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Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 1 Órgão: 8ª TURMA CÍVEL Classe: AGI – AGRAVO DE INSTRUMENTO Processo nº: 0721738-36.2020.8.07.0000 Agravante(s): DISTRITO FEDERAL Agravado(s): SINDICATO DOS AUXILIARES E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM DO DISTRITO FEDERAL Relator: DESEMBARGADOR DIAULAS COSTA RIBEIRO DECISÃO (RETIFICAÇÃO) Trata-se de agravo de instrumento com pedido de concessão de efeito suspensivo interposto pelo Distrito Federal contra a decisão interlocutória da 8ª Vara da Fazenda Pública do DF que, em ação civil pública proposta pelo Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem do Distrito Federal (autos nº 0704135-90.2020.8.07.0018), deferiu a tutela provisória de urgência, nos seguintes termos (ID nº 66127319, págs. 1-2): “[...] O autor requereu a concessão de tutela de urgência para imediata e ampla testagem dos profissionais da saúde, ainda que não haja sintomas clínicos da COVID-19 e afastamento daqueles que testarem positivo. O artigo 12 da Lei nº 7.347 de 24/7/1985 estabelece que o juiz poderá conceder liminar, mas não dispõe sobre os seus requisitos. No entanto, o artigo 19 estabelece a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, portanto, além do risco de dano é imprescindível que haja um mínimo de plausibilidade no direito invocado; requisitos presentes neste caso. Vejamos. Afirma o autor que os réus não estão cumprindo as determinações legais, pois não estão sendo realizado teste em todos os profissionais da saúde, o que os expõe a risco de contaminação e transmissão da doença. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 2 Sob o aspecto jurídico a demanda é singela, posto que é obrigação dos réus assegurar condições de trabalho salubre e em face da atual pandemia do coronavírus há recomendação técnica de testagem dos profissionais da saúde, portanto, indiscutivelmente há plausibilidade no direito invocado A mídia tem trazido constantemente notícias de profissionais da saúde que são contaminados e muitas vezes continuam trabalhando ou voltam a trabalhar antes do período de quarentena recomendada e nem todos são submetidos a testagem preventiva. É fato público e notório que muitas pessoas que contraem o vírus permanecem assintomáticas, mas com capacidade de transmissão, por isso, é imprescindível que os profissionais de saúde sejam submetido à testagem ainda que não apresentem sintomas. Assim, está evidenciado que os pedidos devem ser deferidos. Por fim, destaca-se que tem sido comum o argumento de interferência do Poder Judiciário na esfera de competência de outros poderes, porém verifica-se que isso não ocorre neste caso, posto que o exame que se faz é restrito ao aspecto da legalidade, sendo que neste caso a omissão da testagem preventiva caracteriza uma omissão ilegal, justificando-se, assim, a prolação desta decisão. Em face das considerações alinhadas DEFIRO A LIMINAR para determinar aos réus imediata testagem dos profissionais representados pelo autor, ainda que não apresentem sintomas da COVID-19 e o afastamento daqueles que testarem positivo. [...]‖ Em seguida, foi proferida decisão que excluiu do feito o Sindicato Brasiliense de Hospitais, Casas de Saúde e Clínicas ante o reconhecimento da incompetência absoluta do Juízo para decidir a questão, pois havia demanda na Justiça do Trabalho tratando de controvérsia semelhante (ID nº 66630867). O agravante, em suma, argumenta que adota as medidas necessárias com o intuito de combater a disseminação da pandemia da covid-19. Todavia, aduz que a concessão de medidas liminares individuais pode atrapalhar as políticas públicas de saúde diante do cenário inédito de enfrentamento da doença, que demanda estudos para a alocação adequada de insumos, recursos materiais e humanos. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 3 Destaca constar nas informações prestadas pela Secretaria de Estado de Saúde a adoção de política pública previamente estudada e definida para a implantação da testagem para covid-19 na população e nos profissionais de saúde e de segurança pública do Distrito Federal. Sustenta que, além dos profissionais de saúde representados pelo agravado, devem ser consideradas outras categorias prioritárias, listadas de forma detalhada nas informações do referido órgão e que são imprescindíveis para garantir a efetividade no tratamento que será prescrito. Por essa razão, defende que é dever do órgão técnico competente a adoção e a definição dessas políticas públicas, inclusive no que tange à testagem para identificação da covid-19, cuja controvérsia não poderia ser dirimida pelo Poder Judiciário de modo a privilegiar apenas uma categoria em detrimento de outras. Narra que o autor, ora agravado, não teria demonstrado que no Guia de Recomendações da OMS há obrigatoriedade de testagem dos profissionais assintomáticos, além deste não ter vinculação obrigatória, o que afastaria a probabilidade do direito. Esclarece que todos os profissionais que apresentam sintomas semelhantes à covid-19 são testados e, caso o resultado seja positivo, são imediatamente afastados do trabalho. Nesse contexto, alega que são adotadas as medidas necessárias para preservar a saúde dos servidores e colaboradores, sendo que a realização de testes em todos, inclusive quando não apresentam sintomas, poderia prejudicar aqueles que estão aguardando a realização dos exames. Por essas razões, a decisão recorrida não seria razoável e poderia comprometer as estratégias de políticas públicas, além de interferir na Separação dos Poderes, por extrapolar a atuação conferida pela Constituição Federal ao Poder Judiciário. Pede a concessão de efeito suspensivo ao recurso para sobrestar as determinações constantes na decisão recorrida e, no mérito, a reforma da decisão. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 4 É o necessário. Decido. O relator pode conceder efeito suspensivo ao recurso, total ou parcial, quando estiverem presentes os requisitos relativos ao perigo de dano grave, de difícil ou de impossível reparação, bem como a demonstração da probabilidade do provimento do recurso (art. 995, parágrafo único e art. 1.019, inciso I, ambos do CPC). Passo à análise desses pressupostos. A pandemia da doença denominada covid-19, provocada pelo vírus SARS-CoV-2, é fato notório, sendo dispensáveis quaisquer explicações sobre as consequências que trouxe à humanidade. É de compreensão geral que os profissionais da saúde estão mais propensos à contaminação. Desde os primeiros casos confirmados no Distrito Federal, o Governo local editou mais de uma dezena de atos normativos com o intuito de minimizar as consequências advindas da pandemia. Alguns dispõem sobre a necessidade de uso de máscaras, fechamento de comércios que não desenvolvem atividade classificada como essencial, proibição de cultos e cerimônias religiosas coletivas, o que inclui proibição de casamentos, batizados, funerais; proibiu espetáculos artísticos de qualquer natureza e dimensão; aulas e demais atividades acadêmicas em escolas de todos os graus de educação; abertura de shoppings centers etc. Em resumo, o Governo proibiu todas as formas de expressão de atividades humanas que geram aglomeração em espações públicos, cobertos ou não, salvo aquelas atividades consideradas essenciais. Além disso, tanto o Governo Federal quanto o Distrital adquirirammilhares de testes com o intuito de facilitar a identificação de indivíduos contaminados. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 5 Posteriormente, as proibições foram flexibilizadas, havendo ordem judicial para que fosse suspensa a flexibilização. Na quarta-feira (8/7/2020), para cumprimento da ordem judicial do MMº Juiz da 2ª Vara de Fazenda Pública, foi editado o Decreto Distrital nº 40.961/2020, que suspendeu as permissões de funcionamento para alguns setores da economia e demais atividades que iriam ser retomadas em razão das autorizações do Decreto Distrital nº 40.939/2020, de 2/7/2020. Essa ordem foi suspensa ontem à noite pelo eminente Desembargador Eustáquio de Castro, no Agravo de Instrumento nº 0722106-45.2020.8.07.0000, interposto pelo Distrito Federal. Espera-se outro Decreto com ajustes decorrentes dessa decisão, da qual transcrevo o seguinte excerto: “Por fim, não se vislumbra vício no elemento motivo do ato impugnado, pois, embora decretado o Estado de