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13 DALGALARONDO - Funções Psiquicas compostas e suas Alterações - 245 - 256 (2)

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Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 245
A CONSCIÊNCIA E A VALORAÇÃO
DO EU E SUAS ALTERAÇÕES
Definições básicas
Origem e desenvolvimento
do Eu (ontogenia do Eu)
A maioria dos auto-
res acredita que, no
início do desenvolvi-
mento psíquico da
criança, não há, en-
tre o Eu e o mundo
exterior, discrimina-
ção e delimitação
claras; o Eu do bebê estaria como que “fun-
dido” com o de sua mãe. Os dois planos da
realidade, interno e externo, confundem-
se na mesma vivência. Não há, portanto,
diferenciação entre o Eu e o não-Eu. Essa
Este e os próximos dois capítulos dizem res-
peito à funções psíquicas que, mais que as
anteriormente estudadas, resultam de um
complexo, de uma somatória de ativida-
des e capacidades mentais. O desenvolvi-
mento estrutural de tais funções compos-
tas, ocorrendo de forma mais ou menos
harmônica, resulta na consciência e na
valoração do Eu, no sentimento de identi-
dade, na inteligência e na personalidade.
Assim, por exemplo, a inteligência
não pode ser compreendida como uma fun-
ção psíquica elementar, já que inclui o con-
junto de habilidades, dotes e capacidades
cognitivas de um indivíduo. Da mesma for-
ma, a personalidade é, por definição, a
soma das características psicológicas in-
dividuais, dos traços de caráter, relativa-
mente estáveis no tempo e formados ao
longo do desenvolvimento mental e físico
do indivíduo.
No início do desen-
volvimento psíquico
da criança, não há,
entre o Eu e o mun-
do exterior, discrimi-
nação e delimitação
claras.
21
Funções psíquicas
compostas e suas alterações:
consciência e valoração do Eu,
personalidade e inteligência
Paulo Dalgalarrondo246
diferenciação vai sendo construída ao lon-
go do primeiro ano de vida. Ao final desse
período, a imagem do Eu torna-se mais
nítida (Papalia; Olds; Feldman, 2006), a
criança se torna apta a perceber e a repre-
sentar objetos autônomos e estáveis em sua
mente. O autoconceito vai gradativamente
ficando mais claro e consistente. Aos 4
anos, o autoconceito já é mais abrangente,
pois a criança identifica-se com um con-
junto de características mais numeroso e
diversificado (Papalia; Olds; Feldman,
2006).
Do ponto de vista psicanalítico, o Eu
(ou ego) surge como a diferenciação adap-
tativa do aparelho psíquico a partir do con-
tato da criança com a realidade (Freud,
1911). A criança forma gradativamente o
seu Eu por meio de:
1. Contato contínuo com a realida-
de e conseqüente submissão às
suas vicissitudes (princípio de rea-
lidade). Para Jaspers (1979), a rea-
lidade é aquilo que oferece resis-
tência ao indivíduo, opondo-se aos
seus desejos, possibilitando que
um mundo externo e objetivo seja
reconhecido com o tempo.
2. Investimento amoroso e nar-
císico dos pais sobre a criança.
3. Projeção dos desejos inconsci-
entes dos pais sobre a criança e
conseqüente assimilação desses
desejos pela própria criança.
4. Identificações da própria crian-
ça, por meio de mecanismos cons-
cientes e inconscientes de intro-
jeção, no relacionamento com as
figuras parentais primárias. En-
tão, os “pais psicológicos” são to-
mados como modelos de iden-
tificação e, assim, introjetados,
assimilados à personalidade da
criança. A criança busca ser como
o pai e a mãe, copiá-los, agir e
sentir como eles.
A noção de que
algo existe “fora” (o
externo à criança)
marca o instante de
singular significa-
ção para a formação
do que se entende
por “consciência do
Eu”. Surge o senti-
mento de oposição entre o Eu e o mundo,
constituindo-se progressivamente as di-
mensões subjetiva e objetiva da experiên-
cia humana.
A consciência do Eu pressupõe a to-
mada de consciência do próprio corpo, do
“Eu físico”. A este Eu corporal, psíquico e
somático a um só tempo, a psicologia de-
nominou esquema ou imagem corporal
(Schilder; Wertman, 1994).
Se a consciência do Eu também abran-
ge o corpo, então nela se entrelaçam o psí-
quico e o somático (o ego, para Freud, é,
antes de tudo, um ego corporal). Portan-
to, por exemplo, na chamada despersona-
lização, ocorrem alterações tanto do Eu
psíquico quanto do corporal.
CARACTERÍSTICAS DO EU
SEGUNDO JASPERS (1979)
1. Consciência de atividade do Eu
2. Consciência de unidade do Eu
3. Consciência da identidade do Eu
no tempo
4. Consciência da oposição do Eu em
relação ao mundo
Consciência de atividade do Eu
Trata-se da consciência íntima de que, em
todas as atividades psíquicas que ocorrem,
é o próprio Eu que as realiza e presencia.
No indivíduo normal, tudo o que o Eu faz
é vivenciado como pertencente a este Eu.
