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A IMPORTÂNCIA DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS NO PROCESSO CRÍTICO DE FAZER PESQUISA: a opção crítica e histórica pela PCCOL Wanda Maria Junqueira de Aguiar – PUC-SP Elvira Maria Godinho Aranha – PUC-SP Nesta exposição pretendemos apresentar algumas reflexões teóricas e metodológicas realizadas pelo nosso grupo de pesquisa – Atividade Docente e Subjetividade – que constituíram movimentos e possíveis transformações nas formas de pesquisarmos. Nestes últimos 10 anos, temos nos dedicado, dentre outras questões, ao estudo das significações sobre a atividade do professor, sob o prisma da Psicologia Sócio Histórica, que tem sua base epistemológica no Materialismo Histórico e Dialético. Para atender a este objetivo, faremos um percurso que resgata um pouco da história do nosso grupo, mesmo porque, foi a partir de nossas reflexões acerca das atividades de pesquisa desenvolvidas e dos resultados alcançados, que as formas que atualmente pesquisamos se forjaram. Isto posto, iniciamos apontando que desde 2009 , por meio de um projeto de pesquisa, denominado Projeto Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD) i , temos focado como nossa meta compreender a atividade docente e seus aspectos subjetivos, entendendo que estes são aspectos indissociáveis da formação e atividade do professor. Para isto, recorremos aos pressupostos teórico-metodológicos acima apontados e, especialmente, às categorias significado e sentido. Afirmamos, assim, que nosso objeto de estudo, ao longo deste período, foi e continua sendo o sentido e o significado da atividade docente. Mas o que mudou? Que novas formas se forjaram? Para sermos coerentes com nossos pressupostos não podemos esquecer que a realidade é movimento, que nada é imutável, fixo e acabado. Como afirma Gramsci (1995, p. 70): Se as verdades científicas fossem definitivas, a ciência teria deixado de existir como tal, como investigação, como novas experiências, reduzindo-se a atividade científica à repetição do que já foi descoberto. O que não é verdade, para a felicidade da ciência. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 00987 Seguindo esta linha de pensamento o que nos guiou neste período foi a clareza de que, como afirma Mészáros (2010 p. 315), para compreender criticamente o movimento do real, temos que “elevar a autocrítica ao status de princípio metodológico”. Deste modo, afetados pela complexa e contraditória realidade de pesquisa vivida nestes anos, decidimos colocar o próprio processo de pesquisa, por nós empreendido, como foco de nossa reflexão crítica. Importante afirmar que, apesar das reflexões realizadas pelo grupo que apontavam para novos horizontes de pesquisa, não avaliamos como necessário uma mudança de campo epistemológico e/ou metodológico, mas a necessidade de buscarmos novas categorias teóricas e, mesmo formas de aproximação do real, dentro do campo até então adotado, que possibilitassem uma melhor – entendida como aquela que nos permite ultrapassar as camadas da aparência – apreensão do nosso objeto. Michael Lowy (1990) nos ajuda a explicitar a busca por nós empreendida. O autor ao discutir as chances de um sociólogo contribuir na produção de um conhecimento verdadeiramente importante, traz a seguinte citação de Pierre Bourdieu que, na realidade, serve como norteadora para as pesquisas em geral: O sociólogo está tanto mais armado para descobrir o oculto quanto mais armado cientificamente, quando utiliza melhor o capital de conceitos, de métodos, de técnicas acumuladas por seus predecessores [...]; é quando é mais crítico, quando a intenção consciente ou inconsciente que o anima é mais subversiva, quando tem mais interesse em desvendar o que é censurado, contido, no mundo social. (LOWY, 1990, p. 206) Considerando a complexidade da pesquisa na perspectiva Sócio Histórica, tal afirmação se mostra muito pertinente, reforçando o nosso intento de buscar a utilização e mesmo construção de categorias tanto teóricas, como metodológicas, que nos permitam escapar de visões dicotômicas ou fragmentadas para explicar o real, que favoreçam a apreensão da historicidade dos fenômenos estudados. Para nós, uma investigação que ignore a natureza processual e histórica da realidade, é incapaz de apreender os sentidos – entendidos como síntese do objetivo e da experiência subjetiva – do sujeito. Reiteramos a importância da categoria Historicidade por ser ela – claro que sempre aliada às outras categorias – uma das responsáveis pelas nossas indagações e mesmo críticas à forma como vínhamos encaminhando nossas pesquisas, do mesmo modo que essencial para a construção das alternativas desejadas. