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[ILYENKOV, E ] Nossas escolas devem ensinar a pensar

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JULY–AUGUST 2007 9 
Journal of Russian and East European Psychology, vol. 45, no. 4, 
July–August 2007, pp. 9–49. 
 
E.V. ILYENKOV 
 
Nossas escolas devem ensinar 
a pensar!1 
 
Parece que ninguém duvida disso. Mas todos seriam capazes de dar uma resposta direta à 
pergunta feita diretamente: o que isso significa? O que significa "pensar" e o que é "pensamento"? 
Uma pergunta longe de ser simples e, em certo sentido, complicada. Vale a pena cavar um pouco 
mais profundamente para ver como isso vem à luz. 
Muitas vezes - muito mais frequentemente, talvez, do que parece - misturamos duas coisas 
muito diferentes aqui, especialmente na prática: o desenvolvimento da capacidade de pensar e o 
processo de domínio formal do conhecimento especificado nos currículos. De nenhuma maneira 
esses dois processos coincidem automaticamente, embora um sem o outro também seja impossível. 
"Muitos conhecimentos não treinam a mente", embora "os amantes da sabedoria devam saber muito" 
- essas palavras, faladas há mais de 2.000 anos por Heráclito de Éfeso, não estão desatualizadas. 
Verdadeiramente, "muito conhecimento" em si não treina a mente - ou a capacidade (ou 
habilidade) de pensar. O que então treina a mente? E ela pode ser treinada (ou treinar-se) de qualquer 
modo? 
Sobre isso, existe uma opinião sem fundamento, segundo a qual a mente (a capacidade de 
pensar, "talento" ou simplesmente "habilidade") é "de Deus" ou, em terminologia mais esclarecida, 
"da natureza", dos pais de uma pessoa. É, de fato, possível inculcar a "mente" em uma pessoa sob a 
forma de um sistema de "regras" ou esquemas operacionais precisa e rigorosamente formulados - em 
suma, sob a forma de uma "lógica"? Temos de concluir que isso não é possível. Esta conclusão é o 
fruto da experiência que encontra expressão gráfica na parábola internacional do tolo que, 
encontrando uma procissão fúnebre, quer "unir-se a você, não roubar de você."2 É sabido que as 
 
1 English translation © 2007 M.E. Sharpe, Inc., from the Russian text “Shkola dolzhna 
uchit’ myslit’!” in E.V. Ilyenkov, Shkola dolzhna uchit’ myslit’ (Moscow and 
Voronezh: Moskovskii psikhologo-sotsial’nyi institute and Izdatel’stvo IPO MODEK, 
2002), pp. 6–55. Published with the permission of Elena Evaldovna Illiesh. 
Translated by Stephen D. Shenfield. 
2 Taskat’ vam, ne peretaskat’ é um cumprimento costumeiro em casamentos. Tendo aprendido a expressão nesse 
contexto, o tolo não entende que isso não é apropriado para um funeral e é espancado. —Trad. 
JULY–AUGUST 2007 10 
melhores regras e fórmulas, quando marteladas em uma cabeça obtusa, não fazem essa cabeça mais 
inteligente, mas são transformadas em ridículos absurdos. Isso, infelizmente, é muito conhecido. 
Quase ninguém contestará o fato de que o ensino da lógica formal, introduzido em nossas escolas há 
algum tempo "nas instruções pessoais do camarada Stálin", não aumentou o número de pessoas 
"inteligentes" nem reduziu o número de "obtusos" entre as pessoas do secundário. 
Não é uma única experiência empiricamente indiscutível que apoia a opinião acima 
mencionada. As "regras" mais precisas e rigorosas que constituem a "lógica" não ensinam e não 
podem ensinar o chamado "poder de julgamento" - isto é, a capacidade de julgar se um determinado 
caso ou determinado fato submete-se a determinadas regras. Como escreveu Emmanuel Kant em sua 
Crítica da Razão Pura, a escola só pode oferecer, e como se fosse enxertada, uma compreensão 
limitada de uma abundância de regras emprestadas da percepção dos outros, mas o poder de 
empregá-las corretamente deve pertencer ao próprio aluno; e na ausência de tal dom natural, 
nenhuma regra que lhe possa ser prescrita para esse fim pode assegurar contra o uso indevido... A 
deficiência no julgamento é apenas o que costumeiramente se chama idiotice, e para tal falha não há 
remédio."3 Isto parece ser verdade. E aqui está a opinião de outro pensador - citado com grande 
simpatia por Lenin como "de espírito fino" – referindo-se ao "preconceito" de que "a lógica ensina a 
pensar": "Isto é como dizer que somente estudando anatomia e fisiologia aprendemos pela primeira 
vez como digerir alimentos e mover-nos" (Hegel, Soch., Vol. 5, p. 2 [retraduzido do Russo]; 
compare também Lenin, Soch., Vol. 38, p. 75) .Trata-se, na verdade, de um ingênuo preconceito. É 
por isso que a introdução da "lógica" no currículo da escola secundária não poderia justificar as 
esperanças que algumas pessoas colocaram sobre ela. 
Evidentemente, tudo permanece como estava. Qualquer pessoa, mesmo "uma pessoa obtusa 
ou de mente estreita", pode "ser treinada por meio do estudo, até mesmo ao ponto de se tornar sábia. 
Mas como essas pessoas geralmente ainda não têm julgamento, não é incomum encontrar homens 
instruídos que, na aplicação de seu conhecimento científico, traiam essa necessidade original, que 
nunca pode ser satisfeita". Assim Kant tristemente resume seu argumento. E com isso também temos 
que concordar. 
Mas nesse caso, que tal o apelo que forma o título deste artigo? Não provei eu mesmo ainda, 
por referência a autoridades altamente respeitadas, que este slogan não pode ser realizado e que a 
inteligência é um "dom natural" e não uma habilidade adquirida? 
Felizmente, isso não é assim. É verdade que a capacidade (ou habilidade) de pensar não 
pode ser "enxertada" no cérebro sob a forma de uma coleção de "regras", fórmulas e - como as 
 
3 A citação do autor é da Crítica de Kant, com ajuste sintático mínimo ao texto Russo, na forma apresentada na tradução 
de 1929 de Norman Kemp Smith, disponível em www.hkbu.edu.hk/~ppp/cpr/.—Trad. 
JULY–AUGUST 2007 11 
pessoas gostam de dizer hoje em dia - "algoritmos". Um ser humano é ainda um ser humano, tanto 
quanto alguns gostariam de transformá-lo em uma "máquina". Na forma de "algoritmos" você pode 
"inserir" no crânio apenas uma mente mecânica, isto é, uma mente muito obtusa - a mente de um 
caixa, mas não a mente de um matemático. 
No entanto, os argumentos acima referidos de forma alguma não esgotam a posição mesmo 
de Kant, e, muito menos a de um materialista. Primeiro, não é verdade que a inteligência é um dom 
"natural". Para sua mente, ou sua capacidade de pensar, o homem deve tão pouco à Mãe Natureza 
como quanto a Deus, o Pai. Para a natureza, ele só deve seu cérebro - o órgão do pensamento. 
Quanto à sua capacidade de pensar com o auxílio desse cérebro, ela não só se "desenvolve" (no 
sentido de "melhora"), mas também emerge primeiro só com a ligação dele à cultura sócio-humana, 
ao conhecimento. O mesmo vale para a sua capacidade de andar ereto, que o homem também não 
obteve "da natureza". Este é o mesmo tipo de "habilidade" como todas as outras capacidades 
humanas. É verdade, embora qualquer mãe facilmente ensine seu filho a usar seus membros traseiros 
para andar ereto, está longe de todo pedagogo profissional que é capaz de ensiná-lo a usar seu 
cérebro para pensar. Mas uma mãe atenta e razoavelmente inteligente faz isso muito melhor, via de 
regra, do que qualquer outro tipo do pedagogo. Ela nunca desistirá do esforço difícil associado ao 
treino da "mente" de seu filho pequeno sob o pretexto - tão conveniente para o "educador" 
mentalmente preguiçoso – de que a criança em questão é "naturalmente" ou "congenitamente" 
incapaz. A criança pequena é ensinada a "pensar" por toda a vida, por sua família, por jogos, pelo 
pátio e por outras crianças pequenas como ela, sejam elas mais velhas ou até mais novas. Cuidar de 
seu irmão pequeno também requer tanto quanto desenvolve "inteligência". 
A ideia da origem "congênita" ou "natural" da capacidade (ou "incapacidade") de pensar é 
apenas um véu que esconde do pedagogo mentalmente preguiçoso aquelas condições e 
circunstâncias reais (muito complexas e individualmente variáveis) que de fato estimulame formam 
a "mente", a capacidade de "pensar de forma independente". Essa ideia geralmente serve apenas para 
justificar nossa falta de compreensão dessas condições e relutância preguiçosa para examiná-las e 
assumir o árduo trabalho de organizá-las. Ao transferir a culpa para a "natureza", preservamos uma 
consciência limpa e mantemos a aparência científica. 
Teoricamente, tal posição é incompetente; moralmente, é vil, porque é extremamente 
antidemocrática. Também não está de acordo com a compreensão marxista-leninista do problema do 
"pensar", ou com a atitude comunista para com o homem. Em termos de dotação natural, somos 
todos iguais - no sentido de que 99% das pessoas entram na vida neste mundo com um cérebro 
biologicamente normal capaz em princípio - com um pouco menos ou um pouco mais de dificuldade 
- de dominar todas as "capacidades" desenvolvidas pelos seus predecessores. E convém que 
JULY–AUGUST 2007 12 
despejemos na natureza os pecados da sociedade, que até agora era menos justa e democrática do que 
a natureza na distribuição de seus "dons". É necessário abrir o acesso de cada pessoa às condições do 
desenvolvimento humano, incluindo as condições para o desenvolvimento da capacidade de "pensar 
de forma independente" como um dos principais componentes da cultura humana. E a escola é 
obrigada a fazer isso. A inteligência não é um dom "natural". É um presente da sociedade para uma 
pessoa. É, aliás, um presente que mais tarde ele pagará centuplicado - do ponto de vista de uma 
sociedade desenvolvida, o mais "rentável" dos "investimentos de capital". Uma sociedade 
inteligentemente organizada - isto é, comunista - pode ser constituída apenas por pessoas 
inteligentes. E nunca por um minuto devemos esquecer que é precisamente o povo do futuro 
comunista que está sentado atrás das carteiras escolares de hoje. 