O “eu penso, sinto, desejo, etc.” acompa-
nha todas as percepções, representações,
A noção de que algo
existe “fora” (o ex-
terno à criança) mar-
ca o instante de sin-
gular significação
para a formação do
que se entende por
“consciência do Eu”.
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 247
pensamentos. Jas-
pers (1979) chama
de personalização
o fenômeno no qual
se percebe, em todas
as atividades psíqui-
cas (sejam elas per-
cepções, sensações
corporais, lembran-
ças, representações,
pensamentos, sen-
timentos), um tom
especial de “meu”, de
“pessoal”, daquilo que é feito e vivenciado
por mim mesmo.
Esse autor subdivide as alterações da
consciência de atividade do Eu em dois gru-
pos: alterações da consciência da existên-
cia e alterações da consciência de execução.
Alteração da consciência da existência
Consiste na suspensão da sensação nor-
mal do próprio Eu, corporal e psíquico,
na carência da consciência do fazer pró-
prio, no distanciamento do mundo per-
ceptivo, na perda da consciência do senti-
mento do Eu. Para Jaspers, o curioso des-
se fenômeno é a condição na qual o ho-
mem existindo já não poder sentir a sua
existência.
Os doentes relatam que se sentem
modificados, estranhos a si mesmos: “Sou
apenas uma máquina, um autômato” ou
“Sinto-me como um nada, como um
morto”.
Alteração da consciência de execução
Na naturalidade da ação diária, não se nota
quão essencial é a unidade da vivência de
execução. É, para cada sujeito, evidente
que, quando se pensa, se sente e se deseja,
é o Eu próprio que o faz. Na alteração da
consciência de execução, o doente, ao pen-
sar ou desejar alguma coisa, sente porém
que de fato foi um outro que pensou ou
desejou tais pensamentos ou desejos e
os impôs de alguma maneira.
Não apenas deixa de sentir-se senhor
de seus pensamentos, como passa a sentir-
se possuído por um poder estranho, exter-
no e inapreensível. Os pensamentos podem
ser vivenciados como feitos e impostos
por alguém ou algo externo, ou como
roubados, extraídos, arrancados do pa-
ciente. O doente não só não se sente mais
senhor de seus pensamentos, como passa
a viver sob a violência e o julgo de um po-
der desconhecido (pensamentos feitos,
pensamentos impostos, roubo do pen-
samento, segundo K. Schneider [1976]).
A sensação de “algo feito” por uma
força externa pode abarcar todos os tipos
de atividade psíquica, não apenas o pensa-
mento, mas também o falar, o fazer, o ca-
minhar, o querer, os impulsos (inclusive
sexuais). Os doentes passam a sentir-se
inibidos ou contidos, mas não por algo in-
terno e, sim, por alguma coisa externa, to-
talmente desconhecida.
Consciência de unidade do Eu
A cada momento, o
Eu é sentido como
algo uno e indivi-
sível. Essa é uma
qualidade da vivên-
cia do Eu sentida
como natural e es-
pontânea. Na alte-
ração da unidade do Eu, não se trata de
dissociação da personalidade ou de expres-
sões metafóricas referidas, como “Moram
em meu peito duas almas” ou “Razão e sen-
timento se acham em luta no meu interior”,
etc. Não se trata de tomar consciência de
conflitos ou aspectos multifacetados da
própria personalidade. O que está em jogo
é algo mais radical e decisivo.
Há, em todas as ati-
vidades psíquicas
(sejam elas percep-
ções, sensações cor-
porais, lembranças,
representações, pen-
samentos, sentimen-
tos), um tomespecial
de “meu”, de “pes-
soal”, daquilo que é
feito e vivenciado por
mim mesmo.
A cada momento, o
Eu é sentido como
algo uno e indivisível.
Essa é uma qualida-
de da vivência do Eu
sentida como natural
e espontânea.
Paulo Dalgalarrondo248
A vivência radical de cisão do Eu só
existe, segundo Jaspers, quando ambas as
séries de processos anímicos se desenvol-
vem de forma absolutamente simultânea,
uma ao lado da outra. De ambos os lados,
existem conjuntos de sentimentos que se
opõem como estranhos. O indivíduo sen-
te-se radicalmente dividido, sente-se anjo
e demônio ao mesmo tempo, ou homem e
mulher simultaneamente (isso corresponde
ao que Bleuler [1985] denominava ambi-
valência).
Consciência de identidade
do Eu no tempo
Trata-se da consciência de ser o mesmo na
sucessão do tempo. Mudam aspectos da
personalidade, mas o Eu nuclear é viven-
ciado como o mesmo ao longo do tempo.
Alguns pacientes relatam que atualmente,
em comparação à sua vida anterior (em es-
pecial “antes do início da psicose”), não são
a mesma pessoa. “Ao descrever a minha
história, tenho consciência de que apenas
uma parte do meu Eu atual vivenciou tudo
isso que aconteceu no passado” ou “O Eu
de então me parece um anão dentro de
mim”. Alguns chegam a usar a terceira pes-
soa para se referirem ao seu Eu do passado.
Consciência da oposição
do Eu em relação ao mundo
É a consciência da clara oposição do Eu ao
mundo externo, a percepção evidente da
separação entre o Eu subjetivo e o espaço
exterior.
