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A MÍDIA COMO ALIADA NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA POLÍTICA CRIMINAL
Fernanda Deslandes¹
Sônia de Oliveira²
RESUMO
A mídia é vista como formadora de opinião pública contrária à Criminologia Crítica. Especialistas do Direito constantemente ressaltam o quanto o Jornalismo Policial incentiva a população a acreditar na pena como única saída e no crime como uma crescente paranoia. Há alguma maneira de que a mídia se torne aliada na construção de uma nova política criminal, necessária para mudar o atual quadro social da violência? Este trabalho pretende analisar a estrutura de atuação do Jornalismo Policial e sugerir uma nova abordagem do crime que seja capaz de incentivar a população a refletir mais sobre o assunto. Uma abordagem que possa falar sobre a violência de forma mais ampla, e não apenas noticiar o fato do crime. O ciclo formado pela opinião pública que alimenta o Jornalismo Policial, e a produção de notícias que abastece a população de informação, poderá mudar o foco. Com a disseminação do pensamento crítico, mais pessoas estarão aptas a exercitarem a cidadania e estimular as autoridades para a formulação de mudanças nas leis, nos programas sociais e no sistema penal.
Palavras-chave: Criminologia. Política Criminal. Jornalismo Policial. Opinião Pública.
1 INTRODUÇÃO
Os veículos de comunicação também são empresas no universo capitalista. Dependem de lucro para sobreviver. Dessa maneira, o jornalismo torna-se um produto que precisa angariar bastante audiência, que renda bons anúncios, para manter toda a estrutura funcionando. Na hora de escolher cada detalhe deste produto, portanto, a opinião pública é levada em consideração – afinal, é do público que vem a audiência. 
É uma via de mão dupla. O público, além de importante para compor a audiência, também busca diariamente os meios de comunicação preferidos sugerindo reportagens ou pedindo ajuda. Muitas pessoas em situação de abandono dos poderes públicos vêem na mídia a única solução para problemas que vão desde uma briga com os vizinhos até a aquisição de uma cadeira de rodas, a localização de um familiar desaparecido, um apelo pela identificação do assassino de um ente querido ou pela localização de um objeto roubado.
Portanto há comunicação, sim, constantemente, entre o público e o jornalista. Isso também acontece quando, depois de uma matéria, o apresentador abre espaço no rádio e televisão para ler opiniões mandadas por expectadores, ou quando os jornais impressos publicam em uma página específica as opiniões dos leitores sobre os vários temas abordados na edição anterior.
O pauteiro é a figura dentro das redações que recebe essa infinidade de pedidos da população e também monitora o que acontece em todos os setores, para definir o que será produzido pela equipe de reportagem. É quem define o que será notícia, e é essa definição de notícia (principalmente quando a informação é relacionada à violência) que causa controvérsias entre os pesquisadores do Direito e os da Comunicação Social.
Muitas vezes, atendendo aos pedidos do público ou aos próprios anseios de audiência, emissoras insistem em um único assunto. Criam programas específicos para este tema ou repetem o tema em vários espaços diferentes. Já há alguns anos o assunto mais falado, mais pedido pelo público, como lembram autores como CONTRERA (2002, p.94), é a violência. Todos querem saber os detalhes daquela tragédia. Todos querem ser ouvidos para pedir o que consideram ser justiça – e na maioria das vezes, para o povo, a justiça é o mesmo que o cárcere ou a morte.
Para mostrar “um mundo pior do que é”, como afirma NOBLAT (2003) e com afirmações semelhantes de CARDOSO (2011) e BOLDT (2013), os jornalistas estariam, então, inventando notícias? Os autores argumentam que as notícias do segmento policial, por exemplo, aumentaram enquanto fontes oficiais relataram a diminuição dos índices de violência. Qual interesse a mídia teria em arriscar a credibilidade que mantém sua audiência (e, consequentemente, sua sobrevivência) divulgando fatos inverídicos?
