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C N CIÊNCIAS DA NATUREZA C CIÊNCIAS HUMANAS HL LINGUAGENS E CÓDIGOS C M MATEMÁTICA T REGIONAL SUL História e Geografia PR SC RS Alessandra Alves e Alexandre Rocha J. Maluf SUMÁRIO Reg onal Sul História Geografia 5 CIÊNCIAS HUMANAS e suas tecnologiasC H HISTÓRIA 6 HISTÓRIA DO PARANÁ IMIGRAÇÃO O Paraná era habitado pelos índios tupi-guaranis e caingangues. Em 1610, os portugueses, à procura de ouro, fundaram Paranaguá, que, em 1648, se tornou vila, por Gabriel de Lara. Curitiba foi povoada por Baltazar Carrasco dos Reis e foi elevada à vila, em 29 de março de 1693. Na época, só havia uma estrada usada pelos tropeiros, com alguns pontos de pouso, em suas viagens em direção a São Paulo. Nesses lugares de pouso (no segundo planalto), surgiram cidades como Lapa, Castro e Ponta Grossa. O terceiro planalto foi parcialmente explorado por Afonso Botelho – Guarapuava, fundada em 1818, e Palmas, em 1840. Na mesorregião do Norte Pioneiro, Wenceslau Braz fundou Jacarézinho, colonizada por paulistas e mineiros. O norte do Paraná, pela Cia de Terras Norte do Paraná, com a fundação de Londrina, pelo inglês Lord Lovat. Maringá e o oeste foram colonizados pela Indús- tria Madeireira Rio Paraná S/A. Maripá, em 1946, era de propriedade de alemães e italianos que vendiam lotes ru- rais e urbanos e fizeram o efetivo povoamento da região. Não se pode falar em colonização do Paraná, sem falar nos imigrantes. Depois dos portugueses e espanhóis, os alemães se estabeleceram no Paraná. Isso ocorreu em 1829, no atual município de Rio Negro, que foi a primeira colônia alemã no Estado. O Paraná é um Estado com gran- de diversidade étnica, constituído por imigrantes alemães, japoneses, poloneses, ucranianos, italianos, espanhóis, en- tre outros, que ajudaram a construir a riqueza da nação brasileira. Entre 1853 e 1886, o Paraná recebeu cerca de 20 mil imigrantes. Marechal Cândido Rondon recebeu grande número de imigrantes alemães. Sua cultura se reflete nas fachadas das casas, na culinária e no fenóti- po de seus habitantes, além de ser considerada a cidade mais alemã do Paraná. As cidades de Rolândia, Cam- bé, Teófilo Otoni, Guaraqueçaba, Castro, Curitiba, Irati, Ponta Grossa, Guarapuava e algumas outras receberam imigrantes alemães. Cidade de Marechal Cândido Rondon 7 Em 1860, começaram a chegar os imigrantes italianos, poloneses, ucranianos, japoneses e neerlande- ses. Os poloneses se fixaram mais na região de Curitiba, Araucária e Irati, com seus carroções de toldo. Os ita- lianos, na região de Colombo e Santa Felicidade, eram agricultores e comerciantes e ficaram famosos por sua culinária. Os alemães, em Rio Negro, Rolândia e Cambé, se destacaram na agricultura e na indústria. Os japone- ses fizeram suas colônias em Assaí, Uraí, Bandeirantes e Londrina, e ficaram famosos pela horticultura. Os ucra- nianos, em Ponta Grossa e Cruz Machado, destacaram- -se na agricultura e artesanato. Já os neerlandeses se fi- xaram na região de Castro, Ponta Grossa e Guarapuava, destacando-se na indústria de laticínios. Todos contri- buíram para o desenvolvimento e progresso do Paraná. Portanto, as colônias de imigrantes é que deram origem às cidades. Castro, por exemplo, foi colonizada por imigrantes alemães, holandeses, ucranianos, polo- neses e japoneses. Embora seja diversificada em relação às etnias, há grande respeito à cultura dos outros. O museu do imigrante tem o sexto maior moinho do mun- do, que foi construído na Holanda. Na colônia de Terra Nova, pode-se apreciar a culinária alemã. No outro extremo, no norte do Paraná, a colô- nia japonesa deu origem à cidade de Assaí. A palavra vem de assahi, que significa “sol nascente“. Também as cidades de Uraí e Bandeirantes, e mesmo a grande Londrina, têm grande concentração de japoneses. Esses povos, com culturas tão diferentes e em convívio harmonioso, com suas colônias em regime de pequenas propriedades, fizeram a grandeza do Paraná. Suas diferenças só vieram acrescentar na formação cul- tural do Estado. O CONTESTADO (1912-1916) A Guerra do Contestado resultou de um pro- cesso semelhante ao de Canudos. Ocorreu na divisa do Paraná com Santa Catarina, durante os governos de Hermes da Fonseca e de Venceslau Brás. Região do Contestado A área onde se formou a comunidade era dis- putada pelos governos dos dois Estados. Ambos não escondiam seus interesses pela exploração da madeira e da erva-mate. A concessão pelo governo da construção de uma estrada de ferro ligando São Paulo ao Rio Grande do Sul contribuiu para o aquecimento das tensões na re- gião. Tal medida desapropriou uma larga faixa de terra e atraiu um contingente significativo de gente para suprir a necessidade de mão de obra. Posseiros e pequenos fazendeiros, que viviam da exploração da terra e da ma- deira na região, acabaram sendo expulsos. Com o fim das obras da estrada de ferro, o con- tingente de desempregados em condições precárias criou um cenário ideal para a difusão de ideais messiâ- nicos. Foi quando apareceu o líder José Maria – mais tarde, as autoridades descobriram que seu nome era falso. Aproveitando-se da presença de monges missio- nários na região, José Maria se apropriou do nome de um deles. Camponeses expropriados de suas terras e de- sempregados dispuseram-se a seguir José Maria e a formar uma comunidade, que, àquela altura, era a úni- ca alternativa de vida para eles. Dia a dia, a população crescia não sem a preocupação das lideranças políticas e religiosas locais e as associações com Canudos. A re- ação do governo federal, das elites e da própria Igreja não tardou. Urgia uma intervenção imediata no local. Várias campanhas de combate foram organiza- das pelas autoridades contra o “antro de fanáticos”. Exército e polícias estaduais foram derrotados. Temia- -se a repetição de Canudos. No início de 1914, sob o comando do general Setembrino de Carvalho, seis mil soldados, que contavam com artilharia, atacaram os crentes. A resistência deles só foi debelada em 1916. 8 HISTÓRIA DE SANTA CATARINA EXPEDIÇÕES EXPLORADORAS AO LITORAL CATARINENSE Os portos naturais, como os de São Francisco e ilha de Santa Catarina, tornaram a região parada obrigatória para os navios que viajavam pelo Atlânti- co sul. Navegadores de várias nacionalidades por aqui passaram. Alguns náufragos e desertores acabaram por permanecer entre os indígenas que habitavam a ilha de Santa Catarina e o litoral fronteiro, facilitando o re- conhecimento da região e o abastecimento de outras embarcações. O primeiro europeu a aportar em terras catarinenses (São Francisco do Sul) foi Binot Palmier de Gonnonville, em 1504. A partir de então, várias expedi- ções chegaram a Santa Catarina: Juan Dias de Solis (1516) – naufragou quando voltava de viagem ao Prata. Onze náufragos des- ta expedição foram bem recebidos pelos índios carijós e iniciaram com eles uma intensa misci- genação. D. Rodrigo de Acuña (1525) – deixou 17 tripu- lantes na ilha, onde se fixaram voluntariamente. Sebastião Caboto (1526) – deu à ilha o nome de Santa Catarina. Alvar Nuñez Cabeza de Vaca (1541) – chegou como governador da região do Prata, que então se estendia até o litoral catarinense. POVOAMENTO VICENTISTA Os portos de São Francisco, ilha de Santa Ca- tarina e Laguna eram importantes porque abasteciam com água os navios que iam para o rio da Prata ou para o oceano Pacífico através do estreito de Magalhães. Portugal, que já manifestara interesse em fundar uma colônia na margem esquerda do rio da Prata, começou a encarar com muito interesse e cuidado a preserva- ção da ilha de Santa Catarina. A primeira povoação da capitania de Sant’Ana se deu onde hoje é a cidade de São Francisco do Sul. Foi fundada em 1658, por Manoel Lourenço de Andrade, que se estabeleceu e a denomi- nou Nossa Senhora das Graças do Rio de São Francis- co. Manoel Lourenço veio com familiarese agregados, trazendo gado, ferramentas e instrumental agrícola. Distribuiu terras e reservou para si as mais próximas à povoação. Em 1673, foi Francisco Dias Velho que se fi- xou com os filhos, criados e escravos na ilha de Santa Catarina, fundando Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis. Porto de São Francisco do Sul, SC A fundação de Dias Velho não durou muito. Em 1687, apareceu, na enseada de Canasvieiras, um na- vio inglês carecendo de reparos. Dias Velho prendeu os piratas e o barco, enviando homens e cargas para São Vicente, onde foram libertados. Dois anos depois, vol- taram à ilha de Santa Catarina e atacaram o povoado de Nossa Senhora do Desterro. Dias Velho foi preso e depois assassinado. Após este fato, foi deixada ao aban- dono e com poucos moradores a povoação do Desterro. A fundação da colônia de Sacramento, em 1680, real- çou a importância dos núcleos catarinenses. Para dar apoio logístico a Sacramento, o vicentista Antônio Brito Peixoto fundou, em 1684, a vila de Santo Antônio dos Anjos de Laguna. CAPITANIA REAL DE SANTA CATARINA A Capitania de Santa Catarina nasceu com o ob- jetivo de ser uma base de apoio aos enfrentamentos militares contra os espanhóis. Estes viam Sacramento como uma ameaça ao monopólio sobre a boca do rio da Prata, que funcionava como uma porta de extrema importância para mais da metade de suas colônias da América do Sul. O brigadeiro José da Silva Paes foi esco- lhido para ser seu primeiro governante. Santa Catarina passou a ser, oficialmente, a partir de 1739, o posto mais avançado da soberania portuguesa na América do Sul. 9 FORTIFICAÇÃO DA ILHA DE SANTA CATARINA D. João V, rei de Portugal, em 1738, incumbiu Silva Paes de fortificar os pontos estratégicos da ilha. Sob a orientação de Silva Paes e seguindo seus próprios planos, teve início a construção das primeiras fortalezas da ilha. O brigadeiro planejou um sistema de fortificações permanentes que, apesar dos bons objetivos e da monumen- talidade, não conseguia defender