A alteração dessa dimensão da cons-
ciência do Eu é a perda da sensação de
oposição e fronteira entre o Eu e o mundo.
Os pacientes identificam-se completamen-
te com os objetivos do mundo externo. O
indivíduo sente que seu eu se expande
para o mundo exterior e não mais se di-
ferencia deste. A ausência do sentimento
de oposição do Eu ao mundo exterior é o
que leva os enfermos a buscarem identifi-
cações em objetos ou coisas do mundo ina-
nimado. Projetam maciçamente (na esco-
la kleiniana identificações projetivas ma-
ciças) seus estados subjetivos no próximo,
transladando-se para um Eu alheio ou para
o corpo de um animal. É a experiência de
sentir-se transformado em um animal, de-
nominada transitivismo ou licantropia.
A vivência de publicação do pensa-
mento, que pacientes esquizofrênicos ex-
perimentam, é relatada de várias manei-
ras: “seus pensamentos se extravasam”, “fa-
zem-se conhecidos de toda a gente”, são
como que “publicados” (publicação do pen-
samento, difusão do pensamento, de Kurt
Schneider, 1976). A publicação do pensa-
mento muitas vezes vem associada a vivên-
cias de sonorização do pensamento (o in-
divíduo tem a experiência de “ouvir” os pró-
prios pensamentos, no exato momento em
que os pensa) e de eco do pensamento
(fenômeno no qual um pensamento origi-
nal é percebidos de forma repetida, segun-
dos após ter sido pensado pela primeira
vez, como se fosse um eco).
Ocorre, assim, a queda da barreira
divisória fundamental entre o Eu e o não-
Eu. A perda da consciência de oposição
entre o Eu e o mundo pode ocorrer nas
psicoses (mais comumente na esquizofre-
nia), nas intoxicações por substâncias
(sobretudo alucinógenos), nos fenômenos
culturais como o êxtase religioso, estados
de transe, possessão, meditação profunda,
etc.
DESPERSONALIZAÇÃO
E DESREALIZAÇÃO
A despersonaliza-
ção é o sentimento
de perda ou de trans-
formação do Eu. Pa-
A despersonalização
é o sentimento de
perda ou de transfor-
mação do Eu.
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 249
ra López Ibor, é um transtorno da ativida-
de do Eu. Há perda da relação empática
básica, da familiaridade inequívoca do Eu
consigo mesmo. É uma vivência profunda
de estranhamento e infamiliaridade con-
sigo mesmo. O doente sente-se estranho
a si mesmo, vive marcante transformação,
com sentimentos angustiosos de profunda
perplexidade. Tem freqüentemente a sen-
sação de que vai enlouquecer, perder o con-
trole. A despersonalização abarca tanto o
Eu psíquico como o Eu corporal. Na des-
personalização corporal, há uma sensa-
ção intensa de estranhamento e perda da
familiaridade do indivíduo com o seu pró-
prio corpo.
Comumente associada à despersona-
lização, pode ocorrer a desrealização, que
é a transformação e
a perda da relação
de familiaridade
com o mundo co-
mum, no sentido de
uma relação de pro-
funda estranheza
daquilo que, no dia-a-dia, é comum e fa-
miliar. O doente refere que o mundo, an-
tes familiar, “caseiro”, está estranho, mu-
dado. As pessoas e os lugares parecem es-
tranhos, os sons são percebidos com um
timbre novo, as cores têm características
diferentes. Em geral, tanto a despersona-
lização como a desrealização são viven-
ciadas com muita angústia.
Segundo Nobre de Melo (1979), o
despersonalizado seria então nada mais
que “o homem que perdeu a segurança de
uma relação familiar com o mundo, con-
denado assim ao frio de uma terra estra-
nha, de um país desconhecido”.
Não é infreqüente a ocorrência de
despersonalização e de desrealização nas
crises intensas de ansiedade, nas crises de
pânico, nas psicoses tóxicas por aluci-
nógenos, nos episódios agudos de es-
quizofrenia e em formas graves de de-
pressão.
ALTERAÇÕES DO EU CORPORAL
(ALTERAÇÕES DO ESQUEMA
CORPORAL)
Definições básicas
Define-se a imagem
corporal ou o esque-
ma corporal como a
representação que
cada indivíduo faz
de seu próprio cor-
po. Essa percepção
do próprio corpo é
construída e organizada tanto pelos senti-
dos corporais externos e internos como
pelas representações mentais referentes ao
corpo fornecidas pela cultura e pela histó-
ria individual de cada sujeito (para revi-
são sobre a psicopatologia do esquema cor-
poral, ver López Ibor; Lópes Ibor Aliño,
1974; Rix; Snaith, 1988).
O psicopatólogo espanhol Carmelo
Monedero (1973, p. 235) afirma que o cor-
po é um objeto peculiar, que percebe e é
percebido, sendo objeto por demais impor-
tante para o ser humano pois:
O homem no mundo é um corpo lidando
com as coisas e com outros homens. [...]
Somos nosso corpo e sem ele não seria
concebível nenhuma forma de existência.
Existir é uma peculiar referência à cor-
poreidade.