Para uma matéria ser publicada, testemunhas do fato são ouvidas e todo jornalista preza por ouvir todos os lados de uma história. Os fatos noticiados não deixam de ser reais porque as fontes oficiais disseram que menos crimes aconteceram. A cifra negra é uma realidade que não pode ser descartada, e ainda que os crimes tenham diminuído, continuam existindo e a população continua ligando nas redações perguntando o que aconteceu na esquina de casa ou por que aquele foragido ainda não foi encontrado pela polícia.
Isso não significa que a abordagem destes fatos tenha sido a mais correta, mesmo porque as consequências da apresentação massiva de notícias policiais - bem como o reforço constante do discurso punitivo na mídia -, tem sido desastrosas. Leis são criadas sem o devido estudo, medidas gravíssimas são colocadas em prática sem o devido debate, tudo para atender a pressa da imprensa.
Essa pressa não existe apenas no momento de cobrar ações do poder público, como também para publicar conteúdos. As matérias estão cada dia mais curtas, mais rápidas, mais superficiais (BOLDT, 2013, p.65). Falta aprofundamento, debate e, em alguns momentos, falta até mesmo senso crítico e coragem para ir além da informação repassada pela fonte ou questionar a opinião pública – afinal, justiça não é cárcere. Justiça não é morte.
Este trabalho busca discorrer sobre o trabalho do jornalista policial – aquele que não tem pauteiro -, debater a abordagem do crime e sua influência no pensamento crítico da população, e sugerir soluções para que a mídia, hoje vista como inimiga por teóricos do Direito, possa um dia ser vista como aliada na construção de uma nova política criminal.
2 O TRABALHO DO JORNALISTA POLICIAL
O jornalista policial, ao contrário dos colegas de redação, dificilmente sai para trabalhar com a pauta nas mãos determinando onde deve ir e quem entrevistar. É o profissional com o plantão mais imprevisível, e que está nos lugares e momentos mais perigosos (pontos de tráfico, locais de homicídio, confrontos armados). Assim como as equipes que fazem jornalismo comunitário, o jornalista policial ouve os desabafos da população todos os dias e seleciona os assuntos mais relevantes para acompanhar mais de perto. Noblat explica como definir o que é notícia:
De forma simplificada, notícia é todo fato relevante que desperte interesse público, ensinam os manuais de jornalismo. Fora dos manuais, notícia na verdade é tudo o que os jornalistas escolhem para oferecer ao público. E, como nós valorizamos principalmente as noticias negativas, o mundo que os meios de comunicação retratam parece muitas vezes pior do que verdadeiramente é. (...) É que aprendemos, com anos de oficio, que a noticia está no curioso, não no comum; no que estimula conflitos, não no que inspira normalidade; no que é capaz de abalar pessoas, estruturas, situações, não no que apascenta ou conforma; no drama e na tragédia, e não na comédia ou no divertimento. Aprendemos que é assim porque é com essa receita que os jornais vêm mantendo as vendas até hoje. E a televisão e o rádio, garantindo altos índices de audiência (NOBLAT, 2003, p.31).
Se definir o que é notícia já é uma tarefa de grande responsabilidade, definir o que é crime e que também pode ser notícia é uma missão ainda mais complexa. Vidas, reputações, instituições inteiras podem ser colocadas em risco. Sobre essa decisão diária que é tomada pelo jornalista policial, discorre a jornalista Carla Cristina Costa Alves:
A definição de crime está inscrita em uma instância de poder fora da do jornalismo policial, mas que vai ser apropriada por este: fazer algo ilegal é tornar-se criminoso: ser criminoso, por seu lado, é poder ser notícia. É notório que não é todo tipo de crime que entra no jornal. Com o aumento da criminalidade, muitos delitos passaram a fazer parte do cotidiano das cidades e, por isso, foram abandonando as páginas policiais, para dar espaço aos crimes de maior proporção ou para aqueles que fogem, de alguma forma, do cursoordinário dos acontecimentos (ALVES, 2001).
Segundo a autora, nos idos de 1920, o jornalismo policial se aproximava do literário. Foi quando a cobertura do crime ganhou ares de espetacularização. Grandes escritores brasileiros, como Nelson Rodrigues, exerciam esta função que já não é mais a preferida dos novos profissionais frente a opções tão atraentes como a cobertura esportiva, por exemplo.
