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Analises de criancas com adultos ferenczi

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Análise de Crianças e Adultos – Obras Completas Sandor Ferenczi 69 
 VII 
 
 Análises de Crianças 
 Com Adultos¹ 
 
 
Senhoras e Senhores, 
 Que numa associação onde tantos de seus membros seriam dig- 
nos, e até mais dignos do que eu, de cumprir esta missão, me tenham 
escolhido justamente a mim, um estrangeiro, como orador para a nos- 
sa festa de hoje, eis algo que requer uma explicação... ou um pedido 
de desculpa. Somente a antiguidade, os 25 anos em que me foi dado 
viver ao lado do mestre e sob sua direção, não basta; estão aqui entre 
nós colegas que o acompanham fielmente há muito mais tempo do que 
eu. Permitam-me então imaginar uma outra razão. Talvez queiram uti-
lizar esta ocasião para desafogar o terreno de uma mentira muito dis- 
seminada e de bom grado retomada pelos profanos e pelos reticentes. 
Muitas e muitas vezes se ouve discorrer sem o menor fundamento so-
bre a intolerância, a “ortodoxia” do nosso mestre. Ele não permitiria 
nenhuma critica de suas teorias por aqueles que o cercam; expulsaria 
todos os talentos independentes para impor com tirania a sua vontade 
cientifica. Alguns falam do seu rigor digno do Antigo Testamento, e 
tentam até dar-lhe uma teoria racial como base de sustentação. É uma 
triste verdade, sem dúvida, que alguns talentos eminentes e muitos ou- 
tros de menor valor lhe voltaram as costas ao correr do tempo, depois 
de o terem seguido por mais ou menos tempo. Terão eles obedecido 
a motivos puramente científicos? Penso que a esterilidade cientifica 
 
¹. Conferência extraordinária pronunciada por ocasião do 75º aniversário do Professor 
Freud, na Associação Psicanalítica de Viena, em 6 de maio de 1931.
Análise de Crianças e Adultos – Obras Completas Sandor Ferenczi 70 
 
de que dão provas depois de seu afastamento não depõe muito a favor 
deles. Gostaria agora de colocar na balança o amável convite que os 
senhores me fizeram, a titulo de argumento contra a ortodoxia da As- 
sociação Internacional e de seu líder espiritual, o Professor Freud. Sem 
querer medir a minha importância com a daqueles colegas a que fiz 
alusão, o fato é que sou, em geral, bastante conhecido como um espí- 
rito inquieto ou, como me foi recentemente dito em Oxford, como o 
enfant terrible da psicanálise. 
As proposições que lhes tenho submetido, do ponto de vista téc- 
nico e teórico, são severamente criticados por uma respeitável maio- 
ria, por seu caráter fantasista e original demais. Tampouco posso pre- 
tender que o próprio Freud esteja de acordo com tudo o que eu publi- 
co. Deu-me sempre sua opinião franca, quando lha solicitei. Mas não 
hesitava em acrescentar que, sob certos aspectos, o futuro poderia dar- 
me razão, e nem ele nem eu cogitamos de interromper a nossa colabo- 
ração por causa dessas diferenças relativas ao método e à teoria; mas 
no que diz respeito aos mais importantes princípios básicos da psica- 
nálise, estamos perfeitamente de acordo. 
Desde um certo ponto de vista, Freud é efetivamente ortodoxo. 
Criou obras que, depois de vários decênios, permanecem imutáveis, 
inatas, como que cristalizadas. A Interpretação de Sonhos, por exem- 
plo, é uma joia tão finamente cinzelada, tão perfeitamente coerente 
tanto no conteúdo quanto na forma, que reside a todas as vicissitudes 
do tempo e da libido, de modo que a critica mal se atreve a abordá-la. 
Agradecemos ao destino ter tido a oportunidade de poder trabalhar 
com esse espirito superior e, digamo-lo bem alto, com esse espírito li- 
beral. Esperamos que o seu 75º aniversário lhe traga, com a integrida- 
de de seu vigoroso espírito, o restabelecimento de suas forças físicas. 
E passemos agora ao tema da minha exposição de hoje. Verificou-
se no decorrer destes últimos anos que certos fatos da experiência psica-
nalítica vieram agrupar-se em torno de ideias que me levaram a atenuar 
consideravelmente a oposição tão viva até o presente entre a análise de 
crianças e a análise de adultos. 
Os primeiros passos da análise de crianças são obra de membros 
deste grupo. Pondo de lado o único ensaio precursor de Freud, a ana-
lista vienense, Sra. Von Hugh Hellmuth, foi a primeira a ocupar-se me-
todicamente da análise de crianças. A ela devemos a ideia de começar 
a análise de crianças como uma espécie de jogo infantil. Ela e, mais 
tarde, Melanie Klein, viram-se obrigadas, se queriam tratar crianças 
pela psicanálise, a introduzir modificações substanciais na técnica da 
análise de adultos, quase sempre no sentido de uma atenuação do ri-
gor técnico habitual. Todos conhecem e apreciam os trabalhos siste-
Análise de Crianças e Adultos – Obras Completas Sandor Ferenczi 71 
 
