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Decisão - Testagem Covid-19

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Poder Judiciário da União 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS 
Gabinete do Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO 
 
 
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Órgão: 8ª TURMA CÍVEL 
Classe: AGI – AGRAVO DE INSTRUMENTO 
Processo nº: 0721738-36.2020.8.07.0000 
Agravante(s): DISTRITO FEDERAL 
Agravado(s): SINDICATO DOS AUXILIARES E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM DO 
DISTRITO FEDERAL 
Relator: DESEMBARGADOR DIAULAS COSTA RIBEIRO 
 
DECISÃO 
(RETIFICAÇÃO) 
 
Trata-se de agravo de instrumento com pedido de concessão de 
efeito suspensivo interposto pelo Distrito Federal contra a decisão 
interlocutória da 8ª Vara da Fazenda Pública do DF que, em ação civil 
pública proposta pelo Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de 
Enfermagem do Distrito Federal (autos nº 0704135-90.2020.8.07.0018), 
deferiu a tutela provisória de urgência, nos seguintes termos (ID nº 
66127319, págs. 1-2): 
 
“[...] O autor requereu a concessão de tutela de urgência para imediata e 
ampla testagem dos profissionais da saúde, ainda que não haja sintomas 
clínicos da COVID-19 e afastamento daqueles que testarem positivo. 
O artigo 12 da Lei nº 7.347 de 24/7/1985 estabelece que o juiz poderá 
conceder liminar, mas não dispõe sobre os seus requisitos. No entanto, o 
artigo 19 estabelece a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, 
portanto, além do risco de dano é imprescindível que haja um mínimo de 
plausibilidade no direito invocado; requisitos presentes neste caso. Vejamos. 
Afirma o autor que os réus não estão cumprindo as determinações legais, 
pois não estão sendo realizado teste em todos os profissionais da saúde, o 
que os expõe a risco de contaminação e transmissão da doença. 
 
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Sob o aspecto jurídico a demanda é singela, posto que é obrigação dos réus 
assegurar condições de trabalho salubre e em face da atual pandemia do 
coronavírus há recomendação técnica de testagem dos profissionais da 
saúde, portanto, indiscutivelmente há plausibilidade no direito invocado 
A mídia tem trazido constantemente notícias de profissionais da saúde que 
são contaminados e muitas vezes continuam trabalhando ou voltam a 
trabalhar antes do período de quarentena recomendada e nem todos são 
submetidos a testagem preventiva. 
É fato público e notório que muitas pessoas que contraem o vírus 
permanecem assintomáticas, mas com capacidade de transmissão, por isso, 
é imprescindível que os profissionais de saúde sejam submetido à testagem 
ainda que não apresentem sintomas. 
Assim, está evidenciado que os pedidos devem ser deferidos. 
Por fim, destaca-se que tem sido comum o argumento de interferência do 
Poder Judiciário na esfera de competência de outros poderes, porém 
verifica-se que isso não ocorre neste caso, posto que o exame que se faz é 
restrito ao aspecto da legalidade, sendo que neste caso a omissão da 
testagem preventiva caracteriza uma omissão ilegal, justificando-se, assim, 
a prolação desta decisão. 
Em face das considerações alinhadas DEFIRO A LIMINAR para determinar 
aos réus imediata testagem dos profissionais representados pelo autor, 
ainda que não apresentem sintomas da COVID-19 e o afastamento daqueles 
que testarem positivo. [...]‖ 
 
Em seguida, foi proferida decisão que excluiu do feito o Sindicato 
Brasiliense de Hospitais, Casas de Saúde e Clínicas ante o 
reconhecimento da incompetência absoluta do Juízo para decidir a 
questão, pois havia demanda na Justiça do Trabalho tratando de 
controvérsia semelhante (ID nº 66630867). 
O agravante, em suma, argumenta que adota as medidas 
necessárias com o intuito de combater a disseminação da pandemia da 
covid-19. Todavia, aduz que a concessão de medidas liminares 
individuais pode atrapalhar as políticas públicas de saúde diante do 
cenário inédito de enfrentamento da doença, que demanda estudos para 
a alocação adequada de insumos, recursos materiais e humanos. 
 