as entradas das barras do norte e do sul da ilha. Entretanto, historicamente, o sistema acabou se constituindo no maior conjunto arquitetônico militar do sul do Brasil. A vila de Nossa Senhora do Desterro tinha muitas praias e excelentes baías, fáceis de aportar. Foram escolhidos três locais ao norte que vi- savam impedir a entrada de invasores pela baía e, consequentemente, aos portos naturais ali existentes. São então: a fortaleza de Santa Cruz (1739), na ilha de Anhatomirim; a fortaleza de São José da Ponta Grossa (1740), ao norte da ilha de Santa Catarina; e a fortaleza de Santo Antônio (1740), na ilha de Ratones Grande. Para defender a entrada da baía sul, construiu-se a fortaleza de Nossa Senhora da Conceição (1742), na ilha de Araçatuba. Nas décadas seguintes, alguns fortes de menores proporções foram erguidos mais próximos ao centro da vila do Desterro: Santana, São Luiz, São Francisco Xavier, Santa Bárbara, São João, Lagoa e Bateria de São Caetano. No início do século XX, foi construída a última fortificação catarinense: o forte de Naufragados. Apesar da excelente situação estratégica dessas obras, o material bélico existente em cada uma delas estava aquém das ne- cessidades. Haveria também a necessidade de tropas para guarnecer estas fortalezas e criou-se um batalhão, mais tarde transformado em regimento – o regimento de infantaria da ilha de Santa Catarina – e, ainda, dada a fraca densidade populacional da região, haveria a necessidade de braços para prover o sustento, produzindo alimentos, bem como para preencher os claros na tropa: daí a proposta do povoamento açoriano. COLONIZAÇÃO AÇORIANA O governo português, percebendo a necessidade de não perder as terras para outras nações, como a Es- panha, e também proteger militarmente o litoral brasileiro, começou o processo de colonização da ilha de Santa Catarina, estabelecendo a ideia de posse, ou seja, o Brasil deveria ser povoado para estabelecer o direito aos portugueses de donos da terra, definitivamente. A necessidade de defesa só poderia apresentar bons resultados, se houvesse um povoamento no litoral catarinense. Foi oferecida uma série de incentivos aos açorianos e madeirenses para ocupar a colônia. Os açorianos se situaram na vila de Nossa Senhora do Desterro e seus arredores, fundaram as freguesias de Nossa Senhora da Conceição da Lagoa, São Miguel da Terra Firme, Nossa Senhora do Rosário da Enseada de Brito, São José da Terra Firme, Santana da Vila Nova, Nossa Senhora das Necessidades, São Antônio de Lisboa e Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha. As freguesias apresentam, até nossos dias, a arquitetura das construções, propriedades, sistema econômico, tradições e folclore bem parecidos com o período colonial. A sede de colonos na nova capitania coincidiu com a crise de superpopu- lação nos Açores e Madeira. Houve um movimento espontâneo de vinda para o Brasil. Resolveu então o Con- selho Ultramarino realizar a maior migração sistemática de nossa histó- ria. Em várias viagens, foram trans- portados cerca de 4,5 mil colonos. Ilha de Santa Catarina 10 Deu-lhes boa acolhida o governador Manuel Escudeiro, sucessor do brigadeiro Paes. Mas nem todas as promessas da administração colonial podiam ser cumpridas, por falta de recursos. Além disso, nem todos os imigrantes, entre os quais muitos nobres, estavam dispostos a dedicar-se à agricultura ou aos ofícios mecânicos, em obediência às ordens régias que tinham o propósito de evitar a entrada de escravos. Outro problema era o da localização. Recomendava a metrópole que os colonos não se concentrassem na ilha, mas formassem, também, núcleos no litoral, sob normas urbanísticas, insistindo ainda que casais se encaminhassem para o Rio Grande do Sul. Essas de- terminações que, apesar das dificuldades, foram sendo cumpridas, levaram a migração açoriana até o extremo sul do Brasil, implantando as características do seu tronco racial: fortaleza de ânimo, simplicidade e vivacidade. E aos seus descendentes transmitiram modismos, hábitos, linguagem, que ainda neles se notam, principalmente na ilha de Santa Catarina e no litoral que vai até o Rio Grande do Sul. A cultura que prevaleceu foi a da mandioca, que os colonos aprenderam no novo continente e dela conseguiram safras promissoras, permitindo até a sua exportação. Houve, no século XVII, a criação da cochonilha, mas que desapareceu no século XIX, por falta de incentivo. As contribuições culturais dos açorianos podem ser citadas em vários aspectos: técnicas de pesca; construção naval (as baleeiras); artesanato (renda de bilro), olaria, peças utilitárias e decorativas; folguedo do “boi na vara”, “pão por Deus”, modo de falar, “boi de mamão”. INVASÃO ESPANHOLA Em 1777, o governador de Buenos Aires, D. Pedro de Cebalos, desembarcou suas forças invasoras na ensea- da de Canasvieiras sem que as fortalezas disparassem um só tiro de canhão. A tomada da ilha foi tão tranquila, que até hoje é difícil compreender como não houve resistência de uma força de quase 200 homens, dos quais faziam parte tropas do reino, do Rio de Janeiro e contingentes locais. Só em julho de 1778, em virtude do Tratado de Santo Ildefonso, obtido pelos estadistas do governo de D. Maria I, foi a ilha restituída, contudo, ficara completamente arrasada. O próprio hospital estava destruído, desde os alicerces. Entre o novo governador, Veiga Cabral da Câmara, e o vice-rei, marquês de Lavradio, foi decidida, após troca de importante correspondência, a distribuição de casais pelo litoral, estabelecidos em lotes, que lhes permitissem a manutenção, evitando-se, assim, a sua concentração na ilha, onde empobreciam. O último governador da capitania foi Tomás Joaquim Pereira Valente, depois general e conde do Rio Pardo. 11 SANTA CATARINA DURANTE A MINERAÇÃO A mineração marcou a economia brasileira do século XVIII, com as primeiras jazidas encontradas em Minas Gerais. Com esta atividade, houvevárias conse- quências, como o deslocamento do eixo econômico do Nordeste para o Centro-Sul e a formação de cidades. Com a exploração de jazidas, a região Sul passou a inte- ressar ainda mais aos portugueses. Os sulistas criavam gado bovino (para produção de carne e couro) e animais utilizados para tração ou transporte, que iriam abaste- cer a região mineradora. Foram abertos caminhos pelo interior ligando o sul até São Paulo, onde o gado era comercializado. Foi assim que surgiu o tropeiro, indiví- duo responsável pelo transporte do gado que abastecia a rica Minas Gerais. Ao longo do caminho das tropas, do sul até São Paulo, surgiram vários povoados. Além disso, o pouso de tropas e a busca de novas pastagens deram origem a cidades como Lages, Curitibanos, São Joaquim e Campos Novos. A instalação de um posto de cobrança de impos- tos às margens do rio Negro, onde os tropeiros eram obri- gados a parar, favoreceu a formação de um novo povoa- mento, que deu origem à atual Mafra. Assim, o pastoreio e todas as atividades a ele ligadas, foram responsáveis pelo aparecimento de uma estrutura social e econômica no planalto ocidental de Santa Catarina. Com o objeti- vo de solucionar antigas disputas entre portugueses e espanhóis, foi assinado, em 1750, o Tratado de Madri, que anulou a linha divisória estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas. O Tratado de Madri definiu muito da atual configuração do território brasileiro. Portugal e Espanha contribuíram para a cartografia sul-americana com as in- vestigações para a demarcação do tratado. Definiu-se o reconhecimento aprofundado do território do oeste ca- tarinense, quanto ao curso do rio Peperiguaçu e outros afluentes do rio Uruguai. Com este novo tratado, o pla- nalto catarinense foi integrado oficialmente aos domínios portugueses. Neste contexto de expansão territorial portugue- sa, foi fundada Nossa Senhora dos Prazeres de Lages, por Antônio Corrêa Pinto, em 1766. Logo após, foi ligada à Laguna, dando origem à atual estrada do Rio do Rastro. No século XVIII, o Rio Grande do Sul abastecia com gado as feiras de São Paulo. O caminho atravessava os campos de Vacaria (RS) e daí atingia Lages. A fundação de Lages permitiu o surgimento de novas fontes pastoris e “pousos das tropas”, que originaram as comunidades de Curitiba- nos, São Joaquim, Campos Novos, Mafra e Rio Negrinho. Ao se aproximar do término do período colonial, Santa Catarina apresentava duas economias distintas: o pla- nalto baseado na pecuária e o litoral voltado para sub- sistência. No litoral, destacamos a pesca da baleia e o surgimento das armações. O alto valor comercial do óleo de baleia fez com que a pesca e comercialização deste animal fossem controladas pelo monopólio real, por meio de concessões. PERÍODO IMPERIAL DO BRASIL INDEPENDENTE Proclamada a independência, a notícia chegou a Santa Catarina somente em 7 de outubro de 1822, sendo recebida com simpatia por parte das Câmaras do Desterro, Laguna, São Francisco e Lages. Santa Catari- na, já com o título de província, aderiu ao movimento constitucional, elegendo seu representante às cortes de Lisboa o padre Lourenço Rodrigues de Andrade, que assinou a Constituição do Reino Unido, em 1822. Em seguida, cooperou a província com as demais no movimento da independência, elegendo deputado à constituinte brasileira, em 1823, Diogo Duarte Silva. Em decorrência da Carta Imperial de 1824, passou a ser go- vernada por presidentes nomeados pelo Poder Central. Logo após a aceitação dessa Carta, instalou-se o Con- selho Provincial e, até 1889, foram 39 os que ocuparam o Executivo. Em 1834, o Ato Adicional transformou o Conselho em Assembleia Provincial, com poderes muito mais amplos. COLONIZAÇÃO EUROPEIA Uma das primeiras colônias fundadas na provín- cia de Santa Catarina foi a Nova Ericeira, na enseada de Garoupas (atual Porto Belo). A partir de 1817, vieram de Portugal pescadores, barbeiros, alfaiates e sapateiros para a região. Em 1824, a colônia foi elevada à fregue- sia, com a vinda de novos colonos. Pelo decreto imperial de 1832, foi criado a vila e, posteriormente, o município de Porto Belo, desmembrado do município de São Fran- cisco. Entretanto, foi somente no final do primeiro reina- do que se iniciou um grande movimento de colonização em todo o Brasil. 