máticos da nossa colega Anna Freud sobre esse assunto, assim como 
os procedimentos magistralmente hábeis inventados por Aichhorn pa-
ra conter as crianças mais difíceis. No que me diz respeito, não tenho 
tido muito trato com crianças, em psicanálise, e eu mesmo me surpreen-
do por me defrontar agora, por um caminho muito diverso, com o pro-
blema da análise infantil. De fato, como cheguei a ele? Antes de res-
ponder a essa pergunta, não é inútil participar-lhes, em poucas pala-
vras, uma particularidade especifica da orientação de meu trabalho. 
Uma espécie de fé fanática nas possibilidades de êxito da psicologia 
da profundidade fez-me considerar os eventuais fracassos menos co-
mo consequência de uma “incurabilidade” do que da nossa própria 
inépcia, hipótese que me levou necessariamente a modificar a técnica 
nos casos difíceis em que era impossível obter êxito com a técnica há-
bitual. 
Foi, portanto, a contragosto que me resolvi a abandonar os casos 
mais correntes para tornar-me, pouco a pouco, um especialista de ca-
sos particularmente difíceis, dos quais me ocupo agora já lá vai um 
bom número de anos. Formulas tais como “a resistência do paciente 
é insuperável” ou “ o narcisismo não permite aprofundar mais este ca-
so”, ou mesmo a resignação fatalista em fase do chamado estanca-
mento de um caso, eram e continuam sendo para mim inadmissíveis. 
Pensava que, enquanto o paciente continua comparecendo, o fio de 
esperanças não se rompeu. Portanto, eu tinha que fazer-me de forma 
incessante a mesma indagação: a causa do fracasso será sempre a re-
sistência do paciente, não será antes o nosso próprio conforto que des-
denha adaptar-se às particularidades da pessoa, no plano do método? 
Nesses casos aparentemente estancados em que a análise não oferece 
há muito tempo perspectivas novas nem avanços terapêuticos, tive o 
sentimento de que o que denominamos associação livre ainda conti-
nua sendo uma seleção muito consciente de pensamentos; por isso le-
vei os pacientesa adotar um “relaxamento”² muito mais profundo, 
um abandono mais total às impressões, tendências e emoções interio-
res que surgem de um modo inteiramente espontâneo. Portanto, quanto 
mais verdadeiramente livre a associação se tornava, mais as falas e ou-
tras manifestações do paciente eram ingênuas – poderíamos dizer, in-
fantis; com frequência cada vez maior, aos pensamentos e representa-
ções em imagens vinham misturar-se ligeiros movimentos de expres-
são, algumas vezes até “sintomas passageiros” que eram então sub-
metidos, como tudo o mais, à análise. A expectativa fria e muda, as 
 
 ². Cf. o artigo “Principio de relaxamento e neocatarse”: trata-se aqui mais de 
relaxamento do que de técnica de relaxação. (NTF)
Análise de Crianças e Adultos – Obras Completas Sandor Ferenczi 72 
 
sim como a ausência de reação do analista, pareciam então, com fre- 
quencia, agir no sentido de uma perturbação da liberdade de associa- 
ção. A partir do instante em que o paciente está disposto, realmente, 
a abondonar-se, a contar tudo o que se passa nele, emerge de súbito 
do seu estado, em sobressalto, e queixa-se de que lhe é verdadeiramen- 
te impossível levar a sério seus movimentos internos, quando me sabe 
tranquilamente sentado atrás dele, com a pergunta estereotipada: “O que 
é que lhe ocorre a esse respeito?” Pensei então que deveria existir al-
gum meio de eliminar essa perturbação das associações para fornecer 
ao paciente a ocasião de desenvolver mais amplamente a sua tendência 
à repetição, tendência que luta por manifestar-se. Mas levei bastante 
tempo para receber, uma vez mais dos próprios pacientes, os primei-
ros encorajamentos quanto à maneira de consegui-lo. Eis um exem-
plo: um paciente na plenitude da vida decide-se, após ter superado fortes 
resistências, mormente uma intensa desconfiança, a fazer reviver os 
acontecimentos de sua infância. Eu já sei, graças à elucidação analiti-
ca do seu passado, que nas cenas revividas ele me identifica com seu 
avô. De repente, a meio de seu relato, passa-me um braço em redor 
do pescoço e murmura-me ao ouvido: “Sabe, vovô, receio que vou ter 
um bebê...” Tive então a feliz ideia, parece-me, de nada dizer de ime-
diato sobre a transferência ou alguma coisa no gênero, mas de lhe de-
volver a pergunta no mesmo tom sussurrado: “Ah, sim, por que é que 
você pensa isso?” Como vêem, deixei-me levar para um jogo que po-
deriamos chamar de perguntas e respostas, inteiramente análogo aos 
processos que nos descrevem os analistas de crianças, e já faz algum 
tempo que esse pequeno truque funciona muito bem. Mas não creiam 
que, nesse jogo, me seja possível fazer qualquer pergunta. Se esta não 
for bastante simples, se não estiver verdadeiramente adaptada à inteli-
gência de uma criança, então o diálogo é interrompido rapidamente, 
e mais de um paciente me jogou na cara que eu tinha sido desastrado, 
que tinha, por assim dizer, estragado o jogo. Nesses casos, aconteceu -
me por vezes introduzir nas minhas perguntas e respostas coisas de que 
a criança, na época, não podia ter conhecimento. Uma recusa ainda 
mais energética foi-me oposta quando tentava apresentar interpretações 
demasiado cientificas. Inútil dizer-lhes que a minha primeira reação a 
esses incidentes foi um acesso de indignação autoritária. No momen-
to, sentia-me ferido pela pretensão do paciente, ou do aluno, de saber 
as coisas melhor do que eu próprio; mas, felizmente, logo me acudia 
o pensamento de que, afinal de contas, ele devia efetivamente saber 
mais sobre si mesmo do que eu poderia adivinhar. Reconheci, portan-
to, que podia cometer um erro e a consequência disso não era a perda 
de minha autoridade mas o aumento da confiança do paciente em mim.
Análise de Crianças e Adultos – Obras Completas Sandor Ferenczi 73 
 
