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Medo da Vida (Círculo do Livro, 1980)

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Medo da vida
Alexander Löwen
Medo da vida
CÍRCULO DO LIVRO
Círculo do Livro S.A.
Caixa postal 7413 
01051 São Paulo, Brasil
Edição integral 
Título do original: "Fear of life"̂
Copyright © 1980 Dr. Alexander Lowen 
Tradução: Maria Sílvia Mourão Netto 
Capa: colagem de Tide Hellmeister
Licença editorial para o Círculo do Livro 
por cortesia da Summus Editorial Ltda., 
mediante acordo com The International Institute for 
Bioenergetic Analysis
Venda permitida apenas aos sócios do Círculo
Composto pela Linoart Ltda.
Impresso e encadernado pelo Círculo do Livro S.A.
2 4 6 8 10 9 7 5 3
89 91 92 90
Dedicado com amor a 
Roffeta L . walker. 
Empurrei minha carroça até sua es/rela.
“Que coisa é o homem! Dentre todas as maravilhas 
A maravilha do mundo é o próprio homem.
Sim, assombrosa é a Sagacidade do homem:
Por e/a, atinge os cumes;
Por e/a, também cai.
Na confiança de seu poder, tropeça;
Na obstinação de sua vontade, é derrotado.”
Sófocles, Antígona
Sumário
Introdução .................................................... 11
1. O caráter neurótico...................................... 21
Problema edipiano
A lenda de Édipo 
Complexo de Édipo
2. Destino e caráter........................................... 47
Funcionamento do destino
Natureza do destino 
Destino do amor
3. Ser e destino ............................................... 81
Ser como autenticidade
Ser como sexualidade 
Ser enquanto não-fazer
4. O medo de s e r ............................................. 115
Medo de viver e de morrer
Medo do sexo 
Medo da insanidade
5. Uma terapia par s e r ...................................... 145
Espiral de crescimento
Ruptura e colapso 
Ansiedade de castração
9
6. Atitude heróica perante a v id a ................... 175
Regressão e progressão
Desespero, morte e renascimento
7. O conflito edipiano torna-se um fato da vida
m oderna........................................................ 205
Surge a dominância do ego
Hierarquia de poder e lutas pelo poder 
Progreáir produz conflito
8. A sabedoria do fracasso ............................. 237
O enigma da esfinge
Reconciliando contradições 
A sabedoria da esfinge
10
Introdução
A neurose não é, em geral, definida como medo da vida, 
mas é exatamente isso. A pessoa neurótica tem medo de 
abrir seu coração ao amor, teme estender a mão para pedir 
ou para agredir; amedronta-a ser plenamente si mesma. Po- 
demos explicar esses temores psicologicamente. Quando abri- 
mos o coração ao amor, ficamos vulneráveis ao risco da 
mágoa; quando estendemos os braços à frente, arriscamo-nos 
à rejeição; quando agredimos, há a possibilidade de sermos 
destruídos. Existe, contudo, uma outra dimensão desse pro­
blema. Vida ou sensações de maior intensidade do que aque­
las a que a pessoa está habituada é algo perigoso, pois ameaça 
inundar o ego, ultrapassar seus limites, liquidar sua identida­
de. É assustador sentir mais vitalidade, ter sensações mais 
intensas. Trabalhei com um rapaz ainda jovem cujo corpo 
estava bastante destituído de vitalidade. Era tenso e con­
traído, de olhos amortecidos, pele pálida, respiração superfi- 
cial. Seu corpo tornou-se mais vivo através de exercícios de 
respiração profunda e outros movimentos terapêuticos. Seus 
olhos se iluminaram, sua pele ganhou vida, sentia formiga- 
mento em algumas partes de seu corpo, suas pernas começa­
ram a vibrar. Aí, ele me disse: "Cara, é vida demais. Não 
consigo agüentar” .
Acredito que, em certa medida, estamos todos na mes- 
ma situação desse rapaz. Queremos nos tornar mais cheios 
de vida, sentir mais, e temos medo disso. Nosso medo da 
vida se reflete em nossa maneira de nos mantermos ocupa­
dos a fim de não sentirmos, de permanecermos na correria, 
não nos encararmos de frente, de entregarmo-nos ao álcool 
ou às drogas. Por termos medo da vida, procuramos contro- 
lá-la, dominá-la. Acreditamos que é ruim ou perigoso sermos
11
levados de roldão por nossas emoções. Admiramos a pessoa 
fria, capaz de agir sem sentimentos. Nosso herói é James 
Bond, o agente 007. A ênfase de nossa cultura recai Sobre o 
fazer, Sobre o conseguir resultados. O indivíduo de nosso 
tempo está comprometido com seu sucesso, não em ser uma 
pessoa. Justificadamente, pertence à "geração da ação” cujo 
lema é: faça mais, sinta menos. Essa atitude caracteriza gran­
de parte da moderna sexualidade: mais atuação, menos 
paixão.
Independentemente de nosso desempenho, como pes­
soas somos um fracasso. Acredito que a maioria de nós sinta 
o fracasso em si mesmo. Temos uma percepção apenas nebu­
losa da dor, da angústia, do desespero que jazem somente a 
milímetros da nossa superfície. Mas estamos determinados 
a superar nossas franquezas, dominar nossos temores, conter 
nossas ansiedades. Eis por que são tão populares livros que 
tratam do auto-aperfeiçoamento ou do tipo "Como fazer. . . ” 
Infelizmente, esses esforços estão fadados a fracassar. Ser 
uma pessoa não é algo que se possa fazer. Não é um desem­
penho. Talvez exija uma parada nos negócios desenfreados 
para termos tempo de respirar e sentir. Talvez percamos a 
dor nesse processo, e se tivermos coragem para aceitá-lo, 
também sentiremos prazer. Se pudermos encarar nosso vazio 
interior, encontraremos um preenchimento. Se pudermos 
atravessar nosso desespero, descobriremos a alegria. Talvez 
precisemos de ajuda para esse empreendimento terapêutico.
Será destino do homem moderno ser neurótico, ter me- 
do da vida? Sim, é a minha resposta, se por homem moderno 
definirmos o membro de uma cultura cujos valores predomi- 
nantes sejam o poder e o progresso. Uma vez que são esses 
os valores que assinalam a cultura ocidental no século XX, 
toda pessoa criada nessa sociedade é neurótica.
O neurótico está em conflito consigo mesmo. Parte de 
seu ser tenta sobrepujar uma outra parte. Seu ego tenta do­
minar seu corpo; sua mente racional, controlar seus senti- 
mentos; sua vontade, superar medos e ansiedades. Apesar de 
esse conflito ser em grande extensão inconsciente, seu efeito 
consiste em esvaziar a energia da pessoa e destruir sua paz 
de espírito. Neurose é um conflito interno. O caráter neuró­
tico assume muitas formas, mas todas elas envolvem uma 
luta, no interior da pessoa, entre o que ela é e o que acredita 
que deva ser. Toda pessoa neurótica é prisioneira desse con­
flito.
Como surge um tal estado de conflito interno? Por que
12
Darleny
o homem moderno padece desse conflito? No caso indivi- 
dual, a neurose emerge no bojo de um contexto familiar. A 
situação familiar, contudo, reflete a cultural, pois a família 
está sujeita a todas as forças da sociedade da qual faz parte. 
Para entendermos a condição existencial do homem moderno 
e conhecermos seu destino, devemos investigar as fontes de 
conflito de sua cultura.
Já estamos familiarizados com alguns conflitos de nossa 
cultura. Por exemplo, falamos de paz, mas nos preparamos 
para a guerra. Defendemos a preservação ecológica, mas, de- 
sapiedadamente, exploramos os recursos naturais da Terra 
com vistas ao lucro financeiro. Estamos comprometidos com 
metas de poder e progresso e, no entanto, desejamos prazer, 
paz de espírito, estabilidade. Não nos damos conta de que 
poder e prazer são valores opostos e que o primeiro exclui o 
segundo. O poder desencadeia, inevitavelmente, o conflito 
pela posse, o qual com freqüência coloca pai contra filho, 
irmão contra irmão. É uma força divisional, dentro de uma 
comunidade. O progresso denota uma atividade constante 
que leva à mudança do velho em novo, devido à crença de 
que o novo é sempre superior ao velho. Embora isso possa 
ser verdade em algumas áreas técnicas, como crença é peri- 
goso. Disso decorre que o filho é superior ao pai e que a tra- 
dição é somente o peso morto do passado. Existem culturas 
nas quais prevalecem outros valores, nas quais o respeito 
pelo passado e pela tradição é mais importante do que o de­
sejo de mudar. Nessas culturas, os conflitos são minimizados, 
a neurose é rara.
Ospais, como representantes da cultura, têm a respon­
sabilidade de inspirar nos filhos os valores dessa sociedade. 
Exigem de um filho atitudes e comportamentos destinados a 
inseri-lo na matriz social e cultural. Por um lado, a criança 
resiste a essas exigências, pois elas significam uma domesti­
cação de sua natureza animal. A criança tem que ser "viola- 
da” para que a façam pertencer ao sistema. Por outro lado, 
a criança deseja acatar aquelas exigências, a fim de garantir 
o amor e a aprovação de seus pais. O resultado final depen- 
derá da natureza dessas exigências e do modo como serão 
cumpridas. Com amor e compreensão, é possível ensinar a 
uma criança os hábitos e rituais de uma cultura, sem violar 
seu espírito. Infelizmente, na maioria dos casos, o processo 
de adaptação de uma criança à cultura não deixa por menos; 
viola efetivamente seu espírito, tornando-a então neurótica, 
fazendo-a sentir medo da vida.
13
O aspecto central do processo de adaptação cultural é o 
controle da sexualidade. Não há cultura que não imponha al­
guma forma de restrição sobre o comportamento sexual. Tais 
rédeas parecem necessárias como forma de prevenção das 
discórdias dentro de uma comunidade. Seres humanos são 
criaturas ciumentas, predispostas à violência. Mesmo nas 
mais primitivas sociedades o laço do matrimônio é sagrado. 
Os conflitos que surgem dessas restrições, porém, são exter- 
nos à personalidade. Na cultura ocidental, a prática tem sido 
fazer a pessoa se sentir culpada por suas sensações e práticas 
sexuais, como a masturbação, que de modo algum ameaça a 
paz da comunidade. Quando culpa ou vergonha são vincu- 
ladas aos sentimentos e às sensações, o conflito é internali­
zado e cria um caráter neurótico.
O incesto é tabu em todas as sociedades humanas, mas 
as atrações sexuais de uma criança pelo genitor do sexo opos­
to são passíveis de repreensão apenas nas sociedades moder- 
nas. Acredita-Se que tais sentimentos colocam em risco o 
direito exclusivo de um dos pais aos afetos sexuais do par­
ceiro. A criança é vista como rival pelo genitor do mesmo 
sexo. Apesar de não ocorrer nenhum incesto, a criança é 
levada a sentir-se culpada por esses sentimentos e desejos 
completamente naturais.