A percepção do corpo refere-se mais
à constituição e à organização de uma ima-
gem sobre o corpo que a uma percepção
objetiva propriamente dita. O modo como
as pessoas percebem subjetivamente o seu
corpo difere bastante do que se encontra
nos livros de anatomia ou fisiologia. Para
Paul Schilder (Schilder; Wertman [1935],
1994), a imagem corporal está sempre li-
gada à experiência afetiva, imposta pela re-
lação com o outro. A imagem corporal
corresponde à totalidade da organização
psicológica do indivíduo.
A desrealização é a
transformação e a
perda da relação de
familiaridade com o
mundo comum.
Define-se a imagem
corporal ou o esque-
ma corporal como a
representação que
cada indivíduo faz de
seu próprio corpo.
Paulo Dalgalarrondo250
Um atleta, um
bailarino, um traba-
lhador braçal e um
intelectual perce-
bem e representam
o corpo de forma
bastante diferencia-
da, havendo indícios
de que os diferentes
grupos sociais per-
cebem-no e repre-
sentam-no de forma
muito distinta (Bol-
tanski, 1984). As duas dimensões básicas
do Eu corporal referem-se à intimidade e à
privacidade (distinção Eu/mundo) e à se-
xualidade. O Eu corporal é, antes de tudo,
um Eu-corporal-sexuado. O Eu que busca
a sua realização com o outro não é outra
coisa que o corpo atuando como ser
sexuado. A dinâmica essencial da expe-
riência corporal refere-se à relação do cor-
po sexuado do Eu com os corpos sexuados
dos outros.
O corpo é um dos principais palcos
de nossas vidas. Lu-
gar de dor, de pra-
zer, de preocupação,
de medo e desejo.
Assim Drummond
fala dessas dimen-
sões da experiência
corporal:
Claro que o corpo não é feito
só para sofrer,
Mas para sofrer e gozar.
Na inocência do sofrimento
como na inocência do gozo,
o corpo se realiza,vulnerável
e solene.
Que o corpo, sadio ou doente, ocupa
um lugar central na medicina é algo in-
discutível. Entretanto, cabe lembrar que
não apenas o corpo real, mas a relação do
indivíduo com seu corpo, sua forma de
percebê-lo, de com ele se relacionar, cui-
dando-o ou destra-
tando-o, amando-o
ou odiando-o, é tam-
bém um ponto cru-
cial para a prática
médica. Platão afir-
ma em seu precioso
estudo sobre o amor,
intitulado O banque-
te, que: “É com efei-
to a medicina, para
falar em resumo, a
ciência dos fenômenos de amor, próprios
ao corpo [...]”.
No final do século XIX, denominava-
se cenestesia ao conjunto de sensações in-
ternas oriundas de todos os pontos do cor-
po que se dirigem e terminam no córtex
cerebral, principalmente pelas vias vegeta-
tivas. A cenestesia normal produz um senti-
mento de existência agradável, de bem-es-
tar. Em contraposição à cenestesia normal,
tem-se a cenestopatia, que é o conjunto de
sensações incômodas, de mal-estar difuso,
associadas à ansiedade, que freqüentemente
está presente nos quadros depressivos, neu-
róticos, psicossomáticos e psicóticos.
As conexões corticais intra e inter-he-
misféricas conferem ao lobo parietal um
papel central na integração sensorial soma-
to-sensitivo e vestibular, permitindo a so-
matognosia, ou consciência do corpo
(Bernard; Trouvé, 1977). Em lesões (vas-
culares, tumorais, etc.) da região parietal
direita, não é infreqüente a perda da cons-
ciência do hemicorpo do lado oposto (es-
querdo), denominada síndrome de hemi-
negligência ou hemiassomatognosia. O
indivíduo passa a não reconhecer mais a
existência de seu hemicorpo esquerdo. Em
alguns casos, o paciente reconhece sua exis-
tência, mas não identifica que este lado do
corpo está parético ou plégico, apresentan-
do, assim, anosognosia, ou seja, a perda
da capacidade de reconhecimento da do-
ença ou do déficit naquele dimídio (hemia-
nosognosia esquerda).
A relação do indiví-
duo com seu corpo,
sua forma de per-
cebê-lo, de com ele
se relacionar, cui-
dando-o ou destra-
tando-o, amando-o
ou odiando-o, é tam-
bém um ponto cru-
cial para a prática
médica.
Um atleta, um baila-
rino, um trabalhador
braçal e um intelec-
tual percebem e re-
presentam o corpo
de forma bastante di-
ferenciada, havendo
indícios de que os
diferentes grupos
sociais percebem-no
e representam-no de
forma muito distinta
(Boltanski, 1984).
O corpo é um dos
principais palcos de
nossas vidas. Lugar
de dor, de prazer, de
preocupação, de me-
do e desejo.
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 251
A neurologia define como estereo-
gnosia o conjunto de impressões sensoriais
organizadas e integradas principalmente
pelas regiões associativas dos lobos parie-
tais. A asteriognosia é a perda, geralmen-
te por lesão do lobo parietal, da capaci-
dade de reconhecimento tátil de objetos
familiares ou significativos (lápis, chave,
cadeado, etc.), sem haver, entretanto, a
perda das funções perceptivas táteis ele-
mentares, como a sensação térmica, de
pressão, dolorosa, etc. Assim, apesar da
perda da capacidade de reconhecimento
tátil complexo, não há uma anestesia pro-
priamente dita.