Diga-se, de passagem, que alguns pacientes ficavam indignados quan-
do me ouviam qualificar esse procedimento de jogo. Era um sinal, di-
ziam eles, de que eu não levava a coisa a sério. Também nisso havia 
uma ponta de verdade; não tardei em ter que confessar, a mim mesmo 
e ao paciente, que esses jogos continham mais de uma realidade grave 
da infância. Obtive a prova disso quando, a partir desses procedimen-
tos mais ou menos lúdicos, alguns pacientes começaram a mergulhar 
numa espécie de transe alucinatório, durante o qual encenavam diante 
de mim acontecimentos traumáticos cuja lembrança inconsciente esta-
va igualmente dissimulada atrás das verbalizações lúdicas. Fato extraor-
dinário, desde o começo da minha carreira analítica eu tinha feito uma 
observação semelhante. Um paciente começou de súbito, a meio do 
diálogo, a representar uma cena (acting out) numa espécie de estado 
crepuscular histérico. Na época, eu tinha sacudido o homem com mui-
ta energia, convidando-o com força a acabar de dizer o que estava jus-
tamente querendo dizer-me. Com a ajuda desse encorajamento, o pa-
ciente reencontrou, em certa medida através da minha pessoa, o con-
tato com o mundo extermo, e pôde comunicar-me um certo número 
de coisas a respeito de seus conflitos latentes, em frases inteligíveis, 
em vez da linguagem gestual de sua histeria. 
Como vêem, senhoras e senhores, liguei no meu método o recurso 
técnico da “análise pelo jogo” ao pressuposto – baseado, é claro, nu-
ma série de observações – segundo o qual não se deve declarar satis-
feito com nenhuma análise que não tenha culminado na reprodução 
real dos processos traumáticos do recalcamento originário, no qual re-
pousa em última instância a formação do cárater e dos sintomas. Se 
considerarmos que, segundo as nossas experiências e hipóteses atuais, 
a maioria dos choques patogênicos remontam à infância, não pode cau-
sar surpresa ver o paciente que tenta fornecer a gênese do seu mal cair 
de súbito no pueril ou no infantil. Mas surgem algumas questões im-
portantes nesse momento, as quais também tive que formular a mim 
mesmo. Será que se ganha alguma coisa fazendo o paciente mergulhar 
num estado primitivo de infância e deixando-o agir livremente nesse 
estado? Teremos realizado assim uma tarefa verdadeiramente analíti-
ca? Não será isso reforçar a censura que nos é feita amiúde de que a 
análise induz as pessoas a soltar, sem controle, suas pulsões, ou que 
provoca simplesmente crises histéricas que também podem surgir de 
repete, sem ajuda analítica, sob o efeito de causas exteriores e propi-
ciando às pessoas um alívio apenas passageiro? E, em geral, até onde 
um tal jogo infantil, em análise, tem o direito de ir? Existem critérios 
que nos permitam fixar um limite a fim de saber até onde se pode dei-
xar ir o relaxamento infantil, e onde deve começar a frustração educa-
tiva?
Análise de Crianças e Adultos – Obras Completas Sandor Ferenczi 74 
 
Naturalmente, a tarefaanalítica não é preenchida com a reativa-
ção do estado infantil e a reprodução atuada dos traumas. O material 
lúdico atuado, ou repetido de qualquer outra forma, deve ser submeti-
do a uma investigação analítica aprofundada. Sem dúvida, Freud tem 
razão em ensinar-nos que a análise obtém uma vitória quando conse-
gue substituir o agir pela rememoração; mas penso haver também van-
tagem em suscitar um material atuado importante, que poderá em se-
guida ser transformado em rememoração. Em princípio, eu também 
sou contra as explosões descontroladas, mas penso ser útil descobrir, 
tão amplamente quanto possível, as tendências para a ação, escondi-
das, antes de passar ao trabalho do pensamento, assim como à educa-
ção que ocorre paralelamente. Ninguém pode enforcar um ladrão an-
tes de tê-lo agarrado. Não creiam, pois, que as minhas análises, que 
transformo às vezes em jogo de crianças, sejam no fundo tão diferen-
tes quanto as praticadas até agora. *As sessões começam, como de há-
bito, com pensamentos provenientes das camadas psíquicas superficiais, 
muito preocupadas – como sempre – com os acontecimentos da vés-
pera, depois ocorre eventualmente uma análise de sonho, “normal”, 
mas que pode tornar-se infantil ou ser facilmente atuada. Mas nunca 
deixo terminar uma sessão sem analisar a fundo o material atuado, uti-
lizando plenamente, é claro, tudo o que sabemos da transferência, da 
resistência e da metapsicologia da formação do sintoma, nem sem tor-
nar consciente esse material para o paciente.* 
Quanto à segunda questão, ou seja, até onde pode ir a ação num 
tal jogo infantil, a resposta seria a seguinte: o adulto também deveria ter 
o direito de conduzir-se em análise como uma criança difícil, isto 
é, arrebatada; mas quando ele próprio cai no erro que nos recrimina 
por vezes, quando sai de seu papel durante o jogo e tenta viver a reali-
dade infantil no quadro das ações de um adulto, então é preciso mostrar-
lhe que é ele quem está agora estragando o jogo; e é preciso assim che- 
gar, não sem dificuldade, às vezes, a fazer com que o paciente limite 
ao infantil o modo e o alcance de sua atitude. A esse respeito, gostaria 
de emitir a hipótese de que os movimentos de expressão emocional da 
criança, sobretudo os libidinais, remontam fundamentalmente à terna 
relação mãe-criança, e que os elementos de malevolência, de arrebata-
mento passional e de perversão aberta são, na maioria das vezes, con- 
sequências de um tratamento desprovido de tato, por parte do ambiente. 
É uma vantagem para a análise quando o analista consegue, graças a 
uma paciência, uma compreensão, uma benevolência e uma amabili-
dade quase limitadas, ir o quanto possível ao encontro do paciente. 
Cria-se desse modo uma base graças à qual pode-se lutar até o fim na 
elaboração dos conflitos, inevitáveis a um prazo mais ou menos curto, 
e isso, na perspectiva de uma reconciliação. O paciente ficará então
Análise de Crianças e Adultos – Obras Completas Sandor Ferenczi 75 
 