A atual geração, em maioria, não parece querer colocar a vida em risco acompanhando o dia a dia das polícias, nem conviver com a população em sua condição mais miserável – justamente aquela que busca o jornalista para pedir ajuda. Falta mão de obra qualificada, ou seja, são poucos os jornalistas que se interessam em estudar o crime para ter uma visão mais ampla do assunto, saber a importância deste trabalho.
Além disso, muitas rádios, sem condições financeiras de contratar um jornalista (que tem piso salarial determinado em cada estado no Brasil), contratam pessoas sem o mínimo estudo para exercer esta função que quase ninguém quer. Importante lembrar que as rádios não tem dinheiro pois perderam anunciantes para a televisão, assim como hoje a televisão já perde para a internet. É o que lembra a autora Helena Schiessl Cardoso:
(...) os jornais transformaram-se pois em enormes empreendimentos comerciais, com necessidades de massivas quantidades de capital inicial e de sustentação diante da competição incessante e predatória. As empresas de menor porte são destruídas pela concorrência ou obrigadas a aceitar fusões e incorporações (CARDOSO, 2011, p.11).
Para levar as matérias ao público, os apresentadores escolhidos pelas emissoras que comandam programas televisivos e de rádio são pessoas queridas pela população, mas que em maioria também não tem graduação em Jornalismo, muito menos conhecimento pleno do Direito Penal e de ética. Sem saber, cometem diariamente dezenas de erros ao comentar reportagens e estimulam a população a pensar da mesma forma errônea e limitada.
Estes erros são estudados pela ANDI – Comunicação e Direitos. No terceiro volume do estudo “Violações de Direitos na Mídia Brasileira”, entre os dias 2 e 31 de março de 2015, a organização encontrou 4.500 violações de direitos cometidas em programas policiais de rádio e TV de Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Campo Grande (MS), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP).
Foram 1.704 “Exposições indevidas de pessoas”, 1.580 “Desrespeitos à presunção de inocência”, 614 “Violações do direito ao silêncio”, 295 “Exposições indevidas de famílias”, 151 “Incitações à desobediência às leis ou às decisões judiciárias”, 127 “Incitações ao crime e à violência”, 39 “Identificações de adolescentes em conflito com a lei”, 17 ”Discursos de ódio ou Preconceito" e 09 "Torturas psicológicas ou Tratamentos desumanos ou degradantes". (VARJÃO, 2016)
Com toda uma equipe sem conhecimento profundo do tema que acompanha e, ao mesmo tempo, com um poder tão grande nas mãos, o resultado não poderia ser outro senão a ocorrência destes crimes, muitas vezes ao vivo. Isso causa um reflexo grave na população que acompanha: o discurso punitivo e de ódio ao inimigo é reforçado, a sensação de pânico é disseminada. Se essa reação é de interesse do Estado para manter o sistema funcionando, a mídia tem sido usada sem perceber, como detalha Boldt:
Concomitantemente ao controle exercido pelo sistema penal sobre os grupos subalternos, os mass media controlam as opiniões e crenças de nossa sociedade, apresentando-se como uma ferramenta indispensável para a manutenção do status quo social e econômico, legitimando, neste caso, a violência punitiva estatal e a criação de medidas excepcionais que rompem com a normalidade (BOLDT, 2013, p.56).
A mídia não pode ser utilizada como passa de manobra política. Precisa ter senso crítico, questionar, e para fazer isso precisa de conhecimento do assunto que trata.