Quando Freud investigou as causas dos problemas emo­
cionais de seus pacientes através de análise, descobriu que 
todos os casos envolviam a sexualidade do primeiro ano de 
vida ou da infância posterior, principalmente as atrações se­
xuais pelo genitor do sexo oposto. Descobriu também que, 
associados a essas sensações sexuais, existiam desejos de 
morte relacionados ao genitor do mesmo sexo. Observando 
o paralelo com a lenda de Édipo, ele descreveu a situação da 
criança como edípica. Ele acreditava que, se um menino não 
suprimisse seus sentimentos sexuais pela mãe, sofreria o des­
tino de Édipo, ou seja, mataria o pai e se casaria com a mãe. 
Para impedir esse destino, o filho é ameaçado de castração 
caso não reprima tanto seu desejo sexual quanto seus senti­
mentos de hostilidade.
A análise revelou ainda que não só essas sensações e 
sentimentos eram suprimidos, como também a situação edí­
pica em si era reprimida; quer dizer, o adulto não tinha lem- 
brança do triângulo em que esteve envolvido entre os três e 
seis anos de idade. Minha própria experiência clínica confir­
ma essa observação. Poucos pacientes conseguem recordar-se 
de algum desejo sexual pelo genitor. Sobretudo, Freud acre­
14
ditava que essa repressão era necessária para que a pessoa 
pudesse estabelecer uma vida sexual normal, na fase adulta. 
Ele considerava que a repressão possibilitava a transferência 
do desejo sexual precoce, destinado ao genitor, para alguém 
semelhante em termos de desenvolvimento. Se isso não ocor­
resse, a pessoa estaria fixada no genitor. Sendo assim, para 
Freud, a repressão era o caminho de solução de Édipo, per- 
mitindo que a criança, depois de atravessar um período de 
latência, ingressasse numa maturidade normal. Se a repressão 
fosse incompleta, a pessoa se tornaria neurótica.
Segundo Freud, o caráter neurótico representa uma in- 
capacidade de adaptação à situação cultural. Ele admitia que 
a civilização nega ao indivíduo uma completa gratificação 
instintiva, mas achava que essa negativa fosse necessária ao 
progresso cultural. Na realidade, ele aceitava a idéia de que 
o destino do homem moderno fosse ser infeliz. Esse destino 
não pertencia ao âmbito da psicanálise, limitada como era a 
ajudar a pessoa a se enquadrar adequadamente dentro do sis­
tema cultural. A neurose era vista como um sintoma (fobia, 
obsessão, compulsão, melancolia, etc.) que interferia nesse 
enquadramento.
Wilhelm Reich tinha uma concepção diferente. Apesar 
de ter estudado com Freud e de ser membro da Sociedade 
Psicanalítica de Viena, percebeu que a ausência de um sinto­
ma invalidante não constituía critério de saúde emocional. 
Em seu trabalho com pacientes neuróticos, descobriu que o 
sintoma se desenvolvia a partir de uma estrutura neurótica 
de caráter e que podia ser completamente eliminado, mas 
apenas se fosse modificada a estrutura de caráter da pessoa. 
Para Reich, o problema não se resumia no enquadramento 
na cultura; o importante era a capacidade da pessoa de en- 
tregar-se integralmente ao sexo e ao trabalho. Tal capacidade 
permitiria à pessoa experimentar uma completa satisfação 
em sua vida. O indivíduo seria neurótico na medida em que 
lhe faltasse essa capacidade.
Em seu trabalho terapêutico, Reich enfatizou a sexua­
lidade como chave para o entendimento do caráter. Toda 
pessoa neurótica apresentava algum distúrbio em sua respos­
ta orgástica, não tendo condições de entregar-se por inteiro 
as agradáveis e involuntárias convulsões do orgasmo. Essa 
pessoa estaria com medo da sensação avassaladora do orgas- 
mo total. O neurótico mostrava-se orgasticamente impotente, 
em determinado grau. Se, em resultado da terapia, conquis- 
tasse essa capacidade, tornar-se-ia emocionalmente saudável.
15
Desapareceriam quaisquer distúrbios neurtóicos dos quais 
padecesse. Sobretudo, sua liberdade em relação à neurose 
prosseguiria enquanto conservasse sua potência orgástica.
Reich vislumbrou o vínculo entre impotência orgástica 
e o problema edipiano. Alegava que a neurose tinha suas 
raízes na família patriarcal autoritária, em que se suprimia a 
sexualidade. Ele não aceitava o homem como inexoravelmen­
te fadado a um destino infeliz. Acreditava que um sistema 
social que negasse aos cidadãos a plena satisfação de suas 
necessidades instintivas estava doente e precisava ser altera­
do. Nos primeiros anos de trabalho como psicanalista, Reich 
também foi um ativista social. Contudo, nos últimos anos, 
veio a concluir que pessoas neuróticas não podem modificar 
uma sociedade neurótica.
Fui profundamente influenciado pelas idéias de Reich. 
Foi meu professor de 1940 a 1953. E meu analista, de 1942 
a 1945. Tornei-me um psicoterapeuta porque acreditei que 
sua abordagem dos problemas humanos, tanto ao nível teóri­
co (análise de caráter), quanto técnico (vegetoterapia), repre­
sentava um avanço significativo no tratamento do caráter 
neurótico. A análise do caráter foi a grande contribuição de 
Reich à teoria psicanalítica. Para ele, o caráter neurótico era 
o solo fértil em que medrava o sintoma neurótico. Portanto, 
acreditava que a análise deveria focalizar o caráter, ao invés 
do sintoma, para efetuar uma melhora substancial. A vegeto­
terapia assinalou a vigorosa entrada do processo terapêutico 
no domínio do somático. Reich acreditava que a neurose 
manifestava-se num funcionamento vegetativo perturbado, 
bem como em conflitos psíquicos. A respiração, a mobilida­
de, os movimentos involuntários de prazer do orgasmo so- 
friam acentuada diminuição no indivíduo neurótico, através 
de tensões musculares crônicas. Descreveu essas tensões 
como processo de formação da couraça, a qual reflete o cará- 
ter ao nível somático. Reich afirmava que a atitude física de 
uma pessoa é fundamentalmente idênticaà sua atitude psí­
quica. O trabalho de Reich é a base sobre a qual desenvolvi 
minha análise bioenergética, que amplia as conceituações 
reichianas em vários e importantes ângulos.
Primeiro: a análise bioenergética fornece uma com­
preensão sistemática da estrutura de caráter tanto ao nível 
psíquico quanto somático. Com essa compreensão, a pessoa 
tem condições de ler o caráter e os problemas emocionais, a 
partir da expressão de seu corpo; tem também condições de 
imaginar a história daquele ináivíduo, pois suas experiências
16
de vida estão estruturadas em seu corpo1. A informação 
obtida por essa leitura da linguagem do corpo integra-se ao 
processo analítico.
Segundo: através de seu conceito de " grounding” 2, a 
análise bioenergética oferece uma‘ visão mais profunda dos 
processos de energia dentro do corpo, em sua influência sobre 
a personalidade. G rounding refere-se à conexão energética 
entre os pés da pessoa e a terra ou chão. Reflete o montante 
de energia ou sensação que ela permite fluir para a parte 
inferior de seu corpo. Denota o relacionamento da pessoa 
com a base sobre a qual se firma. Está bem plantada no chão 
ou suspensa no ar? Os pés estão bem plantados? Qual é sua 
postura? As sensações de segurança e independência estão 
intimamente relacionadas à função das pernas e pés. Essas 
sensações têm poderosa influência sobre a sexualidade.
Terceiro: a análise bioenergética emprega muitas técni­
cas e exercícios físicos ativos que ajudam a pessoa a forta­
lecer sua postura, aumentar sua energia, ampliar e aprofun­
dar sua autopercepção e acentuar sua auto-expressão. Na 
análise bioenergética, o trabalho corporal é realizado em 
coordenação com o processo analítico, tornando essa modali­
dade terapêutica uma abordagem em que corpo e mente são 
combinados para o enfrentamento dos problemas emocionais.
Venho praticando terapia há mais de trinta anos, a fim 
de ajudar os pacientes a conquistar alguma alegria e felicida­
de em suas vidas. Para essa atividade, tem sido necessário 
um esforço contínuo de compreensão do caráter neurótico do 
homem moderno, tanto da perspectiva cultural quanto indi­
vidual. Meu enfoque foi e continua sendo a pessoa e sua luta 
para encontrar algum significado e alguma satisfação em sua 
vida; em outras palavras, a pessoa em sua luta contra seu 
destino. No entanto, como pano de fundo dessa luta existe o 
contorno cultural. Sem conhecimento dos processos culturais, 
não podemos compreender a profundidade do problema.
O processo cultural que deu origem à sociedade moder- 
na e ao homem moderno foi o desenvolvimento do ego. Esse 
desenvolvimento associa-se à aquisição de conhecimento e à
1 O leitor deverá procurar no livro do mesmo autor, O corpo em 
terapia, uma apresentação mais elaborada desse conceito. (N. do A.)
2 "Ground” significa "solo”, "chão”, "área”, "espaço”, "superfície”, 
"base”, "fundamen/o”, entre outros sentidos. "Grounding”, "ligação 
a terra” . Em linguagem bioenergética, designa o contato com o chão 
e, a partir des/e, a conscientização do corpo "bem plantado no chão”,
o uso consagrou entre nós o termo em sua forma original. (N. do T.)
17
conquista da natureza. O homem, como qualquer outro ani- 
mal, faz parte da natureza e está absolutamente submetido 
a suas leis; mas também está acima da natureza, atuando so­
bre ela, controlando-a. Procede da mesma maneira com sua 
própria natureza: parte de sua personalidade, o ego, volta-se 
contra sua parte animal, seu corpo. A antítese entre ego e 
corpo produz uma tensão dinâmica que propicia o amadure­
cimento da cultura, mas também comporta um potencial des­
trutivo. Isso pode ser mais bem entendido por uma analogia, 
a do arco e flecha. Quanto mais se verga o arco, mais longe 
voará a flecha. Mas se a curvatura do arco for excessiva, ele 
se quebrará. Quando o ego e o corpo distanciam-se a ponto 
de não haver contato entre eles, o resultado é uma cisão psi- 
cótica. Acredito que tenhamos atingido esse ponto de perigo 
em nossa cultura. Colapsos psicóticos são muito comuns, mas 
o temor ainda mais disseminado é o do colapso ao nível pes­
soal e social.