12 A província de Santa Catarina foi um dos setores em que se produziu resultados mais promissores, quer o de iniciativa oficial, quer o particular. Da iniciativa oficial foram: com alemães – São Pedro de Alcântara (1829); Teresópolis (1860); Brusque (1860); Piedade (1847); com italianos – Azambuja (1877); com nacionalidades diversas – Itajaí (1836); Angelina (1862); Luís Alves (1877); com soldados agricultores – Santa Tereza (1854), destinada à ligação entre Lages e a capital. Já de iniciativa particular foram: com alemães – Blumenau (1850); D. Francisca (1851), que deu origem à cidade de Joinville; com italianos – Nova Itália (1836); com italianos, espanhóis, russos, polacos, franceses, ingleses e holandeses – Grão-Pará (1882); com nacionais, belgas e alemães – Leopoldina (1853); com irlandeses e estadunidenses – Príncipe D. Pedro (1860); com elementos mistos – Flor da Silva (1844). Referência especial merece a colônia de Saí (1842), tentativa malograda de concretização das ideias comu- nistas de Fourier, na baía da Babitonga. Deste núcleo surgiram outros e o território ficou coberto por uma rede de colônias, no seio das quais foram surgindo cidades, vilas e povoados. A colônia de São Pedro de Alcântara localizou- -se no caminho que levava do litoral a Lages, defendendo o percurso de ataques indígenas. REPÚBLICA JULIANA O período regencial foi caracterizado por uma série de agitações. Muitas revoltas em diversos pontos do país, várias das quais colocando em perigo a unidade nacional, ocorriam motivadas pelo descontentamento políti- co. O mais longo movimento – que duraria 10 anos –, a Revolução Farroupilha, eclodiu em 1835, no Rio Grande do Sul, e se estendeu a Santa Catarina. O objetivo dos farrapos era diminuir o controle econômico do governo imperial, 13 e alguns defendiam ideais republicanos e federalistas. Comandados por Bento Gonçalves, chegaram a Santa Catarina, especialmente nas regiões de Laguna e Lages, onde a simpatia pela causa rio-grandense aumentava, incentivados por famílias que fugiram das regiões de conflito na província gaúcha. Muitos lageanos foram favoráveis à causa farroupilha, pois as forças imperiais fizeram um grande recrutamento, confiscando gado e mantimentos, sem ressarcimento. Isto levou ao descon- tentamento na região e à declaração de adesão à Repú- blica Rio-grandense, no início de 1838. Em 1839, a van- guarda republicana, comandada pelo coronel Joaquim Teixeira Nunes, aproximou-se de Laguna. Com o auxílio de tropas provenientes de Lages e Vacaria, os farrapos rumaram em direção àquela vila. Quando os republica- nos chegaram à praia da Barra, o combate teve início. O barco Seival, comandado por Garibaldi, defendeu os postos de combate e o dia 21 de julho terminou sem vencedores. Veio o reforço das tropas de Davi Canabar- ro, e, no outro dia, retomaram a batalha. Bandeira da República Juliana Após várias horas de conflito, o comandante chamado de Vilas Boas fez a retirada das tropas impe- riais, pois não conseguiria manter o controle de Lagu- na. Assim, em 2 de julho de 1839, Laguna foi ocupada. Apoiados pela população, estabeleceram uma república com o nome provisório de Cidade Juliana de Laguna, presidida por Canabarro. Com a convocação de elei- ções, foi eleito para presidente da República o coronel Joaquim Xavier Neves, de São José. Neves, porém, não foi diplomado presidente pelos revolucionários gaúchos, assumindo o cargo o padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro, de Enseada do Brito, que havia sido derrotado na eleição. Laguna foi designada Capital Provisória da RepúblicaJuliana. Foram instituídas as cores oficiais – verde, amarela e branca – e Lages, considerada parte integrante do território. Todos os impostos sobre o comércio do gado e indústria pastoril foram abolidos. A reação do governo imperial foi a nomeação do marechal Francisco José de Sousa Soares de Andréa para presidente de Santa Cata- rina, pois ele era conhecido por sua energia e rispidez. Nobre e de brilhante carreira militar, Andréa acompa- nhara D. João VI e a família real para o Brasil e fora comandante das forças brasileiras em Montevidéu. Enviado às terras barrigas-verdes somente para resolver os problemas do sul, Andréa governou apenas de 1839 a 1840. Com 400 homens que trouxera do Rio de Janeiro e 300 de Santa Catarina, 20 navios e com amplos poderes, Andréa, no início, optou pelos cami- nhos diplomáticos para atacar os republicanos: afastou o padre Cordeiro e convidou Neves para a causa impe- rial, tornando o coronel comandante da Guarda Nacio- nal de São José. Os comandantes imperiais – capitão-de-mar-e- -guerra Frederico Mariath e coronel Fernandes Pereira – reuniram-se em Imbituba e Vila Nova e atacaram Lagu- na. Davi Canabarro e aproximadamente 1,2 mil homens esperavam em Itapirubá. Em Laguna, Garibaldi e seus comandados, com as embarcações Itaparica, Seival, Rio Pardo e Caçapava, defendia a entrada com a ajuda do fortim da Barra. Segundo Garibaldi, a batalha foi mortí- fera e horrível, durando três horas, e levou ao fim, no dia 15 de novembro de 1839, a República Juliana. Os la- geanos viveram momentos agitados nas disputas entre legalistas e farroupilhas em seu território. Com a adesão aos farrapos, o governo da Província de Santa Catarina proibiu o comércio com Lages. Foi suspensa a remessa de sal para a região, prejudicando a pecuária. Em no- vembro de 1839, após vários conflitos, Lages voltou ao controle dos legalistas. Neste momento, os republicanos dirigiram-se para o Rio Grande do Sul, combatidos pelo mercenário Pedro Labatut, francês a serviço do governo imperial. A instalação da República Juliana, ainda que por pouco tempo, foi uma das páginas mais gloriosas da história catarinense, projetando internacionalmente o nome de Anita Garibaldi, denominada a “heroína dos dois mundos“. 14 INDUSTRIALIZAÇÃO Entre os anos de 1850 e 1880, tivemos as condi- ções para a futura industrialização do Brasil e de Santa Catarina. Em 1850, a abolição do tráfico de escravos e a Lei de Terras acarretaram carência de mão de obra e a regulamentação do acesso à terra para os colonos. Isto influenciou a imigração e a colonização. A industriali- zação foi possível com a ajuda do imigrante europeu, proveniente das áreas urbanas e industriais do Velho Mundo. As indústrias tiveram origem na atividade ar- tesanal que os imigrantes desenvolveram. No ano de 1873, a estrada de ferro D. Francisca ligou o litoral até a serra e ao norte, escoando a produção ervateira e outros produtos. A experiência dos imigrantes em indústria e ar- tesanato na Alemanha e Itália ajudou no surgimento de empresas, como a têxtil Büttener & Cia. Ltda., fun- dada por Eduardo Von Büttener, instalada em Brusque. Em 1898, aumentou seus negócios com uma fábrica de bordados finos. Mais tarde, produziu fios para a produ- ção de artigos de cama e mesa. Outro exemplo foi a indústria de Carlos Renaux, que veio para o Brasil em 1882, dividida em dois ramos principais: fábrica de te- cidos Carlos Renaux S/A e indústria têxtil Renaux S/A, utilizando imigrantes alemães com conhecimento em tecelagem. Podemos citar a firma que Carl Hoepcke am- pliou para trabalhar com importação e exportação, com navios próprios ou fretados. Fundou também a fábrica de pregos Rita Maria (1896) e a fábrica de Rendas e Bordados (1917), tendo sido criado também o estaleiro Arataca. Merece destaque a Cia. Hering, fundada por Hermann Hering, graduado em tecelagem na Alemanha. Após sua morte, ocorrida em 1918, seus descendentes ganharam reconhecimento no mercado nacional. Entre os anos de 1880 e 1889, foram instalados 86 estabe- lecimentos industriais, que representam 6,5% do total de 1.322 estabelecimentos fundados, nesta época, no Brasil. REVOLUÇÃO FEDERALISTA No Rio Grande do Sul, foi fundado o Partido Re- publicano Federalista, que se opunha ao governo es- tadual de Júlio de Castilhos e ao governo federal de Floriano Peixoto, ambos do Partido Republicano. Devido à proximidade geográfica, o federalismo influenciou os outros dois Estados do sul. Convém lembrar de que, no mesmo momento, no Rio de Janeiro, evidenciava-se a Revolta da Armada, que também se opunha ao governo do “marechal de fer- ro”. Em Santa Catarina, os partidários do federalismo, Eliseu Guilherme, Severo Pereira e Fernando Hackradt, entraram em conflito com os chamados legalistas, que tinham à frente Hercílio Luz e o próprio Lauro Muller. Os federalistas conseguiram instalar-se na região do Desterro, base para o “governicho” de Frederico de Lorena. Sob a liderança de Hercílio Luz, que havia sido proclamado governador pela Câmara de Blumenau, os legalistas iniciaram uma violenta reação. As lutas pro- longaram-se o Estado foi palco de violentos combates. No dia 25 de setembro de 1893, liderados pelo capitão-de-mar-e-guerra Guilherme de Lorena, os na- vios da Revolta da Armada aportaram em Desterro, que unidos ao Exército Federalista Gaúcho, foram aclama- dos pela população local e declararam a independência da região Sul, sendo Desterro a sua capital. Contudo, essa nova República capitulou em 14 de abril de 1894, quando, após diversas batalhas, os “legalistas“ que Floriano arregimentou em outros Esta- dos e que eram comandados pelo coronel Moreira Cé- sar, em virtude de sua grande superioridade numérica e bélica, tomaram a cidade. Na sequência, a cidade foi palco de cenas de violenta repressão, com torturas e prisões arbitrárias que atingiram a população civil. 