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 00988 A categoria Historicidade se apresenta como ontológica, na medida em que é constitutiva da realidade humana e social, pelo fato de não se poder pensar a realidade humana, social e cultural sem historicidade. Nas discussões de nosso grupo de pesquisa, ao tomarmos na radicalidade a noção de historicidade, surgiu com muita força a compreensão de que:“O que é” deixa de ser a pergunta principal para dar lugar à questão de “como surgiu”, “como se movimentou e se transformou”. Outra contribuição bastante relevante agregada nesse momento foi a discussão feita por Lukács (1979) na qual ressalta que a história não é um simples movimento, ou seja, não se trata de um movimento sem rumo, indeterminado, desgovernado, mas um movimento determinado por relações de forças que se constituíram no decurso da existência de tal objeto, sem que isso signifique um determinismo histórico. Apesar de tais contribuições já serem contempladas, de algum modo, nas pesquisas até então realizadas, verificamos que para avançar qualitativamente na apreensão do movimento constitutivo do sujeito e de seus sentidos e, neste processo alcançarmos uma síntese – mesmo que provisória – das determinações que o constitui, necessitávamos aprofundar nossa compreensão das questões destacadas e, principalmente, refletirmos sobre os desdobramentos e implicações produzidos neste processo. Ainda sobre nosso processo de autocrítica e seus desdobramentos, também foi destacado em nossas discussões a tão conhecida afirmação de Marx: “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; mas o que importa é transformá-lo” (MARX, 1999, p. 14). A intensa discussão desta afirmação nos levou não só para reflexões teóricas e metodológicas, como também éticas. Ao incorporarmos em nossas discussões, agora de modo mais consequente, a questão da transformação da realidade pesquisada como um componente essencial ao ato de pesquisar, ela se torna uma questão de fundo a ser melhor discutida. Não bastava, portanto, afirmarmos o desejo de transformar a realidade e buscarmos formas de pesquisa que redundassem neste intento. Tínhamos a tarefa de explicitar nosso entendimento sobre o que vinha a ser transformação, como se constituía. Sem nos alongarmos nesta discussão, compreendemos que outra importante categoria deveria ser contemplada para que teoricamente fundamentássemos a inclusão da “transformação” como intenção, como objetivo de pesquisa. Trazemos assim, a categoria contradição. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 00989 Cury (1985, p. 27) nos aponta a importância de considerar a contradição, categoria interpretativa da realidade, como presente na realidade, como constitutiva do movimento dialético das múltiplas determinações que constituem a realidade. Sendo assim, o professor, por exemplo, deve ser apreendido no seu caráter dinâmico, automovente, contraditório. Como aquele capaz de produzir um movimento interno que, com seus elementos (historicamente constituídos), via superação, constituao novo. A inclusão da categoria Contradição foi entendida como possível de nos ajudar a compreender o processo constitutivo das transformações. Tal categoria tem o potencial de indicar, que, nas discussões junto aos professores e, portanto, no planejamento da pesquisa, grande atenção deverá ser dada aos processos de transformação ocorridos nos professores, “isto é, às transições, ao movimento em que o sujeito, ao ser afetado pelo novo, questiona-se, pondera e, possivelmente nega o instituído, transformando-o, ao mesmo tempo em que o incorpora via superação” (AGUIAR; CARVALHO, 2013). Referimo-nos necessariamente a processos