Dada essa sua cultura e o caráter por ela produzido, 
qual é o destino do homem moderno? Se a lenda de Édipo 
pode servir como profecia, a profecia é buscar atingir o su­
cesso e o poder apenas para encontrar o próprio mundo, des- 
fazendo-se em pedaços ou sofrendo um colapso. Se sucesso 
é algo que se mede pelas posses materiais, como ocorre nos 
países industrializados, e poder, pela capacidade de fazer e ir 
(máquinas e energia), a maioria das pessoas do mundo oci­
dental tem tanto sucesso quanto poder. O colapso de seu 
mundo está no empobrecimento de sua vida emocional inte- 
rior. Depois de se comprometerem com sucesso e poder, as 
pessoas têm muito pouco em nome do que viver. E, como 
Édipo, acabam por tornar-se andarilhos sobre a terra, seres 
desarraigados que não podem encontrar paz em lugar algum. 
Toda pessoa, até certo ponto, sente-se alienada em relação 
aos outros seres humanos, carregando em seu íntimo uma 
profunda sensação de culpa que não entende. Essa é a con- 
dição existencial do homem moderno.
Seu desafio é reconciliar esses aspectos antitéticos de 
sua personalidade. Ao nível corporal, ele é animal; ao nível 
egóico, um pseudodeus. O destino do animal é a morte, que 
o ego, em suas aspirações divinas, tenta evitar. Mas, na ten­
tativa de evitar seu destino, o homem cria um outro ainda 
pior, a saber, viver com medo da vida.
A vida humana está cheia de contradições. É sinal de 
sabedoria reconhecer e aceitar tais contradições. Pode dar a 
impressão de uma contradição dizer que aceitar o próprio
18
destino conduz a uma modificação desse mesmo destino; mas 
é verdade. Quando a pessoa pára de lutar contra o destino, 
perde sua neurose (conflito interno) e conquista paz de es- 
pírito. O resultado é uma atitude diferente (ausência do 
medo da vida), que se expressa num caráter diferente e se 
associa a um destino diferente. Essa pessoa terá coragem para 
viver e morrer, conhecerá a plena realização da vida. É assim 
que termina a história de Édipo, figura cujo nome identifica 
o problema central da personalidade do homem moderno.
19
1 . O caráter neurótico
Problema edipiano
Diz-se que as pessoas aprendem pela experiência, e, em 
geral, isso é verdade. A experiência é o melhor e talvez único 
e verdadeiro professor. Mas, quando esse aprendizado está 
inserido no âmbito da neurose de alguém, a regra parece não 
ser aplicável. A pessoa não aprende pela experiência; ao 
contrário, repete o mesmo comportamento autodestrutivo 
vezes e vezes seguidas. Por exemplo, existe o homem que 
Sempre se encontra em condição de ajudar os outros. Res­
ponde com grande solicitude quando alguém o procura em 
busca de ajuda. Posteriormente, sente-se usado e fica ressen­
tido porque não acredita que a pessoa por ele ajudada apre­
ciou devidamente sua dedicação. Volta-se contra quem pres­
tou assistência e decide ser menos disponível e mais crítico 
em relação às solicitações de ajuda que receber da próxima 
vez. Porém, quando sente que existe alguém em dificuldade, 
oferece seus serviços, inclusive antes de ter sido requisitado, 
pensando que dessa vez o resultado Será diferente. Mais uma 
vez a cena se repete. Essa pessoa não aprende, porque seus 
préstimos têm uma qualidade compulsória. É levada a ajudar 
por forças que escapam a seu controle.
Considere-se o caso da mulher que, em seus relaciona­
mentos com homens, assume um papel maternal. O efeito 
dessa postura é infantilizar o homem e privar-se de sua rea­
lização sexual. Ela talvez interrompa a relação sentindo-se 
usada e ludibriada, culpando a imaturidade e a fraqueza do 
homem pelo fracasso do vínculo. Da próxima vez, diz, esco­
lherá um homem que consiga ficar de pé por si mesmo, e 
não precise mais de mamãe. Mas a vez seguinte acaba sendo 
como as outras. Um estranho destino parece impeli-la para
21
as próprias situações que está procurando evitar.Ela é leva­
da a bancar a mãe de seus parceiros, por forças desconheci­
das em sua personalidade.
Esse comportamento pode ser considerado neurótico 
por causa do conflito inconsciente que lhe subjaz. No caso 
do homem, uma parte de sua personalidade quer ajudar, 
uma outra, não. Se ajuda, sente-se ressentido; se não ajuda, 
sente-se culpado. Essa é uma típica armadilha neurótica da 
qual não há como sair, exceto refazendo os passos que leva­
ram até ela. Existe um conflito inconsciente semelhante por 
trás do comportamento da mulher, conflito entre seu desejo 
de um relacionamento sexual satisfatório e saudável com um 
homem e o medo desse mesmo relacionamento. Bancar a mãe 
para seu homem é uma tentativa de superar sua ansiedade 
sexual, pois isso lhe permite negar a si mesma o medo de 
entregar-se, de render-se a um homem. Agindo como mãe, 
sente-se necessária e superior.
Eis aqui mais um exemplo. Uma mulher tinha grande 
dificuldade para estabelecer um relacionamento com um 
homem. Quando encontrava alguém por quem se sentia atraí­
da, adotava uma atitude excessivamente crítica. Enxergava 
todas as fraquezas e defeitos dele, rejeitando-o. Uma vez que 
ninguém é perfeito, suas reações impossibilitavam a consoli­
dação de qualquer relacionamento. Embora dissesse que de­
sejava muitíssimo um relacionamento, parecia incapaz de 
alterar esse padrão de comportamento, mesmo depois de ele 
ter-lhe sido apontado. Não é difícil ver que sua atitude exa- 
geradamente crítica é uma defesa contra o temido perigo de 
ser ela mesma rejeitada. Protege-se, rejeitando o homem pri­
meiro. Mas saber disso também não ajuda muito. Sua respos­
ta neurótica está além de seu controle.
Para ajudá-la, devemos conhecer que forças em sua per­
sonalidade ditaram seu comportamento. Só acontecia quando 
encontrava alguém por quem se sentisse atraída. Com os 
outros o problema não ocorria, e ela podia mostrar-se amis­
tosa e descontraída. Uma vez que a dificuldade só aparecia 
quando ela nutria algum sentimento especial pela pessoa, 
podemos presumir que estivesse relacionada à sensação de 
desejar, de anelar. Ela não conseguia suportar essa sensação; 
era por demais dolorosa e, por isso, fugia da situação. Tam­
bém aí devemos descobrir o que aconteceu com essa pessoa, 
quando foi criança, para criar esse problema. Através da aná­
lise, iremos descobrir que experienciou ser rejeitada por um 
dos genitores, e essa dor foi tão avassaladora que ela precisou
22
guardá-la a sete chaves para sobreviver. Obstruiu seu cora­
ção para que não sentisse dor tão intensa e agora não ousa 
desobstruí-lo. Amar é abrir o coração, e ela tem medo de 
fazê-lo por causa da dor que isso implica. Em seu caso, o 
conflito neurótico ocorre entre seu desejo e o medo de amar.
O que torna tal conflito neurótico é a repressão que a 
pessoa executa sobre o elemento negativo. Assim, o homem 
prestativo nega seu ressentimento quando lhe pedem que o 
ajude; a mulher que banca a mãe nega seu medo de sexo, e 
a pessoa exageradamente crítica nega sua incapacidade de 
amar. Incapaz de encarar sua dor e a raiva à qual a dor dá 
surgimento, a pessoa neurótica esforça-se por superar seus 
temores, ansiedades, hostilidades e raiva. Uma parte de si 
mesma procura sobrepujar outras, o que dilacera a unidade 
do ser e destrói sua integridade. A pessoa neurótica esforça- 
se para vencer a si mesma. E, evidentemente, fracassará nessa 
empreitada. O fracasso parece significar submissão a um 
destino inaceitável, mas, na realidade, significa auto-aceita- 
ção, o que possibilita as mudanças. A maioria das pessoas da 
cultura ocidental esforça-se para ser diferente e, nessa medi­
da, é neurótica. E, uma vez que está aí uma luta que nin­
guém pode vencer, todos que nela se envolverem fracassarão. 
Paradoxalmente, através da aceitação do fracasso, tornamo- 
nos livres de nossas neuroses.
Um exemplo típico é o do homem que repetidamente 
perde dinheiro em maus investimentos ao seguir o conselho 
dos outros. É um otário, sempre acreditando em promessas 
de dinheiro rápido e fácil. Apesar de já ter saído chamuscado 
vezes sem conta para saber que essa promessa é ilusória, não 
consegue resistir à tentação. Ele age sob uma compulsão que 
é mais poderosa do que seu julgamento racional. Poderá ser 
uma compulsão de perder, pois existem pessoas aparente­
mente destinadas a ser perdedoras. Mas esse destino pode 
ser modificado se a natureza da compulsão e a sua origem 
forem cuidadosamente investigadas através da análise.
O exemplo clássico é o da mulher que, depois de divor­
ciar-se de seu primeiro marido porque ele era alcoólatra e de 
determinar que o segundo casamento será diferente, descobre 
que seu novo marido também é um beberrão. Embora não 
soubesse disso antes do casamento, es tivera cega às muitas 
indicações dessa tendência. Através da análise pode-se de­
monstrar que ela se vê atraída por homens que bebem, sen- 
tindo-se, porém, repelida quando a ingestão de álcool escapa 
ao controle. Semelhante ao homem do exemplo anterior, ela
23
não tem consciência de seus Sentimentos e motivações pro­
fundos. Essa falta de percepção é típica do caráter neurótico.
A expressão "caráter neurótico” refere-se a um padrão 
de comportamento que se baseia num conflito interno e re­
presenta medo da vida, do sexo, de ser. Reflete as primeiras 
experiências de vida da pessoa, porque ela foi formada em 
resultado de tais experiências. A mais crucial das experiên­
cias para o desenvolvimento do caráter neurótico é a edípica. 
Essa experiência central ocorre entre os três e seis anos de 
idade, quando se desenvolve a situação edipiana, a saber, o 
interesse sexual da criança pelo genitor do sexo oposto, e a 
resultante rivalidade pela pessoa do mesmo sexo. Ambos os 
pais desempenham papel ativo nessa situação triangular em 
que a criança sente-se presa, como se numa armadilha. A 
criança desenvolve um caráter neurótico como a única solu­
ção possível a uma situação que, em sua mente, está repleta 
de perigos relativos à vida e à Sanidade. Não Se pode dizer 
se o perigo é tão real quanto o crê a criança. Nenhuma crian­
ça nessa situação pode dar-se ao luxo de testar a validade 
dessa crença. Deve transigir, refreando sua paixão com a 
superação de sua sexualidade. Ilustrarei esse processo com 
os seguintes casos.