A mente, a capacidade de pensar de forma independente, toma forma e se desenvolve 
apenas no curso da assimilação individual da cultura intelectual da época. Falando apropriadamente, 
a mente não é outra coisa senão essa cultura intelectual, transformada em posse e legado pessoal, no 
princípio da atividade de uma pessoa. A "mente" é composta de nada mais que isso. Para usar a 
linguagem de elevada estatura da filosofia, é a riqueza espiritual individualizada da sociedade. 
E isso, para dizê-lo de forma simples, significa que a mente (inteligência, talento, 
capacidade, etc.) é o estado natural do homem, a norma e não a exceção, o resultado normal do 
desenvolvimento de um cérebro biologicamente normal sob condições - humanas - normais. 
Por outro lado, a pessoa "obtusa", a pessoa com uma deficiência incorrigível de "poderes de 
julgamento", é acima de tudo uma pessoa mutilada, uma pessoa com um cérebro aleijado. E essa 
"deformação" do órgão do pensamento é sempre a consequência de condições "anormais" e 
"antinaturais" (do ponto de vista dos verdadeiros critérios da cultura humana), o resultado de 
influências "pedagógicas" cruamente coercivas sobre este delicado órgão (especialmente em tenra 
idade). 
O órgão do pensamento é muito mais facilmente aleijável do que qualquer outro órgão do 
corpo humano. E é muito difícil - depois de uma certa idade, totalmente impossível – consertá-lo. 
Para aleijar é simples - por meio de um sistema de exercícios "não-naturais". E um dos métodos mais 
confiáveis de tal incapacitação do cérebro e do intelecto é a memorização formal do conhecimento. É 
precisamente por esse método que se produzem pessoas "obtusas" - isto é, pessoas com poder 
atrofiado de julgamento. Pessoas que não conseguem relacionar competentemente o conhecimento 
geral que dominaram com a realidade, e que, portanto, fazem uma confusão das coisas. 
"Atulhar", apoiado por interminável "repetição" (que deveria ser chamada não a mãe, mas 
sim a madrasta da aprendizagem), paralisa o cérebro e o intelecto. Paradoxalmente, quanto mais 
verdadeiras e “inteligentes” as verdades inculcadas pelo atulhamento, mais incapacitante é o efeito. 
JULY–AUGUST 2007 13 
O ponto é que uma ideia tola e sem sentido da própria cabeça da criança logo será dissipada pela 
experiência: quando tal ideia choca-se com fatos, a criança será forçada a duvidar, a comparar, a 
perguntar por quê, e, em geral, a "queimar seus miolos." Uma verdade "absoluta", pelo contrário, 
nunca lhe dará ocasião para fazer essas coisas. "Quebrar a cabeça" é contraindicativo de absolutos: 
estes são sem movimentos e almejam somente mais e mais “confirmações” de sua infalibilidade. É 
por essa razão que uma “verdade absoluta” memorizada sem compreensão torna-se para o cérebro 
algo como um trilho para um trem ou um tapa-olhos para um cavalo. O cérebro cresce acostumado a 
mover-se apenas ao longo de trilhos batidos (por outros cérebros). Qualquer coisa que esteja à direita 
ou à esquerda desses trilhos não é mais de interesse para ele. Simplesmente já não presta atenção a 
outras coisas, considerando-as como "não essenciais" e "desinteressantes". É o que o proeminente 
escritor alemão B. Brecht tinha em mente quando disse: "Uma pessoa a quem é evidente por si 
mesmo que duas vezes dois faz quatro nunca será um grande matemático" [retraduzido do russo]. 
Todo mundo sabe que experiência agonizante é esta operação toscamente coercitiva sobre o 
cérebro - "atulhar" e "enxertar" - para qualquer criança ativa. Apenas lembranças muito 
desagradáveis da infância poderiam inspirar os adultos a inventar esses termos poeticamente 
expressivos. Não é por acaso ou por capricho que a criança experimenta o "enxerto" como violência. 
A questão é que a natureza arranjou nosso cérebro tão inteligentemente e tão bem que ele não tem 
necessidade de qualquer "repetição" ou “memorização” especial para aprender qualquer coisa que 
considere diretamente “compreensível", "interessante "e" útil". Portanto, é necessário enxertar apenas 
o que é incompreensível, desinteressante e inútil - o que não tem ressonância ou contrapartida na 
experiência de vida direta do indivíduo e não "flui" dela. 
Como numerosos experimentos provaram, a "memória" do homem armazena tudo o que foi 
motivo de preocupação para ele ao longo de sua vida. No entanto, algum conhecimento é 
armazenado no cérebro, por assim dizer, em um estado ativo, “de fácil acesso”, e em caso de 
necessidade pode sempre ser chamado para a luz da consciência por um esforço da vontade. Esse é o 
conhecimento que está intimamente ligado à atividade de vida do homem orientada ao sentido e aos 
objetos. Esta memória "ativa" é remanescente de um espaço de trabalho bem organizado no qual o 
artesão se apodera do objeto, instrumento ou material de que necessita sem olhar e sem "lembrar" 
especialmente qual músculo ele tem que mover para esse fim. É completamente outra a questão com 
o conhecimento que o cérebro absorveu em completo isolamento de sua atividade principal e foi 
colocado, por assim dizer, "em reserva". Os psicólogos franceses, por exemplo, aplicaram técnicas 
especiais ao cérebro de uma idosa semiletrada para forçá-la a declamar durante horas e horas os 
antigos versos gregos de que ela não compreendia nem o conteúdo nem o significado e que ela "se 
lembrava" apenas porque uma vez, muitos anos antes, algum aplicado estudante de ginásio 
JULY–AUGUST 2007 14 
memorizara esses versos em voz alta em sua presença. Da mesma forma, um pedreiro "lembrou" e 
desenhou com precisão no papel as torções e curvas fantasticamente intrincadas de uma rachadura 
em uma parede que ele teve que consertar uma vez. A fim de "recordar" coisas desse tipo, uma 
pessoa tem que fazer esforços agonizantes e estes muito raramente têm sucesso. O problema é que o 
cérebro submerge em uma enorme massa de informações desnecessárias, inúteis e "não 
operacionais" em “armazéns escuros" abaixo do limiar da consciência. Tudo o que uma pessoa tenha 
visto ou ouvido pelo menos uma vez é armazenado lá. Em casos especiais – anormais-, todo o lixo 
que se acumulou nestes armazéns ao longo de muitos anos rompe a superfície das regiões superiores 
do córtex cerebral, para a luz da consciência. Então a pessoa de repente lembra-se de uma massa de 
detalhes triviais que aparentemente haviam sido por muito tempo e finalmente "esquecidos". Mas 
isso ocorre precisamente quando o cérebro está em estado de passividade, geralmente o de um transe 
hipnótico, como nos experimentos dos psicólogos franceses. O ponto é que "esquecer" não é um 
defeito. Muito pelo contrário: o "esquecimento" é produzido por mecanismos sábios especiais do 
cérebro que protegem o órgão do pensamento (as regiões de função cerebral ativa) de afogar-se em 
"informações" desnecessárias. É uma reação de defesa natural do córtex à ameaça de falta de sentido 
e de estúpida sobrecarga. Se as fortes fechaduras do esquecimento se rompessem um belo dia, na 
escuridão dos depósitos de memória, todo o lixo ali acumulado nas regiões mais altas do córtex viria 
à tona e torná-lo-ia incapaz de "pensar" - de selecionar, comparar, especular e "julgar". 
O fato de que "esquecer" não é um inconveniente, não é um defeito de nossa mente, mas, ao 
contrário, uma vantagem, apontando para um "mecanismo" redundante que o produz de modo 
especial e proposital, foi demonstrado graficamente pelo conhecido psicólogo soviético A. N. 
Leontiev em uma sessão com o não menos conhecido possuidor de "memória absoluta" Sh-skii. O 
sujeito do teste foi capaz de "memorizar" de uma só vez uma lista de 100, 200 ou 1.000 palavras e 
reproduzi-la em qualquer momento posterior e em qualquer ordem. Depois de uma demonstração 
dessa capacidade surpreendente, foi feita a ele uma pergunta inocente. Poderia ele recordar entre as 
palavras impressas em sua memória o nome, com três letras, de uma doença altamente infecciosa? 
Houve um problema. Então o experimentador pediu auxílio à audiência. E logo se descobriu que 
dezenas de pessoas "normais" lembravam o que o homem com a "memória absoluta" não podia 
lembrar. A palavra tif (tifo) aparecia na lista, e dezenas de pessoas com uma memória "relativa" - 
muito involuntariamente - registraram essa palavra em sua memória. A memória "normal" “ocultou” 
esta pequena palavra, como todas as outras 999 pequenas palavras, num celeiro escuro, "em reserva". 
Mas, por esse meio, as regiões superiores do córtex, que são responsáveis pelo "pensamento", 
permaneceram "livres" para seu trabalho especial - incluindo o do "lembrar" intencional, traçando 
cadeias de conexões lógicas. 
JULY–AUGUST 2007 15 
Foi tão difícil para um cérebro com "memória absoluta" funcionar como para um estômago 
cheio de pedras. 
Esta experiência é muito instrutiva. Uma memória "absoluta" - mecânica - não é vantajosa, 
mas, pelo contrário, é prejudicial a um dos mecanismos mais importantes e intrincados do nosso 
cérebro e mente. Esse é o mecanismo que "esquece" ativamente tudo que não é de uso direto para o 
desempenho das funções mentais superiores, tudo o que não está conectado ao fluxo lógico de nossos 
pensamentos. O cérebro tenta "esquecer" o que é inútil, o que não está conectado com o pensamento 
ativo, afundá-lo até o fundo do subconsciente, a fim de deixar o consciente "livre" e pronto para as 
formas mais elevadas de atividade. 
É esse mecanismo "natural" do cérebro, que protege as regiões superiores do córtex da 
agressão, das inundações por uma massa caótica de informação incoerente, que "atulha", destrói e 
aleija. O cérebro é violentamente forçado a "lembrar-se" de tudo o que ele tenta ativamente 
"esquecer", para colocá-lo sob fechadura e chave, de modo a não ficar no caminho do "pensar". O 
material cru, não processado e não digerido (pelo pensamento) é "enxertado" no cérebro, quebrando 
sua resistência teimosa. 