3 O IMPACTO DA COBERTURA ATUAL DO JORNALISMO POLICIAL
O profissional que não estuda as consequências da cobertura de assuntos relacionados à criminalidade noticia o fato por si só. Não contextualiza o crime. Quando instiga o debate, apenas reforça o discurso dominante, foco da criminologia positivista. Ele apresenta a pena como única solução pois não conhece alternativas a ela, e não sabe as consequências disso, como tão bem detalha Boldt:
A proliferação de leis produzidas com base em demandas sociais por respostas penais mais duras, quase sempre precedidas de crimes violentos explorados de forma sensacionalista pelos mass media, demonstra o poder que estes exercem sobre uma sociedade subjugada pelo medo e a trivialização de problemas extremamente complexos. (...) Como se não bastasse a utilização do direito penal para fins eleitoreiros, leis penais totalmente inconstitucionais – nos planos formal e material – são criadas com o intuito de solucionar emergências decorrentes de fatos que, diariamente, são veiculados pela mídia e absorvidos pela população sem qualquer reflexão crítica (BOLDT, 2013, p.20 e p.43).
O jornalista sem conhecimento da importância do seu trabalho é utilizado como “massa de manobra”, torna-se instrumento para que o poder público legitime suas atitudes. Pode incentivar a população a pensar algo que beneficie a fonte e prejudique inimigos dessa fonte - que repassou aquela informação que mais parecia um “furo de reportagem”.
Este é um dos assuntos tratados no guia de ética de um dos jornais impressos mais polêmicos do Brasil, o Diarinho de Santa Catarina, que utiliza um linguajar muito popular para tratar de notícias da região.
“Julgar o que é pura plantação a serviço de alguma manobra política ou empresarial e o que de fato é notícia importante para os leitores é coisa difícil. Que exige desconfiômetro bem calibrado. E uma boa cultura geral. Pra saber o que é joio e o que é trigo. E poder saber quando é que se deve usar um ou outro” (DIARINHO, 2012, P.24).
A reação da divulgação de matérias publicadas por equipes despreparadas é imediata e influencia diretamente na vida de muitas pessoas. Não podemos esquecer do emblemático caso da Escola Base, de 1994, quando a mídia divulgou que donos de uma escola de São Paulo abusavam de alunos. Posteriormente foi comprovada a inocência dos suspeitos, mas à essa altura eles já tinham perdido tudo o que tinham – incluindo a honra e a dignidade, depois de passar por tanta humilhação pública.
A escola foi depredada e os suspeitos ficaram presos em condições subhumanas por conta desse erro das equipes jornalísticas, como lembra Eugênio Bucci: “Com base nas declarações de um delegado precipitado, que logo seria afastado das investigações, a imprensa prejulgou os suspeitos e contribuiu para que eles ficassem expostos à fúria popular” (BUCCI, 2000, p.158). Vinte anos depois, os suspeitos receberam indenização de uma emissora de televisão.
Outro caso, mais recente, é relatado pelo perito Ricardo Molina no livro “O Brasil na Fita” (2016), em que ele conta detalhes de vários casos nos quais atuou. Entre eles, ele detalha o trabalho da defesa de Gil Rugai, acusado de matar o próprio pai e a madrasta, em 2004, também em São Paulo. A defesa, mesmo tendo diversos subsídios para questionar as provas que foram apresentadas contra o rapaz, perdeu. Gil foi condenado a 33 anos de prisão.
A defesa ainda recorre da decisão, e acredita que a abordagem da mídia nos nove anos que se passaram entre o dia do crime e o dia do julgamento foi essencial para influenciar a opinião dos jurados – que, segundo o perito, não tem conhecimento de Direito e, muitas vezes, sequer tem curso superior, fatores que poderiam auxiliar na compreensão e avaliação das provas debatidas por acusação e defesa.
A mídia, salvo exceções, tem tido uma atitude muito pouco crítica, tendendo a privilegiar as posições da acusação. É fácil entender isso. Os inúmeros programas sensacionalistas que ocupam as tardes das televisões brasileiras só sobrevivem no dia a dia por serem alimentados com informações privilegiadasfornecidas por delegados e promotores. Em casos polêmicos como de Gil Rugai, embora muitos destes astros do sensacionalismo entendam bem as contradições e erros, existe um certo temor de atacar diretamente suas fontes, pois no dia seguinte pode não haver mais notícia fresca. Além disso, apresentar culpados dá mais ibope. Em parte, porque a sociedade brasileira, cansada da impunidade, clama por punição, não por justiça. Nesse rolo compressor, embora muita gente acredite no contrário, inocentes estão sendo condenados (MOLINA, 2016, P. 342).