Margaret consultou-me porque estava deprimida e sen­
tia que sua vida era vazia. Era uma mulher atraente, na casa 
dos trinta e poucos anos, e enfermeira profissional. Jamais 
se casara, apesar de ter tido muitos relacionamentos com 
homens. Nenhum destes tinha sido plenamente satisfatório 
para ela. Alguns anos antes, sua depressão tinha sido tão 
grave que ameaçara suicidar-se. Suas tendências suicidas 
haviam diminuído através de tratamento psicanalítico, mas 
suas tendências depressivas continuavam. Contudo, nunca 
deixara de trabalhar. Era uma profissional dedicada, altamen­
te considerada em seu trabalho.
A nota marcante no corpo de Margaret era sua falta de 
vitalidade. Se não falasse nem se mexesse, poderia ser to­
mada por uma estátua. Seus olhos eram opacos; a voz, mo­
nótona. No entanto, de tempos em tempos, ao olhar para 
mim, seus olhos se iluminavam e seu rosto ficava mais ani­
mado. Isso nunca durava mais que alguns minutos, mas era 
uma transformação espantosa. Quando acontecia, eu notava 
que ela me olhava com sentimento. Normalmente, ela parecia 
preocupada e só tomava conhecimento de mim para comuni­
car-me seus pensamentos. Enquanto trabalhávamos, percebi 
que sua falta de vitalidade era muito profunda. Quando ela
24
arregalava bem os olhos, eles apresentavam uma expressão 
“ encovada” . Sua respiração era muito superficial e seus mo­
vimentos nunca tinham vigor.
A tarefa terapêutica era ajudar Margaret a descobrir por 
que o brilho desaparecera de seus olhos. Por que não era 
capaz de manter o brilho da vida? O que temeria inconscien­
temente? A falta de vida em Margaret era o resultado da 
autonegação e de uma atitude autodestrutiva. Na maioriadas 
pessoas, essa atitude é inconsciente. No entanto, Margaret 
tinha consciência de ser autodestrutiva. Ela disse: "Estou 
sempre tentando matar meu corpo não comendo direito, não 
dormindo o suficiente, preocupando-me com a minha apa­
rência, sendo frenética no meu trabalho. Nunca estou dispo­
nível para mim mesma, nunca consigo me divertir sozinha, 
não cuido de mim” .
Quando lhe perguntei como e por que essa atitude Se 
desenvolvera, respondeu: "Fui literalmente destruída por 
minha mãe e cdm tamanha freqüência que acabei me identi­
ficando com ela” . Anteriormente, Margaret me havia conta­
do que sua mãe costumava espancá-la regularmente. Ela 
descreveu sua mãe como uma hipocondríaca que se deitava 
num sofá e lia e se queixava o dia todo. Contudo, a mãe era 
realmente doente. Era diabética, mas Margaret disse que 
também era autodestrutiva no Sentido de não assumir res­
ponsabilidade por sua própria vida. Com cinqüenta e poucos 
anos, morreu de problemas cardíacos. "M as” , disse Margaret, 
"meu pai era igualmente autodestrutivo, trabalhava vinte 
horas por dia e nunca se permitia um tempo de lazer. Ele 
era Cristo, o mártir. Morreu de um ataque cardíaco, aos qua­
renta e poucos anos.”
E ela acrescentou: "Meu pai era um peso para mim. 
Eu sentia que precisava salvá-lo. Isso estava na minha cabe­
ça o tempo todo. Fez-me muito triste e infeliz. Nunca conse­
guia atingi-lo. Lembro-me de olhar para ele quando ele estava 
Sofrendo as conseqüências de um ataque cardíaco e seu olhar 
tinha uma expressão patética. Na verdade, era pior do que 
patético. Era o olhar do sofrimento. Ele era um sofredor. 
Preciso ajudar as pessoas” .
Não podemos entender Margaret, nem seu problema, 
Sem uma imagem da situação familiar em cujo seio foi criada. 
Compõem tal imagem como elementos de primeira linha as 
personalidades de seus pais. Sua influência sobre a filha de­
veu-se mais no seu modo de ser do que às suas ações. As 
crianças são muito sensíveis e apreendem o estado de espírito
25
dos pais, seus sentimentos e sensações, suas atitudes incons­
cientes, por assim dizer, por osmose. Isso foi bastante verda­
deiro para Margaret, principalmente por ter sido filha única. 
A influência dos pais não foi atenuada pela presença de 
outros filhos. Consideremos o seguinte:
"Minha mãe disse que meu pai era um amante brutal. 
Percebo que escolho homens que de certa maneira se asse­
melham a ele em seu sofrimento e na brutal intensidade de 
sua necessidade sexual. Não enxergo o sofrimento desses ho­
mens até o momento em que isso me entope. Então descubro 
que estou tomando conta deles, ajudando-os, e que dali não 
vai sobrar nada para mim. Essa é uma forma de eu ser auto­
destrutiva. Mas não sei se poderia gostar de uma pessoa que 
não estivesse sofrendo. Meu coração não se abriria para ela. 
O último homem com quem me envolvi tentou o suicídio. 
Tive uma longa fila de homens que precisei ajudar. Parece 
que, se eu não puder fazer o que é neurótico, não faço mais 
nada” .
Qual foi, exatamente, o relacionamento entre Margaret 
e seu pai? Ela comenta que sua mãe dizia que ela era muito 
apegada ao pai até a idade de quatro ou cinco anos. Ela não 
tem lembrança desse apego nem qualquer noção que pôs fim 
a esse sentimento. Ela só se lembra de que seu pai estava 
fora de alcance. Sentia-se próxima a ele em seu coração, mas 
não havia contato entre eles. "Era como num sonho. Ainda 
estou nesse sonho. Relaciono-me com homens nessa base. 
Construo fantasias enormes do que seria a vida com eles, 
apenas para descobrir, depois de alguns encontros, que eles 
não conseguiriam preencher meus sonhos, com toda a 
certeza” .
A partir dessa exposição, fica claro que em seus conta­
tos com homens Margaret está procurando o tipo de relacio­
namento que teve com seu pai, antes dos cinco anos. É a 
busca do paraíso perdido. Ela está tentando encontrar seu 
Xangrilá. Ela perguntou-me: "Por que estou sempre sendo 
acariciada pelos homens, nos bares? Devo passar alguma 
sensação” . Suas maneiras e sua expressão indicavam que ela 
também era uma sofredora. Da mesma forma que era atraída 
pelos sofredores, estes também eram atraídos por ela. Cada 
um esperava que o outro pudesse aliviar seu próprio sofri­
mento, mas cada um só trazia mais sofrimentos para o outro. 
Nenhum dos dois tinha alegria para oferecer.
Fica evidente, a partir disso, que Margaret sofreu uma 
perda severa com cerca de cinco anos de idade, quando o
26
relacionamento amoroso que tinha com o pai chegou ao fim. 
Sua tendência depressiva está condicionada por essa perda 1. 
Indubitavelmente, havia ocorrido uma perda anterior de 
amor em seu relacionamento com a mãe, mas essa perda pre­
coce tinha sido mitigada pelo calor de seu contato com o pai. 
Quando isso terminou, Margaret estava perdida. Sobreviveu 
devido a uma grande força de vontade, manifestada atual­
mente por um queixo duro, determinado, e um sorriso escar- 
ninho. Mas as lembranças do tempo em que se iluminava no 
calor do amor de seu pai ainda se refletem no brilho momen­
tâneo de seus olhos e rosto.
O que causou a destruição do relacionamento amoroso 
que tinha com o pai? Por que isso teve um efeito tão devas­
tador sobre sua personalidade? Margaret não tinha recorda­
ções desse período. Elas estavam completamente reprimidas. 
Contudo, havia passado por muitos e muitos anos de psica­
nálise, e estava familiarizada com o problema edipiano. Du­
rante nossa conversa a respeito desse tema, ela assinalou: 
“ Não me recordo de nenhuma sensação sexual por meu pai, 
mas durante minha análise tive um sonho em que dormia 
com ele. Depois de ter feito análise por um certo tempo, 
senti que podia ter esse sonho sem pensar que estava louca. 
Contudo, no sonho, senti que não conseguia me soltar. 
Eu realmente não conseguia curtir” .
Margaret ainda não tem prazer no sexo. Ela ainda não 
pode se soltar e ter um orgasmo. Ela usa o sexo para contato 
e intimidade. Não consegue abandonar-se a suas sensações 
sexuais porque está com medo de que elas a inundem e a 
deixem louca. Comentarei esse aspecto do medo do sexo num 
capítulo posterior. Minha intenção aqui é demonstrar a rela­
ção entre o caráter neurótico e o problema edipiano.
O que realmente aconteceu em sua família? Qual era a 
relação entre seus pais? Margaret disse: "Eu costumava fan­
tasiar, quando criança, que meus pais eram muito unidos e 
que era eu quem ficava de fora. Sentia-me isolada. Depois, 
conforme fui ficando mais velha, vi que minha mãe era soli­
tária, e meu pai também. Percebi que ela falava a respeito 
dele como se ele fosse um estranho” . Efetivamente, recor­
dou-se de uma cena em que seu pai tentava jogar sua mãe 
pela janela, mas ela não sabe por quê. Podemos imaginar. 
Como tantos outros casamentos, o relacionamento de seus
1 Veja-se em meu livro O corpo em depressão uma discussão com­
pleta das causas e do tratamento da depressão.
27
pais tinha começado no enlevo do romance e terminado na 
amargura da frustração. Esse é o terreno em que se desenvol­
ve o problema edipiano. O genitor frustrado geralmente se 
volta para o filho do sexo oposto, em busca de sintonia e 
afeição.
O sentimento que existia entre Margaret e o pai era 
muito profundo. A despeito da barreira entre eles, seu pai 
ocupava lugar de destaque em Seu coração, e ela no dele. 
Margaret disse que lhe contaram que, quando ela ganhava 
prêmios na escola e na igreja, chorava. Por que teria sido 
abortada qualquer expressão desses sentimentos? Só existe 
uma resposta. Tinham se tornado sexuais, dos dois lados. O 
perigo de incesto parecia real. O pai precisou afastar-se de 
todo contato com a filha e esta precisou ser forçada à su­
pressão de sua sexualidade, dado que isso o ameaçava.
O desejo sexual da criança por um dos genitores é uma 
expressão de sua vitalidade natural. A criança é inocente até 
que os pais projetem nela sua própria culpa sexual. Margaret 
era a ruim porque sua sexualidade era cheia de vida, livre. 