Mecanismos maravilhosamente sutis criados pela natureza são assim estragados e aleijados 
por interferência bruta e bárbara. E muitos anos depois, algum sábio educador despeja a culpa na 
"natureza". 
Com todo o seu poder, o cérebro "natural" da criança resiste a ser atulhado com 
conhecimento indigesto. Ele tenta livrar-se dos alimentos que não mastigou, afundá-los nas regiões 
mais baixas do córtex, “esquecer-se” - e continuamente é escolarizado pela "repetição", coagido e 
quebrado, usando ambos a vara [a punição] e a cenoura [a recompensa]. Eventualmente a escola é 
bem sucedida. Mas a que preço! Ao preço da capacidade de pensar. 
Como não poderíamos recordar aqui os cirurgiões de O homem que ri? O pedagogo-
comprador-de-crianças impõe um "sorriso" fixo permanente sobre o pensamento e torna-o capaz de 
funcionar apenas de acordo com um esquema rigidamente "enxertado"4. E este é o método mais 
difundido de produzir pessoas "obtusas". 
É bom que o estudante não leve a sabedoria escolástica atulhada nele muito a sério, se ele 
apenas "trabalha para cumprir sua pena." Então eles não conseguem aleijá-lo completamente, e a 
vida real ao redor da escola o salva. A vida é sempre mais inteligente do que um pedagogo obtuso. 
 
4 Isto se refere ao romance de Victor Hugo, L’homme qui rit (1869). “O homem que ri” tinha um sorriso fixo em seu 
rosto porque ele foi raptado na infância por “comprachicos” (um nelogismo espanhol para “compradores de crianças”) - 
“cirurgiões” que ganhavam a vida deformando suas vítimas, transformando-as em aberrações e vendendo-as como 
pedintes ou para exibições nos carnavais. - Trad. 
JULY–AUGUST 2007 16 
Os idiotas desesperançados florescem precisamente a partir dos "atulhados" mais obedientes 
e aplicados. Isso confirma que tanto a "obediência" como a "aplicação" são o mesmo tipo de virtudes 
dialeticamente ardilosas como todos os outros "absolutos" que em certo ponto e sob certas 
condições, se transformam em seus opostos, em defeitos, alguns deles incorrigíveis. 
E tem que ser dito que qualquer criança vivaz (e isto é "da natureza") possui um indicador 
muito preciso que distingue as influências pedagógicas "naturais" em seu cérebro daquelas violentas 
e incapacitantes. Ela ou absorve o "conhecimento" com interesse ávido e vivaz ou exibe 
incompreensão obtusa e resistência obstinada à violência. Ou ela facilmente - de uma vez só - "atinge 
o ponto", mostrando prazer ao fazê-lo, ou, pelo contrário, agita-se, brinca, e simplesmente não pode 
"lembrar-se" de coisas aparentemente simples. 
O pedagogo moralmente sensível sempre presta atenção a esses sinais de feedback 
"naturais", tão precisos quanto a dor que acompanha o exercício "não natural" dos órgãos da 
atividade física. O pedagogo moralmente obtuso e mentalmente preguiçoso insiste, obriga e 
eventualmente "segue seu próprio caminho". Os gritos da alma da criança são para ele caprichos 
vazios. Ele simplesmente continua treinando a criança; se ele usa a cenoura ou a vara não faz 
diferença. 
E a partir disso resulta uma simples conclusão que é tão antiga quanto o mundo. É 
impossível ensinar uma criança - ou, na verdade, um adulto - qualquer coisa, incluindo a capacidade 
(habilidade) de pensar de forma independente, sem adotar uma atitude de atenção mais próxima à sua 
individualidade. As antigas filosofia e pedagogia costumavam chamar essa atitude de "amor". Essa 
pequena palavra também pode ser usada. Não é tão imprecisa, embora alguns admiradores do 
pensamento rigorosamente matemático considerem tal definição "qualitativa" e, portanto, "não-
científica". 
Naturalmente, também é necessário adotar uma atitude inteligente em relação às indicações 
do "sentimento interior" da criança. Pode ser que ela esteja impaciente não porque esteja entediada, 
mas porque comeu ameixas não maduras no dia anterior. Bem, afinal, "individualidade" é uma coisa 
caprichosa e matematicamente indefinível. 
Mas todas estas coisas são, por assim dizer, preliminares éticas e estéticas. Como então 
devemos ensinar a pensar? Aqui, naturalmente, amor e atençãoà individualidade não são muita 
coisa para prosseguir, embora nós não possamos fazer isso sem eles. 
Em linhas gerais, a resposta é a seguinte. Temos de organizar o processo do domínio do 
conhecimento, o processo de assimilação da cultura intelectual da mesma forma que o melhor 
professor - a vida - o organizou por milhares de anos. Ou seja, de tal forma que, no decorrer desse 
processo, a criança deva ser constantemente forçada a treinar não só (e nem mesmo tanto) a 
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"memória", mas também a capacidade de resolver, independentemente, tarefas que exigem o 
pensamento no sentido próprio e preciso da palavra - os "poderes de julgamento", a capacidade de 
julgar se um determinado caso encaixa-se previamente ou não nas "regras" dominadas e, se não, 
então o quê? 
Resolver tarefas não é de modo algum um privilégio da matemática. Toda a busca humana 
de conhecimento não é senão um processo interminável de propor e resolver novas tarefas - 
perguntas, problemas, dificuldades. 
E é evidente que uma pessoa "entende" fórmulas e proposições científicas somente se vê 
nelas não simplesmente material que ele tem que atulhar, mas sobretudo, respostas arduamente 
obtidas a perguntas bem definidas – a questões que emergem naturalmente do meio da vida e 
urgentemente exigem respostas. 
É igualmente claro que uma pessoa que encontrou numa fórmula teórica uma resposta clara 
a uma questão, problema ou dificuldade que vinha perturbando-a (em que ela esteve interessada) não 
esquecerá essa fórmula teórica. Ela não terá que "atulhá-la". Ela vai lembrar-se dela fácil e 
naturalmente. E se ela "esquecer", isso não é uma calamidade. Ela sempre a derivará ela mesma 
quando de novo encontrar uma situação-tarefa com o mesmo conjunto de condições. E esse é o 
significado da "inteligência". 
Portanto, é necessário "ensinar a pensar", em primeiro lugar, desenvolvendo a capacidade de 
propor (fazer) questões corretamente. A ciência em si começou e começa toda vez com isto - 
propondo uma questão à natureza, formulando um problema - isto é, uma tarefa que é insolúvel com 
a ajuda de métodos de ação, seguindo trilhas já conhecidas - batidas e pisoteadas. Cada recém-
chegado ao reino da ciência, criança ou adulto, deve começar sua jornada com isto, com a 
formulação afiada de uma dificuldade que é insuperável com o auxílio de meios pré-científicos, com 
a expressão precisa e acurada de uma situação problema. 
O que dizer de uma matemática que forçou seus alunos a memorizar as respostas dos 
exercícios impressos no final do livro, não mostrando-lhes nem os exercícios nem métodos para 
resolvê-los? 
No entanto, muitas vezes ensinamos às crianças geografia, botânica, química, física e 
história de uma forma tão absurda. Dizemos-lhes as respostas encontradas pela humanidade, muitas 
vezes sem sequer tentar explicar exatamente a quais perguntas essas respostas foram dadas, 
encontradas ou adivinhadas. 
Os livros de texto e os professores que os seguem muitas vezes, infelizmente, começam 
imediatamente com "definições" quase-científicas. Mas as pessoas reais que criaram a ciência nunca 
começaram com isso. Terminaram com definições. Por alguma razão, no entanto, a criança é 
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"conduzida" para a ciência do lado oposto. E então as pessoas ficam surpresas de que ela seja 
incapaz de "dominar" proposições teóricas gerais, e que tendo-as "dominado" (no sentido de 
atulhado) é incapaz de relacioná-las com a realidade, com a "vida". Desta forma, o pseudo-cientista 
cresce formal - a pessoa que às vezes conhece toda a literatura em seu campo de especialização, mas 
não a entende. 
Karl Marx deu uma boa descrição desse fenômeno há cem anos, com referência ao vulgar 
economista político burguês W. Roscher: 
Eu reservarei este companheiro para uma nota. Tais estudantes professorais não têm 
lugar no texto. Roscher tem, sem dúvida, um conhecimento considerável - e muitas 
vezes inútil - da literatura, embora mesmo aqui parece que vejo o aluno de 
Göttingen vasculhando ansiosamente tesouros literários e familiarizado apenas com 
o que poderia ser chamado de literatura oficial e respeitável. Mas isso não é tudo. 
Pois o que se aproveita de um sujeito que, embora conheça toda a literatura 
matemática, não entende nada de matemática? 
“Se apenas esse estudante professoral, por natureza, totalmente incapaz de fazer 
mais do que aprender sua lição e ensiná-la, de chegar ao estágio de ensinar a si 
mesmo, se ao menos o tal Wagner fosse, pelo menos, honesto e consciencioso, ele 
poderia ser de alguma utilidade para seus alunos. Se ele ao menos não se entregasse 
a falsas evasões e dissesse francamente: ‘Aqui temos uma contradição. Alguns 
dizem isso, outros aquilo. A natureza da coisa impede que eu tenha uma opinião. 
Agora, veja se vocês podem resolver sozinhos!’ Desse modo, seus alunos 
receberiam, por um lado, algo para prosseguir e, por outro, seriam induzidos a 
trabalhar por conta própria. Mas, reconhecidamente, o desafio que lancei aqui é 
incompatível com a natureza do estudante professoral. Uma incapacidade de 
compreender as perguntas em si é essencialmente parte integrante dele, e é por isso 
que seu ecletismo apenas vai fungando em meio à riqueza de respostas definidas". 
(carta a Ferdinand Lassalle, de 16 de junho de 1862, ver K. Marks [Marx] e Engel’s 
[Engels], Soch., Vol. 25, p. 404 [Tradução inglesa de 
www.marxists.org/archive/marx/works/1862/letters/62_06_16.htm]). 
 
Essa análise da "mente" do sujeito formal é muito instrutiva para a pedagogia, para a arte de 
ensinar a pensar. 
A ciência - tanto no seu desenvolvimento histórico como no processo de sua assimilação 
pelo indivíduo - em geral começa com uma questão, seja ela dirigida à natureza ou às pessoas. 
