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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL DISCIPLINA: SEMINÁRIO DE DISSERTAÇÃO DOCENTE: INDIRA NAHOMI CABALLERO DISCENTE: IVY ELIDA GUIMARÃES REFLEXÕES E APONTAMENTOS A PARTIR DA LEITURA DE DUAS ETNOGRAFIAS REFLEXÃO E APONTAMENTOS A PARTIR DA LEITURA DE DUAS ETNOGRAFIAS Este trabalho tem como propósito realizar uma breve comparação entre duas dissertações da área de antropologia, duas etnografias distintas quanto ao tema mas que trazem informações que emergem do texto e da estrutura que servirão como pano de fundo no aprendizado do fazer antropológico. O objetivo é pontuar características em comum e outros destaques que venham a fazer um exercício reflexivo no âmbito metodológico e teórico. Dou início à atividade partindo da seguinte dissertação: Junto e Misturado Imanência e Transcendência no PCC da antropóloga Karina Biondi. Esse trabalho foi defendido em 2009 e desenvolvido por meio do Programa de Pós-graduação em antropologia Social da Universidade de São Carlos -UFSCar. Em quatro capítulos a autora organizou o escrito da pesquisa que teve início ainda na graduação e se estendeu ao mestrado, sendo um total de cinco anos inserida nesse processo de análise. A partir da experiência de campo realizada por meio da vivência no ambiente prisional na posição de esposa de um presidiário, Karina Biondi realizar seu fazer antropológico sobre o PCC (Primeiro Comando da Capital), mostrando o cotidiano, os medos e as relações construídas nesse espaço. Essa dissertação apresentada o que realmente é o PCC de acordo com o que é apresentado pelos que dele fazem parte; algo fluido e totalmente distante da visão empresarial até então utilizada por vários pesquisadores. Para além dessa desconstrução Biondi trabalha muito bem a relação da teoria e a realidade na elaboração de uma pesquisa científica, a ‘torção’ que ela faz no conceito de transcendência dos durkheimianos é a grande chave de entendimento que ela utiliza para abrir a compreensão que ela quer apresentar. A seguir mostro uma síntese do que encontramos em cada capítulo: Na Introdução a autora apresenta a inserção no campo, um dia de visita em que ela espera na fila; o processo até conseguir entrar, é o cenário de um trabalho que perdura a quase seis anos, “(...), que partiu de uma inserção involuntária e cuja ida a campo era geralmente indissociável do dia de visita” (2009, p. 11). Desse momento o leitor pode identificar que ela, mesmo sendo pesquisadora, está ali na posição de visita e, portanto, sofre as mesmas dores que as demais visitas. A introdução é finalizada mostrando que o PCC é um grupo estabelecido no embate as normas do Estado, mas que possui suas próprias diluídas nas relações, e uma coletividade que não têm “raízes”. 1 No capítulo 1, “O PCC” Biondi faz uma explanação sobre o surgimento do PCC, mostrando tanto os acontecimentos envolto dessa história como também a apresentação a população não carcerária. Ela explica que a versão mais aceita, sobre o surgimento do grupo, corresponde a um jogo de futebol que ocorreu em 1993 na Casa de Custódia e Tratamento em Taubaté, na ocasião ocorreu um desentendimento entre as duas equipes presentes (Comando Caipira e Primeiro Comando do Capital) o que resultou no assassinato de duas pessoas do Comando Caipira e isso gerou uma movimentação de “irmandade” de maneira que a punição carcerária, que era severa, seria combatida com a união de todos os presidiários (p.48), era uma forma de se proteger dos excessos de violência por parte dos agentes que representavam o Estado. A história mais aceita, do surgimento do PCC, apresenta a magnitude do acontecimento, mostrando que esse “pacto” faz-se entender os ideias dessa “família”. Então mesmo tendo a análise que o massacre no Carandiru junto a rebelião ocorrida em 2001 e a superlotação dos presídios sejam as reais ações que fortaleceram o desenvolvimento do PCC, são reflexões distantes da aceita pelo grupo. No segundo capítulo, “A política na Faculdades” a antropóloga mostra a construção hierárquica do PCC e o presídio como espaço político por onde ocorrem as relações de entrada e de fortalecimentos dos vínculos, a demarcação de território No terceiro capítulo, “A política da Imanência” Biondi desenvolve a compreensão sobre as duas categorias : “Crime organizado” e “organização Criminosa” como uma forma de tornar real e concreto para que se torne passível de punição, e essas categorias construídas são utilizadas pelo Estado como mecanismo para atuar sobre os que pertence ao grupo. No quarto capítulo, “A política da Transcendência” a pesquisadora mostra que a forma que se faz o PCC, como algo que não cria raízes é exatamente o que faz o grupo permanecer e se renovar, a autora afirma que “(...), a transcendência