Tinha que ser extraída de seu corpo à força,o que sua mãe 
fez literalmente — com um chicote que seu pai usava para 
treinar cavalos. Ela foi forçada a negar seu corpo e a investir 
toda a sua energia nos trabalhos escolares. O pai não a pro­
tegia por se sentir culpado demais para interferir. Ela foi 
eficientemente violada, como é violado o espírito selvagem 
e livre de um cavalo, para que possa ser arreado e montado 
por um homem. Desde Eva, a mulher tem sido considerada 
como a tentação. Esse viés reflete o duplo padrão de morali­
dade, característico da cultura patriarcal. No passado, a so­
ciedade ocidental considerou necessário suprimir a Sexuali­
dade da mulher mais do que a do homem.
Podemos agora entender por que Margaret desenvolveu 
seu caráter neurótico. Não lhe foi concedida permissão de 
relacionar-se com seu pai ao nível sexual, e esse tabu passou a 
fazer parte da estrutura de sua personalidade, generalizando- 
se a todos os homens. Ela pode ser a garotinha que deseja 
ser aconchegada, ou a prestativa, compreensiva e empática 
pessoa que tentará amenizar o sofrimento de um homem. 
Uma vez que nenhuma das duas abordagens preenche Sua 
necessidade de relacionamento sexual (que é mais do que 
simplesmente praticar o sexo), ela fica deprimida. Não creio 
que ela consiga superar suas tendências depressivas enquanto 
não recuperar sua sexualidade. Tendo perdido sua sexuali­
dade, ela perdeu sua vida. Ser sexual é ter vitalidade, e ter
28
vitalidade é Ser sexual. Nos capítulos subseqüentes, demons­
trarei o que implica trabalhar na resolução desse problema.
O caso de Margaret não é único. Poderá diferir do co­
mum pela severidade dos espancamentos que recebeu, pelo 
grau de sexualidade reprimida na família e pela forma espe­
cial que assumiu seu caráter neurótico. Contudo, isso é típico 
do que acontece nas famílias modernas, a saber, sensações 
incestuosas entre pais e filhos, rivalidades, ciúmes e ameaças 
ao filho. Também é típico da maneira pela qual o problema 
edipiano modela o caráter neurótico da pessoa. Eis a seguir 
um outro caso que revela muitas semelhanças com o de Mar­
garet, apesar de tratar-se de um homem.
Robert era um arquiteto altamente bem sucedido que 
me consultou porque estava deprimido. Sua depressão fora 
causada pelo término de seu casamento. Quando lhe pergun­
tei por que a união havia fracassado, ele disse que sua esposa 
se queixava de não haver comunicação entre eles, que ele 
fugia ao contato, e que era sexualmente passivo. Ele concor­
dava com as queixas dela. Reconhecia que tinha grandes di­
ficuldades para expressar sentimentos e sensações. Subme­
tera-se anteriormente a tratamento psicanalítico, por vários 
anos. O tratamento ajudara-o em parte, mas ele ainda estava 
despreparado em termos de responsividade emocional.
Robert era um homem atraente, de quase cinqüenta 
anos. Seu corpo era bem-constituído e proporcionado, com 
feições de rosto reguläres. Quando olhei para ele, ele sorriu 
depressa demais. Senti que o contato visual direto deixava-o 
embaraçado. Examinando-o mais detidamente, percebi que 
seus olhos eram precavidos e destituídos de sentimento. O 
aspecto mais notável de seu corpo, no entanto, era sua tensão, 
sua rigidez. Sem roupa ele parecia uma estátua grega. Vesti­
do, poderia ser tomado por um manequim animado. Era tão 
controlado, que seu corpo não dava a sensação de ser vivo.
O que aconteceu na infância de Robert para que se de­
sencadeasse essa paralisação emocional? Como Margaret, 
era filho único. Sua mãe, no entanto, idolatrava o filho, des­
de pequeno. Embora seus pais não fossem ricos, ele se vestia 
com roupas muito caras, que estavam sempre em ordem e 
limpas. Ele disse que nas fotografias aparecia sempre prepa­
rado para ser um garotinho adorável. Sua pior molecagem 
era se sujar. Ia imediatamente para o banho e suas roupas 
eram trocadas. Jamais levou um tapa. A punição para even­
tuais transgressões consistia em vergonha e negação de amor.
Robert comentou que quando menino tinha a fantasia
29
de não ser filho de seus pais. Disse que eles realmente dese­
javam uma menina. Imaginava que um dia seus verdadeiros 
pais o descobririam. Esse sentimento de não pertencer surge 
sempre que existe a falta de contato emocional entre pais e 
filho. No caso de Robert, seus pais também sentiam que ele 
não lhes pertencia. Eles diziam que seu filho era diferente 
deles. Robert explicou esse sentimento pela fato de sua mãe 
e seu pai serem tão próximos que ele se sentia de fora. "Eu 
sentia que queria esmurrar a porta e dizer 'Deixem-me en­
trar’. Em outros momentos, queria fugir e encontrar minha 
família verdadeira.” Podemos nos lembrar de que Margaret 
tinha a sensação semelhante de ser uma estranha e de não 
pertencer à sua família. Posteriormente, veio a descobrir que 
a aparente proximidade de seus pais era mais farsa que rea­
lidade. Qual era a situação na família de Robert?
Robert descreveu sua mãe como uma amazona que con­
duzia cavalos selvagens com chicotes. Apesar de não ser 
bonita, de usar óculos e de socialmente sentir-se pouco à 
vontade, tinha feito um casamento esplêndido. Ele dizia que 
seu pai era bem-apessoado, encantador e muito requisitado. 
Era um vencedor, homem fadado a ser bem-sucedido. Ro­
bert admitia que sua mãe era ambiciosa. Ele disse: "Ela 
tentava projetar uma imagem de refinamento. Seus pais ti­
nham sido lavradores. Ela queria mostrar que era a melhor 
esposa para meu pai e que a união deles era o casamento 
perfeito” .
Também tentava projetar a imagem de ser a mãe per­
feita. Para realizar plenamente essa imagem, Robert tinha 
que ser o filho perfeito, o que ele procurou ser. Mas crian­
ças perfeitas ficam sujas, fazem bagunça. Para conservar o 
amor de sua mãe, Robert tinha que se tornar uma imagem, 
uma estátua ou um manequim. E, pela mesma razão, o pai 
também não era real. Quem pode ser um homem real para 
uma esposa perfeita? Robert não tinha nenhuma lembrança 
de qualquer discussão entre seus pais. Inclusive quando ain­
da criança, Robert sentia que a situação da família tinha um 
clima de irrealidade. Sentir-se vivo, em qualquer intensi­
dade, representava que não poderia ser o filho daquele casal. 
Ele só podia lhes pertencer se fosse irreal para si mesmo.
Seria um erro pensar que não houve paixões nessa fa­
mília. Robert nunca comentou a vida sexual de seus pais, 
mas eles devem ter tido algo nesse sentido. Ele nunca men­
cionou sensações sexuais que poderia ter tido quando crian­
ça, mas deve ter sentido alguma coisa. Ele havia reprimido
30
todas as recordações de Seus primeiros anos de vida. Essa 
repressão ocorreu lado a lado com a morte de seu corpo. 
A informação que me passava era quase toda de segunda 
mão. Contudo, não deixamos de ter algumas evidências da 
existência de uma situação edipiana. Robert disse que, quan­
do menino, tinha tido fantasias de conquistar a mãe e derro­
tar fragorosamente o pai. Em sua fantasia, sua mãe preferia 
a ele em detrimento do pai. Outro elemento significativo, 
como evidência, é o fato de Robert ter realmente derrotado 
seu pai fragorosamente. Ele disse: "Passei tão à sua frente 
que fiquei envergonhado disso” . Na verdade, seu pai nunca 
demonstrou ser um vencedor. Foi Robert quem se tornou o 
grande vencedor no mundo dos negócios e quem realizou as 
ambições da mãe.
Havia, entretanto, o preço dessa vitória. O preço foi 
a perda de sua potência orgástica, a saber, a capacidade de 
seu corpo entregar-se plenamente ao sexo. A sexualidade de 
Robert estava limitada a seu órgão genital; o resto de seu 
corpo não participava da excitação ou da descarga. Sua inca­
pacidade de entregar-se plenamente a suas sensações sexuais 
era devida à rigidez e à tensão de seu corpo, fatores igual­
mente responsáveis por sua morte emocional. Não merece 
discussão se sua morte emocional resultou do medo do sexo, 
ou se sua impotência orgástica foi causada pela morte emo­
cional. O problema precisava ser simultaneamente trabalhado 
em ambos os níveis, o sexual e o emocional. Em nível mais 
profundo,representavam o medo da vida.
Contudo, Robert não tinha consciência do medo do 
sexo ou da vida. O medo, enquanto emoção semelhante a 
todas as outras, fora igualmente suprimido, dentro do estado 
de morte emocional. Isso torna o problema muito difícil, 
pois tudo o que se pode mobilizar é a ausência de sentimen­
to. Por exemplo, Robert não tinha recordação de atrações 
sexuais pela mãe. Não conseguia imaginar essas sensações, 
pois considerava sua mãe como sexualmente não atraente. 
Não se lembrava de tê-la visto nua em momento algum, nem 
de ter tido qualquer curiosidade a respeito de seu corpo de 
mulher. Lembrava-se de que uma noite ele decidira colar o 
ouvido na porta do quarto dos pais, mas fora rapidamente 
descoberto e enviado de volta ao seu quarto. Não associava 
esse incidente com curiosidade sexual. Evidentemente, sua 
curiosidade fora esmagada bem cedo. Quando estava com 
tres anos de idade, tivera ocasião de ver uma menininha
31
tomando banho, mas tinha sido admoestado por estar bisbi- 
lhotando.
Não é por Robert não se lembrar de que não se pode 
assumir ter ele tido sensações sexuais quando criança. Uma 
vez que essas sensações são normais, deve-se assumir que 
foram vigorosamente suprimidas e que a sua lembrança foi 
reprimida. Esse pressuposto é apoiado pela severidade da 
tensão muscular e da rigidez corporal, que são os meios da 
supressão. Ao discutir esse problema, Robert comentou que 
interceptar os próprios sentimentos e sensações era uma ma­
nobra comum, que usava sempre que alguém o magoava. 
Ele suprimia qualquer sentimento ou sensação relativos à 
pessoa e "suprimia” a pessoa, como se ela não existisse. 
Disse que essa fora a tática usada contra ele pela mãe e, 
por sua vez, ele a usava contra ela. Na minha opinião, mãe 
e filho estavam às voltas com uma luta pelo poder em que 
os meios de controle eram a sedução e a rejeição. Sua mãe 
o "paparicava” , vestindo-o como um "pequeno Lorde Faun- 
tleroy” , para usar suas palavras, mas também o "suprimia” 
quando ele não fazia o que ela desejava. Ele fazia o que ela 
exigia, mas também a rejeitava sexualmente.