Mas qualquer questão real que surge do meio da vida e é insolúvel com a ajuda de métodos 
predeterminados, costumeiros, estereotipados e rotineiros é sempre formulada para a consciência 
como uma contradição formalmente insolúvel. 
Ou, para ser ainda mais preciso, como uma contradição "lógica" que é insolúvel por meios 
puramente lógicos - isto é, por uma série de operações puramente mecânicas, robotizadas, sobre 
conceitos previamente memorizados (ou, para ser mais preciso, sobre "termos"). 
http://www.marxists.org/archive/marx/works/1862/letters/62_06_16.htm
JULY–AUGUST 2007 19 
A filosofia há muito deixou claro que uma verdadeira "questão" que só pode ser resolvida 
por meio de uma investigação mais aprofundada dos fatos aparece sempre como uma "contradição 
lógica", como um "paradoxo". 
Assim, é somente no ponto, no corpus do conhecimento, onde de repente aparece uma 
"contradição" (alguns dizem isso, outros dizem aquilo) que, propriamente falando, surgem mais 
profundamente a emergência e a necessidade de investigar o próprio objeto. É um indicador de que o 
conhecimento registrado em proposições geralmente aceitas é excessivamente geral, abstrato e 
unilateral. 
É precisamente por isso que a mente que foi treinada para a ação estereotipada de acordo 
com a prescrição estabelecida de uma "solução típica" e que fica perdida quando lhe é solicitado 
encontrar uma solução (criativa) independente "não gosta" de contradições. Ela tenta evitá-las ou 
disfarça, retornando repetidamente para a trilha batida da rotina. E quando no cálculo final não 
consegue evitar ou disfarçar uma contradição, quando a "contradição" teimosamente continua a 
aparecer, tal "mente" desmorona na histeria, exatamente no ponto em que é necessário "pensar". 
Por esta razão, a atitude de uma mente para com a contradição é um critério muito preciso 
da sua cultura – e mesmo, propriamente falando, um indicador de sua presença como inteligência. 
Pesquisadores do laboratório de I. P. Pavlov realizaram uma experiência muito desagradável 
em um cão (desagradável para o cão, é claro). 
Eles com perseverança induziram e desenvolveram no cão um reflexo salivarpositivo para 
um círculo e um reflexo negativo para uma elipse. O cão era muito bom em distinguir essas duas 
formas "diferentes". Então, um belo dia eles começaram a girar o círculo dentro do campo de visão 
do cão de tal forma que ele gradualmente "virou" uma elipse. O cão tornou-se agitado e em certo 
ponto desmoronou em histeria. Dois mecanismos de reflexo condicionado, rigorosamente 
desenvolvidos e diretamente opostos, foram ativados simultaneamente e se chocaram em conflito, 
"erro" ou antinomia. Para o cão, isso foi insuportável. O ponto em que "A" se transforma em "não-
A", o ponto em que "os opostos se encontram" é exatamente o ponto em que a diferença fundamental 
entre o pensamento humano e a atividade reflexa do animal se manifesta clara e nitidamente. 
Nesse ponto, o animal (e também a mente privada da verdadeira cultura "lógica") 
desmorona na histeria, começa a se precipitar e torna-se prisioneira de circunstâncias aleatórias. 
Para a mente equipada com a verdadeira cultura lógica, o aparecimento de uma contradição 
é um sinal do surgimento de um problema que é insolúvel com o auxílio de ações intelectuais 
estritamente estereotipadas, um sinal para ativar o "pensamento" - o exame independente da "coisa" 
na expressão da qual a antinomia surgiu. 
JULY–AUGUST 2007 20 
Portanto, é necessário treinar a "mente" desde o início de tal maneira que uma "contradição" 
não deve causar-lhe a histeria, mas um impulso ao trabalho independente, ao exame independente da 
coisa em si - e não apenas daquilo que outras pessoas disseram sobre essa coisa. 
Esta é uma exigência elementar da dialética. E a dialética não é de modo algum uma arte 
misteriosa apenas para mentes maduras e seletas. É a verdadeira lógica do pensamento real - 
sinônimo de pensamento concreto. As pessoas devem ser treinadas nela desde a infância. 
Não posso deixar de recordar aqui as sábias palavras ditas há não muito tempo por um velho 
matemático. Deliberando sobre as causas da cultura inadequada do pensamento matemático (e não 
apenas matemático) entre os graduados do ensino secundário nos últimos anos, ele deu a seguinte 
caracterização extraordinariamente precisa dessas causas: os currículos contêm "muito do que é 
definitivamente estabelecido", muitas “verdades absolutas”. É precisamente por isso que os alunos, 
habituados a “engolir a perdiz assada da ciência absoluta", são então incapazes de encontrar o 
caminho para a verdade objetiva, para a "coisa" em si. 
Isso também soa, por assim dizer, "paradoxal". No entanto, as palavras do matemático são 
tão simples quanto verdadeiras: 
Lembro-me de meus próprios tempos de escola. Ensinou-nos literatura um seguidor 
muito erudito de Belinsky. E nos acostumamos a olhar para Pushkin pelos seus 
olhos, isto é, através dos olhos de Belinsky. Em relação a tudo o que o professor nos 
disse sobre Pushkin sem dúvida, nós também vimos em Pushkin apenas o que ele 
nos disse - e nada mais... Assim permaneceu até que, por acaso, eu me deparei com 
um artigo de Pisarev. Isso me deixou confuso. O que é isso? Tudo foi virado de 
cabeça para baixo e ainda convincente. O que eu iria fazer? E só então voltei minha 
atenção para o próprio Pushkin. Só então eu próprio descobri sua verdadeira beleza 
e profundidade. E só então compreendi – de verdade, e não de forma escolástica – 
tanto Belinsky como Pisarev. 
 
E isso, é claro, não se aplica apenas a Pushkin. Quantas pessoas deixaram a escola para a 
vida adulta tendo memorizado "indubitáveis" proposições sobre Pushkin de livros didáticos e 
contentando-se com isso! Naturalmente, uma pessoa que tenha engolido sua porção da “perdiz 
assada da ciência absoluta" já não quer olhar a perdiz viva voando no céu. Afinal de contas, não é 
segredo que muitas pessoas não tivessem qualquer desejo de ler Pushkin nocauteados pelas aulas de 
literatura na escola secundária - e não apenas Pushkin. 
Pode-se objetar que nossas escolas são obrigadas a ensinar aos alunos os fundamentos 
"indubitáveis" e "firmemente estabelecidos" da ciência moderna e não a semear dúvidas, 
contradições e ceticismo em seus cérebros imaturos. Verdade. Mas, ao mesmo tempo, não se deve 
esquecer que todos esses "fundamentos firmemente estabelecidos" não são outra coisa senão os 
JULY–AUGUST 2007 21 
resultados de uma busca difícil, nada menos que respostas laboriosamente adquiridas a perguntas que 
uma vez surgiram (e ainda são compreensíveis) – nada além do que contradições resolvidas. 
E não "verdades absolutas" que caíram do céu para as cabeças dos gênios. Afinal, alguém 
deve ter capturado e assado a perdiz. E o que deve ser aprendido na ciência é como fazer isso, não 
como engolir o mingau de aveia já mastigado pelos dentes dos outros. E deve ser aprendido desde o 
primeiro passo - porque mais tarde será tarde demais. 
"O resultado puro sem o caminho que leva a ele é um cadáver", ossos mortos, o esqueleto da 
verdade, incapaz de movimento independente - assim o grande dialético Hegel se expressa 
esplendidamente em sua Fenomenologia da Mente. Uma verdade científica estabelecida em termos 
verbais e divorciada da rota pela qual foi adquirida transforma-se em uma casca verbal, mesmo que 
retenha todos os sinais externos da "verdade". E então o morto se apodera do vivo e não lhe permite 
avançar na estrada da ciência, ao longo do caminho da verdade. A verdade morta torna-se o inimigo 
da verdade viva e desenvolvente. É assim que se obtém o intelecto dogmático e ossificado que, nos 
exames de graduação, recebe um "cinco", mas que a vida dá um "dois" ou mesmo uma pontuação 
mais baixa.5 
Tal pessoa não gosta de contradições porque não gosta de perguntas não resolvidas. Ela 
gosta apenas de respostas definidas. Ela não gosta de trabalho mental independente, preferindo tirar 
proveito dos frutos do trabalho mental dos outros. Ela é uma consumidora parasita, não uma 
produtora criativa. Nossas escolas, infelizmente, já fabricaram muitas dessas. 
E isso é inculcado desde a infância, desde o primeiro ano. E por aqueles "pedagogos" que 
gostam de despejar a culpa pela "falta de capacidade" na natureza "irrepreensível". É hora de 
expulsar esta vil fábula, tão conveniente para professores preguiçosos, de nosso ambiente pedagógico 
tão impiedosamente quanto expulsamos as fábulas estúpidas da religião. 
Ensinar especificamente o pensamento humano significa ensinar a dialética - a capacidade 
de formular rigorosamente uma "contradição" e então encontrar a sua verdadeira resolução por meio 
do exame concreto da coisa, da realidade, e não por meio de manipulações verbais formais que 
camuflam "contradições" em vez de resolvê-las. 
Aqui está todo o segredo. Aqui reside a diferença entre a lógica dialética e formal, entre o 
pensamento humano e a psique de qualquer mamífero ou as ações de um computador. Um 
computador também entra em um estado de "autoexcitação" que muito precisamente "modela" a 
histeria do cão nos experimentos de Pavlov quando dois comandos, mutuamente exclusivos - uma 
"contradição" - são introduzidos simultaneamente. 
 
5 Na União Soviética e na Rússia os estudantes eram e são graduados em uma escala de cinco pontos, sendo cinco a nota 
mais alta. Trad. 
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Para o ser humano, em contraste, o aparecimento de uma contradição é um sinal para ativar 
o "pensar" e não a histeria. Isso deve ser ensinado desde a infância, desde os primeiros passos da 
pessoa na ciência. Aqui está a única chave para a transformação da "didática" com base no 
materialismo dialético, com base na dialética como lógica materialista e teoria do conhecimento. 
Caso contrário, toda conversa sobre essa "transformação" continuará sendo um desejo piedoso, uma 
frase vazia. Pois o "núcleo" da dialética, sem o qual não há dialética, é precisamente a "contradição" 
- o "motor" e a "mola mestra" do pensamento em desenvolvimento. 
