada Recomendada com restrições Não recomendada Vida útil Maior que 10 anos Menor que 10 anos (a critério do órgão ambiental) Distância do centro Até 10 km 10 a 20 km Menor que 5 km Maior que 20 km Zoneamento ambiental Áreas sem restrições no zoneamento ambiental Unidades de conservação ambiental Zoneamento urbano Vetor de crescimento mínimo Vetor de crescimento intermediário Vetor de crescimento máximo Densidade populacional Baixa Média Alta Uso e ocupação do solo Áreas pouco utilizadas Ocupação intensa Valorização da terra Baixa Média Alta Declividade do terreno (%) 3 declividade 20 20 declividade 30 declividade < 3 ou declividade >30 Aceitação da população Boa Razoável Inaceitável Distância dos cursos d`água Maior que 200 m Menor que 200 m com aprovação do órgão ambiental responsável Quadro 1 – critérios para priorização das áreas na fase de pré-seleção (fonte: CONSONI, SILVA e GIMENEZ FILHO, 2000) Em qualquer caso, deve-se obedecer às seguintes condições: - as áreas
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