não lineares; àqueles que ocorrem em movimento dialético e, portanto, histórico. Isto posto, retomamos a afirmação de que as reflexões sobre transformação nos remetem a questões não só teóricas e metodológicas, mas também éticas. Inegavelmente ao falarmos em transformação surge a pergunta. Em que direção? Para que? Que rumo ético pretende-se ao fazer pesquisa? Para nos ajudar nesta complexa discussão, recorremos em nossos debates a Agnes Heller (1977), para quem a “catarse ética” ocupa lugar de destaque. Para a autora a catarse seria um momento propício à desalienação. Seria aquele instante em que a teoria, a reflexão científica, a homogeneização, as motivações morais seriam preponderantes e estariam absolutamente articuladas. Esses seriam momentos não usuais em que as escolhas enfrentam conflitos, tanto de ordem prática como moral. No entanto, Segundo Heller (1977, p. 158), as mudanças ocorridas somente poderão ser denominadas catárticas, se continuarem a ter ressonância nas esferas mais diversas da vida, pois se referem a momentos qualitativamente diferenciados em que, “[...] minha decisão moral ou minha assunção das responsabilidades são irreversíveis, não só objetivamente, mas também subjetivamente, postfestum toda minha vida mudaria. Minha hierarquia de valores se ordenaria agora sobre a base do valor moral descoberto”. Nossa intenção até o momento, mesmo que de modo resumido, foi a de apresentar as reflexões essenciais que deram vida ao nosso grupo de pesquisa, em especial, nos últimos dois anos, de modo a encorajá-lo a se movimentar em direção a Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 00990 uma nova empreitada. Buscar uma forma de pesquisa que tivesse a clara intenção de acompanhar o processo de constituição dos sujeitos por mais tempo, que neste processo intencionasse produzir transformações na realidade estudada – sujeitos, instituições, processos – intervindo de modo planejado, colaborativo e democrático. Tendo isto em mente, optamos pelo caminho proposto pela Pesquisa Crítica de Colaboração (PCCOL); claro que este caminho esta se construindo, sendo experienciado sob o crivo da crítica, pois nunca podemos nos esquecer de que a realidade é movente, que nós pesquisadores nos transformamos. Apresentamos a seguir nossa compreensão sobre os fundamentos desta proposta de PCCOL e, a partir disto, porque nos aproximamos da mesma, acreditando que ela nos permitirá fazer pesquisa – produzir conhecimento, no caso, sobre as significações dos professores – ao mesmo tempo em que transformamos a realidade. Para nós, é fundamental que estes dois momentos sejam vistos como dialeticamente articulados, como unidades de contrários, pois, ao nosso entendimento, pesquisa e intervenção têm naturezas diferentes, mas, no caso, uma se servirá da outra, uma não será sem a outra; se constituirão articuladamente, conjuntamente. A Pesquisa Critica de Colaboração A Pesquisa Crítica de Colaboração (PCCOL) tal como proposta por Cecília Magalhães e colaboradores desde 1990, pode ser entendida como um método de pesquisa desenvolvido mais especialmente para pesquisas em contextos educacionais em que procura agregar pesquisa e formação. A PCCol está situada num paradigma crítico e inserido no campo interdisciplinar da Linguística Aplicada, mais especificamente, da Linguística Aplicada Crítica. Este tipo de pesquisa possui algumas características essenciais que a distinguem de outras abordagens de pesquisa em ciências sociais, como: a inserção na perspectiva Sócio Histórico, pela intenção de intervenção comprometida com a transformação social, considerando a centralidade que a linguagem ocupa em sua condução; o tipo de relacionamento entre os participantes. Nesta abordagem cria-se a possibilidade de os participantes (incluindo os pesquisadores), por meio da participação coletiva na condução da pesquisa, apreendam conhecimentos significativos e se transformem no processo. Importante destacar que se espera que o movimento de transformação não se Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 00991 restrinja as práticas dos participantes, mas que se estenda a comunidade e ao contexto mais amplo em que ela se insere. Apoiada