O lobo parietal intervém não apenas
na integração perceptiva que produz a ima-
gem do corpo, mas também no estabele-
cimento de esquemas de ação, da ativida-
de gestual complexa, que é, enfim, a con-
catenação das percepções corporais inte-
gradas e das ações do corpo dirigidas ao
mundo e ao espaço externo. Assim, é arti-
ficial a separação entre a dimensão recep-
tiva, perceptiva, do corpo e suas sensações,
e a dimensão ativa, motora, relativa ao
corpo agindo no mundo. A percepção cor-
poral e a atuação motora formam, do pon-
to de vista neurológico e neuropsicológico,
uma unidade indivisível. Um exemplo dis-
so é a apraxia construtiva, ou incapacida-
de de desenhar um modelo (cubo, casa,
etc.), de montar um quebra-cabeças, de
construir formas simples com cubos, etc. A
apraxia construtiva ocorre, com freqüên-
cia, devido a lesões dos lobos parietais.
ALTERAÇÕES DA IMAGEM OU
DO ESQUEMA CORPORAL EM
ALGUNS TRANSTORNOS MENTAIS
O deprimido vive seu corpo como algo pe-
sado, lento, difícil, fonte de sofrimento e
não de prazer. Sente-se fraco, esgotado, in-
capaz de fazer frente às exigências da vida.
O seu corpo já não tem vida, é um peso
morto. A astenia re-
fere-se a esse tipo de
vivência corporal
dos pacientes depri-
midos. Pacientes de-
primidos graves po-
dem ter significati-
vas alterações do
esquema corporal.
Nesses casos, pode
ocorrer o delírio de negação de órgãos,
no qual o indivíduo sente que seu fígado,
cérebro ou coração não estão mais lá ou
apodreceram. Sente que não tem mais san-
gue, que seu corpo secou, que os membros
estão se esfarelando como areia, que está fi-
sicamente morto, etc. (síndrome de Cottard).
Já o paciente maníaco vive seu cor-
po como algo extremamente ativo, pode-
roso e vivo. Sente-se forte e ágil, não con-
seguindo parar e repousar por período mais
longo. Quando inquirido sobre como se
sente corporalmente, muitas vezes respon-
de que está muito bem, cheio de vigor, “me-
lhor que nunca”. Há mesmo, com fre-
qüência, a incapacidade de perceber as li-
mitações reais do corpo. Muitos pacientes
maníacos idosos atuam corporalmente até
a exaustão, podendo inclusive vir a falecer
devido a esse excesso de ação motora (p.
ex., por infarto do miocárdio).
Alguns pacientes esquizofrênicos ex-
perimentam diversas e profundas alterações
do esquema corpo-
ral. Aqui têm desta-
que as vivências de
influência sobre o
corpo. O paciente
tem a sensação de
que alguém, algo ou
uma força externa desconhecida age sobre
seu corpo, manipulando-o ou controlando-
o. Não é infreqüente a sensação de que uma
entidade ou pessoa está manipulando seus
genitais, aplicando agulhadas, beliscões,
toques, tendo relações sexuais com ele con-
tra a sua vontade. Sente, eventualmente,
O deprimido vive seu
corpo como algo pe-
sado, lento, difícil,
fonte de sofrimento e
não de prazer. Sen-
te-se fraco, esgota-
do, incapaz de fazer
frente às exigências
da vida.
Alguns pacientes es-
quizofrênicos experi-
mentam diversas e
profundas alterações
do esquema corporal.
Paulo Dalgalarrondo252
que seus movimentos são controlados por
essas forças externas. Também pode ocor-
rer a experiência de esvaziamento ou rou-
bo de partes do corpo, como o cérebro ou
as vísceras. Delírios de negação ou de apo-
drecimento dos órgãos também são ob-
serváveis. Alguns pacientes esquizofrênicos
referem sentir que há pequenos animais ou
objetos dentro de seus corpos, como, por
exemplo, uma cobra, um rato, um sapo ou
uma fruta.
Por sua vez, os pacientes com psico-
ses tóxicas, produzidas por alucinógenos
(LSD, mescalina, harmina, psilobicina,
etc.), podem ter experiências de deforma-
ção do esquema corporal. O braço ou a ca-
beça são vivenciados como enormes, cres-
cendo ou encolhendo. O corpo é sentido
como excessivamente leve ou pesado, como
se estivesse voando ou afundando, etc.
Pacientes com quadros neuróticos
têm freqüentemente uma experiência cor-
poral relacionada a sentimentos de inferio-
ridade ou de castração. Seu corpo é sen-
tido como impotente, fraco ou doente. Sen-
tem-se corporalmente como crianças ou
velhos.
Já os pacientes histéricos tendem a
erotizar intensamente o corpo todo, mas,
em contrapartida, podem sentir seus geni-
tais e a atividade genital como insensíveis
ou perigosos. Paradoxalmente à erotização
excessiva de todo o corpo, não é incomum
haver frigidez e anestesia genital.
Os indivíduos com quadros ansiosos
graves sentem o corpo como que compri-
mido, asfixiado, como se existisse uma pres-
são externa sobre ele. Nas crises de pâni-
co é freqüente a despersonalização corpo-
ral e a sensação de morte iminente, sensa-
ção de que o corpo irá entrar em colapso,
desorganizar-se.