185 membros da sociedade catarinense foram sumariamente fuzilados na fortificação da ilha de Anha- tomirim, sem qualquer julgamento ou direito de defesa, por ordem expressa de Floriano Peixoto, cumprida à ris- ca pelo famoso Moreira César. Logo a seguir, mudou-se o nome da cidade, passando a se chamar Florianópolis, em “homenagem“ a quem trucidou os locais. 15 RIO GRANDE DO SUL SETE POVOS DAS MISSÕES Instrumento importante da Igreja na contrarreforma, a Companhia de Jesus foi criada por Inácio de Loyo- la, em 1534 (oficializada pelo papa Paulo III, em 1540), com o objetivo de “recatequizar“ as regiões convertidas ao protestantismo. Sua atuação na América foi marcante, mas estiveram também na Índia, na China e no Japão, durante essa época. Na América portuguesa, a atuação dos jesuítas se iniciou em 1549, em Salvador, e na América espanhola, em 1610. Nem sempre os jesuítas eram eficazes em sua conversão dos nativos. Após uma conversão inicial marcada pelo batismo, muitos guaranis retornavam às suas práticas indígenas, não sendo fieis às práticas e costumes cris- tãos. As reduções, no entanto, serviram à coroa portuguesa, pois o “adestramento“ dos nativos facilitava o acesso de mão de obra barata e abundante aos paulistas, que tinham grande dificuldade de fazer cativos indígenas. Como eram hábeis agricultores, os tupi-guaranis eram de grande valor. Todavia, os ataques dos bandeirantes às reduções jesuíticas transformaram-se num empecilho ao trabalho, levando os jesuítas a desistirem da evangelização nas serras do Tape (região noroeste do atual Rio Grande do Sul) e transferindo-se para o lado ocidental do rio Uruguai. Boa parte do gado daquela região foi deixada, o que viria a se tornar, posteriormente, uma importante fonte de atração e exploração econômica com o comércio do couro, na zona que ficou conhecida como Vacaria del Mar. Ainda nessa fase inicial, tendo à frente o padre Roque Gonzales, foram criadas as missõesde São Nicolau (1626), São Francisco Xavier (1626), Nossa Senhora da Candelária (1627), Assunção do Ijuí (1628) e Caaró (1628). Dias após a fundação desta última redução, padre Roque foi assassinado pelo cacique Nheçu, chefe de um grupo contrário às missões. Com ele, foram mortos os padres Afonso Rodrigues e João Castilhos. Os três são considera- dos mártires das missões e são venerados até hoje no santuário construído na região de Caaró. Após a derrota do cacique Nheçu, outros jesuítas puderam fundar mais doze reduções no território do atual Rio Grande do Sul, entre 1631 e 1634. Após a morte dos padres, os jesuítas passaram a se preocupar mais com defensiva, armando melhor os índios, que acabaram por derrotar os paulistas na batalha de Mbororé (1641). Sete Povos das Missões (1682-1801) 16 Vale lembrar que essa primeira fase das missões jesuíticas estavam sob as ordens da coroa espanhola, que passou a se preocupar com as investidas de Portugal na região através da fundação da colônia de Sacramento. Esta colônia preocupava as autoridades espanholas e je- suítas, pois eram recentes ainda as atrocidades cometidas pelos bandeirantes e que determinaram a saída da região do Tape. Outro temor da coroa espanhola era uma possí- vel intenção portuguesa em instalar a colônia de Sacra- mento em frente a Buenos Aires, visando invadi-la no fu- turo. Assim, a Companhia de Jesus iniciou a segunda fase de suas missões, formando novas reduções que constitu- íram os Sete Povos das Missões, entre 1682 a 1706. Assim, as missões serviam como instituição de fronteiras, garantindo as possessões espanholas na região do Prata. A primeira redução fundada nessa nova fase foi a de São Francisco de Borja (futuro município de São Bor- ja) e contava com quase 3 mil habitantes. Em 1687, foi fundada a redução de São Luiz Gonzaga e refundadas as missões de São Nicolau e São Miguel Arcanjo, ambas abandonadas após ataques de bandeirantes na primeira fase das missões jesuíticas na região. Nos anos seguintes, foram fundadas as reduções de São Lourenço, São João Batista e Santo Ângelo. No funcionamento interno das missões, havia o cabildo indígena – espécie de câmara – no qual os ca- ciques exerciam papel de comando, sob a coordenação dos jesuítas. Essa articulação dos religiosos com os na- tivos permitiu à região missioneira transformar-se em um conjunto complexo, com administração autônoma e quase autossuficiente em termos econômicos. O auge das missões ocorreu em 1732, quando o contingente po- pulacional era de quase 40 mil pessoas. Após esse ano, epidemias de varíola consumiram boa parte da popula- ção indígena, dizimando metade dos moradores da re- gião até 1740. A “paz“ entre portugueses e espanhóis acabou com o Tratado de Madri, em 1750. Pelo tratado, a Es- panha entregaria os Sete Povos à Portugal em troca da colônia de Sacramento. Com isso, os indígenas – em sua maioria guaranis – que residiam nos Sete Povos deveriam se transferir para a colônia de Sacramento. No entanto, tal acordo não trouxe estabilidade à região. Com a resis- tência dos guaranis a deixarem suas terras, a coroa por- tuguesa enviou tropas para garantir a demarcação das terras, de acordo com o que fora acertado pelo tratado. O conflito, que ficou conhecido como guerra guaranítica, eclodiu em 1754 e durou dois anos. O principal líder guarani foi Sepé Tiaraju, que de- clarava com firmeza: “Esta terra tem dono! Ela nos foi dada por Deus e por São Miguel!“ Mas a firmeza de Sepé não foi párea à violência dos exércitos portugueses que, após muitas batalhas, mataram Sepé, no início de 1756, e dias depois, na sangrenta batalha de Caiboaté, com 1,5 mil índios dizimados. O conflito foi em vão, pois o Tratado de Madri acabou sendo anulado – na prática, logo após a guerra, mas efetivamente com o Tratado de El Prado, de 1761. Dado o desinteresse das monarquias ibéricas na efetivação do Tratado de Madri, nem mesmo chegou a ocorrer a demarcação das terras. Pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777), os Sete Povos permaneceriam com os espanhóis. Vale destacar da guerra que, os índios “infiéis“ charruas e minuanos, apesar de inimigos dos guaranis, os auxiliaram na guerra atuando como espiões, vigias e informantes. A terra continuou para os guaranis, mas a situ- ação dos jesuítas ficava cada vez mais complicada. Nas reformas impostas pelo marquês de Pombal, os jesuítas acabaram expulsos das terras portuguesas em 1759 – Pombal temia o avanço do poder na mão dos religiosos e via na sua expulsão um incremento de poder para a coroa. A Espanha fez o mesmo em 1768, expulsando os jesuítas de suas terras. Com isso, as missões passaram para administração civil e entraram em franca decadência com os indígenas sendo subjugados ou dispersos. Em 1801, quando houve o Tratado de Badajós, a desintegração dos Sete Povos já era tamanha que não foi difícil a anexação do território pelos luso-brasileiros. O mestiço Manuel dos Santos Pedroso articulou o acordo. IMIGRAÇÃO AÇORIANA Tinha o objetivo estratégico de resguardar o do- mínio português. A partir de 1746, foram autorizadas as concessões que permitiram a vinda de jovens casais aço- rianos (pobres, em sua grande maioria). Para que viessem, foi-lhes fornecida ajuda de custo, instrumentos agrícolas, animais, farinha para o primeiro ano, isenção de serviço militar e um quarto de légua quadrada de terra. O primeiro destino dos açorianos foi Desterro, em Santa Catarina. De 1748 a 1753, chegaram para lá entre 5 e 6 mil imigrantes oriundos do arquipélago de Açores, e 40% de toda esta gente foi transferida para a vila de Rio Grande. Esperando transferência para os Sete Povos, foram levados para as regiões de Viamão, Porto Alegre, Santo Amaro e Rio Pardo. Diante da impossibilidade de 17 se transferirem para as missões, os açorianos acabaram disseminando-se para três regiões principais: campos de Viamão, margens do rio Jacuí e arredores da vila de Rio Grande (a população da vila praticamente dobrou com a chegada dos açorianos). Por essas regiões ficaram aban- donados, esperando as concessões prometidas. A maioria dos açorianos que vieram para Viamão ficou instalada às margens do Guaíba, dando origem ao núcleo urbano de Porto Alegre. Até então chamada de Porto de Dorneles, o local recebeu o nome de Porto dos Casais, após 1757. Com a vinda deles, a coroa portugue- sa resolvia dois problemas simultaneamente: povoava o sul do Brasil; e resolvia a questão da escassez de terras derivada do aumento populacional no arquipélago. São freguesias tidas como açorianas: Santo Antô- nio (não exclusivamente de açorianos); Taquari; Porto dos Casais (atual Porto Alegre); Santana da Vila Real (fracas- sou); Conceição do Arroio (atual Osório, já era ocupada por lagunistas); Mostardas; e Santo Amaro. TRATADOS DE LIMITES A presença de espanhóis e de hispano-america- nos era frequente nos territórios da banda oriental. Na freguesia de Viamão, por exemplo, cerca de 10% dos batizados, entre 1747 e 1759, eram de origem hispâni- ca. Estes, inclusive, podiam ocupar cargos nas câmaras e atuar comercialmente no território. Sua principal ati- vidade estava associada à pecuária, como fornecedores de mão de obra especializada, tropeiros ou carreteiros. Alguns ascenderam socialmente chegando a se tor- narem estancieiros. Assim, a região era, na época, um espaço de convivência e articulação entre zonas produ- toras e mercados consumidores, integrando as esferas hispânicas e lusitanas na América meridional. Mas se no Rio Grande do Sul o clima era relativamente amigá- vel entre portugueses e espanhóis, não podemos dizer o mesmo das coroas portuguesa e espanhola. Desde o final do século XV, diversos tratados foram assinados. Pelo Tratado de Tordesilhas, o atual território do Rio Grande do Sul pertencia aos espanhóis. Em 1580, devido à crise sucessória após a morte de Dom Sebastião (1578), o rei da Espanha, Felipe II, assumiu a coroa portuguesa.Durante o período em que ocorreu a União Ibérica (1580-1640), ou seja, quando