no pensamento de Vygotsky (1927-1934) e no método de Marx (1818- 1883) , a PCCol compartilha conosco o mesmo entendimento sobre a realidade, e utiliza também as mesmas categorias centrais, como Contradição, Mediação e Historicidade; sendo que as categorias Sentidos e Significados são mais valorizadas no tipo de pesquisa por nós realizada. No entanto, destaca-se que a PCCol nos ajuda a trabalhar com as categorias Sentidos e Significado, isto por estar baseada em dois conceitos centrais que orientam a condução da pesquisa: Colaboração e Reflexão Crítica. É Importante destacar que numa pesquisa que se pretende Critica de Colaboração, colaboração e reflexão crítica não se separam, como um par dialético, em que um não é sem o outro e ambos favorecem a emergência dos significados e, especialmente, dos sentidos dos participantes. Segundo Vygotsky (2001, p. 331), “o desenvolvimento decorrente da colaboração, entre indivíduos ou grupos outros, é responsável e a fonte das „propriedades especificamente humanas da consciência‟.” Neste quadro, a colaboração sempre entendida como colaboração crítica pode ser compreendida como possibilidade de desenvolvimento mútuo entre os participantes (pesquisadores inclusive) que podem alcançar novas compreensões, novas formas de ver o mundo e agir sobre ele e, assim, de novos sentidos. Nesta direção, a PCCol se propõe a estabelecer um lócus colaborativo em que os participantes possam escutar aos outros, retomar as falas uns dos outros para concordar e/ou discordar, partilhar pensamentos, ideias, conflitos, compreensões, inserir novos temas, pedir esclarecimento, completar, aprofundar o que foi dito, permanecer em silêncio (MAGALHÃES, 2011). Em outras palavras, o movimento colaborativo estabelece um lócus de confiança que possibilita a discussão de pontos importantes para os participantes, um lócus em que a crítica, o estranhamento podem ser vividos, mas com vistas a superá-los. Este movimento é impulsionado pela Reflexão Crítica, ou seja, pelos questionamentos e perguntas que estabelecem um processo reflexivo e que tem como objetivo fazer com que as contradições vividas venham a tona e possam ser discutidas e entendidas e, nesta nova condição, gerar formas de agir, mais informadas e incluindo novos possíveis na atividade. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 00992 Assim, a colaboração se estabelece também como uma função da reflexão, como questionamento, sendo assim entendida como colaboração crítica. São os questionamentos, as perguntas que oportunizam, ou melhor, permitem que as contradições constitutivas do movimento dialético, as múltiplas determinações que constituem a realidade vivida nas atividades dos participantes, possam vir a tona, possibilitando ao sujeito ver o comum de outra forma, e entender os determinantes de sua ação e a possibilidade de “descristalizá-los”. Não podemos esquecer que, emnossas pesquisas, queremos ter acesso a dimensão subjetiva da realidade, no caso, os processos educacionais, uma realidade que entendemos ser da ordem do coletivo, sempre produzida coletivamente. No entanto, para apreendermos o coletivo, é essencial que empreendamos o dialético movimento parte e todo. Compreender que cada parte revela aspectos da totalidade, cada indivíduo em suas falas medeia elementos daquela realidade da qual faz parte e constitui. Assim, podemos compreender que o movimento recorrente de questionamento favorece também que, nós pesquisadores, ao apreendermos os significados e, especialmente, os sentidos que os participantes atribuem àquela realidade, possamos também apreender o que está sendo gestado como elementos da subjetividade dos participantes e, deste modo, a dimensão subjetiva daquela realidade. Fundamental destacar que a dimensão subjetiva a que nos referimos é parte constitutiva desta realidade e que, ao ser discutida e problematizada, pode ser transformada. Referencias AGUIAR, Wanda Mª J. de; CARVALHO, Mª Vilani, C. de. Autoconfrontação: narrativa videogravada, reflexividade e formação do professor como ser para si. In: MAIA, Helenice; FUMES, Neiza de Lourdes F.; AGUIAR, Wanda Mª J. de. (Orgs.). 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