Impressionado com o nosso comportamento, contrastante com os even-
tos vividos em sua própria família, e, como se sabe agora protegido 
da repetição, atrever-se-à a mergulhar na reprodução do passado de-
sagradável. O que se passa então lembra-nos vivamente o que nos rela-
tam os analistas de crianças. Acontece, por exemplo, que o paciente, 
ao confessar uma falta, nos tome bruscamente a mão e nos suplique 
para não lhe bater. É frequente os pacientes procurarem provocar a 
nossa suposta perversidade escondida, recorrendo a maldades, sarcas-
mos, cinismos, diversas indelicadezas e até mesmo a caretas. Não há 
nenhuma vantagem em bancar nessas condições o homem sempre bom 
e indulgente; é mais aconselhável confessar honestamente que o com-
portamento do paciente nos desagrada mas que devemos nos contro-
lar, sabendo que, se ele se dá ao trabalho de ser malévolo, será por 
sinceridade e a hipocrisia que o paciente deve ter frequentemente ob-
servado em seu ambiente, sob a forma de demonstração ou de presun-
ção de amor, ao passo que dissimulava as suas criticas a todos e, mais 
tarde, a si mesmo também. 
Não é raro os pacientes trazerem-nos, muitas vezes em meio às 
suas associações, pequenas histórias compostas por eles, até mesmo poe-
mas ou rimas forçadas; alguns pedem-me um lápis para me presentear 
com um desenho ou um retrato, em geral muito primitivo. Natural-
mente, deixo-os fazer tudo isso e aceito essas pequenas doações para 
me servirem de ponto de partida para outras formações fantasísticas 
que serão mais tarde submetidas à análise. E isso, por si só, não evoca 
já um fragmento de análise de criança? 
Permitam-me, de resto, reconhecer nesta oportunidade um erro 
tático cuja reparação me ajudou a compreender melhor uma questão 
de fundamental importância. Penso no seguinte problema: em que me-
dida o que eu faço com os meus pacientes pertence à esfera da suges-
tão ou da hipnose? A nossa colega Elisabeth Serven, que está fazendo 
análise didática conosco, observou-me um dia, no decorrer de uma dis-
cussão, que as minhas perguntas e respostas vinham, por vezes, per-
turbar a espontaneidade da produção fantasística. Eu deveria limitar 
a minha ajuda, no que se refere a essa produção, a incitar as forças 
debilitantes do paciente a prosseguir o trabalho, a superar as inibições 
devidos à angustia, e outras coisas do gênero. É ainda melhor quando 
os meus incitamentos assumem a forma de questões muito simples em 
vez de afirmações, o que obriga o analisando³ a continuar o trabalho 
por seus próprios meios. A formulação teórica que daí decorre, e à qual 
 
³. Ver a nota da p. 217.
Análise de Crianças e Adultos – Obras Completas Sandor Ferenczi 76 
 