Calamidade Pública, tal situação não retira do administrador a capacidade de decidir os aspectos técnicos da saída do cerco sanitário. Ao contrário, dota o administrador de mais recursos e flexibilizações fiscais para garantir a ampliação do serviço público de saúde. Assim, em resumo, concluo pela impossibilidade de o Poder Judiciário interferir no mérito da abertura das atividades econômicas e demais medidas para criação de isolamento social, cabendo ao Chefe do Executivo sobre elas decidir, arcando com as suas responsabilidades. A interferência judicial provoca insegurança jurídica, desorientação na população e, embora fundada na alegação de atendimento ao bem comum, pode justamente feri-lo. Por fim, esclareço, por oportuno, a presente decisão não tem o condão de dizer se as atividades de abertura do comércio, de parques, etc., são adequadas, são responsáveis. Ao contrário, apenas aponta a competência do Governador para decidir sobre elas, arcando com seu custo político, repito e friso. Diante do exposto, DEFIRO o pedido de efeito suspensivo para SUSPENDER a decisão agravada.” Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 6 No sítio eletrônico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, constam informações sobre os exames para detecção de infecção pelo SARS-CoV-2 e quais as situações em que cada um deles deve ser utilizado: "Os testes para covid-19 são produtos para diagnóstico de uso in vitro, nos termos da RDC 36/15, e podem identificar: a) anticorpos, ou seja, uma resposta do organismo quando este teve contato com o vírus, recentemente (IgM) ou previamente (IgG); ou b) material genético (RNA) ou ―partes‖ (antígenos) do vírus (RT-PCR)." (informação disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/219201/4340788/Perguntas+e+resp ostas+-+testes+para+covid-19.pdf/9fe182c3-859b-475f-ac9f-7d2a758e48e7, acesso dia 9/7/2020 às 13:35 horas) A Lei Distrital nº 5.321, de 6 de março de 2014, que instituiu o Código de Saúde do Distrito Federal, prevê em seu art. 95: “Art. 95. Compete ao Sistema Único de Saúde do Distrito Federal realizar ações e serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças transmissíveis com o objetivo de suprimir ou diminuir os riscos à saúde, interromper ou dificultar a ocorrência delas e proteger a população em perigo. Parágrafo único. As ações de prevenção, controle, diagnóstico e tratamento das doenças a que se refere o caput devem ser desenvolvidas, de modo integrado, por órgãos e unidades do Sistema Único de Saúde do Distrito Federal, conforme normas técnicas específicas. [grifo na transcrição]. O art. 97 determina que, no caso de suspeita de epidemia, deverão ser adotadas medidas imediatas, razoáveis e pertinentes, disciplinadas em normas técnicas da vigilância em saúde: ―Art. 97. Se ocorrer suspeita de epidemia ou surto em determinada região, deverão ser tomadas medidas imediatas, razoáveis e pertinentes. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 7 § 1º As medidas a que se refere o caput são disciplinadas em normas técnicas da vigilância em saúde. (Parágrafo renumerado(a) pelo(a) Lei 6554 de 23/04/2020)‖ A Portaria nº 3.252/GM/MS, de 22 de dezembro de 2009, trata das diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sistematizando os conceitos que orientam o Sistema Nacional de Vigilância em Saúde no Sistema Único de Saúde. Extrai-se das Diretrizes Nacionais da Vigilância em Saúde que a vigilância epidemiológica é um “conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes da saúde individual ou coletiva, com a finalidade de se recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos”. No âmbito federal, a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus. O art. 2º, parágrafo único dessa norma prevê que as definições estabelecidas no art. 1º do Regulamento Sanitário Internacional (RSI - 2005), anexado ao Decreto nº 10.212 de 30 de janeiro de 2020, serão aplicáveis à Lei no que couber, o qual preceitua que “medida de saúde” “significa os procedimentos aplicados para evitar a propagação de contaminação ou doença; uma medida de saúde não inclui medidas policiais ou de segurança‖. Para o enfrentamento da pandemia, o art. 3º da Lei nº 13.979/2020 estabelece que as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: “I – isolamento; II – quarentena; Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 8 III – determinação de realização compulsória de: a) exames médicos; b) testes laboratoriais [...]