Portugal e Espanha estavam sob uma única coroa, os portugueses instalaram-se em Buenos Aires com o inte- resse de captar, por contrabando, parte da produção de prata advinda de Potosi. Em 1640, os Bragança reconquistaram a inde- pendência de Portugal. Os portugueses foram expulsos de Buenos Aires e exigiam da coroa a criação de uma nova colônia na região do Prata, que só veio a ocorrer em 1680, pois a coroa portuguesa estava às voltas na Europa com a guerra pelo reconhecimento da autono- mia lusitana e, no Nordeste, com a invasão holandesa. Em 1680, ocorreu a primeira fundação da colônia de Sacramento, estrategicamente situada à frente de Bue- nos Aires. Usando a colônia como “moeda de troca“, os portugueses acabaram por conseguir expulsar os je- suítas espanhóis e expandir rumo ao oeste. No mesmo ano, portugueses e índios guaranis missioneiros (chefia- dos pelos jesuítas) brigaram pela posse da colônia que, em 1681, foi garantida pelos portugueses. Com base na triticultura (trigo) e no comércio de couro, a povoação começou a ter um desenvolvimento considerável. Em 1704, os espanhóis expulsaram os portugue- ses da colônia de Sacramento. Mas em 1716, após a assinatura do Tratado de Utrecht, a cidadela foi devol- vida aos portugueses e ocorreu sua segunda fundação. Foi um período de grande esplendor econômico e social para a colônia de Sacramento: havia 1.440 habitantes, sendo 400 militares, 400 mulheres, 300 escravos e mais os moradores que, em sua maioria, desempenhavam funções de lavradores, mercadores e artesãos. O su- cesso da colônia de Sacramento levou os espanhóis a fundarem a cidade de Montevidéu, em 1726, visando a conter a expansão lusitana. Após a fundação de Montevidéu, a situação fi- cou bastante tensa para os portugueses presentes na região. Em meados da década de 1730, a colônia de Sacramento já havia dobrado sua população e se sus- tentava pelo comércio e a agricultura. Em 1750, a assi- natura do Tratado de Madri redefiniu as terras perten- centes a Portugal e Espanha. Com a nova demarcação, a colônia de Sacramento passou para o domínio dos espanhóis e os Sete Povos das Missões passou às mãos dos portugueses. O Tratado de Madri, no entanto, não agradou nem aos portugueses de Sacramento nem aos espa- nhóis dos Sete Povos, que tiveram de engolir o troca- -troca imposto pelas coroas. Os portugueses estavam 18 satisfeitos com o sucesso da colônia de Sacramento e o mesmo pode-se dizer dos espanhóis com as reduções jesuíticas. A insatisfação de ambos deu origem à guerra guaranítica, o que fracassou a desocupação da região. Para conter os conflitos, o Tratado de El Pardo (1761) foi assinado para anular o Tratado de Madri, mas os con- flitos não se resolveram. Em outubro de 1762, tropas espanholas saídas de Buenos Aires invadiram a colônia de Sacramento e, após mais de vinte dias de batalha, os portugueses da colônia renderam-se e Sacramento foi ocupada pelas forças espanholas. No ano seguinte, os espanhóis tomaram a vila do Rio Grande, saqueando a cidade. Por causa da invasão de Rio Grande, a capi- tal (e todo seu aparato burocrático) foi transferida para Viamão e quase 80% da população fugiram da cidade. Para conter as hostilidades, foi assinado, em feve- reiro de 1763, o Tratado de Paz de Paris, no qual a colônia de Sacramento era devolvida aos portugueses, enquanto os espanhóis continuavam dominando os dois lados do canal de acesso à lagoa dos Patos – incluindo a vila de Rio Grande, mas isso não pôs fim aos conflitos. Sacra- mento, Rio Grande e os Sete Povos eram cidadelas muito promissoras, já bem estruturadas, organizadas e em óti- ma fase. Portugal e Espanha se engalfinharam por causa delas por muito tempo ainda. A situação só ficou relativamente definida com o Tratado de Santo Ildefonso (1777), quando a colônia de Sacramento foi entregue à Espanha. Os portugueses tiveram de se contentar com Rio Grande. A região missio- neira continuou espanhola, mas, nessa época, já não era mais administrada pelos jesuítas, e sim civis. Em 1801, os territórios missioneiros foram incorporados ao espaço luso-brasileiro por meio do Tratado de Badajoz. ECONOMIA GAÚCHA NOS SÉCULOS XVIII E XIX A produção de trigo e a atividade pecuária inse- riram economicamente o Rio Grande do Sul no mercado interno brasileiro, com estímulo da própria coroa que visava integrar definitivamente a região no império ul- tramarino português. A triticultura foi a atividade eco- nômica que provocou o enriquecimento e a ascensão social de alguns açorianos (auge entre 1787 e 1813), inclusive com acesso à mão de obra africana. Embora já houvesse incentivo da coroa para a produção de trigo em terras brasileiras, foi somente no solo gaúcho que a cultura encontrou condições apro- priadas e foi apenas após 1781 que os brancos ocupan- tes da região tiveram interesse em investir na plantação. Na época, o litoral era a área de maior produção com 41% da área cultivada e 45% da safra. Se, em 1781, a colheita foi de 1.455 toneladas, em 1816 atingiu 10.800 toneladas de trigo. A maior parte desse trigo ia para o Rio de Janeiro. Há, inclusive, um registro de exportação do trigo para a metrópole. Contudo, a triticultura entrou em crise no início do século XIX, devido a vários fatores: a concorrência do trigo estadunidense; o recrutamento de agricultores para as tropas e serviço militar; a inexistência de armazéns e a ferrugem; e uma praga que rapidamente dizimou trigais. Em 1823, não se plantava mais trigo no Rio Grande do Sul, produção essa somente retomada no século XX. A pecuária se caracterizou, inicialmente, pelo apresamento do gado selvagem. Com a descoberta do ouro em Minas Gerais, o Rio Grande do Sul inseriu-se na economia colonial como fornecedor de gado bovino, cavalar e muar para Minas. A importância do gado sulino fez com que os tropeiros (paulistas, principalmente) vies- sem buscar o gado em pé para levá-lo às minas. A fase áurea da pecuária sulina foi entre 1690 e 1730. Após essa fase, teve início o processo de formação das estân- cias, nas sesmarias concedidas pela coroa. Enquanto isso, os portugueses da colônia continuaram caçando o gado da banda oriental para a extração do couro. Vale assinalar as diferenças entre o sul e o centro do país nessa época: no sul, vida tipicamente rural, a sociedade era militariza- da, a economia dependente e complementar à do centro e voltada a um mercado interno em formação. A segunda fase da pecuária gaúcha deu destaque ao charque. A primeira charqueada comercial, voltada para a exportação, foi montada por José Pinto Martins, às margens do arroio Pelotas, em terreno cedido pelo gover- no. O que estimulou a produção de charque no sul foi a situação de paz decorrente do Tratado de Santo Ildefonso (1777), as secas no Nordeste e o aumento populacional do centro e nordeste do Brasil. O charque produzido no Rio Grande do Sul tinha como principais destinos Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Para se ter dimensão da importância da pecuária para a economia gaúcha, entre 1790 e 1815, o setor respondia por 70% das exporta- ções da capitania – os 30% restantes correspondiam a outros gêneros alimentícios, como trigo e queijos. 19 O charque gaúcho, com baixo preço e pouco lu- cro, passou a sofrer com a concorrência do charque nor- destino e platino. Foram duas fases: 1780 a 1810: supremacia do charque platino – maior tecnologia, facilidade de obtenção e de transporte; 1810 a 1828: supremacia do charque gaúcho – período de crise política do Prata duplicou a pro- dução gaúcha. Como consequência da produção do charque, houve a valorização do rebanho bovino e o aumento do número de escravos africanos (e, logo, o crescimento da dependência em relação aos traficantes de escravos). O charqueador era um comerciante que necessi- tava deum capital maior do que de um estancieiro, pois precisava investir em escravos e em insumos como o sal. No mercado regional, os lucros maiores eram dos char- queadores, em prejuízo dos criadores de gado. Pelotas foi o grande centro charqueador gaúcho por sua locali- zação estratégica, próxima ao porto de Rio Grande. A produção de charque, no entanto, tinha diver- sas limitações: a inexistência de cercamento dos cam- pos (facilitando o contrabando); a falta de uma política protecionista; a dificuldade de escoamento pelo porto de Rio Grande; e forte concorrência do charque platino, que dispunha de ferrovias para escoar o produto e tinha seus campos cercados. No planalto gaúcho (Cruz Alta e Passo Fundo), foi muito forte a produção e o comércio de mulas (cru- za de cavalo/égua com jumento/jumenta), um animal extremamente valorizado em meados do século XIX, destinado à feira de Sorocaba, em São Paulo. Ainda havia a atividade extrativista na exploração dos ervais. A produção de erva-mate, principalmente de Cruz Alta, abastecia o mercado interno regional e a região do Pra- ta. Era uma produção de baixo custo, mas também de baixa qualidade. GUERRA DA CISPLATINA (1828) Quem estuda a história do Rio Grande do Sul já deve ter notado que é impossível entendê-la dissociada do contexto da bacia do Prata. É inegável a ligação da região – que hoje equivale ao Uruguai e à Argentina – à formação histórica do RS. O próprio personagem do gaúcho tradicional é um misto de argentino, uruguaio, índio, negro, português e espanhol, ou seja, o gaúcho é fruto de toda essa “mistura“ cultural, social, étnica e política. A situação já tumultuada da região ficou mais intensa após a transferência da corte portuguesa para o Brasil, em 1808. Com a família real no Brasil, a metró- pole interiorizou-se na colônia, promovendo maior cen- tralização do poder decisório, e acentuou-se a atração exercida pela região da Cisplatina. José Artigas Após a chegada da família real, um alvará de 1812 estabeleceu que o Rio Grande do Sul adotaria o nome de Capitania de São Pedro do Rio Grande, inte- grando a Comarca