devo tantas compreensões novas, diz que a sugestão, que se pode per-
mitir mesmo em análise, deve ser mais um encorajamento geral do que 
uma orientação particular. Creio haver aí uma diferença essencial com 
as sugestões habituais praticadas pelos psicoterapeutas; na realidade, 
trata-se simplesmente de um reforço das instruções inevitáveis da aná-
lise; agora deite-se, deixe seus pensamentos fluírem livremente, e diga 
tudo o que lhe acudir ao espirito. Mesmo o jogo das fantasias nada 
mais é do que um encorajamento desse gênero, embora mais acentua-
do. No que se refere à questão da hipnose, pode-se responder da mês-
ma maneira. No decorrer de qualquer associação livre, são inevitáveis os 
elementos de êxtase e de esquecimento de si; entretanto, o convite 
para ir mais longe e mais a fundo leva, por vezes – comigo, confes-
so-o honestamente, com muita frequência – ao aparecimento de um 
êxtase mais profundo; quando ele assume um caráter por assim dizer 
alucinatório, pode-se-lhe chamar, se quisermos, auto-hipnose; os meus 
pacientes o chamam de bom grado um estadode transe. É importante 
não abusar desse estágio de maior aflição para impregnar o psiquismo 
sem resistência do paciente de teorias e formações fantasísticas pró-
prias do analista; é preferível utilizar essa influência, inegavelmente 
grande, para aumentar no paciente a capacidade de elaboração de suas 
próprias produções. Usando um neologismo (certamente deselegante), 
poderíamos dizer que a análise não deve “intro-sugerir” ou “intro-
hipnotizar” coisas no paciente; pelo contrário, “exo-surgir” ou “exo-
hipnotizar” é não só permitido mas útil. Abre-se aqui uma perspecti-
va, importante do ponto de vista pedagógico, sobre o caminho a se-
guir em matéria de educação racional das crianças. Que as crianças se-
jam influenciáveis, que sejam propensas a apoiar-se sem resistência num 
“grande” nos momentos de aflição, que exista, portanto, um elemen-
to de hipnose na relação entre crianças e adultos, é um fato inegável, 
com o qual há que conformar-se. Portanto, esse grande poder que os 
adultos têm em face das crianças, em vez de utiliza-lo sempre, como 
geralmente se faz, para imprimir as nossas próprias regras rígidas no 
psiquismo maleável da criança, como algo autorgado do exterior, po-
deria ser organizado como meio de educa-las para maior independên-
cia e coragem. 
Se, na situação analítica, o paciente sente-se ferido, decepciona-
do, abandonado, põe-se às vezes a brincar sozinho, como uma criança 
desprezada. Tem-se nitidamente a impressão de que o abandono acar-
reta uma clivagem da personalidade. Uma parte da sua própria pessoa 
começa a desempenhar o papel da mãe ou do pai com a outra parte, 
e assim torna o abandono nulo e sem efeito, por assim dizer. O que é 
curioso, neste jogo, é não só que certas partes do corpo, como os 
dedos, a mão, os pés, os órgãos genitais, a cabeça, o nariz, os olhos, 
Análise de Crianças e Adultos – Obras Completas Sandor Ferenczi 77 
 
tornam-se representantes da pessoa toda e a cena onde todas as peripé-
cias de sua própria tragédia são representadas e levadas à conciliação, 
mas também que se adquire através dele uma noção geral dos proces-
sos a que dei o nome de autoclivagem narcísica, na própria esfera psi-
quica. É surpreendente a enorme quantidade de percepções auto-
simbólicas de si, ou de psicologia inconsciente, que emergem nas pro-
duções fantasísticas dos analisandos, como nas das crianças, manifes-
tamente. Contavam-se pequenas históricas, em que algum animal peri-
goso tenta destruir com os dentes e as garras uma medusa mas não a 
consegue dominar porque a medusa esquiva-se a todos os golpes e a 
todas as mordidas, graças à sua maleabilidade, para retomar em segui-
da a sua forma esférica. Esta história pode ser interpretada de duas 
maneiras: por um lado, exprime a resistência passiva que o paciente 
opõe às agressões do mundo externo e, por outro, representa a cliva-
gem da pessoa numa parte sensível, brutalmente destruída, e uma ou-
tra que, de certo modo, sabe tudo mas nada sente. Esse processo pri-
mário de recalcamento exprime-se ainda com maior clareza nas fanta-
sias e nos sonhos em que a cabeça, ou seja, o órgão do pensamento, 
separada do resto do corpo, caminha com seus próprios pés, ou só es-
ta ligada ao resto do corpo por um fio, coisas que exigem, todas elas, 
uma explicação, não só histórica mas também auto-simbólica. 
Quanto à significação metapsicológica de todos esses processos de 
clivagem e de ressoldadura, não quero entender-me mais longamente 
a esse respeito, desta vez. Se consegui comunicar-lhes o meu sentimen-
to de que temos, de fato, muito a aprender com os nossos doentes, 
os nossos alunos e também, evidentemente, com as crianças, dar-me-
ei por satisfeito. 
Há alguns anos fiz uma breve comunicação sobre a relativa fre-
quencia de um sonho típico a que dei o nome de “sonho do bebê sá-
bio”⁴. Trata-se daqueles sonhos em que uma criança recém-nascida ou 
um bebê de berço começa a falar, de súbito, para dar sábios conselhos 
aos pais e outros adultos. Num dos meus casos, a inteligência da infe-
liz criança comportava-se, pois, nas fantasias que estavam sendo ana-
lisadas, como uma pessoa à parte, que tinha por tarefa levar rápida-
mente socorro a uma criança quase mortalmente ferida. “Depressa, 
depressa, que devo fazer? Feriram o meu menino! Não há ninguém 
que possa ajudar-me? Vejam como ele está perdendo todo o sangue! 
Quase não respira mais! Tenho eu mesmo que fazer o curativo do feri-
mento. Vamos, meu filho, respira profundamente, senão morrerás. Eis 
que o coração para. Ele está morrendo! Ele está morrendo!...” As as- 
 