O paciente com quadro obsessivo-
compulsivo pode sentir o corpo comosujo
ou contaminado, tendo de esforçar-se cons-
tantemente para limpá-lo, purificá-lo ou
protegê-lo da contaminação.
O hipocondríaco vive seu corpo de
forma muito peculiar; ele é o lugar de todo
o seu sofrimento, investido intensamente
por toda a sua atenção e libido. Há, no hi-
pocondríaco, relação ambígua com o cor-
po: teme os seus presságios, fica a adivi-
nhar os seus mistérios e perigos, mas não
deixa por um só momento (como faz o
homem comum) de voltar-se para ele, de
observá-lo e mesmo cultivar suas sensa-
ções corporais pretensamente mórbidas.
As pacientes
com anorexia ner-
vosa revelam uma
alteração marcante
do esquema corpo-
ral. Apesar de mui-
to emagrecidas, per-
cebem-se gordas, “com barriga”, “com ná-
degas e coxas enormes”, etc. Devido à tal
percepção errônea, submetem-se a dietas
e exercícios físicos que as emagrecem mais
e mais, ocorrendo em alguns casos esta-
dos extremos de caquexia.
Por sua vez, os pacientes com dismor-
fofobia (ou transtorno dismórfico cor-
poral) percebem
distorcidamente,
como horríveis e dig-
nos de enorme ver-
gonha, partes de seu
corpo (nariz, ore-
lhas, face, seios, ná-
degas, mãos, etc.),
ou pequenos defeitos físicos que passariam
despercebidos na maioria das pessoas (re-
visão em Berrios; Kan, 1996). Sentem tais
partes do corpo como se fossem enormes,
muito desproporcionais, marcadamente
disformes. Devido à tal percepção distorci-
da, insistem junto a cirurgiões plásticos e
dermatologistas para que estes os operem
(e, às vezes, conseguem), reduzindo, por
meio de repetidas cirurgias, o tamanho do
nariz, das orelhas, etc.
O fenômeno do membro fantasma
ocorre em muitos pacientes amputados. O
As pacientes com
anorexia nervosa re-
velam uma alteração
marcante do esque-
ma corporal.
Os pacientes com
dismorfofobia perce-
bem distorcidamente,
como horríveis e dig-
nos de enorme ver-
gonha, partes de seu
corpo.
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 253
paciente, após a cirurgia de amputação,
continua sentindo “como se o membro ain-
da estivesse lá”, podendo apresentar pares-
tesias e mesmo dores intensas nesse mem-
bro ausente. Com o tempo, o membro pa-
rece mudar de tamanho, geralmente “en-
colhe”. Além de ocorrer em braços e per-
nas amputadas, o fenômeno também pode
ser observado nas amputações de olhos, do
reto, da laringe e de outras partes do cor-
po. No caso da mastectomia, podem ser
verificadas alterações marcantes do esque-
ma corporal; a mulher sente que, com a
transformação de seu corpo, perdeu sua fe-
minilidade, sente-se como um homem, sen-
te um vazio em seu corpo, além de muitas
vezes desenvolver quadros de depressão e
de diminuição da auto-estima.
A VALORAÇÃO DO EU:
OS CONCEITOS DE NARCISISMO
E DE AUTO-ESTIMA
Definições básicas
Segundo a lenda grega, Narciso era um
jovem para quem nada era mais agradá-
vel que ver sua própria imagem refletida
sobre um lago. Admirava e amava ao ex-
tremo sua própria imagem; ao final, aca-
bou cometendo o suicídio e transformou-
se em uma flor, que passou então a levar
o seu nome. Freud denominou inicialmente
de narcisismo ao tipo de escolha de obje-
to amoroso que ocorre na homossexuali-
dade. O homossexual, nessa visão, ama-
ria alguém igual a si mesmo. Posterior-
mente, o termo narcisismo passou a refe-
rir-se a um estágio do desenvolvimento
psicossexual da criança, no qual o indiví-
duo toma a si mesmo, ao seu Eu, como
objeto de amor.
Atualmente, o termo narcisismo re-
fere-se, de modo geral, ao direcionamento
do amor do indivíduo para si próprio. A
libido volta-se para o próprio Eu, deixan-
do de investir no
mundo e nas pes-
soas. Nesse estado
de narcisismo, o Eu
percebe o prazer co-
mo oriundo sempre
de seu interior e o
desprazer como pro-
veniente do mundo
externo. Há, assim,
no narcisismo, a ilu-
são de auto-suficiência, sentimento de po-
der, de grandiosidade, de desprezo pelo
mundo exterior. O próprio Eu é tomado
pelo indivíduo como a sua grande paixão,
o seu principal objeto de amor.
O narcisismo primário seria a ausên-
cia total de relação com o meio ambiente,
a indiferenciação do Eu com o id. Já o nar-
cisismo secundário seria o retorno do amor,
da libido, para o próprio Eu, depois de ter
sido direcionado em algum momento a um
objeto do mundo externo.
O narcisismo não é, entretanto, ne-
cessariamente positivo ou negativo, pato-
lógico ou saudável.