Nãohá nada especialmente "novo" aqui. Qualquer pedagogo razoavelmente inteligente e 
experiente faz e sempre fez isso. Ou seja, sempre orienta com tática a criança para uma "situação 
problemática", como é chamada na psicologia - isto é, uma situação insolúvel com a ajuda de 
métodos de ação já desenvolvidos pela criança, com a ajuda do "conhecimento" já dominado por ela, 
mas uma situação que está ao mesmo tempo bem dentro de suas capacidades, dado o seu 
conhecimento existente (precisamente avaliado). Uma situação que, por um lado, requer o uso ativo 
de toda a sua bagagem intelectual previamente acumulada e, por outro lado, não "cede" 
completamente a ele, mas exige "um pouco mais" - um argumento próprio, um dispositivo criativo 
elementar, uma gota de "independência" de ação. 
Se, depois de um processo de tentativa e erro, uma pessoa encontrar uma "saída" de tal 
situação sem orientação direta ou guia, ele dá um passo real no caminho do desenvolvimento mental, 
do desenvolvimento da "inteligência". E tal passo vale mais do que mil verdades dominadas na 
forma estabelecida das palavras dos outros. 
Pois é só e precisamente assim que uma pessoa desenvolve a capacidade de realizar ações 
que a obrigam a ir além das condições dadas de uma tarefa. 
Nesse sentido, existe uma dialética onde quer que uma pessoa vá além do conjunto de 
condições dadas dentro das quais a tarefa permanece resolvida e não resolvida (e, portanto, tem a 
aparência de uma "contradição lógica" entre o "objetivo" e os "meios" para alcançá-lo) naquele 
conjunto mais amplo de condições dentro das quais ela é realmente - concretamente, em relação aos 
objetos e, portanto, "obviamente" - resolvida. 
Tal dialética é realizada mesmo no caso de resolver uma tarefa geométrica simples que 
requer uma transformação das condições dadas pelo diagrama inicial - mesmo que essa 
transformação consista apenas em traçar a primeira e única linha "extra" que une duas outras (dadas) 
que estavam previamente desunidas, desconectadas, ou – o termo usado em lógica – “sem 
mediação”. A linha que realiza a conexão - a transição, a conversão - e, portanto, incorpora as 
características das duas linhas que ela conecta, tanto "A" quanto "não-A". 
JULY–AUGUST 2007 23 
Desta forma, resolvemos, em ação orientada a objetos e em contemplação, a situação que 
levou o cão a um estado de histeria. A situação de transição ou conversão de uma forma claramente 
definida para outra - de um círculo para uma elipse, de um polígono a um círculo, de uma linha reta a 
uma curva, de uma área a um volume, e assim por diante - em geral, de "A" para "não-A". 
Qualquer tarefa que exija tal transição do dado ou conhecido para o desconhecido sempre 
implica a conversão de opostos fixos. 
Se "A" é conhecido por nós (suas características qualitativas ou quantitativas ou 
"parâmetros" são dados) e nós precisamos encontrar "B" - isto é, expressar "B" através das 
características de "A" - e ainda não conhecenos esse "B", então isso significa que, por enquanto, só 
podemos dizer que é "não-A". Mas o que é isso, além de ser "não-A"? 
É por isso que precisamos encontrar uma transição ou "ponte". A transição de uma coisa 
para uma segunda - de "A" para "não-A" - pode, em geral, ser realizada apenas por meio de um "elo 
de mediação", por meio de um "termo médio da dedução", ou - como é chamado em lógica - por 
meio de "um terceiro". 
Encontrar esse termo intermediário é sempre a principal dificuldade de uma tarefa. É aqui 
que a presença ou ausência de "inteligência afiada", "inventividade" e outras qualidades da "mente 
inteligente" vem à tona. 
Esse "terceiro" desconhecido sempre possui propriedades dialéticas claramente marcadas. 
Ou seja, deve incorporar simultaneamente as características de "A" e as características de "B" (isto é, 
"não-A"). 
Para "A" ele deve representar "B" e para "B" ele deve ser uma imagem de "A". 
Da mesma forma, um diplomata em um país estrangeiro "representa" não ele mesmo, mas 
seu país. No país "A", ele é um representante de "não-A". Ele deve falar em duas línguas, nas línguas 
dos dois países - na do país que representa e na do país no qual é representante. 
Em outras palavras, o "termo médio" deve combinar diretamente dentro de si as 
características dos lados da contradição que ele "medeia" - tanto "A" quanto "não-A". É uma unidade 
direta de opostos - o ponto em que se transformam um no outro. 
Enquanto os "lados da contradição" não são mediados - isto é, existe o "A" e, ao lado dele, o 
"não-A" - temos uma contradição lógica. Uma contradição lógica é uma contradição não-mediada, 
não resolvida. Nesse sentido - no sentido de que expressa uma questão não resolvida - é algo 
"intolerável". 
Resolver uma questão significa encontrar aquele "terceiro" por meio do qual os lados 
iniciais da contradição, "A" e "não-A", são unidos, conectados e expressos por meio um do outro - 
JULY–AUGUST 2007 24 
isto é, (no pensamento) transformam-se um no outro. Esta é a mesma situação que eles criaram para 
o cão no laboratório de Pavlov, "transformando" um círculo em uma elipse. 
Mas qual o significado que isso tem para o movimento do pensamento, para o treinamento 
da capacidade de "pensar?" Enorme significado. 
Acima de tudo, se tivermos claramente registrado as condições de uma tarefa como uma 
"contradição", então o nosso pensamento visa a buscar esse fato (linha, evento, ação, etc.) somente 
por meio do qual a contradição inicial pode ser resolvida. 
Por enquanto não sabemos o que é esse terceiro. É isso que devemos procurar e encontrar. 
Mas, ao mesmo tempo, já sabemos algo extraordinariamente importante sobre ele. Ou seja, 
deve simultaneamente corresponder às características de "A" e às características de "B" (isto é, de 
"não-A"). A busca do "termo médio" da dedução é, portanto, direcionada para o objetivo. Deve ser 
um fato real que, expresso através dos termos das condições iniciais da tarefa, se parecerá com "A" e 
com "não-A" simultaneamente e na "mesma relação" - como uma "contradição". 
Do ponto de vista do pensamento puramente formal, tal fato parece algo completamente 
impossível e impensável. Sim, é "impensável" no sentido de que ainda não está presente no nosso 
pensamento e no campo da nossa contemplação - nas condições dadas da tarefa. Mas, afinal, em 
última análise, todo o progresso em nosso conhecimento se resume em trazer o que antes era 
"impensável" dentro do âmbito do nosso pensamento: encontramos, vemos e compreendemos. E 
assim resolvemos uma tarefa, uma pergunta ou uma contradição previamente não resolvida. 
A dialética consiste em formular uma "contradição", trazendo-a para a mais completa 
nitidez e clareza de expressão, e depois encontrando uma resolução real, concreta, relacionada com o 
objeto e, portanto, óbvia. E isso é sempre realizado descobrindo um fato novo no contexto do qual a 
"contradição" anteriormente exposta por nós é simultaneamente realizada e concretamente resolvida. 
Uma contradição nitidamente formulada cria uma "tensão de pensamento" que não é 
liberada até que o fato, apenas por meio do qual é resolvido, é encontrado. 
Isso ocorre tanto nos casos mais complicados de desenvolvimento intelectual quanto nos 
mais simples. Foi precisamente a dialética que permitiu a Karl Marx resolver um problema sobre o 
qual os economistas burgueses haviam esgotado seus cérebros em vão - o problema do surgimento 
do capital a partir da troca de mercadorias. Em primeiro lugar, uma contradição acentuada foi 
registrada aqui. O problema é que a lei suprema das relações de mercado é a troca de equivalentes, 
de valores iguais. Se eu tiver um objeto no valor de 5 rublos, eu posso trocá-lo por outras 
commodities que também valem 5 rublos. Não posso por meio de troca - por meio de uma série de 
vendas e compras - transformar 5 rublos em 20 (se, é claro, excluímos especulação e fraude). Mas 
JULY–AUGUST 2007 25 
como, então, é possível olucro, a mais-valia e o capital? A lei do capital é a "autoexpansão" 
incessante. E, portanto, surge a questão: 
O nosso amigo, Endinheirado, que até agora é apenas um embrião capitalista, deve 
comprar suas mercadorias ao seu valor, deve vendê-las pelo seu valor, e no entanto, 
no final do processo deve retirar mais valor da circulação do que jogou nele no 
início. Seu desenvolvimento em um capitalista maduro deve ocorrer, tanto dentro da 
esfera da circulação quanto sem ela. Essas são as condições do problema. Hic 
Rhodus, hic salta! [Aqui está Rhodes, salte aqui!]. (K. Marks [Marx], Kapital 
[Capital], vol. 1, págs. 172-73]) [tradução para o inglês: 
www.econlib.org/library/YPDBooks/Marx/mrxCpA5.html] 
 
Assim, como então - sem qualquer fraude, isto é, sem violar a lei suprema do mundo das 
mercadorias - o "capital" aparece subitamente - um fenômeno cujas características contradizem 
diretamente a lei da troca de equivalentes? 
A tarefa é posta nítida e claramente. Sua solução, Marx continua, só é possível com a 
condição de que "nosso amigo, Endinheirado" deveria “ter tanta sorte de modo a encontrar, dentro da 
esfera da circulação, no mercado, uma mercadoria cujo valor de uso possua a propriedade peculiar de 
ser uma fonte de valor, cujo consumo real, portanto, é em si uma encarnação do trabalho e, 
consequentemente, uma criação de valor" (Marks, Kapital, vol.1, p.173). YPDBooks / Marx / 
mrxCpA6.html]). 
Uma mercadoria cujo consumo é uma criação! Uma coisa que parece impossível, 
"impensável" - porque é "logicamente contraditória". 
Mas se o nosso amigo, Endinheirado, mesmo assim se transformou em um capitalista, então 
ele resolveu o problema que é insolúvel do ponto de vista da lei suprema do mundo das mercadorias. 
Ele trocou o kopeck [antiga moeda russa] pelo kopeck da maneira mais honesta, nunca roubando 
uma só alma, e ainda acabou com um rublo. E isso significa que ele encontrou e comprou no 
mercado esse objeto impensavelmente maravilhoso - um valor de mercadoria cujo consumo 
(destruição) é idêntico à produção (criação) de valor. 