Existe um outro aspecto do problema de Robert. Sua 
rigidez corporal deve ser interpretada como sinal de que se 
paralisava de medo. Trabalhei com ele tempo suficiente para 
saber que isso era verdade. Mas ele não o sentia. Evidente­
mente, estando morto no plano emocional, ele não poderia 
mesmo sentir muito. Não obstante, era necessário descobrir 
de quem tinha tanto medo, e por quê.
Robert disse que fora criado como o pequeno Lorde 
Fauntleroy. Eu o via como um príncipe. Sua mãe assumiu 
o papel da rainha. A situação exigiria que seu pai fosse o 
rei, mas este não desempenhou tal papel. Ao invés de pairar 
nos píncaros, empurrou seu filho para essa posição. O filho 
deveria atingir o que ele não conseguia. O príncipe deveria 
tomar seu lugar, tornando-se rei. Porém, embora o pai pu­
desse realmente desejar que o filho fosse bem-sucedido, era 
natural também que se sentisse ressentido e zangado pelo 
fato de ter sido deslocado da posição de destaque, rebaixado 
de nível. Quando dois machos competem pela mesma fêmea, 
a luta pode ser mortal. Mas o filho não é um desafio à 
altura para o pai e fica aterrorizado de pensar em enfrentar 
um verdadeiro desafio. Deve recuar, admitir a derrota, de­
sistir de seu desejo sexual pela mãe. Aceita a castração
32
psicológica e, desse modo, afasta-se do papel de competidor 
e de ameaça ao pai.
A situação edípica está então resolvida. O menino pode 
crescer e conquistar o mundo, mas, no nível sexual, ainda 
permanece um menino. Robert tinha consciência de que, 
num certo nível de sua personalidade, ainda se sentia ima­
turo, não plenamente homem. Emocionalmente, permanecia 
príncipe.
Num capítulo subseqüente, discutirei o tratamento do 
problema edipiano. Primeiro, precisamos compreendê-lo tan­
to como fenômeno cultural, quanto na qualidade de resul­
tado da dinâmica familiar. Na próxima seção, abordaremos 
com alguns detalhes a lenda do Édipo para ver o grau de 
proximidade desses casos com o mito.
A lenda de Édipo
Édipo era um príncipe, filho de Laio, rei de Tebas. 
Quando nasceu, seu pai consultou um oráculo, em Delfos, 
para saber do futuro de seu filho. Foi-lhe informado que 
quando o menino crescesse mataria o pai e se casaria com 
a mãe. A fim de evitar essa calamidade, Laio fez com que 
seu filho fosse amarrado numa estaca, no campo, para morrer 
à míngua. Édipo foi salvo por um pastor que dele se apie- 
dou e o levou para Corinto, onde foi adotado por Políbio, 
rei da cidade; este o criou como se fosse seu próprio filho. 
Uma vez que seu pé tinha inflamado depois de ter ficado 
amarrado na estaca, recebeu o nome de Édipo, que significa 
“pé inchado” .
Quando Édipo cresceu e se tornou homem feito, tam­
bém consultou o oráculo de Delfos para saber de seu desti­
no. E foi informado de que mataria seu pai e se casaria com 
a mãe. Uma vez que acreditava ser Políbio seu pai, Édipo 
decidiu evitar esse destino previsto pelo oráculo, deixando 
Corinto para buscar fortuna em outro lugar. No caminho 
que levava à Beócia, foi insolentemente abordado por um 
viajante que lhe ordenou sair de seu caminho. Seguiu-se 
uma discussão, durante a qual Édipo atacou o homem com 
seu cajado, matando-o. Desconhecendo a identidade de sua 
vitima, Édipo prosseguiu até Tebas. Ao chegar ali, soube
33
que a cidade estava sendo aterrorizada pela Esfinge, um 
estranho monstro com cara de mulher, corpo de leão e asas 
de pássaro. A Esfinge apresentava uma charada para todo 
viajante que apanhasse. Aqueles que não conseguiam deci­
frá-la eram devorados.
Creonte, governador da cidade após a morte de seu 
irmão Laio, prometera a coroa e a mão da rainha viúva, 
Jocasta, àquele que libertasse a cidade das investidas mortí­
feras do monstro. Édipo aceitou o desafio e confrontou a 
Esfinge. À pergunta "Que animal anda de quatro patas de 
manhã, duas ao meio dia e três à noite?” , Édipo respon­
deu: "O homem” . Durante seu primeiro ano de vida, enga- 
' tinha de quatro, na maturidade anda sobre suas duas pernas 
e à noite, em sua velhice, usa uma bengala para apoiar-se, 
ao andar. Quando a Esfinge ouviu essa resposta, lançou-se 
no mar e morreu afogada. Édipo retornou a Tebas, casou-se 
com a rainha e governou a cidade por mais de vinte anos. 
Dessa união nasceram dois filhos, Etéocles e Polinices, e 
duas filhas, Antígona e Ismênia. Foi próspero o reinado 
de Édipo em Tebas e ele era homenageado como soberano 
justo e dedicado.
Na mitologia grega, existe com freqüência alguma tra­
gédia na vida do herói. Por exemplo, tanto Hércules, o 
grande destruidor de monstros, quanto Teseu, que assassi­
nou o Minotauro, pereceram tragicamente. Dentre outros, 
Erictonio, que, enquanto rei de Atenas, introduziu a adora­
ção de Atena e o uso da prata, foi morto por um raio desfe­
chado por Zeus. O feito do herói, apoiado por um deus, 
ofende a outro. Sua proeza super-humana faz com que pa­
reça ser divino. Os deuses são notoriamente ciumentos. O 
herói deve pagar um preço por sua insolência, pois, afinal 
de contas, é um mortal.
Édipo é considerado um herói por ter derrotado a Es­
finge. As Erínias, como se chamava o destino, estavam 
aguardando, sorrateiras. Uma praga terrível devastou a ci­
dade de Tebas. Houve seca e fome. Quando se consultou o 
oráculo de Delfos, ele informou que as desgraças não cessa­
riam enquanto o assassino de Laio não fosse descoberto e 
expurgado da cidade. Édipo jurou descobrir o culpado. Para 
sua surpresa, suas investigações revelaram que ele era o 
culpado. Ele matara seu pai na estrada para Tebas e, invo­
luntariamente, casara-se com sua mãe.
Transpassada de vergonha, Jocasta se enforcou. Édipo 
cegou a si mesmo. Depois, acompanhado por Antígona, sua
34
fiel filha, deixou Tebas e tornou-se andarilho. Após muitos 
anos, descobriu finalmente um refúgio na cidade de Colona, 
próxima a Atenas. Lá, reconciliado com seu destino e puri­
ficado de seus crimes, desapareceumisteriosamente da Terra. 
Fica implícito que foi levado para a morada dos deuses, 
como cabe a um herói grego. Na qualidade de último asilo 
de Édipo, Colona tornou-se um lugar sagrado.
A lenda relata o fim dessa desgraçada família. Os dois 
filhos de Édipo tinham concordado em alternar-se no gover­
no do reino.
Mas, quando chegou o momento de Etéocles passar o 
poder para o irmão, ele se recusou a cumprir o acordo. Poli- 
nices reuniu um exército de egeus e sitiou Tebas. No decur­
so da batalha, os dois irmãos assassinaram um ao outro. 
Creonte, que se tornou então o governador da cidade, decre­
tou que Polinices fosse tratado como traidor e que seu 
corpo fosse deixado ao léu, desenterrado. Antígona desafiou 
o decreto, movida pelo amor fraternal, enterrando-o com 
honras. Por sua desobediência foi condenada a ser enterrada 
viva. Sua irmã Ismênia teve o mesmo destino.
Considerando novamente os casos de Margaret e Ro­
bert, podemos ver que suas vidas não têm paralelo com a 
história de Édipo. Nenhum dos dois foi culpado dos crimes 
de incesto e assassinato do genitor, apesar do fato de ambos 
estarem envolvidos em situações edipianas, durante sua me­
ninice. Como evitaram o destino de Édipo é explicado por 
Freud, a primeira pessoa a reconhecer a importância da si­
tuação edipiana e o significado da história de Édipo, para o 
homem moderno. Na seção seguinte, examinaremos a visão 
psicanalítica do desenvolvimento do complexo de Édipo.
Complexo de Édipo
Freud foi atraído pela história de Édipo porque acre­
ditava que os dois crimes dessa personagem, matar o pai e 
casar-se com a mãe, coincidem com os "dois desejos primais 
das crianças, que, insuficientemente reprimidos ou então rea- 
ümentados, formam, talvez, o núcleo de toda a psiconeuro- 
se” 1. Esse núcleo tornou-se conhecido como "complexo de
1 S. Freude Totem e tabu, W.w. Norton & Co., Nova York.
35
Édipo” . Anteriormente, Freud tinha escrito: "Pode ser que 
estejamos todos fadados a dirigir nossos primeiros impulsos 
sexuais para nossas mães e nossos primeiros impulsos de 
ódio e violência contra nossos pais; nossos sonhos conven­
cem-nos de que isso é verdade” *. Se fosse assim, então o 
destino de Édipo seria o destino comum de toda a humani­
dade. Freud admitia essa possibilidade, pois dizia: "O des­
tino dele nos mobiliza porque poderia ter sido o nosso 
também, já que o oráculo rogou contra nós a mesma praga 
que infernizou a vida dele” 2.
Segundo o pensamento psicanalítico, considerava-se que 
todas as crianças passam por um período edípico, entre os 
três e sete anos, aproximadamente. Nessa fase, precisam en­
frentar sentimentos e sensações de atração sexual pelo geni­
tor do sexo oposto, além de ciúme, medo e hostilidade em 
relação ao genitor do mesmo sexo. O complexo também 
inclui montantes diversos de culpa associada a esses senti­
mentos. Otto Fenichel diz: "Em ambos os sexos, o complexo 
de Édipo pode ser chamado de clímax da sexualidade infan­
til, o desenvolvimento erógeno desde o erotismo oral, pas­
sando pelo erotismo anal, até a genitalidade” 3.
Em termos deste nosso estudo, é importante compreen­
der o que significa sexualidade infantil e como difere da 
forma adulta. O termo "sexualidade infantil” refere-se, na 
realidade, a todas as manifestações Sexuais, do nascimento 
até a idade de seis anos, mais ou menos. O prazer erótico 
que um bebê tem com a amamentação ou chupando um dedo 
é considerado de natureza sexual. Entre as idades de três e 
cinco anos, a sexualidade infantil começa a se focalizar nos 
genitais. No quinto ano de vida, de acordo com Freud, no 
auge do desenvolvimento da sexualidade infantil, o foco 
torna-se próximo ao que é atingido na maturidade. A dife­
rença entre a sexualidade da criança e do adulto é que faltam 
à primeira os elementos da penetração e da ejaculação, os 
aspectos reprodutivos da sexualidade. A sexualidade infantil, 
portanto, é um fenômeno superficial. Freud descreveu-a 
como fálica, ao invés de genital. Essa distinção é válida se 
admitirmos que "fálico” refere-se a um aumento de excita-
1 S. Freud, "The in/erpre/a/ion of dreams”, in Basic writings of 
Sigmund Freud, Random House, Modern Library Ed., 1938, p. 308, 
Nova York.