Todo indivíduo ne-
cessita investir amo-
rosamente no seu
próprio Eu para so-
breviver, para cui-
dar de si mesmo e,
também, para poder
amar outras pes-
soas. O fundamen-
tal aqui é o grau, a intensidade com que o
amor é investido em si mesmo ou em ou-
tras pessoas. O indivíduo totalmente
narcísico não se relaciona, de fato, com o
mundo, e, com isso, empobrece-se. Por sua
vez, o indivíduo sem qualquer amor
narcísico sente-se vazio, sem valor, sem
qualidades mínimas que o façam ser ama-
do e digno de viver neste mundo. Escre-
vendo sobre a dialética do narcisismo e da
autodepreciação, Fernando Pessoa assim se
expressa:
O termo narcisismo
refere-se, de modo
geral, ao direcio-
namento do amor do
indivíduo para si pró-
prio. A libido volta-se
para o próprio Eu,
deixando de investir
no mundo e nas pes-
soas.
Todo indivíduo ne-
cessita investir amo-
rosamente no seu
próprio Eu para so-
breviver, para cuidar
de si mesmo e, tam-
bém, para poder amar
outras pessoas.
Paulo Dalgalarrondo254
Nunca conheci quem tivesse levado
porrada
Todos os meus conhecidos têm sido
campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes
porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente
parasita,
Indesculpavelmente sujo,
...
Toda a gente que eu conheço e que fala
comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca
sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles
príncipes – na vida...
...
Arre, estou farto de semideus!
Onde é que há gente no mundo?
O transtorno da personalidade nar-
cisista é o melhor exemplo de manuten-
ção de um modo de funcionamento men-
tal e de investimento da libido no qual pre-
domina o narcisismo. Também verificam-
se com freqüência aspectos narcísicos na
histeria, nos transtornos da personalidade
sociopática e em pacientes paranóicos e
maníacos.
Diminuição da valoração do Eu
Em muitos pacien-
tes deprimidos, en-
contram-se sentimen-
tos profundos de
menos-valia, de re-
dução da auto-esti-
ma e de autodepre-
ciação. De fato, o
processo de autode-
preciação é considerado central na depres-
são. O indivíduo sente-se sem valor, não
merece viver e ser amado, deve morrer para
deixar de incomodar os outros. Aqui se tor-
na patente a dimensão de fracasso existen-
cial, relativo à realização de um destino
pessoal.
Além da depressão, em inúmeras si-
tuações relacionadas à doença mental, tem-
se a vivência de autodepreciação. Muitos
indivíduos com dificuldades psicológicas e
sociais crônicas, desadaptados, desajeita-
dos na vida social, com dificuldades gra-
ves no campo do trabalho, do estudo, da
família, sentem-se profundamente desmo-
ralizados. Pacientes com dependência crô-
nica de álcool e outras substâncias também
podem desenvolver sentimento marcante
de autodepreciação.
Também a doença crônica, física e/ou
mental, pode implicar grave processo de
desmoralização crônica e autodepreciação.
O indivíduo limitado física e/ou mental-
mente tende a sentir-se sem valor, como
um peso para sua família, um fracassado,
um inútil. Isso muitas vezes vem associado
a descuido crônico de si mesmo, autone-
gligência, falta de higiene e, também, atos
e condutas suicidas.
O conceito de identidade
psicossocial
Erik Erikson (1985) define identidade
psicossocial como o sentimento que propor-
ciona a capacidade para experienciar o pró-
prio Eu como algo que tem continuidade e
unidade, permitindo que o indivíduo se in-
sira no meio sociocultural de forma coeren-
te. O sentimento de identidade refere-se à
sensação de pertencer a algo, de ser parte
de algo.A identidade psicossocial permite
que o indivíduo se
oriente em relação
às outras pessoas e
ao seu meio ambien-
te, estabeleça e deli-
neie as fronteiras do
Eu corporal, do Eu
mental e do Eu so-
ciocultural.
A noção de iden-
tidade, para Erikson,
Em muitos pacientes
deprimidos, encon-
tram-se sentimentos
profundos de me-
nos-valia, de redu-
ção da auto-estima e
de autodepreciação. A identidade psicos-
social permite que o
indivíduo se oriente
em relação às outras
pessoas e ao seu
meio ambiente, esta-
beleça e delineie as
fronteiras do Eu cor-
poral, do Eu mental e
do Eu sociocultural.
Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 255
é definida como “um sentimento subjetivo
de uma revigorante uniformidade e conti-
nuidade”. Assim, além de ser percebida
como uma construção subjetiva, ou seja,
algo que se constitui e se realiza no mais
íntimo do sujeito, a identidade implica cer-
ta integridade e homogeneidade do eu ao
lado de sua continuidade temporal, de
determinada constância histórica. Para
Erikson, se a identidade é um processo que
se localiza no âmago do indivíduo, tal iden-
tidade diz respeito também e sobretudo a
elementos centrais da cultura coletiva do
sujeito. Deveria-se, então, falar de identi-
dades e não de identidade no singular, já
que tanto a cultura como o sujeito não são
homogêneos e unívocos, mas múltiplos.