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Destaca constar nas informações prestadas pela Secretaria de 
Estado de Saúde a adoção de política pública previamente estudada e 
definida para a implantação da testagem para covid-19 na população e 
nos profissionais de saúde e de segurança pública do Distrito Federal. 
Sustenta que, além dos profissionais de saúde representados pelo 
agravado, devem ser consideradas outras categorias prioritárias, listadas 
de forma detalhada nas informações do referido órgão e que são 
imprescindíveis para garantir a efetividade no tratamento que será 
prescrito. 
Por essa razão, defende que é dever do órgão técnico competente a 
adoção e a definição dessas políticas públicas, inclusive no que tange à 
testagem para identificação da covid-19, cuja controvérsia não poderia 
ser dirimida pelo Poder Judiciário de modo a privilegiar apenas uma 
categoria em detrimento de outras. 
Narra que o autor, ora agravado, não teria demonstrado que no 
Guia de Recomendações da OMS há obrigatoriedade de testagem dos 
profissionais assintomáticos, além deste não ter vinculação obrigatória, o 
que afastaria a probabilidade do direito. 
Esclarece que todos os profissionais que apresentam sintomas 
semelhantes à covid-19 são testados e, caso o resultado seja positivo, são 
imediatamente afastados do trabalho. Nesse contexto, alega que são 
adotadas as medidas necessárias para preservar a saúde dos servidores e 
colaboradores, sendo que a realização de testes em todos, inclusive 
quando não apresentam sintomas, poderia prejudicar aqueles que estão 
aguardando a realização dos exames. 
Por essas razões, a decisão recorrida não seria razoável e poderia 
comprometer as estratégias de políticas públicas, além de interferir na 
Separação dos Poderes, por extrapolar a atuação conferida pela 
Constituição Federal ao Poder Judiciário. 
Pede a concessão de efeito suspensivo ao recurso para sobrestar as 
determinações constantes na decisão recorrida e, no mérito, a reforma da 
decisão. 
 
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É o necessário. Decido. 
 
O relator pode conceder efeito suspensivo ao recurso, total ou 
parcial, quando estiverem presentes os requisitos relativos ao perigo de 
dano grave, de difícil ou de impossível reparação, bem como a 
demonstração da probabilidade do provimento do recurso (art. 995, 
parágrafo único e art. 1.019, inciso I, ambos do CPC). 
Passo à análise desses pressupostos. 
A pandemia da doença denominada covid-19, provocada pelo 
vírus SARS-CoV-2, é fato notório, sendo dispensáveis quaisquer 
explicações sobre as consequências que trouxe à humanidade. É de 
compreensão geral que os profissionais da saúde estão mais propensos à 
contaminação. 
Desde os primeiros casos confirmados no Distrito Federal, o 
Governo local editou mais de uma dezena de atos normativos com o 
intuito de minimizar as consequências advindas da pandemia. Alguns 
dispõem sobre a necessidade de uso de máscaras, fechamento de 
comércios que não desenvolvem atividade classificada como essencial, 
proibição de cultos e cerimônias religiosas coletivas, o que inclui 
proibição de casamentos, batizados, funerais; proibiu espetáculos 
artísticos de qualquer natureza e dimensão; aulas e demais atividades 
acadêmicas em escolas de todos os graus de educação; abertura de 
shoppings centers etc. 
Em resumo, o Governo proibiu todas as formas de expressão de 
atividades humanas que geram aglomeração em espações públicos, 
cobertos ou não, salvo aquelas atividades consideradas essenciais. Além 
disso, tanto o Governo Federal quanto o Distrital adquirirammilhares de 
testes com o intuito de facilitar a identificação de indivíduos 
contaminados. 
 
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Posteriormente, as proibições foram flexibilizadas, havendo 
ordem judicial para que fosse suspensa a flexibilização. 
Na quarta-feira (8/7/2020), para cumprimento da ordem judicial 
do MMº Juiz da 2ª Vara de Fazenda Pública, foi editado o Decreto 
Distrital nº 40.961/2020, que suspendeu as permissões de 
funcionamento para alguns setores da economia e demais atividades que 
iriam ser retomadas em razão das autorizações do Decreto Distrital nº 
40.939/2020, de 2/7/2020. 
Essa ordem foi suspensa ontem à noite pelo eminente 
Desembargador Eustáquio de Castro, no Agravo de Instrumento 
nº 0722106-45.2020.8.07.0000, interposto pelo Distrito Federal. 
Espera-se outro Decreto com ajustes decorrentes dessa decisão, da qual 
transcrevo o seguinte excerto: 
 