. § 4º - As pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei. [...] [grifo na transcrição]. Essas deliberações poderão perdurar durante o estado de emergência de saúde internacional, nos termos do seu art. 8º: ―Art. 8º - Esta Lei vigorará enquanto perdurar o estado de emergência de saúde internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, exceto quanto aos contratos de que trata o art. 4º-H, que obedecerão ao prazo de vigência neles estabelecidos.” O Supremo Tribunal Federal (STF), ao referendar liminar deferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 6.341/DF, decidiu que os Prefeitos e Governadores possuem autonomia para determinar a intensidade e a forma de execução do isolamento social nas regiões administradas, atribuindo interpretação conforme às alterações provocadas pela Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020 no art. 3º, caput, incisos I, II e IV e §§ 8º, 9º 10 e 11 da Lei nº 13.979/2020. Confiro trecho da decisão proferida pelo Relator, Ministro Marco Aurélio Mello: ―Vê-se que a medida provisória, ante quadro revelador de urgência e necessidade de disciplina, foi editada com a finalidade de mitigar-se a crise internacional que chegou ao Brasil, muito embora no território brasileiro ainda esteja, segundo alguns técnicos, embrionária. Há de ter-se a visão voltada aocoletivo, ou seja, à saúde pública, mostrando-se interessados todos os cidadãos. O artigo 3º, cabeça, remete às atribuições, das autoridades, quanto às medidas a serem implementadas. Não se pode ver transgressão a preceito da Constituição Federal. As providências não afastam atos a serem Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 9 praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior. Também não vinga o articulado quanto à reserva de lei complementar. Descabe a óptica no sentido de o tema somente poder ser objeto de abordagem e disciplina mediante lei de envergadura maior. Presentes urgência e necessidade de ter-se disciplina geral de abrangência nacional, há de concluir-se que, a tempo e modo, atuou o Presidente da República – Jair Bolsonaro – ao editar a Medida Provisória. O que nela se contém – repita-se à exaustão – não afasta a competência concorrente, em termos de saúde, dos Estados e Municípios. Surge acolhível o que pretendido, sob o ângulo acautelador, no item a.2 da peça inicial, assentando-se, no campo, há de ser reconhecido, simplesmente formal, que a disciplina decorrente da Medida Provisória nº 926/2020, no que imprimiu nova redação ao artigo 3º da Lei federal nº 9.868/1999, não afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. 3. Defiro, em parte, a medida acauteladora, para tornar explícita, no campo pedagógico e na dicção do Supremo, a competência concorrente.‖ E o correspondente referendo pelo Pleno: ―O Tribunal, por maioria, referendou a medida cautelar deferida pelo Ministro Marco Aurélio (Relator), acrescida de interpretação conforme à Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei nº 13.979, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do art. 198 da Constituição, o Presidente da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais, vencidos, neste ponto, o Ministro Relator e o Ministro Dias Toffoli (Presidente), e, em parte, quanto à interpretação conforme à letra b do inciso VI do art. 3º, os Ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Redigirá o acórdão o Ministro Edson Fachin. [...] (Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução 672/2020/STF)‖ [grifo na transcrição]. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 10 A pandemia trouxe-nos dilemas que devem ser ponderadas pelo exercício da razoabilidade. O estado de calamidade pública (Decreto Distrital nº 40.924, de 29 de junho de 2020) não é a prova documental da tragédia reconhecida, mas da esperança de que a pandemia será vencida. Transcrevo, mais uma vez, excerto da decisão do Desembargador Eustáquio de Castro sobre o estado de calamidade pública decretado pelo Governador do Distrito Federal: “Por fim, não se vislumbra vício no elemento motivo do ato impugnado, pois, embora decretado o Estado de Calamidade Pública, tal situação não retira do administrador a capacidade de decidir os aspectos técnicos da saída do cerco sanitário. Ao contrário, dota o administrador de mais recursos e flexibilizações fiscais para garantir a ampliação do serviço público de saúde.” O Decreto de Estado de Calamidade Pública teve, precipuamente, finalidade administrativa para recebimento de recursos da União e para gestão orçamentária. Isso não significa que o quadro geral não seja relevante, mas não é sinônimo de descontrole. O Decreto preenche uma exigência legal e constitucional. Com Decreto ou sem Decreto as medidas cabíveis estavam e estão sendo tomadas e não há contradição absoluta entre decretar estado de calamidade pública e flexibilizar o funcionamento de atividades não essenciais. Ao contrário, o Decreto de Estado de Calamidade Pública assegura mais recursos para enfrentamento à pandemia, o que dá ao Governador possibilidades de flexibilização do cerco sanitário. As informações prestadas pela Secretaria de Saúde indicam que já estão sendo adotadas medidas com o intuito de testar os profissionais de saúde, assim como os demais colaboradores (ID nº 17533244, pág. 11): Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 11 “[...] Na primeira fase foi elencado os Grupo 1, seguindo as recomendações do MS. Foi distribuído testes rápidos para as Unidades de Saúde da SES e para as policlínicas das forças de segurança pública do DF. Ressaltamos que ação de testagem dos servidores de saúde, a qual contempla os auxiliares de técnicos de enfermagem, é uma ação contínua e que além dos profissionais de saúde das unidades de saúde, a testagem nas Unidades de Saúde da Rede SES-DF contemplam também os profissionais terceirizados das áreas de segurança, limpeza, alimentação, banco de leito, serviços gerais, residentes, conforme circular enviada as unidades de saúde em 22 de maio de 2020; Para tanto as unidades de saúde estão recebendo testes continuamente conforme disponibilidade dos recursos na SES-DF para realização das testagens;” Isso reforça que o Governo acompanha os dados provenientes dos órgãos técnicos e adota medidas de proteção, tanto aos profissionais e colaboradores que atuam na área de saúde, quanto à população do Distrito Federal, de acordo com as suas possibilidades. Não é razoável determinar a realização de testes em todos os profissionais da saúde filiados ao Sindicato agravado, de maneira ampla, geral e irrestrita, ainda que não apresentem sinais ou sintomas, enquanto não houver meios suficientes para a testagem de todos os profissionais de saúde, filiados a outros sindicatos ou não filiados a qualquer sindicato. É preciso ter razoabilidade no uso de recursos limitados. Conceder o pedido do Sindicato autor e proteger apenas os seus filiados em detrimento dos demais profissionais de saúde em sentido lato, é uma violação ao mais elementar direito constitucional, seja de igualdade, seja de fraternidade. É inevitável otimizar os testes e assegurá-los aos que apresentam sinais ou sintomas, o que permitirá, se confirmada a infecção, o afastamento imediato de suas atividades, independente de filiação sindical. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 12 A otimização, enquanto não se concretizar a aquisição de meios para testagem maciça de servidores da Secretaria de Saúde, de servidores de outras Secretarias, órgãos públicos e entidades privadas, também vulneráveis, até chegarmos à testagem da população sem sinais ou sintomas, é uma forma constitucional e juridicamente fraterna de aplicar o princípio da reserva do possível. Fraternidade não é empregada nesta decisão com sentido religioso, Cristão ou não, mas como direito fundamental no Estado Democrático de Direito: “[...] Podemos aferir que a fraternidade se dá não no estado ferino, mas no estado de liberdade e de igualdade, nos estritos limites da lei. Mas nem no estado de natureza onde somente há indivíduos sem ligações uns com os outros, cada qual se preocupando apenas consigo, com interesses que