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Ponto XVII - O Sistema Anglo-Americano (Common Law)1 O Sistema Anglo-Americano, mais conhecido pelos autores europeus pela designativa Common Law é, juntamente com o Sistema Romano-Germânico de Direito, um dos sistemas legais mais utilizados no mundo, a influenciar direta ou indiretamente um sem-número de países que foram antigas possessões inglesas em praticamente todos os continentes do globo2. Ao contrário da Civil Law, que tem por fundamento a norma legal, a principal fonte do Direito neste sistema é o precedente judiciário, a jurisprudência, que não somente inspira os magistrados ao sentenciar, mas assume um efeito vinculativo, de caráter determinante, que orquestra o meio jurídico como um todo. Ora, não se quer dizer com isso que determinadas matérias jurídicas não possam ser reguladas pela lei. Em muitos casos, de fato, elas o são, como se vê nos Estados Unidos da América principalmente, com as chamadas statute laws3. Aliás, existem diferenças bastante acentuadas entre o Direito Norte-Americano e o Inglês, como se sabe, até mesmo em função das estruturas políticas e institucionais conformadoras entre os dois Estados. As distantes origens deste sistema remontam ainda a invasão normanda na Inglaterra empreendida por Guilherme, o Conquistador, no ano de 1066. A data em questão constitui verdadeiro marco histórico para aquela nação, pois trouxe profundas transformações de caráter administrativo na medida em que foram implantados os novos “estatutos” daquele monarca4, e que incidiriam diretamente no processo de unificação do Direito. Assim, como forma de implantar uma “lei comum” a tratar de algumas matérias de interesse do novo rei, pavimentou-se progressivamente o universo 1 PALMA, Rodrigo Freitas. Antropologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2019, p.126-129. 2 Obviamente, o ponto de partida para a construção deste importante sistema legal foi justamente o Direito Inglês. Sobre a questão em tela, assim lecionou o célebre mestre René David: “O domínio territorial limitado em que se aplica o direito inglês não constitui, porém, o critério com base no qual convém julgar seu valor e interesse. Comparável ao que foi o direito romano para os países do continente europeu e para inúmeros países extra europeus, o direito inglês está na origem da maioria dos direitos dos países de língua inglesa, tendo exercido uma influência considerável sobre o direito de vários países que sofreram, numa época de sua história, a dominação britânica. Esses países podem ter-se emancipado da Inglaterra e seu direito pode ter conservado ou adquirido características próprias. Mas a marca inglesa muitas vezes permanece profunda nesses países, afetando a maneira de conceber o direito, os conceitos jurídicos utilizados, os métodos e o espírito dos juristas. Assim, o direito inglês, superando amplamente o domínio estrito de sua aplicação territorial, constitui o protótipo em que numerosos direitos se inspiraram: é por seu estudo que convém começar todo e qualquer estudo dos direitos pertencentes à família de common law” DAVID, René. O Direito Inglês, p.1. DAVID, René. O Direito Inglês, p.1. 3 Veja sobre o assunto o livro de FRIEDMAN, Lawrence M. Law in America, p.10 e 11. Especificamente sobre o Direito Norte-Americano sugiro a obra de O’CONNOR, Sandra. The Majesty of Law, p.37-48. 4 A esse respeito confira a obra de LOSANO, Mario G. Os Grandes Sistemas Jurídicos, p.324 e seguintes. Sobre o assunto veja também PALMA, Rodrigo Freitas. História do Direito, p.240-244. do Common Law, ainda que imerso a uma miríade de costumes celtas (iceni), germânicos (anglos e saxões principalmente) e nórdicos presentes entre os primeiros habitantes do país e que contribuiriam com o tempo para dar feição à lei inglesa. Hodiernamente, o Common Law está presente na Inglaterra, seu berço, e na Grã-Bretanha quase como um todo (País de Gales e Irlanda do Norte)5. Além disso, é o sistema legal dos Estados Unidos da América6, nas regiões de influência inglesa do Canadá (em centros como Toronto, Otawa e Vancouver)7, na Austrália e Nova Zelândia. Noutros continentes, pelo menos, o sistema está presente na Ásia (Hong Kong, Singapura, Bangladesh e nas ilhas Fiji); na África (Botswana, Zimbábue, Quênia, Libéria, Gâmbia e Gana) e, por fim, também na América Latina (Jamaica, Trinidade e Tobago, Barbados). A principal crítica estabelecida por alguns juristas do universo romano-germânico dizem respeito o ativismo judicial que a Common Law, por sua própria feição, favorece, tornando-se um judge made law, questão esta já debatida à exaustão nos Estados Unidos anteriormente pelo advogado Karl Llewellyn (1893-1962). Entretanto, se o Sistema Romano-Germânico de modo mais célere proporciona os mecanismos necessários e práticos à organização de qualquer Estado, os defensores do Sistema Anglo-Americano, por sua vez, levantam a hipótese da excessiva dependência do legislador que o Civil Law naturalmente acarreta e, juntamente com isso, a possibilidade de serem criadas formas por demais burocráticas, sancionadoras da inoperância de um judiciário imerso em demandas, as quais, este Poder não consegue dar vazão de modo adequado a satisfazer as necessidades e interesses sociais. Some-se a isso o fato de que a implantação do Sistema Romano-Germânico de Direito, em países orientais como o Japão, sempre ocorreu de forma traumática, devido a própria artificialidade que a implantação de um arcabouço normativo inspirado em leis estrangeiras, in casu o Código Civil Alemão de 1900 (BGB) pode suscitar. Assim, se o ‘País do Sol Nascente” alcançou os patamares de modernidade tão ansiosamente esperados, num vislumbre dos padrões tecnológicos europeus do século XIX, no é menos verdade que a cultura jurídica nipônica, ate então de caráter consuetudinário, foi soterrada 5 A Escócia, como única exceção, adota o Sistema Romano-Germânico de Direito. 6 No entanto, há quem no Brasil defenda a tese de que os Estados Unidos tenha um sistema misto, entre o Civil Law e o Common Law. Nesse sentido, veja SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA, p.58-81. Da mesma forma, há quem classifique a Índia como um país que adota o Common Law, em razão da colonização inglesa. No entanto, aqui nesta obra, preferimos tratar o Sistema Legal Indiano, dado as suas peculiaridades culturais e sem embargo a notável influência britânica nesse aspecto, um sistema totalmente independente das chamadas “grandes famílias do Direito”. 7 Já que em Quebec, em função da influência francesa, vigora o Civil Law. pela avalanche de transformações pelas quais passava a nação naqueles dias. Por outro lado, a implantação de um modelo de estrutura judiciária na Índia semelhante ao da Inglaterra foi certamente menos traumático, na medida em que o processo de tomada de decisões locais são inspirados também em antigos costumes hindus, não suplantados completamente pelas leis estatutárias.
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