“Por fim, não se vislumbra vício no elemento motivo do ato impugnado, 
pois, embora decretado o Estado de Calamidade Pública, tal situação não 
retira do administrador a capacidade de decidir os aspectos técnicos da saída 
do cerco sanitário. Ao contrário, dota o administrador de mais recursos e 
flexibilizações fiscais para garantir a ampliação do serviço público de saúde. 
Assim, em resumo, concluo pela impossibilidade de o Poder Judiciário 
interferir no mérito da abertura das atividades econômicas e demais medidas 
para criação de isolamento social, cabendo ao Chefe do Executivo sobre elas 
decidir, arcando com as suas responsabilidades. 
A interferência judicial provoca insegurança jurídica, desorientação na 
população e, embora fundada na alegação de atendimento ao bem comum, 
pode justamente feri-lo. Por fim, esclareço, por oportuno, a presente decisão 
não tem o condão de dizer se as atividades de abertura do comércio, de 
parques, etc., são adequadas, são responsáveis. Ao contrário, apenas aponta a 
competência do Governador para decidir sobre elas, arcando com seu custo 
político, repito e friso. 
Diante do exposto, DEFIRO o pedido de efeito suspensivo para 
SUSPENDER a decisão agravada.” 
 
 
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No sítio eletrônico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - 
ANVISA, constam informações sobre os exames para detecção de 
infecção pelo SARS-CoV-2 e quais as situações em que cada um deles 
deve ser utilizado: 
 
"Os testes para covid-19 são produtos para diagnóstico de uso in vitro, nos 
termos da RDC 36/15, e podem identificar: a) anticorpos, ou seja, uma 
resposta do organismo quando este teve contato com o vírus, recentemente 
(IgM) ou previamente (IgG); ou b) material genético (RNA) ou ―partes‖ 
(antígenos) do vírus (RT-PCR)." (informação disponível em: 
http://portal.anvisa.gov.br/documents/219201/4340788/Perguntas+e+resp
ostas+-+testes+para+covid-19.pdf/9fe182c3-859b-475f-ac9f-7d2a758e48e7, 
acesso dia 9/7/2020 às 13:35 horas) 
 
A Lei Distrital nº 5.321, de 6 de março de 2014, que instituiu o 
Código de Saúde do Distrito Federal, prevê em seu art. 95: 
 
“Art. 95. Compete ao Sistema Único de Saúde do Distrito Federal realizar 
ações e serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças 
transmissíveis com o objetivo de suprimir ou diminuir os riscos à saúde, 
interromper ou dificultar a ocorrência delas e proteger a população em 
perigo. 
Parágrafo único. As ações de prevenção, controle, diagnóstico e 
tratamento das doenças a que se refere o caput devem ser 
desenvolvidas, de modo integrado, por órgãos e unidades do 
Sistema Único de Saúde do Distrito Federal, conforme normas 
técnicas específicas. [grifo na transcrição]. 
 
O art. 97 determina que, no caso de suspeita de epidemia, deverão 
ser adotadas medidas imediatas, razoáveis e pertinentes, disciplinadas 
em normas técnicas da vigilância em saúde: 
 
―Art. 97. Se ocorrer suspeita de epidemia ou surto em determinada região, 
deverão ser tomadas medidas imediatas, razoáveis e pertinentes. 
 
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§ 1º As medidas a que se refere o caput são disciplinadas em normas 
técnicas da vigilância em saúde. (Parágrafo renumerado(a) pelo(a) Lei 
6554 de 23/04/2020)‖ 
 
A Portaria nº 3.252/GM/MS, de 22 de dezembro de 2009, trata 
das diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em 
Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sistematizando 
os conceitos que orientam o Sistema Nacional de Vigilância em Saúde no 
Sistema Único de Saúde. 
Extrai-se das Diretrizes Nacionais da Vigilância em Saúde que a 
vigilância epidemiológica é um “conjunto de ações que proporciona o 
conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos 
fatores determinantes e condicionantes da saúde individual ou coletiva, 
com a finalidade de se recomendar e adotar as medidas de prevenção e 
controle das doenças ou agravos”. 
No âmbito federal, a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, 
dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde 
pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus. 
O art. 2º, parágrafo único dessa norma prevê que as definições 
estabelecidas no art. 1º do Regulamento Sanitário Internacional (RSI - 
2005), anexado ao Decreto nº 10.212 de 30 de janeiro de 2020, serão 
aplicáveis à Lei no que couber, o qual preceitua que “medida de saúde” 
“significa os procedimentos aplicados para evitar a propagação de 
contaminação ou doença; uma medida de saúde não inclui medidas 
policiais ou de segurança‖. 
Para o enfrentamento da pandemia, o art. 3º da Lei nº 
13.979/2020 estabelece que as autoridades poderão adotar, no âmbito de 
suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: 
 