de São Pedro e Santa Catarina à Pro- víncia da Cisplatina, inexistente no mapa do século XVIII, que integrava o Brasil do início do século XIX. Para enten- der como isso ocorreu, é importante entender o contexto político da região do Prata no início do século XIX, mais do que apenas analisar a guerra da Cisplatina em si. A Província do Rio da Prata se tornou indepen- dente da Espanha em 1810. Nessa época, a disputa na província era entre unitários (ou centralistas) e os federa- listas. Os unitários queriam Buenos Aires e Montevidéu liderando e subjugando o interior. Já os federalistas de- fendiam a ampla autonomia para as Províncias Unidas do Rio da Prata e tinham José Artigas como seu maior repre- sentante. Artigas não tinha formação intelectual apurada e não pertencia à elite local. Ele fora peão de estância 20 e contrabandista na fronteira com o Continente de São Pedro. Foi ele quem liderou as tropas contra os espanhóis e era um líder político e ideológico. Todavia, algumas de suas ideias eram temidas entre seus conterrâneos e entre os estancieiros do Continente de São Pedro. As temidas ideias de Artigas diziam respeito à reforma agrária e à limitação à ação de comerciantes estrangeiros nos por- tos. Seu discurso quanto à reforma agrária era bastante radical para a época: defendia a divisão das enormes pro- priedades locais entre índios, negros libertos e brancos pobres. A coroa portuguesa temia que as ideias federa- listas de Artigas influenciassem os gaúchos e passou a investir contra sua liderança na região do Prata. Por isso, já em 1811, quatro mil soldados luso-brasileiros foram enviados para guerrear contra Artigas. Em 1816, a elite de Buenos Aires e Montevidéu apoiou implicitamente a coroa portuguesa na guerra contra o federalista. A região acabou sendo incorporada ao império sob o nome de Província Cisplatina, e Artigas foi oficialmente derrotado em 1820. A guerra e a incorporação da Cisplatina ao ter- ritório do império luso-brasileiro beneficiaram a elite gaúcha com a ocupação do norte da banda oriental e a instalação de comerciantes do Continente de São Pedro em Montevidéu. O porto de Rio Grande passou a ser o mais importante do local. Aos poucos, os brasileiros se tornaram parceiros indesejáveis e a guerra da Cisplatina estourou em 1825. Na guerra, o Brasil recém-independente teve de enfrentar as tropas rebeldes orientais e a Confederação Argentina. Os platinos não aceitavam a dominação luso- -brasileira sobre a região e as desvantagens que vinham sofrendo desde sua incorporação ao império – nem mes- mo falavam português, ou seja, eram um “estranho no ninho“. No momento, o Brasil não possuía ainda um exército sistematizado e outras revoltas eclodiam no país na mesma época. Dom Pedro I não conseguiu conter a ação dos rebeldes do Prata e foi forçado a reconhecer sua independência, em 1828, com a criação da Repú- blica Oriental do Uruguai. De certo modo, o desgaste causado pela derrota nessa guerra contribuiu para minar a imagem já desgastada do imperador, que acabou abdi- cando em 1831. GUERRA DOS FARRAPOS O mais longo movimento revolucionário ocorrido no Brasil teve início no Rio Grande do Sul e, posterior- mente, estendeu-se para Santa Catarina, onde foram proclamadas, respectivamente, as Repúblicas de Piratini e Juliana. Pintura de 1893 que homenageia a carga de cavalaria farroupilha (Museu Júlio de Castilhos). Representações posteriores transformaram essa bravura em característica dos gaúchos. Disponível em: <revistadehistoria.com.br>. A guerra dos Farrapos foi motivada pela insatis- fação dos estancieiros, criadores de gado, e dos char- queadores com os altos impostos cobrados pelo poder central. No Rio Grande do Sul, o conflito foi agravado pelo imposto sobre o charque, dificultando a concor- rência com o charque platino, pela excessiva centrali- zação política do império, que nomeava presidentes para a província sem consultar e não raro sem agradar aos vários setores da elite local. Os revoltosos queriam mais autonomia provincial e o direito de escolher go- vernantes mais sensíveis aos problemas da região e comprometidos com a solução deles. Por isso, a revolta foi encabeçada pelos grandes estancieiros, charquea- dores, comerciantes e representantes da cúpula militar rio-grandense, interessada em atender aos interesses dessa elite, com caráter separatista, republicana, sem preocupação social e divergências entre os farroupilhas. Aqueles preocupados com questões sociais e econômi- cas, inclusive a abolição da escravidão, confrontavam-se com os defensores de seus interesses pessoais. Embora determinasse a criação das assembleias legislativas provinciais, o ato adicional de 1834 não re- solveu o problema das insatisfações gaúchas, uma vez que o presidente da província continuava a ser nome- ado pelo governo central da regência. Já na primeira reunião da assembleia gaúcha, em 1835, houve sérias divergências entre os deputados estancieiros, liderados por Bento Gonçalves, e o presidente nomeado para a província, Antonio Rodrigues Braga. 21 Insatisfeitos, os estancieiros formaram uma tropa que atacou Porto Alegre, depôs o presidente da província e proclamou a República Rio-grandense ou República de Piratini, nomeando Bento Gonçalves para presidente. A república gaúcha estimulou a criação de gado e a exportação do charque e de couro. A resposta do governo regencial foi imediata: enviou tropas para a região, que venceram os rebeldes em batalha próxima a Porto Alegre, prenderam Bento Gonçalves e conduziram-no a uma prisão na Bahia. Lá, foi aju- dado pelos rebeldes da Sabinada, conseguiu fugir da prisão e retornar ao Rio Grande do Sul, onde reassumiu a presidência da República de Piratini. A partir de 1837, as forças rebeldes passaram a contar com a ajuda do revolucionário italiano GiuseppeGaribaldi, que, auxiliado pelo estancieiro Davi Canabarro e seus homens, conseguiu estender a revolução até Santa Catarina, em 1839. Inicialmente, tomaram a cidade de Laguna e proclamaram a República Juliana. Em Laguna, Giuseppe conheceu e se apaixonou por Anita Garibaldi, habilidosa amazona que chegou a lutar ao lado das tropas republicanas. Da esquerda para a direita: Giuseppe Garibaldi; Bento Gonçalves e Davi Canabarro. Em 1840, ao mesmo tempo em que teve início o segundo reinado, a revolução farroupilha perdia força, de- clinava, bem como agravavam-se as discordâncias entre os revoltosos. Define-se então sua divisão em dois grupos: os “majoritários” (progressistas), de um lado, e os “minoritários“ (conservadores), de outro, favoráveis ao status quo do Rio Grande do Sul como província do império. Entre os anos de 1841 e 1842, o poder de decisão do conflito passou para as mãos dos conservadores. Em 1842, Luiz Alves de Lima e Silva foi nomeado presidente e comandante-de-armas da província pelo imperador, com a determinação de que conseguisse a paz na região e a reintegração do Rio Grande do Sul e Santa Catarina ao império. Com esse objetivo em mente, Caxias traçou uma estratégia dúbia, oscilando entre violentos combates e concessões aos rebeldes. A posição social de prestígio e o poder econômico das lideranças rebeldes fizeram o império tratar a revolu- ção farroupilha de maneira diferente dos outros movimentos populares. Apesar de combater o movimento, Caxias procurava uma solução negociada, atendendo a várias reivindicações dos rebeldes, o que não foi feito com outros movimentos populares. O conflito foi finalizado a partir de um acordo entre as lideranças imperiais e rebeldes, firmado em 28 de fevereiro de 1845 o Acordo de Ponche Verde, que estabelecia: anistia dos envolvidos gaúchos; incorporação dos farrapos ao exército nacional; permissão para escolher o presidente de província; devolução de terras confiscadas durante a guerra; proteção ao charque gaúcho da concorrência externa com sobretaxa sobre o charque importado; e libertação dos escravos envolvidos. É importante lembrar que o governo imperial era contrário à libertação dos escravos do exército republicano. Todavia, firmou-se a promessa de libertação deles, que os rebeldes não aceitavam quebrar. A solução foi enviar soldados negros para outras regiões, onde foram trucidados pelas forças imperiais. Dessa maneira, reduziu-se o número de escravos alforriados na região. 22 IMIGRAÇÃO ALEMÃ NO RIO GRANDE DO SUL Antes de 1870, não existia um país chamado Alemanha. O processo de formação do Estado nacional alemão causou a eliminação das terras comunais, a de- sarticulação do trabalho artesanal, gerando uma grande tensão social com muitos sem-terra e desempregados. A solução, para muitos, era a emigração, e as opções mais escolhidas foram os Estados Unidos (para a maioria), o sul do Brasil, a Argentina e o Chile. E quais foram as motivações para a imigração? Para os europeus, a proposta era interessante por aliviar a tensão social causada pela industrialização e meca- nização da produção. Para o império brasileiro, serviria para o abastecimento de recursos materiais (alimentos) e de recursos humanos (novos soldados para os comba- tes na região da bacia do Prata). Primeira etapa (1824-1845) Foi a fase mais difícil para quem veio para o Brasil, conhecida com a fase de subsistência. Além da dificul- dade para pagar a “dívida colonial“ referente à viagem para o Brasil e o estabelecimento nas novas terras, os alemães tiveram de enfrentar conflitos com os indígenas que habitavam as terras, a guerra da Cisplatina e a revol- ta dos Farrapos. Em 1830, a lei orçamentária do império não previa mais recursos para a imigração, dificultando ainda mais a já difícil vida dos recém-chegados. Mesmo com as dificuldades, os imigrantes dessa primeira etapa estabeleceram suas colônias em São Leo- poldo, Campo dos Bugres (atual Caxias do Sul), Monte- negro e Taquara. Segunda etapa (1845-1870) Foi a fase da expansão do comércio. Após se es- tabeleceram e iniciarem