⁴. “O sonho do Bebê Sábio”, em Psicanálise III. 
Análise de Crianças e Adultos – Obras Completas Sandor Ferenczi 78 
 
sociações que se ligavam à análise de um sonho cessaram, e o paciente, 
tomando de opistólonos, fez movimentos como se quisesse proteger o 
baixo ventre. Por meio de encorajamentos e de perguntas, descritos 
mais acima, consegui, entretanto, restabelecer o contato com o doen-
te, que se encontrava num estado quase comatoso, e coagi-lo a falar 
de um traumatismo sexual sofrido no começo de sua infância. Sobre-
tudo, gostaria de sublinhar aqui a luz projetada por essa observação, 
e outras semelhantes, sobre a gênese da autoclivagem narcísica. Tudo 
se passa verdadeiramente como se, sob a pressão de um perigo iminen-
te, um fragmento de nós mesmos se cindisse sob a forma de instância 
autoperceptiva que quer acudir em ajuda, e isso, talvez, desde os pri-
meiros anos da infância. Pois todos nós sabemos que as crianças que 
muito sofreram, moral e fisicamente, adquirem os fracos fisionômicos 
da idade e da sabedoria. Também tendem a cercar maternalmente os 
outros; manifestamente, estendem assim a outros os conhecimentos ad-
quiridos a duras penas, ao longo do tratamento, sobre o seu próprio 
sofrimento; tornam-se indivíduos bons e prestimosos. Nem todos con-
seguem levar tão longe o controle de sua própria dor, ficando alguns 
fixados na auto-observação e na hipocondria. 
Mas é inegável que as forças reunidas da análise e da observação 
de crianças encontram-se de novo diante de tarefas colossais, de inter-
rogações, para as quais somos encaminhados, essencialmente, pelos 
pontos comuns nas análises de crianças e de adultos. 
Pode-se afirmar, com razão, que o método que emprego com os 
meus analisandos consiste em “mimá-los”. Sacrificando toda e qual-
quer consideração quanto ao nosso próprio conforto, cede-se tanto 
quanto possível aos desejos e impulsos afetivos. Prolonga-se a sessão 
de análise o tempo necessário para poder aplanar as emoções suscita-
das pelo material; não se solta o paciente antes de ter resolvido, no 
sentido de uma conciliação, os conflitos inevitáveis na situação analí-
tica, esclarecendo os mal-entendidos e remontando à vivencia infantil.Procede-se assim um pouco à maneira de uma mãe carinhosa, que não 
irá deitar-se à noite antes de ter discutido a fundo, com seu filho, e 
grandes e pequenas, medos, intenções hostis e problemas de consciên-
cia que estavam em suspenso. Por esse meio, chegamos a deixar o pa-
ciente mergulhar em todos os estágios precoces do amor de objeto pas-
sivo, onde, em frases murmuradas, como uma criança prestes a ador-
mecer, ele nos permite entrever seu universo onírico. Mas essa relação 
terna não pode durar eternamente, mesmo em análise. O apetite chega 
comendo, diz o adágio. O paciente feito criança mostra-se cada vez mais 
exigente, retarda cada vez mais o aparecimento da situação de 
reconciliação, a fim de evitar reencontrar-se sozinho, para escapar ao 
Análise de Crianças e Adultos – Obras Completas Sandor Ferenczi 79 
 