que é evitada pelos antropólogos conhecidos como pós-sociais é aquela produzida pelo conceito durkheimiano de ‘sociedade’ e que remete a uma totalidade pré - existente (e última) que atribui a moldura aos indivíduos que a compõem. “ é a que ela diz realizar a “torção” para realizar a análise do PCC. Com isso ela observa que assim como não existe um grupo no sentido estrito da palavra, também não existe o indivíduo, porque o grupo PCC é o “junto e misturado”, algo autônomo mas que é fortalecido pelas ações. Nos próximos parágrafos, para realizar o exercício de observação entre os dois trabalhos, trago uma apresentação sobre a dissertação da Antropóloga Suiá Omin Chaves, 2 Carnaval em Terras de Caboclo: uma Etnografia sobre Maracatus de Baque Solto, defendido em 2008 e desenvolvido através do Programa de pós-graduação em antropologia social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional. Aprendemos que o trabalho antropológico não é algo finito, isso porque mesmo assumindo um ponto de partida na realização da etnografia; a observação das relações sociais que o pesquisador consegue compreender no seu objeto, quanto trazido para a teoria para que seja feita a construção do pensamento e esses possam fluir fora do entendimento categórico, mostrá-las como um exercício infinitamente realizável. Se Biondi traz a desconstrução da ideia de um grupo totalitário e sua apresentação como forma fluida de relações que encontra-se de “frente” para o Estado apesar de fazer parte da maneira mais coercitiva deste que mesmo tendo a privação da liberdade consegue expandir seu significado e poder além de qualquer hierarquia sem totalizar esse poder. O outro trabalho, de Suiá Chaves, traz a representação de um momento de liberação das normas, o carnaval, momento de oscilação do cotidiano mas que mesmo nesse momento (limiar) o grupo se organiza de forma hierárquica e mostrando uma relação de poder que existe tanto dentro dos grupos como entre eles. A seguir apresento um resumo do que podemos encontrar no trabalho da antropóloga Suiá Omin Chaves. Sendo uma investigação sobreo sentido do carnaval a partir da experiência do maracatu. A pesquisadora norteia o trabalho na concepção dos maracatuzeiros sobre cultura e sabedoria, buscando compreender o que é ser maracatuzeiro e o que é brincar maracatu. Dessas ideias a pesquisadora desenvolve a dissertação em três capítulos; o primeiro construído com base na introdução dela ao campo, dificuldades e aberturas que vão acontecendo dentro da prática da pesquisa que aconteceu no ano de 2004 em Recife -PE. Nesse ponto do trabalho ela apresenta as pessoas que foram mostrando para ela questões importantes, isso de várias formas, pois a autora coloca o saber que ela adquiriu a partir da ação de dançar em outro grupo. No capítulo dois ela traz a explicação do que é brincar Maracatu. A autora produziu um filme em parceria com a pesquisadora Tatiana Gentile, um trabalho realizado em paralelo com a dissertação. O filme Baque solto é recomendado por Chaves nas primeiras linhas do capítulo dois: a “intenção é enriquecer a atuação de um Maracatu de Baque solto, durante o período para o qual se prepara o ano todo.” (p. 45). 3 A antropólogo estabelece, a partir da fala de um maracatuzeiro a seriedade que está por trás do brincar maracatu, é um compromisso que por mais que seja no carnaval; um momento de “falta de responsabilidade”, pois a ideia que se tem do carnaval é da ausência de subordinação um momento de “liberdade”, existe a organização, ordem e compromisso que é dado a esse fazer carnaval, a essa “brincadeira” que tem durante o ano de trabalho a finalização do ciclo naqueles 15 minutos de desfile, sendo esse o ápice do brincar. O processo todo do Maracatu envolve investimentos de tempo e dinheiro, uma dedicação que tanto os organizadores como todos os outros maracatuzeiros assumem. A autora mostra que existe entre os grupos um sentimento de rivalidade mas também de solidariedade. Os brincantes recebem um cachê para desenvolver a atividade, isso é uma forma de observar também uma certa hierarquia no grupo tanto na função de cada um como na especificidade performática dos indivíduos, “Alguns donos, para garantir que pessoas consideradas ‘boas’ (caboclos de posição, arreimar e outras posições) brinquem no seu Maracatu”, adiantam uma quantia do cachê pois isso assegura a presença no dia principal, isso porque os maracatuzeiros ‘bons’ são cobiçados por outros Maracatus, e a cobiça é feita por meio do oferecimento de um cachê que supere o do então frequentado. A pesquisadora conta que um conflito frequente é o maracatuzeiro que combina com um Maracatu, esse por sua vez recebe a roupa que é por conta do Maracatu e acaba brincando em outro grupo. Ela explica todos passos que os maracatuzeiros