Nos dois casos, uma certeza: a mídia reproduziu o que as fontes policiais repassaram, com pouco senso crítico e pouco debate. Não questionou as fontes, não contextualizou o assunto. Apenas noticiou os fatos que foram surgindo até a acontecer punição que o povo queria ver: a prisão. Reforçou, desta maneira, o discurso punitivo. Mais uma vez considerou a pena como a melhor solução. Isso impactou diretamente na vida dos donos da escola base, na de Gil Rugai, e continua, diariamente, impactando na vida de muitas outras pessoas de muitas maneiras, como afirma Pereira:
A mídia é um determinado modo de produção discursiva, com seus modos narrativos e suas rotinas produtivas próprias, que estabelecem algum sentido sobre o real no processo de sua apreensão e relato. Deste real ela nos devolve, sobretudo, imagens ou discursos que informam e conformam este mesmo real. Portanto, compreender a mídia não deixa de ser um modo de se estudar a própria violência, pois quando esta se apropria, divulga, espetaculariza, sensacionaliza ou banaliza os atos da violência está atribuindo-lhes sentidos que, ao circularem socialmente, induzem práticas referidas à violência (PEREIRA et al, 2000, p.150).
Falamos da cobertura atual do jornalismo com relação à violência, mas é importante ressaltar que essa abordagem e a reação popular a ela foram construídas com o passar dos anos. É o que detalha Foucault, citando a reação popular às notícias de execução de suspeitos publicadas em jornais dos idos de 1800. Surpreendentemente, se assemelha à reação de muitas pessoas atualmente nas redes sociais quando há a divulgação de casos violentos:
Já os espectadores populares, como no tempo dos suplícios públicos, levam avante com os condenados as trocas ambíguas de injúrias, de ameaças, de encorajamentos, de golpes, de sinais de ódio ou de cumplicidade. Qualquer coisa de violento se ergue e não para de correr ao longo de toda a procissão: cólera contra uma justiça severa ou indulgente em excesso; gritos contra criminosos detestados; movimentos a favor dos prisioneiros conhecidos e que são saudados; defrontações com a polícia (FOUCAULT, 2014, p.252).
Percebe-se, portanto, que a máxima de “bandido bom é bandido morto” já é uma construção de raciocínio antiga, e que continua sendo disseminada por uma parcela desinformada da mídia que não sabe (ou não se importa com) quais são consequências dessa atitude.
4 A MÍDIA COMO ALIADA DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA
Como mudar este panorama? Parece claro que os jornalistas precisam de mais qualificação para atuar na área policial – tanto quanto hoje já tem para atuar em áreas como a economia, por exemplo. Por que as universidades não disponibilizam especializações em jornalismo policial no Brasil?
O conhecimento das falhas da imprensa e das consequências destas falhas na reação da população com relação ao assunto da violência é imprescindível, afinal, como lembra Boldt, “somente mediante a capacidade de compreender e criticar será possível transformar o senso comum penal em bom senso” (2013, p.163).
Passou da hora das empresas de comunicação buscarem o jornalista especializado. Não só o jornalista policial, alvo deste trabalho, como todos os outros jornalistas que atuam em editorias específicas. Ele tem mais conhecimento, mais experiência, mais discernimento e capacidade de questionar o assunto, e portanto tem menos chances de cometer erros, como explica Bucci:
A especialização do jornalista, portanto, precisa hoje ser vista em outras bases. É verdade que os jornais não são a fonte do saber. São, como sempre foram, apenas um canal. Para o jornal ser um canal devidamente autorizado e crível, desenvolveu-se a figura do especialista, que dispunha de um repertório adequado para noticiar com alguma profundidade assuntos específicos. Hoje, essa figura é igualmente necessária, mas o seu perfil precisa atender a um outro requisito: ela precisa ter um preparo crítico para não ser engolida pela lógica das relações públicas generalizadas e para não assumir como verdades factuais os pontos de vista pré fabricados por elas. Mais uma vez, o preparo ético é indispensável para a performance técnica (BUCCI, 2000, p.197).