o processo agrícola, a produção de excedentes deu início às trocas comerciais – surge a figura do comerciante de origem alemã. Como somen- te ele possuía os meios de transporte (mulas e barcos) para levar a produção até Porto Alegre, pagava muito pouco aos colonos e vendia a bons preços na capital da província. Nessa fase, os imigrantes estabeleceram suas colônias em Feliz, Bom Princípio, Estrela, Lajeado, Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires e São Lourenço do Sul. Terceira etapa (desde 1870) Fase do desenvolvimento da industrialização. A acumulação de capital dos comerciantes permitiu in- vestimentos no setor industrial: cervejarias, fábricas de calçados, olarias, curtumes e construção naval. Surgiram nessa época algumas das principais “dinastias“ familia- res de origem germânica: Ritter, Renner, Mentz, Dreher, Sperb, Vontobel, Gerdau. A grande maioria da comunidade alemã conti- nuou sendo de colonos agricultores, submetidos a gran- des dificuldades: precariedade técnica; pouca renda; e fracionamento de heranças dos lotes coloniais que já não eram muito grandes – o que causou o êxodo rural em direção ao planalto. O desenvolvimento dos imigrantes não foi acompanhado de uma efetiva parti- cipação política, a não ser nas câmaras dos municípios de colonização alemã. Somente em 1881, com a Lei Saraiva, os não ca- tólicos e estrangeiros naturalizados tiveram direito ao voto. Isto beneficiou os alemães que eram, em sua gran- de maioria, protestantes. Esta lei não valia, no entanto, para os italianos recém-chegados. IMIGRAÇÃO ITALIANA NO RIO GRANDE DO SUL Os italianos chegaram ao Rio Grande do Sul meio século depois dos alemães, mas pelos mesmos motivos. A unificação italiana (1870) provocou gra- ve crise econômica. Como não havia um “sentimento nacional italiano“, dada a unificação política tardia, o mais forte elemento de coesão cultural era a religião, especialmente a prática do catolicismo. A maioria dos italianos vindos para o Brasil ficou em São Paulo, onde foram empregados nas fazendas de café, quando a es- cravidão chegava ao fim. 23 Numericamente, vieram muito mais italianos do que alemães para o Rio Grande do Sul. Entre 1824 e 1939, chegaram cerca de 75 mil alemães. Só entre 1875 a 1914, em comparação, chegaram por lá cerca de 84 mil italia- nos. Eles foram assentados em terras do governo na serra gaúcha, região agreste e de difícil acesso à época. Vale destacar que os italianos receberam terras menores que as dos alemães e a maioria teve de pagar por seus lotes. As primeiras colônias foram criadas entre 1870 e 1875: Conde d'Eu (atual Garibaldi), Princesa Dona Isabel (atual Bento Gonçalves) e Caxias do Sul. Após 1884, novas colônias foram criadas: São Marcos, Nova Pádua e Antônio Prado. Os primeiros cultivos foram de milho, trigo e videiras, além da extração de madeira, origem da indústria moveleira. A venda do vinho forneceu os primeiros capitais a serem investidos nas pequenas oficinas, que, mais tarde, se tornaram grandes indústrias. Em 1890, em Caxias do Sul, existiam 235 pequenas indústrias e seis casas comerciais (sinal do rápido crescimento, após prévia acumulação de capital). Ainda na questão do vinho, em 1929 foi criada a Sociedade Vinícola Rio-grandense, formada pelos grandes comerciantes e responsável por retirar do mercado os artesãos – devido à regulamentação do vinho garantida pela sociedade. RIO GRANDE DO SUL NA PRIMEIRA REPÚBLICA Templo positivista da Av. João Pessoa, Porto Alegre/RS Com a proclamação da república (1889), subiu ao poder no Estado o Partido Republicano Rio-grandense (PRR), formado por indivíduos oriundos do latifúndio pecuarista e setores médios urbanos. O PRR adotou o po- sitivismo como ideologia, mas de maneira não ortodoxa. A concepção original do positivismo tinha uma visão progressista e conservadora ao mesmo tempo: pregava a aceleraçãodo desenvolvimento industrial, mas sem al- terações. No contexto gaúcho, a adaptação do ideário positivista permitiu a implantação de um projeto capitalista com modernização econômica (em especial no setor dos transportes) e a ampliação da base política do governo – alianças com as “classes médias“ e com os grupos da região da colonização. 24 No Rio Grande do Sul, a implantação da repú- blica implicou na adoção de um governo autoritário, fortemente centralizado na figura do chefe político. Isso pode ser notado nas características da Constituição Es- tadual de 1891, elaborada pessoalmente por Júlio de Castilhos: Poder Legislativo estadual limitado a questões orçamentárias; Poder Executivo forte, com a utilização de decre- tos que tinham valor de lei; Possibilidade de reeleição ilimitada do presiden- te estadual. A tomada do poder pelos republicanos, no en- tanto, não se deu sem contestação. O novo governo teve de enfrentar a Revolução Federalista (1893-1895). A revolta da oposição tinha ex-liberais, ex-conserva- dores e até alguns republicanos dissidentes. Enquanto os republicanos eram liderados por Júlio de Castilhos, reunidos no PRR, os federalistas tinham Gaspar Silveira Martins como líder. A revolução federalista, em resumo, foi uma revolta de coronéis e representantes do poder local contra a ação política de Júlio de Castilhos. Com a subida dos republicanos ao poder, o pacto imperial foi rompido. O “pacto“ dos coronéis com o império funcionava assim: os coronéis da fronteira defendiam os interesses territoriais imperiais e, em troca, o go- verno fazia vista grossa ao contrabando. Os repu- blicanos prejudicaram esse “pacto“, rompendo com tais privilégios. Havia, assim, dois grupos em confronto: os fede- ralistas defendiam a volta da monarquia e o parlamen- tarismo; e os republicanos defendiam o presidencialis- mo e, obviamente, a república. A revolução federalista veio a se constituir num marco divisório do tipo de coronelismo do Rio Grande do Sul. Na época do império, os coronéis liberais tinham ampla autonomia de ação em troca de votos. Com a tomada do poder pelos republicanos, sua autonomia foi restringida, o contrabando foi efetivamente combatido e taxas alfandegárias privilegiadas foram extintas. As principais consequências dessa revolta coro- nelista foram a consolidação do grupo republicano no poder (centralizada na figura de Júlio de Castilhos) e uma nova configuração da base social de apoio ao go- verno, visto que os coronéis acabaram se dobrando ao peso do poder dos republicanos. Em 1898, Júlio de Castilhos passou o poder a Borges de Medeiros, que, apoiado nas tradições posi- tivistas, consolidou o regime republicano autoritário e centralizado. Para manter o poder estadual, Borges ado- tou duas medidas estratégicas básicas: Borges de Medeiros 1. a repressão a seus opositores, com o uso da for- ça militar armada (exército e brigada militar); e 2. a prática do consenso, fazendo alianças com se- tores sociais até então excluídos do jogo político – comerciantes, industriais e camadas médias urbanas. Borges de Medeiros governou o Rio Grande do Sul de 1898 a 1908 e de 1913 a 1928, consolidando o poder do Partido Republicano Rio-grandense (PRR). Prática comum em todo o Brasil durante a primeira re- pública, a fraude das eleições contribuiu para a perpetu- ação dos republicanos no governo. Intimidando os elei- tores por meio dos “cabos eleitorais“ e manipulando o resultado das urnas, os chefes políticos locais tinham um pacto político com o Partido Republicano Nacional (iniciado por Júlio de Castilhos), de apoio mútuo entre poder central e poder local. 25 A atuação do senador gaúcho Pinheiro Machado contribuiu para dar relevância ao Rio Grande do Sul no cenário nacional. Considerado o homem mais poderoso do senado nos anos 1905-1915, foi muito influente no governo de Hermes da Fonseca (1910-1914), inclusive indicando partidários do PRR a cargos ministeriais. Além disso, fez os “mexes“ necessários para que Borges pu- desse nomear quem preencheria os empregos federais no Estado. Em 1908, Fernando Abbott e Assis Brasil encabe- çaram a primeira dissidência séria do PRR e fundaram o Partido Republicano Democrático (PRD). Nesse mo- mento de crise para os republicanos positivistas, Borges de Medeiros afastou-se do poder (pois, em tese, não poderia concorrer à reeleição) e o governo foi assumido por Carlos Barbosa. Barbosa governou de 1908 a 1913. Entre suas obras estão o prédio da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, a implantação dos cais dos portos de Porto Ale- gre e de Rio Grande e a construção do Palácio Piratini (concluída por Borges de Medeiros). Em 1913, Borges de Medeiros retornou ao poder num governo marcado pela implementação de impor- tantes políticas públicas e pelo ressurgimento da opo- sição no Estado, que acabou gerando mais uma revolta entre as elites, a chamada Revolução de 1923. Borges decretou, em 1913, a nova lei eleitoral, possibilitando, pela primeira vez, que deputados de oposição ao governo fossem eleitos para a Assembleia Legislativa e Câmara dos Deputados. Era a tentativa do PRR de dar um verniz mais “democrático“ ao seu gover- no autoritário, à medida que dava voz aos opositores. Para a época, o decreto de Borges foi bem astuto, pois a lei eleitoral representou a legitimação por parte do PRR da existência da oposição e, ao fazê-lo, o partido retira- va desta oposição a base de sua luta, ou seja, o caráter ditatorial do governo. Outro momento interessante para entender o go- verno de Borges foi a eclosão da grande greve geral de 1917, que atingiu, de certo modo, todo o país. O movimen- to, iniciado no Rio de Janeiro e em São Paulo, teve grande impacto no Rio Grande do Sul. Os operários estavam or- ganizados em sindicatos, em grande maioria, de tendên- cia anarcossindicalista e altamente combativa. As greves iniciadas no final de julho e durante todo o mês de agosto não ocorreram somente na capital, mas também em diver- sas outras cidades. As