dão durantes os três dias e mostra que a brincadeira não fica restrita a um único local isso porque os grupos fazem apresentações em diversos locais da cidade de Recife e também em outras cidades do estado de Pernambuco, eles recebem para isso, assim como também recebem de políticos e de outras pessoas que pedem para o grupo passar na frente de suas casas, como forma de troca e maneira de representar o interesse daquela pessoa com a “cultura” local. Com relação a brincadeira, ela também traz uma reflexão sobre “os de fora”, a autora apresenta uma impressão importante; sobre uma espectadores que ao observar o Maracatu e ver uma pessoa com características, de acordo com ela, não “padronizada do grupo”, uma pessoa branca estaria causando uma descaracterização do grupo, ela explica que durante a chegada do grupo uma mulher “sulista (como eles chamam os paulistas, cariocas, gaúchos), se aproximou sorrindo e me disse: ‘ você está parecendo uma palhaça, todos estão vendo que você não é deste contexto.’Maria, outra 'baiana’ carioca, também foi acusada de ridícula, pela 4 mesma espectadora que também era de 'fora’ daquele contexto, e provavelmente ficou muito desapontada ao ver duas baianas muito brancas”(p.63). Dessas observações a antropóloga parte para o momento final que também é o recomeço, a chegada no barracão simboliza o fechamento do carnaval (acontece na madrugada da quarta-feira de cinzas), e feito um ritual de descruzar o terreiro, cantam-se músicas e em seguida os instrumentos utilizados são guardados. De acordo com Chaves só estão presentes os que brincaram os três dias, “ O mestre entrega o Maracatu de volta para a barraca e assim descruza o terreiro” (p.64), está encerrado o carnaval e um novo ano começa, neste descruzar o terreiro estará protegido espiritualmente para o novo ano. No capítulo 3, a autora traz narrativas sobre o que é o maracatu e o que é ser maracatuzeiro, ela explica na primeira página do capítulo que “(...), o Maracatu, a brincadeira carnavalesca, é considerado uma festa inventada pelo diabo numa tentativa de pegar Cristo. O Cristo é representado na bandeira, elemento central na brincadeira onde os personagens são a figura dos judeus levando o Cristo para a morte, essa morte que acontece durante os dias de carnaval e se finaliza na quarta-feira de cinzas com o descruzar do terreiro que é o início do renascimento para um novo ano, um novo carnaval. Nesse capítulo encontramos nas narrativas o ‘passado’ do Maracatu, de maneira que não é posto como uma história contada mas como uma comparação entre o que era e o que é. A relação aqui traçada entre essas duas etnografias é feita quanto ao caráter teórico e metodológico. Quanto ao teórico observei que Biondi em seu trabalho desenvolve a prática na teoria, explica através do que ela chamou de ‘torção’ de um conceito que utilizado porém criticado mas que para o que ela buscava compreender e apresentar representava a forma mais adequada de caminho teórico, que foi a ‘torção’ do conceito de transcendência. Essa ação de buscar compreender os fatos e alcançar a teoria se mostra como um exercício que Biondi assimila com profundidade. Por isso o trabalho etnográfico se tornou resposta para diversas questões que se estenderam além do campo, como podemos constatar na densidade do trabalho dela com relação a repercussão do que se transformou, a posteriori, em um livro, sim porque em meio a muitos trabalhos sobre o tema o de Biondi apresenta uma explicação para além da simples conclusão do que é o PCC.Chaves, compreende sua análise partindo do “modelo estrutural” de Levi-Strauss, onde ela busca apresentar a relação entre o sagrado e o profano presente no momento que antecede o carnaval e durante o carnaval, respectivamente; mostra que essas brincadeiras são a representação de um momento histórico presente no 5 entendimento do grupo social. No trabalho de Chaves vemos os interlocutores de maneira muito presente no texto, fazendo entender um protagonismo dado aos que fizeram a etnografia acontecer e não a interpretação dela. No porquê das coisas, o trabalho de Chaves mostra o como as coisas ocorrem e onde. Duas etnografias distintas que não coloca uma como melhorque a outra pelo fato de que uma apresenta um espaço em movimento do corpo, como é o carnaval e o outro o movimento das ideias como é o PCC. Dessas leituras e exercício comparativo mostraram-se ideias quanto ao que é esse fazer etnográfico, como desenvolver um trabalho antropológico que esteja nesse exercício. O desafio de pensar esses trabalhos é muitos mais do que ler, interpretar, executar e agir, é mesmo de se fazer antropólogo, compreender seu espaço no campo, sua posição naquele lugar para as aquelas pessoas envolvidas. Vemos isso em Biondi, na introdução do trabalho, quando ela fala da