“I – isolamento; 
II – quarentena; 
 
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III – determinação de realização compulsória de: a) exames 
médicos; b) testes laboratoriais [...]. 
§ 4º - As pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas 
neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos 
termos previstos em lei. [...] [grifo na transcrição]. 
 
Essas deliberações poderão perdurar durante o estado de 
emergência de saúde internacional, nos termos do seu art. 8º: 
 
―Art. 8º - Esta Lei vigorará enquanto perdurar o estado de emergência de 
saúde internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 
2019, exceto quanto aos contratos de que trata o art. 4º-H, que obedecerão 
ao prazo de vigência neles estabelecidos.” 
 
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao referendar liminar deferida 
na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 6.341/DF, decidiu que os 
Prefeitos e Governadores possuem autonomia para determinar a 
intensidade e a forma de execução do isolamento social nas regiões 
administradas, atribuindo interpretação conforme às alterações 
provocadas pela Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020 no 
art. 3º, caput, incisos I, II e IV e §§ 8º, 9º 10 e 11 da Lei nº 13.979/2020. 
Confiro trecho da decisão proferida pelo Relator, Ministro Marco 
Aurélio Mello: 
 
―Vê-se que a medida provisória, ante quadro revelador de urgência e 
necessidade de disciplina, foi editada com a finalidade de mitigar-se a crise 
internacional que chegou ao Brasil, muito embora no território brasileiro 
ainda esteja, segundo alguns técnicos, embrionária. Há de ter-se a visão 
voltada aocoletivo, ou seja, à saúde pública, mostrando-se interessados 
todos os cidadãos. 
O artigo 3º, cabeça, remete às atribuições, das autoridades, quanto às 
medidas a serem implementadas. Não se pode ver transgressão a preceito 
da Constituição Federal. As providências não afastam atos a serem 
 
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praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a 
competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior. 
Também não vinga o articulado quanto à reserva de lei complementar. 
Descabe a óptica no sentido de o tema somente poder ser objeto de 
abordagem e disciplina mediante lei de envergadura maior. 
Presentes urgência e necessidade de ter-se disciplina geral de abrangência 
nacional, há de concluir-se que, a tempo e modo, atuou o Presidente da 
República – Jair Bolsonaro – ao editar a Medida Provisória. 
O que nela se contém – repita-se à exaustão – não afasta a competência 
concorrente, em termos de saúde, dos Estados e Municípios. Surge acolhível 
o que pretendido, sob o ângulo acautelador, no item a.2 da peça inicial, 
assentando-se, no campo, há de ser reconhecido, simplesmente formal, que 
a disciplina decorrente da Medida Provisória nº 926/2020, no que 
imprimiu nova redação ao artigo 3º da Lei federal nº 9.868/1999, não 
afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos 
Estados, Distrito Federal e Municípios. 
3. Defiro, em parte, a medida acauteladora, para tornar explícita, no campo 
pedagógico e na dicção do Supremo, a competência concorrente.‖ 
 
E o correspondente referendo pelo Pleno: 
 
―O Tribunal, por maioria, referendou a medida cautelar deferida pelo 
Ministro Marco Aurélio (Relator), acrescida de interpretação conforme à 
Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei nº 13.979, a fim de explicitar que, 
preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos 
do inciso I do art. 198 da Constituição, o Presidente da República 
poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e 
atividades essenciais, vencidos, neste ponto, o Ministro Relator e o 
Ministro Dias Toffoli (Presidente), e, em parte, quanto à interpretação 
conforme à letra b do inciso VI do art. 3º, os Ministros Alexandre de Moraes 
e Luiz Fux. Redigirá o acórdão o Ministro Edson Fachin. [...] (Sessão 
realizada inteiramente por videoconferência - Resolução 
672/2020/STF)‖ [grifo na transcrição]. 
 