reivindicações, em geral, eram por aumento salarial e por uma jornada diária de 8 horas. Como o positivismo tinha a proposta de “incorpo- rar o proletariado à sociedade moderna“, ou seja, fazê- -lo trabalhar dentro da ordem, evitando o conflito social, Borges reconheceu o direito de greve como ato legíti- mo. A intenção do governante era incorporar e resolver o problema operário, tentando trazer de volta a ordem e a tranquilidade. Porém, a postura “amena“ de Borges durou pouco. Na greve de 1919, diante da paralisação de cerca de um terço dos operários porto-alegrenses, Bor- ges decretou o fechamento da Federação Operária do Rio Grande do Sul (Forgs) e de outras entidades operárias. Para o governo, as greves tinham deixado de ser uma pacífica manifestação de trabalhadores, tornando-se mo- vimentos subversivos da ordem pública. Outro aspecto fundamental do governo borgista foi sua política de transportes, entendido como o prin- cipal entrave para o desenvolvimento econômico do Es- tado. Para enfrentar as condições de precariedade das ferrovias e do porto de Rio Grande (único porto marítimo do RS), Borges encampou (nacionalizou) as empresas estrangeiras que operavam as ferrovias e o porto de Rio Grande. A medida intervencionista do governo se deu em meio à crise econômica do pós-Primeira Guerra. Com a encampação, o governo gaúcho assumiu o porto e as ferrovias do Estado. Os pecuaristas, enfrentando pro- blemas financeiros com a crise internacional, viram-se desassistidos por Borges, que empregou os recursos do Estado na efetiva modernização do complexo portuário. Figura controversa, Borges de Medeiros foi um político de carisma ímpar. Hoje, é tratado como um dos maiores líderes políticos da história brasileira, embora seu legado seja pouco estudado fora das fronteiras do Rio Grande do Sul. GOVERNO LEONEL BRIZOLA (1959-1963) Em 1958, como candidato da coligação que reu- niu o PTB, o Partido de RepresentaçãoPopular (PRP) e o PSP, Brizola foi eleito governador do Estado, derrotando Válter Peracchi Barcelos, candidato da coligação forma- da pelo PSD, a UDN e o PL. Empossado em janeiro de 1959, o governador deu início a uma administração vol- tada fundamentalmente para os problemas do desen- volvimento econômico. Considerando a crise pela qual passava a economia gaúcha como consequência de sua 26 marginalização no âmbito da política econômica im- plantada pelo governo Kubitschek, defendeu o desen- volvimento do processo de industrialização do Estado baseado no capital privado nacional e na intervenção direta do governo estadual na economia. Defendendo a criação de um parque industrial diversificado e a luta contra o capital estrangeiro, iria se tornar, a partir de então, um dos líderes da esquerda nacionalista. Logo no início do governo, criou o Gabinete de Planejamento e Administração, que teria como incum- bência planificar de forma global todas as atividades do governo, inclusive aquelas em que haveria a convergên- cia da iniciativa privada com o empreendimento público. Leonel Brizola No setor financeiro, o governo criaria a formação de canais de captação de recursos sob controle estatal. Assim, foi criada a Caixa Econômica Estadual, o Banco do Rio Grande do Sul passou para o controle acioná- rio do Estado e foi ainda constituído o Banco Regional de Desenvolvimento Econômico (BRDE), em conjunto com os governos do Paraná e Santa Catarina. O Estado interveio no setor industrial por meio de uma série de medidas: criação da empresa mista Aços Finos Piratini, em dezembro de 1960, com participação estatal de 51%, visando à exploração comercial e industrial de usinas siderúrgicas e de mineração do carvão; autorização para a subscrição de 20 milhões de ações para o aumento do capital da empresa Construções Eletromecânicas S.A., em janeiro de 1962, objetivando a fabricação de material pesado sem similar no Estado; implantação da Refinaria de Petróleo Alberto Pasqualini, cuja instalação pela Petrobras ocor- reu, segundo Muniz Bandeira, graças à interven- ção do governo estadual; além disso, foram intensificados contatos com fornecedores de tecnologia para a fabricação de tratores, implementos agrícolas e automóveis. Em dezembro de 1962, seria aprovado o Progra- ma Preliminar do Plano de Serviços e Investimentos Pú- blicos, que dotava 60% dos investimentos em infraes- trutura (energia, comunicações e transportes). No setor de transportes, o governo promoveu a construção das chamadas “estradas da produção”, ligando as regiões agrícolas do Estado aos portos de Rio Grande e de Porto Alegre. Visando ao aproveitamento das reservas carbo- níferas, promoveu também a construção de algumas termelétricas, entre as quais a de Charqueadas, para aumentar a geração de energia elétrica, cuja escassez minava o desenvolvimento regional. O governo criou ainda a Companhia Rio-grandense de Telecomunica- ções, empresa mista com participação estatal de 51%. Em maio de 1959, Brizola decretou a estatiza- ção, pelo preço simbólico de um cruzeiro, da Compa- nhia de Energia Elétrica Rio-grandense, filial da Ameri- can and Foreign Power Company (Amforp), proprietária da rede de distribuição na Grande Porto Alegre. Esta medida, apoiada pelas forças nacionalistas, gerou uma crise nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos, que explodiria, posteriormente, no governo de João Goulart (1961-1964). Em fevereiro de 1962 – já, portanto, no gover- no Goulart –, seria também estatizada a Companhia Telefônica Rio-grandense, subsidiária da International Telephone and Telegraph (ITT). O fato repercutiu inten- samente no Brasil e no exterior, provocando protestos imediatos do presidente da ITT e uma nota de protes- to da embaixada dos EUA, dirigida ao então ministro das Relações Exteriores San Tiago Dantas. O chanceler organizou uma reunião no Itamaraty, com a presença de Brizola, do embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Campos, do embaixador estadunidense no Bra- sil, Lincoln Gordon, e representantes da ITT. A reunião, convocada com a finalidade de estabelecer um acordo, fracassou. Esses episódios tiveram ampla repercussão na imprensa, intensificando-se a partir de então o deba- te em torno da nacionalização das concessionárias de serviço público. Os primeiros passos para a solução do problema seriam dados em abril de 1962, quando o presidente João Goulart afirmou aos estadunidenses que seria mantido o “princípio de justa compensação com reinvestimento em outros setores importantes para o desenvolvimento do Brasil”. Em 30 de maio seguinte, 27 foi criada a Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços Públicos (Conesp), primeira medida tomada pelo governo a partir das negociações feitas nos Estados Unidos. Aprofundando o compromisso com suas bases eleitorais populares, Brizola tomou uma série de me- didas visando a atender seus interesses. No campo da Educação, projetou em escala estadual o que fizera em Porto Alegre, dotando o Rio Grande do Sul de uma rede de ensino primário e médio que atingiu os mais longín- quos e desassistidos municípios. Ao fim de seu mandato, foram construídas 5902 escolas primárias, 278 escolas técnicas e 131 ginásios e escolas normais, totalizando 6.302 novos estabelecimentos de ensino; foram abertas também 688.209 novas matrículas e admitidos 42.153 novos professores. Tomando medidas que visavam ao encaminha- mento da reforma agrária no Estado, Brizola apoiou o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master). O go- verno apoiou ainda os movimentos que organizaram acampamentos de milhares de agricultores em lati- fúndios e terras devolutas, como na Fazenda Sarandi, onde se reuniram mais de dez mil pessoas reivindicando terras, lá permanecendo de forma pacífica; ou ainda na região de Banhado do Colégio, onde foi formado outro acampamento, também com mais de dez mil pessoas, muitas de origem polonesa e alemã. Brizola decretou a desapropriação de ambas as áreas, declarando-as de interesse social, distribuiu-as entre os agricultores e ofereceu ainda assistência técnica. Essa política do go- verno com relação à questão agrária provocaria fortes protestos da Federação das Associações Rurais do Rio Grande do Sul. CAMPANHA DA LEGALIDADE Em 25 de agosto de 1961, surpreendendo a na- ção, Jânio Quadros renunciou à Presidência. No mesmo dia, devido à ausência do vice-presidente João Goulart, que estava em missão oficial na República Popular da China, foi empossado interinamente o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, do PSD. Diante da tentativa de veto dos ministros militares – marechal Odílio Denys, da Guerra, vice-almirante Sílvio Heck, da Marinha, e briga- deiro Gabriel Grün Moss, da Aeronáutica – à posse de Goulart, abriu-se uma crise de grandes proporções. Imediatamente, começou a se desenvolver em várias regiões um movimento de resistência aos planos dos ministros militares, visando a garantir a posse do vice-presidente. Este movimento teve seu ponto mais alto no Rio Grande do Sul, sob a liderança de Brizola, que, depois de ocupar militarmente as emissoras da Rá- dio Guaíba e da Rádio Farroupilha, formou a chamada “cadeia da legalidade”, comandando 104 emissoras gaúchas, catarinenses e paranaenses e mobilizando a população em defesa da posse de Goulart. 28 No dia 28, o comandante do Terceiro Exército, general Machado Lopes, recebeu ordens de Denys no sentido de pôr fim ao movimento de resistência encabe- çado por Brizola, agindo com toda a energia e, se pre- ciso, deslocando tropas do interior em direção a Porto Alegre para tomar de assalto o Palácio Piratini, sede do governo estadual. De acordo com as orientações, caso fosse necessário, Machado Lopes deveria até empregar aviões para bombardear o Palácio. Segundo denúncia do deputado Rui Ramos (PTB-RS), as instruções inclui- riam o assassinato de Brizola. Machado
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