sua posição na fila de espera e as consequências de suas atitudes para ela e para o marido dentro do presídio, quando ela mostra a aprovação da pesquisa pelo PCC e quando apresenta que por ser além de pesquisadora esposa de alguém do PCC, é um cuidado com a trajetória que você como antropólogo tem que ter. Esse mesmo exercício podemos ver em Chaves, ela traz suas experiências como brincante em um Maracatu, “traidora” de outro e por fim amiga, mas também como a “palhaça” que está tirando a autenticidade de um grupo em que o espectador gostaria de ver só negros. Chaves mostra como o antropólogo em sua movimentação tem diversas conotações partindo de quem olha, a participação dela no grupo de Maracatu em nenhum momento foi relatado como um problema para os do grupo, mas só foi explicitado por uma espectadora que, talvez desapontada, identificou uma pessoa que carregava as características do grupo de espectadores mas se encontrava no grupo dos maracatuzeiros. Chaves explica que isso a partir da alteridade e autenticidade esperado pela espectadora. Refletida, essa experiência é colocada na dissertação mostrando que existia ali, por parte da espectadora um lugar do branco e um do não branco, não buscando simplificar ou deturpar a compreensão dela trazer autenticidade e alteridade para explicar a ação, mas que vários outras compreensões podem ser tiradas desse acontecido, principalmente quando se tem experiência do contexto. Dessas duas experiências de inserção e a reflexão que o antropólogo ocupa, chamam a atenção por se tratar de uma etapa muito importante na experiência etnográfica; o ‘caminhar’ da pessoa antropólogo é o que faz a etnografia se mover por entre os agentes, suas falas, gestos e atitudes dão ao pesquisador o ‘oxigênio’ para que a pesquisa se mantenha viva. Em 6 ambas etnografias podemos identificar que a permanência no campo é importante, mas que não é feita de uma única maneira. Biondi, durante cinco anos esteve como visitante e pesquisadora e sua permanência física no espaço prisional era apenas de horas, isso não impediu que ela construísse sua observação nos mais diversos locais, desde a ida para o complexo prisional até sua revista pelos agentes penitenciários. Em Chaves vemos o aproveitamento do tempo e espaço de outra vertente, mesmo ela tendo iniciado uma pesquisa que envolvia o grande tema ‘festa’ na graduação, seu efetivo campo no Maracatu ocorreu, nas palavras dela, de um desdobramento da iniciação ciêntifica que ela concluiu que deveria prolongar no mestrado. Portanto, ambas possuíam experiências no objeto de análise o que é algo proveitoso para desenvolver o olhar e o escrever antropológico. Em ambas a figura do informante se mostra como algo muito relevante, Biondi tinha o marido que ela detalhou ser a única maneira de poder dialogar com outros homens tendo em vista toda uma forma representação que as mulheres (esposas, filhas, mães, irmã….) ocupam no espaço prisional. E Chaves apresenta o amigo Ederlan que é alguém que tem prestígio nos Maracatus e por isso estabelece o diálogo com os mais diversos envolvidos nos grupos. Dessas características é possível compreender que mesmo o pesquisador estabelecendo relações com várias pessoas no campo, existe a importância de alguém de “dentro”, essa posição de um informante chave me fez lembrar Foot-White que o informante pode levar o pesquisador a acessar espaços inimagináveis ou mesmo imagináveis porém inacessíveis por ele só. O informante pode proporcionar o acionamentos de dados que talvez o antropólogo nunca viesse a ter acesso sem aquela relação que se estabeleceu e que pode ser baseada em trocas explícitas ou implícitas de favores; tendo em vista algum jogo de interesse presente nas relações, mas não algo mercantilizado. Quanto a estrutura das dissertações: o trabalho de Chaves foi realizada em um evento, o carnaval, sendo um momento em que o jogo de cores, formas, e movimentos estão presentes, mas é importante perceber que ela não faz uso de fotografias no corpo do texto, porém faz uso da produção de um vídeo como método para suprir essa necessidade de expressar o movimento presente no evento, o filme não é uma extensão mas sim a composição do capítulo dois. Um detalhe menor está na forma como Chaves diagramou ou formatou a etnografia, não é algo importante para o conteúdo e interpretação, mas causa desconforto na leitura, ela faz uso de espaços longos entre parágrafos, talvez não seja proposital, mas entendo que tenha sido um recurso para mostrar a finalização da ideia. 7 Finalizo essas impressões não por esgotamento do material, mas por necessidade de azeitamento das observações, as colocadas aqui são as que vi com maior destaque durante a leitura realizada nas últimas semanas. 8
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