 
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A pandemia trouxe-nos dilemas que devem ser ponderadas pelo 
exercício da razoabilidade. O estado de calamidade pública (Decreto 
Distrital nº 40.924, de 29 de junho de 2020) não é a prova documental 
da tragédia reconhecida, mas da esperança de que a pandemia será 
vencida. 
Transcrevo, mais uma vez, excerto da decisão do Desembargador 
Eustáquio de Castro sobre o estado de calamidade pública decretado pelo 
Governador do Distrito Federal: 
 
“Por fim, não se vislumbra vício no elemento motivo do ato impugnado, pois, 
embora decretado o Estado de Calamidade Pública, tal situação não retira do 
administrador a capacidade de decidir os aspectos técnicos da saída do cerco 
sanitário. Ao contrário, dota o administrador de mais recursos e 
flexibilizações fiscais para garantir a ampliação do serviço público de saúde.” 
 
O Decreto de Estado de Calamidade Pública teve, precipuamente, 
finalidade administrativa para recebimento de recursos da União e para 
gestão orçamentária. Isso não significa que o quadro geral não seja 
relevante, mas não é sinônimo de descontrole. O Decreto preenche uma 
exigência legal e constitucional. 
Com Decreto ou sem Decreto as medidas cabíveis estavam e estão 
sendo tomadas e não há contradição absoluta entre decretar estado de 
calamidade pública e flexibilizar o funcionamento de atividades não 
essenciais. Ao contrário, o Decreto de Estado de Calamidade Pública 
assegura mais recursos para enfrentamento à pandemia, o que dá ao 
Governador possibilidades de flexibilização do cerco sanitário. 
As informações prestadas pela Secretaria de Saúde indicam que já 
estão sendo adotadas medidas com o intuito de testar os profissionais de 
saúde, assim como os demais colaboradores (ID nº 17533244, pág. 11): 
 
 
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“[...] Na primeira fase foi elencado os Grupo 1, seguindo as recomendações 
do MS. Foi distribuído testes rápidos para as Unidades de Saúde da SES e 
para as policlínicas das forças de segurança pública do DF. 
Ressaltamos que ação de testagem dos servidores de saúde, a qual 
contempla os auxiliares de técnicos de enfermagem, é uma ação contínua e 
que além dos profissionais de saúde das unidades de saúde, a testagem nas 
Unidades de Saúde da Rede SES-DF contemplam também os profissionais 
terceirizados das áreas de segurança, limpeza, alimentação, banco de leito, 
serviços gerais, residentes, conforme circular enviada as unidades de saúde 
em 22 de maio de 2020; 
Para tanto as unidades de saúde estão recebendo testes continuamente 
conforme disponibilidade dos recursos na SES-DF para realização das 
testagens;” 
 
Isso reforça que o Governo acompanha os dados provenientes dos 
órgãos técnicos e adota medidas de proteção, tanto aos profissionais e 
colaboradores que atuam na área de saúde, quanto à população do 
Distrito Federal, de acordo com as suas possibilidades. 
Não é razoável determinar a realização de testes em todos os 
profissionais da saúde filiados ao Sindicato agravado, de maneira ampla, 
geral e irrestrita, ainda que não apresentem sinais ou sintomas, enquanto 
não houver meios suficientes para a testagem de todos os profissionais de 
saúde, filiados a outros sindicatos ou não filiados a qualquer sindicato. É 
preciso ter razoabilidade no uso de recursos limitados. 
Conceder o pedido do Sindicato autor e proteger apenas os seus 
filiados em detrimento dos demais profissionais de saúde em sentido 
lato, é uma violação ao mais elementar direito constitucional, seja de 
igualdade, seja de fraternidade. 
É inevitável otimizar os testes e assegurá-los aos que apresentam 
sinais ou sintomas, o que permitirá, se confirmada a infecção, o 
afastamento imediato de suas atividades, independente de filiação 
sindical. 
 