E para o teórico resolver essa contradição teórica (lógica), ele só tem que investigar onde 
Endinheirado conseguiu comprar uma mercadoria tão original, com a ajuda da qual o impensável se 
torna "pensável". E qual é esse objeto mágico que realiza o impensável, sem violar, no mínimo, a 
estrita lei do mundo das mercadorias? O autor de o Capital o segue e descobre que "o possuidor de 
dinheiro encontra no mercado tal mercadoria especial em capacidade de trabalho ou força de 
trabalho" (Marks, Kapital, vol.1, p.173). 
Esta é a única mercadoria no mercado que nos permite resolver a contradição que nenhum 
truque com a terminologia é capaz de resolver. Este é o único objeto que é estritamente subordinado 
a todas as leis da "mercadoria" e se ajusta estritamente a todas as definições teóricas de "mercadoria" 
JULY–AUGUST 2007 26 
e "valor" (essas mesmas definições e leis de cujo ponto de vista o nascimento do capital é um ato 
"ilegal") e que, ao mesmo tempo, em estrita conformidade com a lei, dá origem a essa prole "ilícita" - 
mais-valia e capital, isto é, fenômenos que contradizem diretamente as leis do mundo das 
mercadorias. Este é apenas um objeto em cuja própria existência a conversão de "A" para "não-A" - 
de valor de uso para o valor de troca - é realizada. Uma "conversão" que é tão natural - e ao mesmo 
tempo tão "insuportável" para o pensamento não-dialético- como a conversão do círculo para a 
elipse, para o não-círculo. 
O fato necessário foi encontrado - o fato diretamente real, concreto e óbvio - e a 
"contradição lógica", que de outra forma é insolúvel, foi resolvida. 
E aqui podemos ver muito claramente que é precisamente a "contradição lógica" exposta 
nas condições iniciais da tarefa e dentro daquelas condições não resolvidas e insolúveis que 
proporciona pensar com aquelas condições às quais o "desconhecido" - o "X" ou o elo perdido que 
temos de encontrar para resolver rigorosamente a tarefa - deve corresponder. 
E quanto mais fortemente é formulada a "contradição", mais precisamente indica os "sinais" 
a que esse "desconhecido" deve corresponder, os critérios segundo os quais a busca deve ser 
orientada e dirigida. Nesse caso, o pensamento de uma pessoa não vagueia aqui e ali com a 
esperança de tropeçar em um fato novo, mas procura propositadamente esse fato - o fato único que 
lhe permitirá fechar a corrente do raciocínio. 
Figurativamente, podemos imaginar esse mecanismo do pensamento dialético como segue. 
Ele traz à mente um fio elétrico cortado. Em uma extremidade do fio uma carga positiva acumulou, 
no outro uma carga negativa. A tensão entre as duas cargas opostas pode ser liberada apenas usando 
algum objeto para fechar o circuito. Que tipo de objeto? Vamos experimentar. Conectamos as 
extremidades do fio com um pedaço de vidro. A corrente não flui; a tensão permanece. Nós tentamos 
madeira. O resultado é o mesmo. Mas assim que colocamos um pedaço de metal no intervalo entre 
os pólos a corrente flui e a tensão é liberada. 
A "tensão da contradição" no pensamento é liberada de forma semelhante - inserindo um 
novo fato na cadeia de raciocínio que foi "cortada" pela contradição. Não, naturalmente, apenas 
qualquer fato que acontece de vir à mão, mas apenas o fato único que "se ajusta" nas condições da 
tarefa e se conecta ou "medeia" os lados anteriormente "sem mediação" da contradição. Deve ser um 
fato que simultaneamente "ajusta-se" às características (exigências legais) de ambos os lados da 
contradição. 
Para o lado "A" deve ser um "representante" do lado "B" (isto é, "não-A"), enquanto para o 
lado "B" deve ser uma imagem representativa do lado “A”, que é, é claro, “não-B"). Caso contrário, 
não poderia ser um "condutor" ou "intermediário" entre eles, assim como um intérprete entre duas 
JULY–AUGUST 2007 27 
pessoas que falam línguas diferentes só pode ser uma terceira pessoa que fala ambas as línguas. Deve 
possuir dentro de si, como partes de seu caráter "específico", os indicadores de "A" e "B" - isto é, 
deve ser uma combinação direta (unidade) de atributos diferentes e opostos. 
Uma vez que encontramos tal fato, a "contradição" deixa de ser "sem mediação" e não 
resolvida. Enquanto não a encontrarmos, a contradição permanece uma contradição "lógica" não 
resolvida e cria a própria "tensão do pensamento" que não nos dá descanso até que a tarefa seja 
resolvida. 
Adquirir a cultura do pensamento significa, portanto, aprender a "suportar a tensão da 
contradição" e não tentar evitá-la ou adulterá-la e, se isso falhar, sucumbir na histeria, na raiva e na 
irritação. Ao contrário, devemos sempre abordar uma contradição e tentar revelá-la em sua "forma 
pura" para então encontrar sua resolução concreta, objetiva e óbvia nos fatos. 
A dialética consiste em trazer à luz, nos fatos, no conjunto de fatos que constituem o sistema 
de condições da tarefa não resolvida, sua própria contradição, em conceder a essa contradição a 
máxima clareza e pureza de expressão e depois em encontrar sua "resolução" novamente em fatos - 
no fato único que ainda não está no campo de visão e que precisa ser encontrado. A própria 
contradição nos obriga a buscar tal fato. Nesse caso, a contradição no pensamento (isto é, a 
"contradição lógica") é resolvida da mesma maneira que a realidade, o movimento da "coisa em si" 
resolve contradições reais. 
E não por meio de manipulações puramente terminológicas, não por "esclarecer conceitos" e 
suas definições. 
(É claro que nenhuma objeção pode ser feita contra o esforço de "esclarecer conceitos". Ao 
verificar e rever o curso precedente de raciocínio que levou à "contradição lógica", descobrimos 
muitas vezes que essa contradição é meramente uma consequência de simples descuido, 
ambiguidade em termos ou alguma causa similar e, portanto, não expressa qualquer problema real 
relacionado ao objeto. Contradiçõesdesse tipo são resolvidas por meios puramente formais - ou seja, 
por "esclarecer conceitos" - e não exigem a busca de novos fatos. 
No entanto, a dialética exige um pensamento formalmente impecável. O que se disse acima 
se aplica apenas às "contradições lógicas" que emergem no raciocínio como resultado do pensamento 
mais rigoroso e formalmente impecável, do pensamento que dá expressão lógica às condições reais 
da tarefa. Isso deve ser levado em conta.) 
É por essa razão que a mais alta cultura do pensamento, a capacidade de suportar a "tensão 
da contradição" sem irritação ou histeria, a capacidade de resolver uma contradição na realidade e 
não nas palavras, sempre encontra expressão em saber argumentar consigo mesmo. O que distingue 
uma pessoa que pensa dialecticamente de uma pessoa que pensa não-dialeticamente? A capacidade 
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de pesar todos os "prós" e todos os "contras" por conta própria, sem a presença de um "oponente 
externo", sem esperar até que um adversário com alegria maliciosa empurre os "contras" na frente de 
seu nariz. 
Uma pessoa com pensamento culto é, portanto, sempre muito bem preparada para disputas. 
Ela previu e pesou todos os "contras" e tem seus contra-argumentos prontos. 
A pessoa que na preparação para uma disputa se limita a coletar com a parcialidade 
diligente "prós" e "confirmações" de uma tese não contraditória é sempre vencida. Ela é vencida de 
ângulos que ela não previu. E quanto mais diligentemente ela procurou "confirmações", quanto mais 
diligentemente fechou os olhos aos "lados" reais de uma coisa que pode servir de base para uma 
visão oposta, mais esses ângulos existem. 
Em outras palavras, quanto mais unilateral (mais abstrata e geral) a tese, para ela, 
"indubitável", que por alguma razão ela prefere, mais "indubitável" e "absoluta" a verdade que 
memorizou e dominou como uma tese internamente "não contraditória". 
É aqui que toda a artimanha das "verdades absolutas" se manifesta. Pois, quanto mais 
"absoluta" e "certa" uma verdade, mais próximo ela se aproxima do ponto fatídico de transformação 
em seu oposto, mais fácil para um oponente torná-la contra si mesma, mais fatos e provas podem ser 
citados contra ela. 
Duas vezes dois são quatro? 
Onde você viu isso? Em casos muito raros, casos artificiais e excepcionais. Nos casos 
envolvendo apenas corpos sólidos, mutuamente impenetráveis. Duas gotas de água "unidas" juntas 
renderão apenas uma gota, ou talvez vinte e uma. Dois litros de água "adicionados" a dois litros de 
álcool nunca lhe dará quatro litros de vodka, mas sempre um pouco menos. E, em geral, "duas vezes 
dois são quatro" seria absolutamente infalível somente se o universo consistisse apenas de "corpos 
absolutamente sólidos". Mas esses corpos realmente existem, pelo menos por exceção? Ou talvez 
eles existam apenas em nossas cabeças, na idealização da fantasia? Não é uma pergunta fácil. 
Átomos e elétrons, em qualquer caso, não são tais corpos. 
É precisamente por essa razão que aqueles matemáticos que estão convencidos de que 
suas afirmações (verdades matemáticas) possuem uma universalidade "absolutamente indubitável" 
estão inclinados para a ideia de que essas afirmações não refletem e não podem refletir nada no 
mundo objetivo real e que a totalidade da matemática do começo ao fim é meramente uma 
construção subjetiva artificial, o fruto da criatividade "livre" de nosso próprio espírito e nada mais. E 
então o fato de que essas afirmações são em geral aplicáveis a fatos empíricos e funcionam 
esplendidamente no curso de sua análise, no curso da investigação da realidade torna-se um enigma 
místico. 
JULY–AUGUST 2007 29 
E aí estão vocês! Idealistas filosóficos - como sempre em tais casos. 
E essa é a sua punição pela fé cega em uma tese absoluta aparentemente óbvia como "duas 
vezes dois são quatro". 
Absolutos são, em geral, não apenas estáticos, mas também extremamente ardilosos. Aquele 
que cegamente coloca sua fé em qualquer absoluto como algo "indubitável", mais cedo ou mais tarde 
será vilmente traído por ela. Como aquele cão que foi treinado irrefletidamente para salivar à vista de 
um círculo. 