sentimento de não ser amado; ou então procura, por ameaças, cada 
vez mais perigosas, provocar uma ação punitiva de nossa parte. Natu-
ralmente, quanto mais intensa e fecunda era a situação de transferên-
cia, maior será o efeito traumático do momento em que nos vemos obri-
gados, por fim, a terminar com esses excessos. O paciente envolve-se 
então na situação de frustração que conhecemos tão bem, que repro-
duz primeiro, a partir do passado, a raiva impotente e a paralisia que 
se segue, e são precisos muitos esforços e uma compreensão cheia de 
tato para obter a reconciliação nessas condições, ao invés da alienação 
que persistia na infância. Isso nos permite entrever o que constitui o 
mecanismo da traumatogênese; em primeiro lugar, a paralisia comple-
ta de toda a espontaneidade, logo de todo o trabalho de pensamento, 
inclusive estados semelhantes aos estados de choque, ou mesmo de co-
ma, no domínio físico, e, depois, a instauração de uma situação nova – 
deslocada – de equilíbrio. Se conseguimos estabelecer o contato, 
mesmo nesses estágios, ficamos sabendo que a criança, que se sente 
abandonada, perde por assim dizer todo o prazer de viver ou, como 
se deveria dizer com Freud, volta a agressão contra a sua própria pes-
soa. Isso chega às vezes tão longe que o paciente começa a sentir-se 
como se fosse perder os sentidos ou morrer; o rosto cobre-se de pali-
dez mortal e surgem os estados próximos do desmaio, assim como um 
aumento geral do tônus muscular, podendo chegar ao opistótonos. O 
que se desenrola aí diante dos nossos olhos é a reprodução da agonia 
psíquica e física que acarreta uma dor incompreensível e insuportável. 
Assinalo, aliás, que esses pacientes “moribundos” também fornecem 
informações interessantes sobre o além e a natureza do ser após a mor-
te, mas a avaliação psicológica desses depoimentos nos levaria longe 
demais. Conversando com o meu colega Dr. Rickman, de Londres, a 
respeito desses fenômenos ameaçadores, ele me perguntou se eu man-
tinha medicamentos ao alcance da mão para intervir, se fosse o caso, 
e salvar a vida do paciente. Respondi-lhe afirmativamente, se bem que, 
até o presente, nunca tivesse tido necessidade de usá-los. As falas apa-
ziguadoras e cheias de tato, eventualmente reforçadas por uma pre-
são encorajadora da mão e, quando isso se mostra insuficiente, uma 
carícia amistosa na cabeça, reduzem a reação a um nível em que o pa-
ciente volta a ser acessível. O paciente relata-nos então as ações e rea-
ções inadequadas dos adultos, diante de suas manifestações por oca-
sião de choques traumáticos infantis, em oposição com a nossa manei-
ra de agir. O pior é realmente a negação, a afirmação de que não acon-
teceu nada, de que não houve sofrimento ou até mesmo ser espancado 
e repreendido quando se manifesta a paralisia traumática do pensa-
mento ou dos movimentos; é isso, sobretudo, o que torna o traumatis-
mo patogênico. Tem-se mesmo a impressão de que esses choques gra-
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ves são superados, sem amnésia nem sequelas neuróticas, se a mãe es-
tiver presente, com toda a sua compreensão, sua ternura e, o que é mais 
raro, uma total sinceridade. 
Espero, neste ponto, ouvir a seguinte objeção: deve-se verdadei-
ramente afagar primeiro o paciente e acalentá-lo na ilusão de uma se-
gurança ilimitada, para fazê-lo viver em seguida um traumatismo tan-
to mais doloroso? Invocarei, a meu favor, que não provoquei inten-
cionalmente esse processo, ele se desenvolveu em consequência da mi-
nha tentativa, em minha opinião legítima, de reforçar a liberdade de 
associação; tenho um certo respeito por essas reações que surgem es-
pontaneamente, por isso deixo que apareçam sem intervir, porquanto 
suponho que elas manifestam tendências para a reprodução que não se 
deve impedir mas cujo desenvolvimento cumpre favorecer antes de 
tentar controla-las. Deixo aos pedagogos o encargo de decidir em que 
medida esse gênero de experiências também é encontrado na educação 
corrente das crianças. 
Posso dizer, sem receio, que o comportamento do paciente, ao des-
pertar desse estado de alienação traumática infantil, é extremamente 
surpreendente e altamente significativo. Vemos esboçar-se aí formal-
mente como se criam os lugares de predileção dos sintomas que sur-
gem quando de choques ulteriores. Uma paciente, por exemplo, apre-
senta, quando da convulsão traumática, um intenso afluxo de sangue 
na cabeça, de modo que todo o seu rosto fica azul; ela desperta como 
de um sonho, nada sabe do que se passou, nem da causa desses even-
tos; sente simplesmente a dor de cabeça, um sintoma que lhe é habi-
tual, mas com redobrada intensidade. Estaríamos na pista de proces-
sos fisiológicos que realizam o deslocamento histérico de um movimento 
emocional puramente psíquico para um órgão do corpo? Poderia citar-
lhes sem dificuldade meia dúzia de exemplos análogos, mas bastarão 
alguns. Um paciente, abandonado em sua infância por pai, mãe e, po-
deria acrescentar, pelos deuses, exposto aos piores sofrimentos físicos 
e psíquicos, desperta de um coma traumático com uma das mãos in-
sensível e de palidez cadavérica; de resto, deixando de lado a amnésia, 
mostra-se relativamente calmo e quase imediatamente em condições de 
retomar o trabalho. Não foi difícil de surpreender, em flagrante, por 
assim dizer, o deslocamento de todo o sofrimento, mesmo da morte, 
para uma única parte do corpo: a mão de palidez cadavérica represen-
tava a pessoa sofredora por inteiro e o desfecho de seu combate na 
insensibilidade e morte iminente. Um outro paciente, após ter repro-
duzido o traumatismo, passou a coxear: o dedo do meio de um de seus 
pés tornara-se flácido, o que obrigava o paciente a prestar a maior aten-
ção a cada um de seus passos. Pondo de lado a significação sexual do 
dedo do meio, o paciente exprimia, através desse comportamento, a 
Análise de Crianças e Adultos – Obras CompletasSandor Ferenczi 81 
 
advertência que se fazia a si mesmo: toma todo o cuidado antes de dar 
um passo, para que não te aconteça de novo a mesma coisa. O pacien-
te, que falava inglês, completou a minha interpretação com o comen-
tário: “Talvez você queira dizer que ilustro simplesmente a expressão 
inglesa: Watch your step.” ⁵ 
Se faço neste ponto, bruscamente, uma pausa e imagino as pala-
vras que os meus ouvintes têm na ponta da língua, parece-me ouvir 
de todos os lados a pergunta surpreendida: pode-se ainda chamar psi-
canálise ao que se passa nas análises de criança com adultos? De fato, 
ouve-se falar quase exclusivamente de explosões afetivas, de espasmos e 
de parestesias, que se pode com toda a certeza qualificar de crises his-
téricas. Onde está, então, a refinada análise econômica, tópica, dinâ-
mica, a reconstrução da sintomatologia, a busca dos investimentos cam-
biantes da energia do ego e do superego, que caracterizam a análise 
moderna? Nesta exposição, limitei-me efetivamente à avaliação, qua-
se exclusiva, do fator traumático, o que, por certo, não é o caso, em 
absoluto, nas minhas análises. Durante meses, quando não anos, mi-
nhas intrapsíquicas. Com os neuróticos obsessivos, por exemplo, ne-
cessita-se de um ano e às vezes mais para que o que é emocional possa 
ter acesso à fala; tudo o que o paciente e eu podemos fazer, com base 
no material que surgiu, é buscar no nível intelectual as causas que de-
terminaram as medidas preventivas, a ambivalência da atitude afetiva 
e da maneira de agir, os motivos da autopunição masoquista, etc. Mas, 
de acordo com a minha experiência, produz-se mais cedo ou mais tar-
de, quase sempre muito tarde, é verdade, um desmoronamento da su-
perestrutura intelectual e uma emergência brutal da infra-estrutura, que 
é sempre primitiva e intensamente emocional, e só então começam a 
repetição e a nova liquidação do conflito originário, entre o ego e o 
mundo externo, tal como provavelmente se desenrolou no tempo da 
infância. Não esqueçamos que as reações da criança pequena ao des-
prazer são sempre, em primeiro lugar, de natureza corporal; somente 
mais tarde a criança aprende a dominar seus movimentos de expres-
são, modelos de todo sintoma histérico. É preciso, portanto, dar ra-
zão aos neurologistas quando sugerem que o homem moderno produz 
muito mais raramente histerias manifestas, como as que eram descri-
tas e consideradas bastante difundidas há apenas algumas dezenas de 
anos. Tudo se passa como se os progressos da civilização fizessem com 
que as neuroses também se tornassem mais civilizadas e mais adultas, 
 