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A otimização, enquanto não se concretizar a aquisição de meios 
para testagem maciça de servidores da Secretaria de Saúde, de servidores 
de outras Secretarias, órgãos públicos e entidades privadas, também 
vulneráveis, até chegarmos à testagem da população sem sinais ou 
sintomas, é uma forma constitucional e juridicamente fraterna de aplicar 
o princípio da reserva do possível. 
Fraternidade não é empregada nesta decisão com sentido 
religioso, Cristão ou não, mas como direito fundamental no Estado 
Democrático de Direito: 
 
“[...] Podemos aferir que a fraternidade se dá não no estado ferino, mas 
no estado de liberdade e de igualdade, nos estritos limites da lei. Mas nem no 
estado de natureza onde somente há indivíduos sem ligações uns com os 
outros, cada qual se preocupando apenas consigo, com interesses que 
suplantam os interesses dos demais, nem no Estado orgânico onde importa 
mais o todo que o indivíduo, a fraternidade se pode realizar. E isso porque 
não se há de falar em ser humano, se o homem já designado ente não se pode 
qualificar fraterno em relaçãoao outro ou receber do outro a fraternidade. Na 
concepção organicista da sociedade, a justiça se realiza quando cada qual 
desempenha a função que lhe é própria no corpo social, estando o Estado 
acima do indivíduo, o Estado enquanto “homem artificial” (Hobbes), no qual 
o soberano é a alma, os magistrados, as articulações, as penas e os prêmios, 
os nervos, etc.; na concepção individualista, apondo-se contrariamente, justo 
é que cada um seja tratado de modo que possa satisfazer as próprias 
necessidades e atingir os próprios fins, antes de mais nada a felicidade, que é 
um fim individual por excelência. 
Fraternalmente, ao homem importa o todo como ao todo, o homem, 
haja vista que a justiça se realiza quando cada um, desempenhando a função 
que lhe é própria no corpo social, intenciona o indivíduo, devendo ser tratado 
por esse mesmo corpo social individualmente, com necessidades e fins 
próprios, de modo que a felicidade, que é um fim individual por excelência, se 
realize em sociedade. Nesse diapasão, não há que se falar em inversão de 
direitos e deveres, quando o tempo todo Estado e indivíduo se 
complementam na realização da ideia de fraternidade. Então, tanto há de se 
dizer de direito à fraternidade quanto de dever de fraternidade, de modo que 
o ser humano realizado a partir da existência do outro proceda, por meio do 
Estado de direito, o dever ser humano.” 
 
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(MARIA INÊS CHAVES DE ANDRADE. A Fraternidade como Direito 
Fundamental entre o Ser e o Dever ser da Dialética dos Opostos de 
Hegel. Coimbra: Almedina, p. 45-46). 
 
Quanto à revisão das políticas públicas pelo Poder Judiciário, o 
que seria o controle da legalidade do ato administrativo senão controlar 
a ação da Administração Pública? Tratei desse tema em outro 
contexto (Ministério Público: Dimensão Constitucional e Repercussão 
no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 183-185). A conclusão a 
que cheguei continua a mesma: 
 
“A pergunta [O que seria o controle da legalidade do ato administrativo 
senão controlar a ação da Administração Pública?] é daquelas que Einstein 
julgava que só uma criança poderia fazer, mas que depois de feita causaria 
uma nova perplexidade, pela dúvida entre o aparente do aparente — a 
dimensão do óbvio e do concreto — e o aparente propriamente dito: o oculto 
do oculto. O início estaria no substantivo controle, que expressa duas 
realidades jurídicas distintas: a de origem francesa, segundo a qual 
controle é fiscalização formal, seja ela hierárquica, administrativa (de 
tutela) ou judiciária, é sempre um instrumento sancionatório; a de origem 
anglo-saxônica, na qual control é comando, domínio, direção e governo. 
Ambas foram acolhidas pelo sistema jurídico brasileiro. 
Com o sentido de comando, domínio, direção, governo, o termo controle foi 
usado nos artigos 22, XXVII; 24, VI; 30, VIII; 192, § 1.º; 197; 200, VI; e 204, 
II, da Constituição, sempre isolado. É o caso, por exemplo, das empresas sob 
controle do Governo; da transferência do controle da pessoa jurídica; ou da 
participação popular no controle das ações governamentais, na área da 
assistência social. Outras vezes, foi usado como verbo. Mas independente da 
classificação gramatical, controlar é fiscalizar. Com este sentido, a 
Constituição foi uma intérprete autêntica do termo, associando, ora dois 
verbos, ora dois substantivos. A fiscalização do Município, diz o artigo 31, é 
exercida mediante controle externo do Poder Legislativo municipal. O 
mesmo acontece com os Estados e com a União. 
Por fim, os verbos controlar e fiscalizar foram empregados distintamente, 
unidos por uma conjunção aditiva. O primeiro, mantendo o sentido de 
direção, gerenciamento ou comando; o segundo, no sentido de velar, vigiar 
ou inspecionar, como nos artigos 197 e 200, VII. Este último cuida do 
controle e da fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de 
 