A identidade é, portanto, um processo
que decorre de um julgamento que o sujeito
faz de si mesmo, mas também do modo
como os outros o julgam. A identidade ba-
seia-se, dessa forma, em um processo con-
trastante de construção de um sentimen-
to pessoal em relação a um ou vários grupos
sociais. Participam dessa dinâmica os
ideais, os valores e os modos de ser do indi-
víduo, de seu grupo sociocultural e de gru-
pos culturais alheios que se contrapõem ao
grupo do sujeito em questão. Isso tudo deve
ser entendido como um processo em mo-
vimento, já que a identidade é algo dinâ-
mico, que está sempre mudando e evoluin-
do. Para Erikson, a
identidade nunca é
“estabelecida”, não
é uma “realização”
ou uma forma de
“armadura da per-
sonalidade”. Ela se transforma ao longo de
toda a vida do sujeito.
No nível pessoal e intrapsíquico, a
identidade é formada a partir do conjunto
de identificações conscientes e inconscien-
tes que a criança e o adolescente fazem ao
longo de seu desenvolvimento. Por meio
desse processo de identificação, a criança
vai introjetando (incorporando ao seu Eu)
aspectos diversos dos adultos (pais, avós,
tios, professores, amigos, etc.) e também
das crianças (irmãos, amigos, etc.) com
quem convive.
A identidade psicossocial total é, por-
tanto, composta de múltiplas identidades
parciais, como a identidade sexual (na qual
o indivíduo se identifica com o modo de
ser de seu gênero, formas de atuar, sentir e
desejar, valores, etc.), a identidade étnica
ou racial, a identidade religiosa, a identi-
dade profissional, a identidade relativa à
nacionalidade, etc. Também estão aqui in-
cluídas as identidades referentes ao senti-
mento de pertencer a pequenos grupos:
identidade de ser estudante de medicina,
estudante de psicologia, de ser moto-boy,
de ser membro de um clube, de um time
de futebol, de uma igreja, de um grupo de
jovens que gostam de certo tipo de gênero
musical, etc. A iden-
tidade psicossocial é
uma fonte básica e
significativa de au-
to-estima, reconhe-
cimento social e le-
gitimação.
Os transtornos de identidade
Transtornos e problemas com a identida-
de psicossocial estão relacionados à con-
fusão de identidade, à desorientação em
relação ao que o indivíduo é no contexto
sociocultural, ao que esperam dele, como
se sente, qual o seu lugar no mundo, e as-
sim por diante.
Crise de identidade
A crise de identidade, descrita e estudada
por Erik Erikson (1976), refere-se às difi-
culdades intensas e ao surgimento, em cur-
to período, da sensação de insegurança e
confusão em relação à identidade sexual,
A identidade é algo
dinâmico, que está
sempre mudando e
evoluindo.
A identidade psicos-
social é uma fonte
básica e significativa
de auto-estima, re-
conhecimento social
e legitimação.
Paulo Dalgalarrondo256
Questões de revisão
• Como se forma o Eu da criança?
• Quais as características do Eu de acordo com Jaspers?
• Estabeleça uma comparação entre despersonalização e desrealização.
• Defina esquema corporal e descreva suas alterações.
• Como se apresenta o esquema corporal nos pacientes depressivo, maníaco,
esquizofrênico, histérico e anorético?
• Quais são as acepções do termo “narcisismo”? Quais são suas relações com a auto-
estima?
• O que é identidade psicossocial? Explique seu caráter dinâmico.
• Descreva o que é crise de identidade segundo Erik Erikson.
• Caracterize os estados de possessão.
à escolha e aos padrões de amizade, à
afiliação religiosa, ao sistema de valores
morais, ao papel relacional perante os pais
e professores, etc. A crise de identidade
mais marcante, em nossa cultura, é a que
ocorre entre os adolescentes. Essa crise
pode ser suficientemente intensa a ponto
de causar muita angústia e interferir na
vida do adolescente. Toda a profunda trans-
formação da adolescência é captada neste
Hai-Kai do poeta japonês Buson:
Menina muda,
Convertida em mulher
Já se perfuma.
Estados de possessão
Os estados de possessão podem ocorrer
tanto em indivíduos com transtornos men-
tais (p. ex., na histeria) como em pessoas
sem esses transtornos, sendo geralmente,
nesses casos, produzidos, organizados e
configurados em determinado contexto re-
ligioso-cultural. Ao entrar no estado de pos-
sessão, o indivíduo apresenta perda tem-
porária de sua identidade pessoal, que é
substituída por uma entidade que “toma
conta” do sujeito. Normalmente, ele per-
manece consciente em relação à percep-
ção do ambiente.
Com freqüência, os estados de posses-
são ocorrem associados a estados de transe
que duram minutos ou horas. Tais estados
são em geral desencadeados por contextos
rituais, nos quais a dança, o ritmo, os can-
tos, as rezas, enfim, todo o contexto ritual
“guia” o sujeito no sentido de alterar mo-
mentaneamente o seu estado de consciên-
cia e permitir que uma entidade tome posse
dele. É comum, nesses casos, que o indiví-
duo apresente movimentos rítmicos do tron-
co, tremores, gestos, atitudes e mímica es-
tereotipada e fala alterada (infantil, agres-
siva, etc.). Pode ou não haver amnésia para
o ocorrido durante o estado de possessão.

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