2 Ibid., P. 308.
3 Otto Fenichel, The psychoanalytic theory of neurosis, w. W. Nor­
ton & Co., 1945, p. 91, Nova York.
36
ção, mais do que a descargas. A sexualidade adulta enfatiza 
este último elemento. Contudo, as sensações e sentimentos 
associados à sexualidade infantil dificilmente podem ser dis- 
tinguidos dos que estão relacionados à forma adulta.
Embora o complexo de Édipo seja considerado um 
desenvolvimento normal para todas as crianças de nossa cul­
tura, isso não significa que seja determinado biologicamente. 
Devemos distinguir dois fenômenos diferentes. Um é o flo­
rescimento preliminar da sexualidade, que ocorre nessa época 
e que se manifesta em atividades masturbatórias e numa 
acentuada curiosidade acerca do sexo. Está também presente 
no interesse sexual da criança pelo genitor do sexo oposto. 
As evidências desse florescimento preliminar aparecem nos 
sonhos e nas recordações dos pais. Podem ser também con­
firmadas por um pai ou mãe observadores, pois as crianças 
não fazem esforço para ocultar seus sentimentos e sensações 
sexuais. Além disso, a pesquisa médica tem demonstrado 
que existe uma maior produção de hormônios sexuais du­
rante esse período. Esse primeiro desabrochar da sexualidade 
é em geral seguido de um período de aquietamento, período 
de latência, que prossegue até a puberdade, quando então 
tanto a atividade hormonal quanto a sexual começam a assu­
mir sua forma adulta. Outro fenômeno biológico ocorre 
paralelamente a esse duplo desabrochar da sexualidade: o 
desenvolvimento dos dentes. Temos dois conjuntos de den­
tes; o primeiro, de dentes-de-leite, chega ao seu ponto máxi­
mo em torno dos seis ou sete anos, quando começam a cair 
e são substituídos pelos dentes permanentes. É também por 
essa época, seis anos de idade, que a maioria das crianças 
começa sua educação formal.
O outro fenômeno é a criação de um triângulo em que 
a mãe é um objeto sexual para o pai e para o filho, ou o 
pai, um objeto sexual para a mãe e a filha. Quando isso 
acontece, como invariavelmente observamos em nossa cul­
tura, temos que lidar com o ciúme e a hostilidade de um 
genitor pelo filho. Pode ser muito natural que o menino 
sinta um certo ciúme da relação sexual entre seu pai e sua 
mãe. Esse ciúme de modo algum ameaça o pai. Mas a his­
tória é muito diferente quando é o pai que se torna ciumen­
to do filho porque pressente que sua esposa favorece ou 
prefere o filho homem. Essa situação está repleta de perigos 
reais para a criança. Da mesma forma, o ciúme da mãe pela 
filha representa uma ameaça grave para a menina. Esse as­
pecto do complexo de Édipo é determinado culturalmente.
37
Nesse sentido, segundo Fenichel, "o complexo de Édipo é 
sem dúvida um produto da influência familiar” 1. Portanto, 
sua forma específica dependerá da dinâmica da situação 
familiar.
Outro elemento, a saber, a culpa sexual, também entra 
nesse complexo. Embora todos os interessados estejam no 
mesmo triângulo, a criança é levada a sentir-se culpada por 
seus comportamentos, sentimentos e sensações sexuais. A 
criança age inocentemente, seguindo seus impulsos instinti­
vos, mas aos olhos dos pais qualquer manifestação sexual 
por parte da criança é "m á” , "su ja” , "pecaminosa” . Os pais 
projetam sua culpa sexual no filho. Assim, o complexo de 
Édipo da criança geralmente reflete os conflitos edipianos 
de seus pais, ainda não resolvidos. O sentimento de culpa 
do filho a respeito de sua sexualidade deriva menos do que 
dizem ou fazem e mais, como o assinala Fenichel, "da ati­
tude geral dos pais com respeito ao sexo, que lhe é cons­
tantemente demonstrada pelos mesmos, com ou sem conhe­
cimento destes” 2.
Mas essa afirmação só localiza o problema na geração 
precedente. Para entender como essa culpa Surgiu pela pri­
meiravez, devemos estudar a origem daquelas forças cul­
turais que criaram a situação edípica. Em capítulo subse­
qüente, empreenderemos esse estudo analisando a mitologia 
e a história da Grécia antiga. Podemos antecipar o resultado 
dessa investigação dizendo que o medo e a hostilidade entre 
pais e filhos, bem como a culpa sexual, são resultado da 
mudança do princípio de relacionamento matriarcal para o 
patriarcal. Essa mudança se deu no início da civilização, 
quando a humanidade conquistou a natureza pelo poder. A 
conquista do poder levou a uma luta pelo poder que prosse­
gue ainda hoje, em todas as sociedades "civilizadas” .
Por fim, o complexo inclui também um ódio assassino 
por parte da criança, em relação ao genitor do mesmo sexo.
O filho que quer matar o pai, mas tem mais medo de ser 
morto por este. Devido ao medo intenso, a raiva é suprimida 
e só emerge em desejos de morte contra o genitor, ou como 
medo de que ele morra ou seja morto num acidente. No 
final, a criança é levada a sentir-se culpada por sua hostili­
dade em relação ao genitor.
1 Ibid., p. 97
2 Ibid., p. 95.
38
A postura freudiana tem sido a de que a raiva e a hos­
tilidade da criança contra o genitor estão diretamente rela­
cionadas e associadas a seus desejos incestuosos. Assim, es­
creve Erik Erickson: "O s desejos ‘edipianos’ expressos (com 
tanta simplicidade e confiança pela certeza do menino de 
que se casará com a mãe e a fará sentir-se orgulhosa dele, 
e pela certeza da menina de que se casará com o pai e to­
mará conta dele muito melhor) levam a fantasias secretas e 
vagas de assassinato e estupro. A conseqüência é uma pro­
funda sensação de culpa, sensação estranha porque implicará 
para sempre que a pessoa cometeu um crime que, afinal de 
contas, não foi cometido e que teria sido biologicamente 
bastante impossível. Essa culpa secreta, contudo, ajuda a 
dirigir todo o peso da iniciativa para ideais desejáveis e para 
objetivos práticos imediatos” 1. Essa colocação defende a 
idéia de que o complexo de Édipo não é biologicamente 
determinado como fator essencial ao contínuo progresso da 
cultura. Não parece estranho que sentimentos e sensações 
tão adoráveis por parte de uma criança, em relação a seu 
genitor, possam levar a "fantasias secretas e vagas de assassi­
nato e estupro” ? Parece-me mais lógico adotar o seguinte 
raciocínio: só depois de a criança ser levada a sentir-se cul­
pada a respeito de seus desejos incestuosos é que as fan­
tasias secretas de assassinato e estupro emergem.
Essa era também a visão de meu professor, Wilhelm 
Reich. Em seu estudo, Der triebhafte Charakter (O caráter 
impulsivo), publicado em 1925, quando ainda era membro 
do movimento psicanalítico, escreve: "A fase edípica está 
entre as mais significativas da experiência humana. Sem 
exceção, seus conflitos encontram-se no cerne de toda a neu­
rose e mobilizam poderosos sentimentos de culpa. . . Esses 
sentimentos de culpa desenvolvem-se com intensidade par­
ticular e tornam-se atitudes de ódio, que faz parte integrante 
do complexo de Édipo” 2. Observe-se que o ódio é derivado 
da culpa e não o contrário. Reich também tinha uma visão 
diferente do valor dos sentimentos de culpa. Erickson con­
siderava-os como motores do progresso cultural. Para Reich, 
decorriam de uma educação familiar repressora do sexo cuja
1 Erik Erickson, Childhood and society, W. W. Norton & Co., 1950, 
P• 86, Nova York.
2 Wilhelm Reich, The impulsive character, trad. de Barbara G. 
Koopman, New American Library, 1974, p. 17, Nova York.
39
função é “ consolidar os fundamentos de uma cultura autori­
tária e da escravidão econômica” l.
Depois de delinearmos o complexo de Édipo, estamos 
interessados em saber qual é seu destino sobre a personali­
dade. Como são resolvidos os conflitos nele contidos? Se 
fosse simplesmente uma questão dos sentimentos e sensações 
sexuais de uma criança por seu pai ou mãe, estes por serem 
de natureza infantil, seriam superados durante o crescimento 
natural. Criança alguma fica com seus dentes-de-leite para 
sempre. Eles são forçados a cair pelos dentes permanentes, 
quando estes emergem. Deveria ocorrer o mesmo com as 
sensações sexuais infantis. Com a consolidação da sexuali­
dade madura na puberdade, o jovem dirigiria suas sensações 
sexuais para objetos fora de sua família. Infelizmente, em 
nossa cultura, esse desenvolvimento natural não ocorre sem 
distúrbios. As sensações sexuais infantis estão por demais 
mescladas aos sentimentos de culpa, medo e ódio para que 
possa ocorrer uma resolução tão simples. O complexo todo 
é reprimido.
A repressão do complexo de Édipo acontece sob a 
ameaça da castração. Nesse aspecto, tanto Freud quanto 
Reich estão de acordo. O menino desiste de esforçar-se para 
se aproximar sexualmente da mãe e desiste da hostilidade 
pelo pai, devido ao medo da castração. Freud diz especifica­
mente que “ o complexo de Édipo do menino sucumbe à 
terrível ameaça da castração” 2. A criança teme que seu pênis 
venha a ser cortado ou eliminado. Quando as crianças são 
ameaçadas de punição por se masturbarem, essa ameaça aos 
genitais, em geral, é explicitamente declarada. Mas, mesmo 
quando nenhum dos genitores faz uma ameaça tão aberta,
0 medo da castração não está ausente. O menino tem cons­
ciência de que está competindo com seu pai e pode sentir 
sua hostilidade. Uma vez que o pênis é o órgão ofensor, 
nada mais natural do que presumir que será lesionado ou 
suprimido. A castração humana foi praticada no passado. As 
pessoas perdiam as mãos se roubassem. Não é difícil enten­
der por que os meninos desenvolvem essa imagem da puni­
ção ameaçada. Muitas pessoas têm típicos sonhos de ansie­
dade a respeito dessa possibilidade. Um de meus pacientes 
relatou um desses sonhos de sua juventude. Sonhou que seu
1 Wilhelm Reich, The function of orgasm, The Orgone Ins/i/ute 
Press, 1942, p. 20, Nova York.