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substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos. Nesses casos de 
associação dos dois sentidos, a distinção se dá ou pela natureza da conduta 
ou pela condição de quem a desempenha. Mas nunca incidem, ao mesmo 
tempo, a superintendência, o comando, e a fiscalização. 
A fabricação de produtos psicoativos, tóxicos e radioativos está sujeita ao 
gerenciamento, à direção, à administração do poder público; a utilização 
está sob fiscalização. Nos serviços de saúde prestados diretamente pelo 
poder público, o controle consiste em sua gerência, em sua 
superintendência. Nos serviços prestados por terceiros, o controle do poder 
público implica fiscalização. 
Não há dúvidas de que o controle judicial da legalidade do ato 
administrativo, no Brasil, segue o modelo francês: é fiscalização 
formal. Seja ele hierárquico, administrativo (de tutela) ou 
judiciário, é sempre um instrumento sancionatório. 
No outro extremo, jamais o Poder Judiciário poderá, na acepção 
anglo-saxônica do termo, adotar condutas próprias 
de control, de comando, domínio, direção e governo, substituindo 
o ato administrativo do Poder Executivo por mera conveniência 
do Juiz.” 
 
Não está demonstrada conduta omissiva do Distrito Federal na 
realização de exames com a finalidade de identificar pessoas 
contaminadas pelo vírus SARS-CoV-2, sejam profissionais da saúde – 
filiados ao Sindicato agravado ou não –, como mecanismo de orientação 
para a formulação das estratégias necessárias ao enfretamento da 
pandemia, o que mitiga a probabilidade do direito pleiteado e afasta a 
ocorrência de dano grave, de difícil ou impossível reparação. 
Além disso, a Recomendação nº 66, de 13 de maio de 2020, do 
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prevê em seu art. 2º, I que devem 
ser priorizadas a concentração de recursos financeiros e humanos em 
prol do controle da pandemia e a mitigação de seus efeitos, por todos os 
Juízos com competência para o julgamento de ações que versem sobre o 
direito à saúde, dentre outras, com “a adoção das medidas 
preventivas de contágio fixadas pela respectiva autoridade 
competente, como: distanciamento social, restrição de 
aglomeração de pessoas, suspensão de aulas, organização da 
 
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Administração e do setor privado para trabalho remoto, e 
continuidade dos serviços essenciais, entre outras” [grifo na 
transcrição]. 
Neste juízo de estrita delibação, no qual a apreciação do contexto 
fático-jurídico ocorre de maneira sumária, sem prejuízo da reanálise da 
matéria, vislumbro os requisitos necessários à concessão do efeito 
suspensivo pleiteado. 
 
DISPOSITIVO 
 
Nos termos dos arts. 1.015, inciso I e 1.019, inciso I, ambos do 
CPC, defiro o efeito suspensivo para sobrestar a determinação de 
testagem (apenas) dos profissionais de saúde filiados ao Sindicato dos 
Auxiliares e Técnicos de Enfermagem do Distrito Federal, sem sinais ou 
sintomas compatíveis com a covid-19, até a análise do mérito recursal ou 
ulterior decisão desta Relatoria. A determinação de afastamento 
funcional, no caso de diagnóstico positivo de infecção dos filiados ao 
mesmo Sindicato, também fica suspensa por absoluta desnecessidade 
dessa ingerência do Poder Judiciário na atuação do Gestor Público. 
Qualquer pessoa, com diagnóstico confirmado de covid-19, deve 
ser afastada de funções/atividades, seja o Presidente da República, seja 
outro ser humano. O contrário pode caracterizar, inclusive, crime. Não 
há quanto a esse ponto da liminar, qualquer caso concreto de desrespeitoaos Direitos Humanos e não só, que justificasse liminar do Poder 
Judiciário. 
Comunique-se à 8ª Vara da Fazenda Pública do Distrito 
Federal, encaminhando-se cópia desta decisão. Fica dispensada a 
prestação de informações. 
Intime-se o agravado para, querendo e no prazo legal 
manifestar-se quanto ao recurso, nos termos do art. 1.019, II do CPC. 
 
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Após, encaminhe-se ao Ministério Público (art. 178, I do CPC). 
Concluídas as diligências, retornem-me os autos. 
Publique-se. 
 
Brasília, DF, 10 de julho de 2020. 
 
O Relator, 
Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO

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