O Newsmaking criminology é também uma boa proposta. É necessário trazer o debate para ampliar a visão da opinião pública sobre o sistema penal, através de um complemento do raciocínio do criminólogo com o do jornalista. É necessário trazer matérias mais amplas sobre os assuntos, e não apenas noticiar o crime. Contextualizar as circunstâncias. Questionar as fontes.
Desde muito antes Da publicação do pensamento de Michel Foucault em “Vigiar e Punir” (2014), além da publicação de trabalhos de tantos outros autores brilhantes da criminologia crítica como Alessandro Baratta (2011), já se sabe que a pena não é a solução dos problemas da humanidade. O preso torna-se o rótulo que lhe é apresentado e piora, ao invés de se ressocializar, se regenerar, como a legislação brasileira sonha.
Mudanças na lei são necessárias para mudar o sistema. A opinião pública é capaz de impulsionar essas mudanças e a mídia, como já foi mostrado neste trabalho, é capaz de incentivar a opinião pública para isso. Tudo isso pode ser feito com algumas mudanças, além das questões já apresentadas: mais matérias sobre a Defensoria Pública e sobre os mutirões carcerários, mostrando a importância de ambos e defendendo suas ampliações, já ofertarão um pouco mais de dignidade aos réus.
Além de tudo isso, é imprescindível que os jornalistas sejam estimulados a debater políticas públicas para diminuição das desigualdades sociais. A estudar para saber o impacto que essas desigualdades causam na sociedade, e o reflexo disso na violência que é noticiada todos os dias. A relação dos veículos de comunicação com a violência já é algo retroalimentado e precisa ser revisto, como explica Contrera:
“Se atualmente o único território social comum partilhado em grande escala (como já dito), portadores simbólicos do sentido de pertencência, são os meios de comunicação sociais, logo, percebemos o grau de sujeição do homem contemporâneo à mídia e suas novas tecnologias, e consequentemente às linguagens e formas de pensamento e formas de relação com o mundo em que as tecnologias implicam. Estamos todos acessáveis, mas não escapamos à violência; é um paradoxo, mas talvez justamente por estarmos assim tão acessáveis é que estejamos tão sujeitos a ela. De qualquer modo, quer gostemos ou não, a violência apresenta-se como uma realidade antropológica e o nosso tempo não foge a ela” (CONTRERA, 2002, p.94).
E por que a mídia deve ser aliada na construção de uma nova política criminal? Pois diferentemente da política penal, focada apenas na punição do Estado (o que atualmente a mídia defende), a política criminal engloba uma transformação maior da sociedade e do poder público capaz de melhorar o atual cenário da violência, como nos ensina Baratta:
(...) uma política criminal alternativa coerente com a própria base teórica não pode ser uma política de ‘substitutivos penais’, que permaneçam limitados a uma perspectiva vagamente reformista e humanitária, mas uma política de grandes reformas sociais e institucionais para o desenvolvimento da igualdade, da democracia, de formas de vida comunitária e civil alternativas e mais humanas, e do contrapoder proletário, em vista da transformação radical e da superação das relações sociais de produção capitalistas (BARATTA, 2011, p. 201).
A nova política criminal poderá trazer muitosbenefícios para a população a longo prazo, mesmo porque não é possível mudar o atual cenário em míseros quatro anos. Resta saber se interessará à classe política intervir na questão, já que os resultados da implantação não serão na gestão de quem estiver no poder.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Sabe-se, agora, a atuação e importância do jornalista policial, que é seu próprio pauteiro. É o agente responsável por definir, além do que é notícia, o que é crime e que deve ser noticiado. É neste momento de definição que ele pode cometer erros dos quais dependem empresas, reputações e até mesmo vidas. É claro que isso também acontece com o pauteiro de outras editorias, mas, neste trabalho, focamos na questão da violência que é crescente e merece a devida atenção.