 ⁵. “Veja onde pisa para não cair.” (N.T.) 
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mas penso que, com a paciência e a perseverança necessárias é possível 
até desmantelar mecanismos puramente intrapsíquicos, solidamente 
construídos, e reconduzi-los ao estágio do trauma infantil. 
Uma outra e espinhosa questão, que não tardará muito a apare-
cer, refere-se aos resultados terapêuticos. Por certo compreenderão to-
dos muito bem que, de momento, abstenho-me de me pronunciar a 
esse respeito de uma forma decisiva. Mas há duas coisas que devo re-
conhecer: a esperança que eu alimentava de encurtar substancialmente 
a análise, por meio do relaxamento e da catarse, não se concretizou 
até agora, e a dificuldade do trabalho para o analista viu-se aumenta-
da de modo substancial. Mas penso que o que foi consideravelmente 
favorecido, e espero que o seja ainda mais no futuro, foi a profundi-
dade da nossa compreensão do funcionamento do psiquismo humano, 
saudável ou doente, e a esperança justificada de que o resultado terá-
pêutico, o qual repousa nessas bases mais profundas, na medida em 
que exista, terá maiores probabilidades de se manter. 
E agora, para terminar, uma questão importante do ponto de vis-
ta prático. As análises didáticas devem ou podem atingir também essa 
camada infantil profunda? Dado o caráter não limitado no tempo das 
minhas análises, isso acarreta consideráveis dificuldades práticas; en-
tretanto, creio que quem quer que alimente a ambição de compreender 
e ajudar outrem não deveria recuar diante desse grande sacrifício. Mês-
mo os que são analisados por razões puramente profissionais devem, 
portanto, no decorrer de sua análise, tornar-se um pouco histéricos, 
logo, um pouco doentes, e verifica-se então que a própria formação 
do caráter deve ser considerada um efeito longínquo de importantes 
traumas infantis. Mas creio que o resultado catártico desse mergulho 
na neurose e na infância tem finalmente um efeito revigorante; se for 
levado até o fim, não pode prejudicar em nenhuma eventualidade. Em 
todo caso, esse procedimento é muito menos perigoso do que as tenta-
tivas heroicas de numerosos colegas, que estudaram as infecções e as 
intoxicações em seus próprios corpos. 
 
Senhoras e senhores! Se as ideias e os pontos de vista que lhes co-
muniquei hoje vierem a ser um dia reconhecidos, seria necessário re-
partir honestamente o mérito entre meus pacientes, meus colegas e eu. 
E também, naturalmente, com os analistas de crianças de que acabei 
de falar; ficaria feliz se tiver conseguido lançar as bases de uma cola-
boração mais intima com eles. 
Não ficaria surpreendido se esta exposição, como algumas outras 
que publiquei nestes últimos anos, lhes desse a impressão de uma certa 
ingenuidade de meus pontos de vista. Que alguém, após 25 anos de 
trabalho analítico, comece de repente a espantar-se diante do fato do 
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traumatismo psíquico, eis algo que poderá parecer-lhes tão surpreen-
dente quanto o caso de um engenheiro meu amigo que, tendo-se apo-
sentado após 50 anos de serviço, ia todos os dias, depois do almoço, 
vez por outra: “Que maravilhosa invenção que foi a locomotiva!” É 
possível que eu tenha contraído essa tendência, ou essa capacidade de 
considerar ingenuamente o que nos é familiar, no contato com o nosso 
mestre que, quando de uma de nossas estadas estivais em sua residên-
cia, inesquecíveis para mim, surpreendeu-me uma manhã com estas pa-
lavras: “Sabe, Ferenczi, o sonho é verdadeiramente uma realização de 
desejo!” e passou a contar-me o seu último sonho que, com efeito, 
era uma clara confirmação da sua genial teoria dos sonhos. 
Espero, senhoras e senhores, que não rejeitem de imediato tudo 
o que acabo de lhes dizer, mas que reservem o vosso julgamento para 
quando tiverem adquirido experiências nas mesmas condições. Em to-
do caso, agradeço-lhes a amistosa paciência com que ouviram as mi-
nhas considerações.

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