suplantam os interesses dos demais, nem no Estado orgânico onde importa mais o todo que o indivíduo, a fraternidade se pode realizar. E isso porque não se há de falar em ser humano, se o homem já designado ente não se pode qualificar fraterno em relaçãoao outro ou receber do outro a fraternidade. Na concepção organicista da sociedade, a justiça se realiza quando cada qual desempenha a função que lhe é própria no corpo social, estando o Estado acima do indivíduo, o Estado enquanto “homem artificial” (Hobbes), no qual o soberano é a alma, os magistrados, as articulações, as penas e os prêmios, os nervos, etc.; na concepção individualista, apondo-se contrariamente, justo é que cada um seja tratado de modo que possa satisfazer as próprias necessidades e atingir os próprios fins, antes de mais nada a felicidade, que é um fim individual por excelência. Fraternalmente, ao homem importa o todo como ao todo, o homem, haja vista que a justiça se realiza quando cada um, desempenhando a função que lhe é própria no corpo social, intenciona o indivíduo, devendo ser tratado por esse mesmo corpo social individualmente, com necessidades e fins próprios, de modo que a felicidade, que é um fim individual por excelência, se realize em sociedade. Nesse diapasão, não há que se falar em inversão de direitos e deveres, quando o tempo todo Estado e indivíduo se complementam na realização da ideia de fraternidade. Então, tanto há de se dizer de direito à fraternidade quanto de dever de fraternidade, de modo que o ser humano realizado a partir da existência do outro proceda, por meio do Estado de direito, o dever ser humano.” Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 13 (MARIA INÊS CHAVES DE ANDRADE. A Fraternidade como Direito Fundamental entre o Ser e o Dever ser da Dialética dos Opostos de Hegel. Coimbra: Almedina, p. 45-46). Quanto à revisão das políticas públicas pelo Poder Judiciário, o que seria o controle da legalidade do ato administrativo senão controlar a ação da Administração Pública? Tratei desse tema em outro contexto (Ministério Público: Dimensão Constitucional e Repercussão no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 183-185). A conclusão a que cheguei continua a mesma: “A pergunta [O que seria o controle da legalidade do ato administrativo senão controlar a ação da Administração Pública?] é daquelas que Einstein julgava que só uma criança poderia fazer, mas que depois de feita causaria uma nova perplexidade, pela dúvida entre o aparente do aparente — a dimensão do óbvio e do concreto — e o aparente propriamente dito: o oculto do oculto. O início estaria no substantivo controle, que expressa duas realidades jurídicas distintas: a de origem francesa, segundo a qual controle é fiscalização formal, seja ela hierárquica, administrativa (de tutela) ou judiciária, é sempre um instrumento sancionatório; a de origem anglo-saxônica, na qual control é comando, domínio, direção e governo. Ambas foram acolhidas pelo sistema jurídico brasileiro. Com o sentido de comando, domínio, direção, governo, o termo controle foi usado nos artigos 22, XXVII; 24, VI; 30, VIII; 192, § 1.º; 197; 200, VI; e 204, II, da Constituição, sempre isolado. É o caso, por exemplo, das empresas sob controle do Governo; da transferência do controle da pessoa jurídica; ou da participação popular no controle das ações governamentais, na área da assistência social. Outras vezes, foi usado como verbo. Mas independente da classificação gramatical, controlar é fiscalizar. Com este sentido, a Constituição foi uma intérprete autêntica do termo, associando, ora dois verbos, ora dois substantivos. A fiscalização do Município, diz o artigo 31, é exercida mediante controle externo do Poder Legislativo municipal. O mesmo acontece com os Estados e com a União. Por fim, os verbos controlar e fiscalizar foram empregados distintamente, unidos por uma conjunção aditiva. O primeiro, mantendo o sentido de direção, gerenciamento ou comando; o segundo, no sentido de velar, vigiar ou inspecionar, como nos artigos 197 e 200, VII. Este último cuida do controle e da fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 14 substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos. Nesses