Conhecemos também a razão e o impacto destes erros, que infelizmente ainda acontecem muito na mídia brasileira. Sabemos que a falta de conhecimento dos profissionais que atuam nesta área – talvez por desinteresse nela, ou talvez por não entenderem a importância dela – faz com que leis sejam aprovadas sem estudo, que políticas públicas sejam aplicadas sem debate, por conta da pressa em dar respostas a essa pressão que a mídia aplica.
A falta de conhecimento do jornalista é o que replica e reforça o pensamento da população, o discurso punitivo, apoia a política da pena em um tempo em que já é sabido o quanto nada disso funciona. O quanto o sistema está errado. O quanto a cadeia não ressocializa e só cria um ciclo ainda pior de violência.
O jornalista policial precisa ser reconhecido, e precisa estudar tanto quanto o jornalista de Economia estuda. Precisa aprender para ajudar a população e, com excelência, exercer seu papel de servir a sociedade da melhor maneira. Com conhecimento sobre o tema da violência, ele será capaz de estimular o debate, contextualizar cada situação, questionar as políticas públicas, e parar com essa mania de divulgar o crime só pelo fato do crime. Vai entender que isso não serve de nada e que carrega consequências negativas para o ciclo de abastecimento de informações entre ele e o público.
Não estamos aqui para pedir para a mídia ceder à pressão dos especialistas do Direito, mas sim para que os jornalistas possam rever sua função social e construir uma audiência sobre um novo ciclo de informação com a população. Por que não poderiam jornalistas e especialistas do Direito ser aliados para mudar o quadro, já que isso pode ser tão benéfico? 
REFERÊNCIAS
ALVES, Carla Cristina Costa. Nelson Rodrigues e a Reportagem Policial: Realidade x Ficção. Monografia de Graduação em Comunicação Social. Rio de Janeiro, RJ: UERJ, 2001.
BARATTA, Alessandro. Criminologia Critica e Critica do Direito Penal: Introdução à sociologia do Direito Penal. 6. Ed. Rio de Janeiro, RJ: Revan, 2011.
BOLDT, Raphael. Criminologia Midiática: Do discurso punitivo à corrosão simbólica do garantismo. Curitiba, PR: Juruá, 2013.
BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2000.
CARDOSO, Helena Schiessl. Discurso Criminológico da Mídia na Sociedade Capitalista: Necessidade de desconstrução e reconstrução da imagem do criminoso e da criminalidade no espaço público. Curitiba, PR: Mestrado em Direito do Estado, UFPR, 2011.
CONTRERA, Malena Segura. Mídia e Pânico: Saturação da informação, violência e crise cultural na mídia. São Paulo, SP: Annablume, 2002.
DIARINHO. O Caminho das Pedras: Guia de ética e autorregulamentação jornalística. Blumenau, SC: Nova Letra, 2012.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. 42.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
MOLINA, Ricardo. O Brasil na Fita: De Collor a Dilma, do caso Magri à Lava-Jato, o que vi e ouvi em mais de vinte anos. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2016.
NOBLAT, Ricardo. A Arte de Fazer um Jornal Diário. São Paulo, SP: Contexto, 2003.
PEREIRA, Carlos Alberto Messeder et al. Linguagens da Violência. Rio de Janeiro, RJ: Rocco, 2000.
VARJÃO, Suzana. Violações de direitos na mídia brasileira: Pesquisa detecta quantidade significativa de violações de direitos e infrações a leis no campo da comunicação de massa. Brasília, DF: ANDI, 2016.
¹ Fernanda Deslandes é Especialista em Ciências Forenses pela Universidade Tuiuti do Paraná. Graduada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Universidade Tuiuti do Paraná. Jornalista atuante na área Policial há doze anos, atualmente é produtora da RICTV Record. Cursa especialização em Criminologia e Direito Penal no Centro Universitário UNINTER.
² Sônia de Oliveira é Mestre em Direito pela PUC/PR. Especialista em Direito Criminal pela Unicuritiba. Especialista em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário UNINTER. Graduada em Direito pela PUC -PR. Advogada atuante nas áreas trabalhista e cível. Professora Orientadora de TCC no Centro Universitário UNINTER.

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