Então é realmente apropriado inculcar na criança uma confiança cega em tais traidores 
patentes? Não se trata deliberadamente de prepará-la como holocausto, como sacrifício às "verdades 
absolutas" - em vez de educá-la para dominá-las? 
Uma pessoa educada a considerar "duas vezes dois são quatro" como uma verdade 
indubitável sobre a qual é inadmissível até mesmo ponderar, nunca se tornará simplesmente um 
matemático, muito menos um grande matemático. Ela não saberá se comportar na esfera da 
matemática como ser humano. 
Nesse campo, ela permanecerá sempre apenas uma cobaia a quem o professor presenteará 
constantemente com surpresas altamente desagradáveis e incompreensíveis, como a conversão de um 
círculo em uma elipse, de um polígono em um círculo, de uma curva em linha reta e de volta 
novamente, do finito em infinito, e assim por diante. Ela vai perceber todos esses truques como 
magia negra, como a arte misteriosa de deuses matemáticos a quem é necessário apenas adorar e 
venerar cegamente. 
Mas a vida vai mostrar-lhe não só como duas vezes dois transforma-se em cinco, mas 
também como se transforma em uma vela de cera. A vida é cheia de mudança e transformação em 
cada turno. Pouco nela é absolutamente estático. A ciência para ela será apenas um objeto de 
adoração cega, enquanto a vida será abundante em ocasiões de histeria. A conexão entre ciência e 
vida permanecerá sempre para ela misticamente incompreensível, fora de sua compreensão e 
alcance. A vida sempre lhe parecerá uma coisa bastante "não-científica" e até mesmo "irracional", e a 
ciência como uma visão que se eleva sobre a vida e não tem nenhuma semelhança com ela. 
O "enxerto de absolutos" no cérebro da criança não pode ter outro resultado. Quanto mais 
forte e cega a fé que uma pessoa coloca na infalibilidade deles quando se é criança, mais cruelmente 
a vida o punirá com desilusão na ciência, falta de fé e ceticismo. 
Pois, em todo caso, ela não escapará à contradição - o conflito entre uma ideia geral ou uma 
verdade abstrata e a diversidade de fatos vivos que ela não consegue acomodar. Cedo ou tarde ela 
será atraída para tal conflito - e será compelida a resolver a contradição. E se você não lhe ensinou 
como fazer isso, se você a convenceu de que as verdades impressas nela são tão absolutas e 
JULY–AUGUST 2007 30 
indubitáveis que ela nunca vai encontrar um fato que as "contradiz", então ela vai ver que você a 
enganou. E então ela deixará de acreditar em você e nas verdades que você tem martelado nela. 
A filosofia e a psicologia estabeleceram há muito tempo que o "cético" é sempre um 
"dogmático" desiludido, que o "ceticismo" é o reverso do "dogmatismo". São duas posições 
mutuamente reforçadoras, duas pedras de moinho mortas entre as quais uma educação estúpida 
tritura a mente viva. 
O treinamento de um dogmático consiste em ensinar uma pessoa a olhar para o mundo ao 
seu redor apenas como um reservatório de "exemplos" que ilustram a correção de uma ou outra 
verdade geral abstrata. Ao mesmo tempo, ele é cuidadosamente protegido do contato com fatos que 
favorecem a visão oposta e, acima de tudo, é impedido de ler obras que favorecem essa visão oposta. 
É evidente que só uma mente incapaz de uma atitude crítica em relação a si mesma pode ser treinada 
dessa maneira. É igualmente óbvio que tal mente crescida em estufa só pode sobreviver sob uma 
redoma, em ar condicionado esterilizado, e que a saúde espiritual assim preservada é tão frágil 
quanto a saúde física de uma criança mantida dentro de casa por medo de ela pegar um resfriado. 
Mesmo a menor brisa vai arruinar essa saúde. O mesmo acontece com uma mente que está 
cuidadosamente protegida dos encontros com as contradições da vida, uma mente que teme obras 
que questionamos dogmas que memorizou. 
É muito mais benéfico para a "boa causa" - escreve Kant na Crítica da Razão Pura - estudar 
contra-argumentos do que ler obras que demonstram o que você já sabe. "A resposta do defensor 
dogmático da boa causa", ele continua, "eu não deveria ler. Eu sei de antemão que ele vai atacar os 
argumentos sofisticados de seu oponente simplesmente para ganhar a aceitação para o seu próprio; e 
também sei que uma linha bastante familiar de argumento falso não produz tanto material para novas 
observações como uma que é nova e engenhosamente elaborada... 
Mas não devem os jovens, pelo menos, quando confiados ao nosso ensino acadêmico, ser 
advertidos contra tais escritos e preservados de um conhecimento prematuro de tais proposições 
perigosas, até que sua capacidade de julgamento seja madura, ou ao menos até a doutrina que 
buscamos incutir neles tomou raízes tão firmes, que eles são capazes efetivamente de resistir a toda 
persuasão a opiniões contrárias, a partir de qualquer canto que possa vir? " 
Isso parece razoável, diz Kant. Mas . . . 
"Mas quando, mais tarde, ou a curiosidade ou a moda da época traz esses escritos sob o seu 
conhecimento, será que a sua convicção jovem, então, resistirá ao teste?" 
Duvidoso. Para a pessoa que está acostumada apenas ao elenco dogmático da mente e não 
sabe desenvolver a dialética oculta em sua própria alma, não menos do que na alma de seu 
JULY–AUGUST 2007 31 
adversário, a convicção oponente possuirá "a vantagem da novidade", enquanto a convicção familiar, 
aprendida com "a credulidade da juventude", já perdeu essa vantagem. 
"E, consequentemente, ele acredita que não pode haver melhor maneira de mostrar que ele 
superou a disciplina infantil do que deixando de lado esses bons avisos; e acostumado como está ao 
dogmatismo, bebe goles profundos do veneno, o que destrói seus princípios por um “contra-
dogmatismo". 
Tudo isso, é claro, permanece verdadeiro até hoje. Esta é uma lei psicológica que tem seu 
protótipo na lógica das coisas. 
É precisamente por esta razão que Hegel considerou o "ceticismo" um nível mais elevado de 
desenvolvimento do espírito do que o "dogmatismo" - a forma natural da superação do dogmatismo 
ingênuo. 
Pois, enquanto o dogmático defende obstinadamente "metade da verdade" contra a outra 
"metade da verdade", sem saber como encontrar a "síntese de opostos" ou "verdade concreta", o 
cético - que também não sabe como realizar essa síntese concreta - pelo menos vê ambas as metades, 
entendendo que há bases para ambas, e oscila entre elas. 
O cético, portanto, tem uma chance de ver a "coisa", na qual os dogmáticos quebram sua 
lança, como uma "unidade de opostos" - como aquele "terceiro" desconhecido que aparece a um 
dogmático como "A" e a outro como "não-A". 
E dois dogmáticos - como dois carneiros em uma ponte - estão condenados à eterna luta. 
Eles vão bater um no outro até que ambos caiam na água fria do ceticismo. 
E só depois de se banharem em sua corrente de águas sóbrias eles se tornarão mais espertos 
- se, é claro, eles não se asfixiarem ou se afogarem. 
O pensamento dialético, de acordo com Hegel, incorpora o "ceticismo" como seu elemento 
"intrínseco" organicamente inerente. Mas, como tal, não é mais "ceticismo", mas simplesmente 
autocrítica racional. 
Uma mente viva e dialeticamente pensante não pode ser constituída a partir de duas metades 
igualmente mortas - do "dogmatismo" e do "ceticismo". É, mais uma vez, não simplesmente uma 
combinação mecânica de dois pólos opostos, mas um "terceiro". Esse terceiro é uma combinação da 
convicção racional (e, portanto, firme) com uma autocrítica igualmente racional (e, portanto, 
perspicaz). 
Aos olhos de um dogmático esse "terceiro" sempre se parece com "ceticismo"; aos olhos de 
um cético sempre se parece com "dogmatismo". 
Na verdade, trata-se da dialética - a dialética de uma mente capaz de refletir a dialética da 
realidade, uma lógica de pensar de acordo com a lógica das coisas. 
JULY–AUGUST 2007 32 
É somente mantendo tudo isso em vista que é possível construir uma didática destinada a 
treinar uma mente verdadeira. 
E se você quiser educar uma pessoa como um cético consumado e duvidador, então não há 
método mais confiável de fazer isso do que inculcar nele uma confiança cega "nas verdades 
absolutas da ciência" - nas verdades melhores e mais verdadeiras, naquelas verdades que nunca o 
enganariam se as tivesse aprendido cegamente e sem pensar, mas com inteligência. 
E, inversamente, se você quiser educar uma pessoa que não apenas estará firmemente 
convencida do poder do conhecimento, mas também saberá como aplicar seu poder à resolução das 
contradições da vida, então meça para o "indiferente" uma dose de "dúvida" que não lhe fará nenhum 
dano - uma dose de skepsis [ceticismo], como diziam os gregos antigos. Faça como os médicos 
fizeram por muito tempo, quando inoculam um bebê recém-nascido com uma vacina enfraquecida 
das doenças as mais terríveis (mesmo para um adulto!). Faça-o pegar essas doenças em uma forma 
enfraquecida e segura - a forma que uma pessoa e sua mente precisam. Treine-a independentemente 
para verificar cada verdade geral no confronto olho no olho com fatos que a contradizem 
diretamente. Ajude-a a resolver o conflito entre a verdade geral e o fato específico em favor da 
verdade autêntica e concreta - isto é, para o benefício conjunto da ciência e do fato. 
E não em benefício do "fato" e em prejuízo da "ciência", como acontece frequentemente 
com os dogmáticos que se desesperaram para resolver racionalmente esse conflito e, portanto, 
desiludiram-se com a ciência e a traem com o pretexto de que ela "não mais corresponde à vida". 
Então, o terrível micróbio da desilusão e do ceticismo não ficará à espreita para envenenar 
seu aluno enquanto ele cruza o limiar da escola. Bem e verdadeiramente imunizado, ele saberá como 
manter a honra do conhecimento científico no caso de entrar em conflito com "fatos" e "factóides" 
que o "contradizem". Ele saberá interpretar estes fatos cientificamente e não por meio da "adaptação" 
burguesa da ciência a eles, não traindo verdades científicas "por causa dos fatos", "por causa da 
vida", mas na realidade pelo bem do princípio burguês de "assim é a vida". 