2 Sigmund Freud, "The passing of the Oedipus complex”, 1924, in 
Collected Papers, vol. II, Hogarth Press, 1953, p. 276, Londres.
40
pênis tinha se alongado, passado pela janela, descido pela 
frente do edifício, cruzado a rua e subido pela frente de 
outro edifício ao lado oposto para penetrar por uma janela. 
Nessa rua havia os trilhos de um bonde. No exato momento 
em que seu pênis estava prestes a entrar pela janela, ele 
ouviu o ruído metálico de um bonde que se aproximava. 
Ele estava tentando recolher Seu pênis rapidamente de volta 
para seu quarto, antes que o bonde passasse por cima, 
quando acordou.
Eu poderia propor uma outra hipótese para explicar 
por que todos os meus pacientes têm medo de castração. 
Qualquer hostilidade dirigida contra um filho, devida à sua 
sexualidade, por um genitor, produzirá no soalho pélvico da 
criança uma retração para cima e uma contração. A hostili­
dade causará esse efeito, mesmo que assuma a forma de um 
olhar de ódio. E, enquanto a criança estiver assustada em 
relação ao pai, a tensão do soalho pélvico permanecerá. Uma 
vez que tensão e medo são equivalentes, a contração do 
soalho pélvico está associada ao medo de prejudicar os geni- 
tais. A pessoa não terá consciência do medo se não estiver 
consciente da tensão. Nesse caso, o temor da castração pode 
ser expresso em sonhos ou lapsos lingüísticos. Contudo, o 
uso de técnicas corporais que ajudem a pessoa a ficar cons­
ciente da tensão, freqüentemente, traz esse medo à cons­
ciência.
Minhas pacientes do sexo feminino também sofrem de 
um temor da castração, experimentado com medo de lesão 
da área genital. No entanto, na maioria dos casos, esse medo 
não é consciente e poderá exigir um considerável trabalho 
analítico e corporal antes que a pessoa se permita sentir esse 
medo. Em geral, é mais fácil para o paciente experimentar 
a hostilidade de um genitor como ameaça à vida. Tais amea­
ças, devido ao medo que evocam, funcionam como ameaças 
de castração. Além disso, as meninas envergonham-se e sen­
tem-se humilhadas com quaisquer expressões ostensivas de 
sentimentos e sensações sexuais,especialmente se dirigidas 
ao pai. Já que o medo da humilhação produz uma supressão 
da sexualidade, age como uma ameaça de castração.
A arma mais eficiente que um pai ou uma mãe têm 
para controlar seu filho é a retirada do amor ou a ameaça 
disso. Uma criancinha entre três e seis anos depende excessi­
vamente do amor e da aprovação dos pais para resistir a 
essa pressão. Como vimos anteriormente, a mãe de Robert 
controlava-o "suprimindo-o” . A mãe de Margaret batia na
41
filha para obter sua submissão, mas foi a perda do amor do 
pai a força devastadora. Sejam quais forem os meios empre­
gados pelos pais, o resultado é que a criança vê-se forçada 
a desistir de seus anseios instintivos, a suprimir seu desejo 
sexual por um dos genitores e a hostilidade dirigida contra 
o outro. No lugar desses sentimentos, desenvolverá senti­
mento de culpa por sua sexualidade e medo das figuras de 
autoridade. Essa rendição constitui a aceitação do poder e 
da autoridade parentais e uma submissão aos valores e exi­
gências dos pais. A criança torna-se "boa” , o que quer dizer 
que abandona seu vetor sexual em favor de um vetor de 
realizações. A autoridade dos pais é introjetada na forma de 
superego, assegurando que a criança obedecerá aos desejos 
dos genitores, dentro do processo de aculturação. Na reali­
dade, a criança passa então a identificar-se com o genitor 
ameaçador. Freud diz: "Por um lado, o processo todo pre­
serva o órgão genital, protege-o do perigo de ser eliminado; 
por outro lado, paralisa-o, retira dele sua função” 1.
A supressão eficaz dos sentimentos e sensações associa­
dos ao complexo de Édipo conduz ao desenvolvimento do 
superego. Como vimos, essa é uma função psíquica que re­
presenta as proibições parentais internalizadas. Embora esse 
processo psíquico tenha sido adequadamente descrito na lite­
ratura psicanalítica, pouco tem sido escrito sobre o fato de 
que essa supressão de sentimentos e sensações acontece no 
corpo. O mecanismo para essa supressão é o desenvolvimen­
to de tensões musculares crônicas, que bloqueiam os movi­
mentos que iriam expressar tais sentimentos e sensações. Se, 
por exemplo, uma pessoa quer suprimir um impulso de cho­
rar porque tem vergonha de chorar, tensionará os músculos 
da garganta para impedir que os soluços sejam expressos. 
Poderíamos dizer que o impulso foi sufocado ou que a pes­
soa engoliu as lágrimas. Nesse caso, a pessoa tem consciência 
do sentimento de tristeza ou da vontade de chorar. Contudo, 
se o não chorar tornar-se parte do modo de ser da pessoa, 
quer dizer, parte de seu caráter (só bebês choram), então as 
tensões dos músculos de sua garganta ganham uma quali­
dade crônica e passam para o nível da inconsciência. Uma 
pessoa dessas pode vangloriar-se de que não chora quando é 
magoada, mas o fato é que não conseguiria chorar mesmo 
que o desejasse, porque a inibição tornou-se estruturada em 
seu corpo e está agora fora do controle consciente. A incapa-
1 Ibid., p. 273.
42
cidade para chorar é comumente encontrada nos homens que 
se queixam de falta de sentimentos ou sensações. A pessoa 
talvez esteja deprimida e reconheça que está infeliz, mas não 
consegue expressar sua tristeza.
Um mecanismo semelhante funciona na supressão de 
sentimentos e sensações tanto sexuais quanto de outra na­
tureza. Encolhendo a barriga para dentro, retraindo o soalho 
pélvico para cima e imobilizando a pelve, a pessoa consegue 
reduzir o fluxo de sangue para os órgãos genitais e bloquear 
os movimentos sexuais naturais da pelve. Primeiramente, 
isso é feito com consciência, tensionando os músculos apro­
priados. Mas, com o tempo, a tensão passa a ser crônica e 
sai da esfera da consciência. Em certos casos, a tensão é tão 
severa que a pessoa não tem consciência de quaisquer sensa­
ções sexuais. Tenho em terapia uma paciente que é incapaz 
de ter qualquer desejo sexual, apesar de querê-lo muito. Em 
outros casos, o efeito da tensão é reduzir o montante de 
sensações sexuais que a pessoa pode experimentar. Nessas 
pessoas, podemos encontrar as proibições do superego con­
tra sentir e expressar desejos sexuais. Os determinantes 
psíquicos e somáticos do comportamento são funcionalmente 
idênticos. Mas, sem uma atuação sobre o componente somá­
tico, não se pode modificar eficientemente o caráter.
Em termos gerais, a sensação é a percepção do movi­
mento. Se a pessoa mantiver seu braço absolutamente imóvel 
por cinco minutos, perderá a sensibilidade do braço. Não 
sentirá mais que tem braço. O leitor poderá experimentar a 
perda da sensação, deixando que seu braço fique pendurado 
ao lado do corpo, completamente imóvel, durante cerca de 
cinco minutos. Acontece o mesmo se você põe um chapéu; 
observe como você tem, por alguns minutos, consciência de 
estar de chapéu; mas, se ele não se mexer, essa percepção 
desaparece e você se esquece do chapéu. Mas nem todos os 
movimentos provocam sensação. A percepção é necessária. 
Se a pessoa se mexe durante o sono, não há sensação. Mas, 
sem movimento, nada há para ser percebido. Uma vez que 
a supressão de sensações é conquistada por tensões muscula­
res crônicas que imobilizam o corpo, é impossível à pessoa 
perceber uma sensação suprimida. Ela poderá pela lógica 
saber que sensações são suprimidas, mas não conseguirá 
Senti-las, nem percebê-las. Pelo mesmo motivo, o caráter 
estruturado no corpo como tensão crônica geralmente está ' 
fora de percepção consciente da pessoa.
Um observador pode notar as tensões e, se tiver treino
43
para tanto, poderá interpretá-las para compreender a pessoa 
e sua história. O comentário habitual "os outros nos vêem 
diferentes de como nós nos vemos” é verdadeiro, pois nossos 
olhos estão voltados para dentro. "Vemo-nos” subjetiva­
mente, quer dizer, através das sensações, enquanto os outros 
nos vêem objetivamente, através da visão. Assim, um obser­
vador pode ver pelo modo como nos colocamos (lábio su­
perior contraído, queixo protuberante, garganta tensa) que 
não podemos nos permitir uma entrega ao choro. Sentimos 
apenas que não temos vontade de chorar. A mesma coisa 
acontece em termos de sexualidade. A maneira como nos 
colocamos expressa nossa relação com a sexualidade. Se a 
pelve está inclinada para trás, mas solta e com movimento 
de balanço, isso denota uma forte identificação da pessoa 
com a própria sexualidade. Se estiver empinada para a fren­
te (rabo entre as pernas) e mantida com rigidez, expressa a 
atitude oposta. Somos nossos corpos e eles revelam quem 
somos.
Tanto Freud quanto Fenichel acreditavam que a neuro­
se resultava de uma repressão inadequada do complexo de 
Édipo. Supunha-se que a sua persistência fixasse a pessoa 
num nível infantil do desenvolvimento sexual. Estamos acos­
tumados a ver homens que moram na casa paterna, com a 
mãe, e que não são casados nem levam uma vida sexual 
regular. Sua vida parece realmente ter uma qualidade infan­
til. A maioria das pessoas percebe o relacionamento inces­
tuoso entre mãe e filho, exceto as duas pessoas em questão. 
O homem nega enfaticamente que tenha qualquer tipo de 
sensação ou de interesse sexual pela mãe. Eu acredito nele. 
Ele suprimiu todo desejo sexual por ela e teve êxito total 
na repressão de lembranças de sensações que porventura 
algum dia tivesse tido. Sua culpa não lhe permitiria perma­
necer nessa situação se tivesse a menor consciência de atra­
ções sexuais pela própria mãe. Está "amarrado” nela, não 
por causa de uma repressão inadequada, mas porque a re­
pressão foi severa demais. Não lhe restou sensação sexual 
alguma com a qual sair para o mundo como homem. Uma 
supressão tão severa de sensações sexuais só pode ser expli­
cada presumindo-se que houve uma ligação incestuosa igual­
mente intensa, durante o período edipiano.
A repressão do complexo de Édipo permite à criança 
avançar para o período de latência. Teoricamente, isso lhe 
permite investir suas energias no mundo exterior, mas, como 
acabamos de ver, se a repressão for severa, essa saída é
44
muito limitada.

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