casos de associação dos dois sentidos, a distinção se dá ou pela natureza da conduta ou pela condição de quem a desempenha. Mas nunca incidem, ao mesmo tempo, a superintendência, o comando, e a fiscalização. A fabricação de produtos psicoativos, tóxicos e radioativos está sujeita ao gerenciamento, à direção, à administração do poder público; a utilização está sob fiscalização. Nos serviços de saúde prestados diretamente pelo poder público, o controle consiste em sua gerência, em sua superintendência. Nos serviços prestados por terceiros, o controle do poder público implica fiscalização. Não há dúvidas de que o controle judicial da legalidade do ato administrativo, no Brasil, segue o modelo francês: é fiscalização formal. Seja ele hierárquico, administrativo (de tutela) ou judiciário, é sempre um instrumento sancionatório. No outro extremo, jamais o Poder Judiciário poderá, na acepção anglo-saxônica do termo, adotar condutas próprias de control, de comando, domínio, direção e governo, substituindo o ato administrativo do Poder Executivo por mera conveniência do Juiz.” Não está demonstrada conduta omissiva do Distrito Federal na realização de exames com a finalidade de identificar pessoas contaminadas pelo vírus SARS-CoV-2, sejam profissionais da saúde – filiados ao Sindicato agravado ou não –, como mecanismo de orientação para a formulação das estratégias necessárias ao enfretamento da pandemia, o que mitiga a probabilidade do direito pleiteado e afasta a ocorrência de dano grave, de difícil ou impossível reparação. Além disso, a Recomendação nº 66, de 13 de maio de 2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prevê em seu art. 2º, I que devem ser priorizadas a concentração de recursos financeiros e humanos em prol do controle da pandemia e a mitigação de seus efeitos, por todos os Juízos com competência para o julgamento de ações que versem sobre o direito à saúde, dentre outras, com “a adoção das medidas preventivas de contágio fixadas pela respectiva autoridade competente, como: distanciamento social, restrição de aglomeração de pessoas, suspensão de aulas, organização da Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 15 Administração e do setor privado para trabalho remoto, e continuidade dos serviços essenciais, entre outras” [grifo na transcrição]. Neste juízo de estrita delibação, no qual a apreciação do contexto fático-jurídico ocorre de maneira sumária, sem prejuízo da reanálise da matéria, vislumbro os requisitos necessários à concessão do efeito suspensivo pleiteado. DISPOSITIVO Nos termos dos arts. 1.015, inciso I e 1.019, inciso I, ambos do CPC, defiro o efeito suspensivo para sobrestar a determinação de testagem (apenas) dos profissionais de saúde filiados ao Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem do Distrito Federal, sem sinais ou sintomas compatíveis com a covid-19, até a análise do mérito recursal ou ulterior decisão desta Relatoria. A determinação de afastamento funcional, no caso de diagnóstico positivo de infecção dos filiados ao mesmo Sindicato, também fica suspensa por absoluta desnecessidade dessa ingerência do Poder Judiciário na atuação do Gestor Público. Qualquer pessoa, com diagnóstico confirmado de covid-19, deve ser afastada de funções/atividades, seja o Presidente da República, seja outro ser humano. O contrário pode caracterizar, inclusive, crime. Não há quanto a esse ponto da liminar, qualquer caso concreto de desrespeitoaos Direitos Humanos e não só, que justificasse liminar do Poder Judiciário. Comunique-se à 8ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, encaminhando-se cópia desta decisão. Fica dispensada a prestação de informações. Intime-se o agravado para, querendo e no prazo legal manifestar-se quanto ao recurso, nos termos do art. 1.019, II do CPC. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO A10 Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 16 Após, encaminhe-se ao Ministério Público (art. 178, I do CPC). Concluídas as diligências, retornem-me os autos. Publique-se. Brasília, DF, 10 de julho de 2020. O Relator, Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO
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