Só assim é possível desenvolver na pessoa a capacidade de pensar, de pensar 
concretamente. 
Pois só é possível pensar concretamente. Porque a própria verdade é sempre concreta, 
porque "a verdade abstrata não existe" (Lênin). 
Essa sábia verdade, que as grandes mentes da humanidade - Spinoza, Hegel, Marx, Engels, 
Plekhanov, Lênin - não se cansaram de repetir ao longo dos séculos, está, infelizmente, longe de se 
tornar um dos princípios condutores de nossa didática e pedagogia. 
JULY–AUGUST 2007 33 
É verdade que muitas vezes - com demasiada frequência, talvez – agimos hipocritamente 
com a palavra "concreto", dilapidando esse precioso conceito com insignificâncias com que não tem 
nenhuma relação. 
Não confundimos muitas vezes a "concretude" com a "obviedade"? Afinal de contas, essas 
são coisas muito diferentes - pelo menos na filosofia marxista-leninista, na lógica e na teoria do 
conhecimento do materialismo. 
Na filosofia científica, "concreto" não é de modo algum entendido como "óbvio". Marx, 
Engels e Lênin repudiaram categoricamente a equiparação desses dois conceitos como um legado 
muito ruim da filosofia escolástica medieval. Para Marx, Engels e Lênin, "concreto" é sinônimo de 
"unidade na diversidade". Ou seja, a palavra "concreto" é reservada a um agregado legitimamente 
conectado de fatos reais, sistema de fatos determinantes, entendidos em sua interligação e interação. 
Onde não há tal sistema, onde há apenas um amontoado ou conglomerado de todos os tipos 
de fatos "óbvios" e exemplos que confirmam alguma "verdade" escassa e abstrata, não pode haver 
qualquer "conhecimento concreto" do ponto de vista da filosofia. 
Pelocontrário, neste caso, a "obviedade" é apenas um traje de disfarce sob o qual se 
esconde o inimigo mais astuto e repulsivo do "pensamento concreto" - conhecimento abstrato no 
sentido pior e mais preciso da palavra, no sentido de vazio, isolado da vida, da realidade, da prática. 
É verdade que muitas vezes você ouve a seguinte "justificativa". Nos reinos mais elevados 
da sabedoria filosófica, "concreto" pode significar algumas coisas muito complicadas. Mas a didática 
é uma ciência mais simples. Ela não se preocupa com as alturas da dialética, e é, portanto, permitido 
tudo o que não é permitido à filosofia superior. Portanto, não é tão terrível se entendemos por 
"concretude" precisamente "obviedade" e não entrar em distinções excessivamente finas. 
À primeira vista isso parece certo. E se na pedagogia o termo "concreto" não se distingue 
muito claramente do termo "óbvio"? É realmente uma questão de terminologia? "Uma rosa com 
qualquer outro nome cheira igualmente doce." Se fosse meramente uma questão de terminologia, 
poderíamos concordar com tudo isso. Mas o problema é que não é. 
O ponto é que, embora possa tudo começar com confusão sobre os termos, a confusão a que 
isso leva não é brincadeira. 
Em última análise, a "obviedade" (o princípio em si não é nem bom nem mau) não é o 
aliado e amigo do pensamento verdadeiro (= concreto) que os didatas pensam que deve ser, mas algo 
bem ao contrário. É precisamente a máscara sob a qual se escondem os mais abstratos - no pior 
sentido - pensamento e conhecimento. 
Combinada com a verdadeira concretude, a "obviedade " é um poderoso meio de 
desenvolver uma mente pensante. 
JULY–AUGUST 2007 34 
Mas combinada com a abstração, a mesma "obviedade" torna-se um meio confiável de 
paralisar e perverter a mente da criança. 
Em um caso, é uma grande bênção, no outro, um mal igualmente grande - assim como a 
chuva pode beneficiar a colheita em um caso e prejudicá-la em outro. 
E quando os professores se esquecem disso, quando começam a ver a "obviedade" como 
uma "bênção" absoluta e incondicional, como uma panacéia para todos os males e, sobretudo, para a 
má "abstração", para a assimilação verbal formal do conhecimento, é então que, inconscientemente, 
prestam o maior serviço ao inimigo - o "abstrato". De forma hospitaleira, abrem-lhe todas as portas e 
janelas da escola, desde que tenha a inteligência de aparecer ali na fantasia de "obviedade", sob um 
manto decorado com pequenos quadros, "livros didáticos gráficos" e os outros atributos que 
compõem sua camuflagem "concreta". 
E isso é terrível. Um inimigo aberto é preferível a um inimigo que se passa por um amigo. 
É aí onde a confusão lidera. 
Primeiro deixe-me contar uma parábola sábia feita há 150 anos por um homem muito 
inteligente. Esta parábola é intitulada: "Quem pensa abstratamente?" Aqui está a primeira parte. 
Um assassino está sendo levado à execução. Para a multidão de curiosos ele é um 
assassino e nada mais. Pode acontecer que as senhoras que estão presentes 
observem, entre outras coisas, que ele é uma bela figura de homem, até mesmo um 
homem bonito. A multidão considera isso uma observação repreensível: "O quê? O 
assassino é bonito? Como vocês podem pensar uma coisa tão terrível? Como vocês 
podem chamar um assassino de bonito? Vocês mesmas, ouso dizer, não são 
melhores!” E, talvez, um sacerdote, com o hábito de olhar profundamente para as 
coisas e para os corações humanos, acrescente: "Este é um sinal da corrupção moral 
que reina nos mais altos círculos da sociedade." 
O conhecedor de pessoas tem uma abordagem diferente. Ele traça o curso de eventos 
que moldaram o criminoso e descobre na história de sua vida e educação a 
influência da discórdia dos pais em sua família. Ele vê que uma vez que esta pessoa 
foi punida com severidade excessiva por uma infração insignificante; isso o 
amargou, inclinou-o contra a ordem legal, e despertou sua resistência, colocando-o 
fora da sociedade, de modo que, eventualmente, o crime tornou-se seu único meio 
de autoafirmação. 
A multidão, se eles ouvissem isso, certamente ficaria indignada: "Ele quer justificar 
um assassino!" 
Lembro-me de como, nos dias da minha juventude, havia um prefeito que se 
queixava de que os escritores haviam descido tão baixo a ponto de minar os 
alicerces do Cristianismo e da ordem legal: um deles, o céu o perdoe, até defendeu o 
suicídio! 
Outra explicação do prefeito chocado deixou claro que ele estava falando de Os 
sofrimentos do jovem Werther [de Goethe]. 
 
Isto é o que se chama pensar abstratamente - não ver nada em um assassino além da 
abstração de que ele é um assassino, e por meio dessa simples qualidade extinguir todas as outras 
qualidades do ser humano no criminoso. Mas passemos à segunda parte da parábola. 
JULY–AUGUST 2007 35 
"Ei, velha, você está vendendo ovos podres", diz a compradora à comerciante. "O 
quê?" a comerciante explode. "Meus ovos estão podres? Você está podre! Você se 
atreve a me dizer uma coisa dessas sobre minhas mercadorias? E quem é você? Seu 
pai foi comido vivo por piolhos e sua mãe teve casos com franceses! Você, cuja avó 
morreu num albergue! Olhe, você enrolou um lençol inteiro em seu xale! Não 
duvide, todo mundo sabe de onde tudo isso veio! Se não fosse pelos oficiais, você e 
seu tipo não estariam desfilando em fineza! Mulheres decentes cuidam melhor de 
suas casas, mas o lugar para você e seu tipo é na cadeia! Melhor seria se você 
cerzisse os buracos de suas meias!" Em suma, ela não pode permitir a mínima gota 
de bem na mulher que a insultou. [Retraduzido do russo; fonte exata não fornecida 
no original] 
 
Ela também está pensando abstratamente, resumindo tudo, começando com o xale e 
terminando com as meias, da cabeça aos pés, e jogando no pai da compradora e outros parentes em 
boa medida, exclusivamente à luz de seu crime em dizer que os ovos da comerciante não eram 
frescos. Ela vê tudo através do prisma desses ovos podres, enquanto aqueles oficiais a quem ela se 
refere, é claro, eles têm alguma coisa a ver com o assunto em questão, o que é muito duvidoso – 
prefeririam notar outras coisas em uma mulher. 
Essa parábola não parece necessitar de comentários longos. Seu autor, o grande dialético 
Hegel, a usa para ilustrar uma proposição muito simples e profundamente verdadeira, ainda que à 
primeira vista paradoxal: "Quem pensa abstratamente? A pessoa sem instrução, e de nenhuma 
maneira a educada." 
A pessoa de cultura intelectual nunca pensa abstratamente porque é muito fácil, por causa 
do "vazio interior e inutilidade desse passatempo". Ele nunca se contenta com uma definição verbal 
escassa ("assassino", etc.), mas sempre tenta examinar a própria coisa em todas as suas "mediações", 
conexões e relações, e, além disso, no desenvolvimento causalmente condicionado pelo mundo 
inteiro dos fenômenos que produziram essa coisa. 
É o pensamento desse tipo – pensamento culto, competente e flexível dirigido ao objeto – 
que a filosofia chama de “pensamento concreto”. Esse pensamento é sempre guiado por sua própria 
"lógica das coisas" e não por qualquer interesse, preconceito ou aversão estritamente egoísta 
(subjetivo). Ele focaliza as características objetivas de um fenômeno, visando revelar sua 
necessidade - isto é, a lei que as governa, e não os detalhes triviais que costumam chamar a atenção, 
sejam eles cem vezes mais "óbvios". 
O pensamento abstrato é guiado por palavras gerais, por termos e frases memorizados e, 
portanto, vê muito pouco da riqueza dos fenômenos reais. Ele vê apenas o que "confirma" ou fornece 
"prova gráfica e óbvia" de um dogma ou concepção geral que está preso(a) na cabeça ou, em muitos 
casos, simplesmente o que se conforma a um estreito "interesse" egoísta. 
JULY–AUGUST 2007 36 
O “pensamento abstrato" não é um mérito, como as pessoas às vezes pensam que é, 
associando o termo à ideia de "ciência superior" como um sistema de

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