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Direito penal e processual penal na prtica_Danielhmoro

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GUSTAVO DOS SANT OS GASPAROT O
DIREIT O PENAL E PROCESSUAL
PENAL NA PRÁTICA
© 2019 - Editora Canal Ciências Criminais
Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio. A
violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/1998) é crime estabelecido pelo artigo
184 do Código Penal.
Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei nº 10.994, de 14 de dezembro
de 2004.
Direção Editorial
Bernardo de Azevedo e Souza
Conselho Editorial
André Peixoto de Souza
Bruno Augusto Vigo Milanez
Diógenes V. Hassan Ribeiro
Fábio da Silva Bozza
Fauzi Hassan Choukr
Felipe Faoro Bertoni
Fernanda Ravazzano Baqueiro
Maiquel A. Dezordi Wermuth
Capa e pr ojeto gráfico
Estúdio Xiru
Diagramação
Bernardo de Azevedo e Souza
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
G249d Gasparoto, Gustavo dos Santoss
Direito penal e processual penal na prática [recurso
eletrônico] / Gustavo dos Santos Gasparoto. – Porto Alegre : Canal
Ciências Criminais, 2019.
ISBN: 978-85-92712-31-0 (e-book)
Modo de acesso:
http://editora.canalcienciascriminais.com.br
1. Direito Penal. 2. Direito Processual Penal. 3.
Apropriação indébita previdenciária. 4. Armas - porte ilegal – princípio
da consunção. 5. Gestão temerária – princípio da legalidade. 6. Habeas
corpus. 7. Prisão em flagrante. I. Título. 
CDD 341.43
Bibliotecária Responsável: Eliane Mª. Per eira Kr onhardt (CRB 10/1518) 
CONTENTS
APRESENTAÇÃO
1. Apropriação indébita previdenciária e inexigibilidade de conduta diversa
2. Aplicação do princípio da consunção no crime de porte ilegal de armas
3. Não declarar o imposto de renda constitui crime contra a ordem
tributária?
4. O crime de gestão temerária à luz do princípio da legalidade
5. Produtos vencidos expostos à venda, por si só, configuram crime contra
as relações de consumo?
6. Crimes contra a administração pública podem ser considerados
insignificantes?
7. A ausência de fundamentação das decisões que ratificam o recebimento
da denúncia
8. A acusação pode impetrar mandado de segurança a fim de manter o
acusado preso?
9. Habeas Corpus: superando a súmula 691 do STF
10. A inquirição de testemunhas à luz do sistema cross examination
11. Os efeitos da transação penal
12. Prisão em flagrante, e agora: relaxamento da prisão ou liberdade
provisória?
13. Medidas cautelares e o princípio da necessidade
14. O suprimento inidôneo de decisões não fundamentadas
15. A ilegalidade das prisões preventivas fundamentadas em fatos pretéritos
16. Insegurança jurídica e Direito Penal da “sorte”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
APRESENTAÇÃO
O trabalho em apreço nada mais é que um compilado de diversos artigos
que poderão auxiliar os leitores durante a prática penal, seja no que tange ao
direito material como o direito processual. Importante consignar, que não há
obrigatoriamente ligação entre um artigo e outro, uma vez que são
abordadas diversas matérias distintas.
A intenção da obra é demonstrar que a teoria e a prática nem sempre
caminham juntas, razão pela qual a postura e atuação do advogado são de
suma importância para que a defesa do cliente seja a mais eficiente
possível.
Entre os temas estão: Direito Penal da “sorte”; se é crime não declarar o
imposto de renda; a legalidade do crime de gestão temerária; a ilegalidade
de prisões preventivas fundamentadas em fatos pretéritos; medidas
cautelares e o princípio da proporcionalidade; a superação da súmula 691
do STF em sede de habeas corpus ; entre outros.
Portanto, o e-book poderá ser muito útil aos que pretendem adquirir mais
conhecimento para exercerem a tão apaixonante advocacia criminal.
CAPÍTULO 1
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E INEXIGIBILIDADE
DE CONDUTA DIVERSA
O crime de apropriação indébita previdenciária está previsto no
art. 168-A do Código Penal:
Apr opriação indébita pr evidenciária
Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições
recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. 
§1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de: 
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à
previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a
segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham
integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à
prestação de serviços;
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou
valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.
Parte da doutrina entende que o legislador falhou ao inserir, por meio da Lei
9.983/2000, esse delito no título II do Código Penal – Dos Crimes Contra o
Patrimônio -, uma vez que, na verdade, trata-se de crime que atinge a
previdência social.
Há quem defenda, ainda, que o tipo penal em debate seria inconstitucional,
pelo fato do objeto do crime não passar de mera inadimplência perante a
União pelo não pagamento de contribuição previdenciária. Dessa forma,
como o crime em apreço permite a privação de liberdade, estaria afrontando
o art. 5º, LXVII, da Carta Magna:
não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel.
Pois bem, para a configuração do crime, em síntese, é necessário que haja o
recolhimento da contribuição previdenciária e que ela não seja repassada ao
Órgão competente.
Por exemplo: o dono de uma empresa desconta do salário de seus
funcionários o valor referente ao pagamento do INSS, no entanto, ao invés
de efetuar o devido repasse à previdência social, o agente deixa de fazê-lo.
Seria possível que isso ocorra sem que o agente seja responsabilizado
penalmente? Sim, e no caso em debate será esclarecida uma das possíveis
hipóteses.
Sabe-se que segundo o conceito analítico de crime tripartido, os elementos
capazes de configurar o delito são: (i) fato típico; (ii) antijurídico; e (iii)
culpável. O terceiro elemento – culpabilidade - é composto pela
imputabilidade do agente, pelo potencial de consciência da ilicitude e pela
exigibilidade de conduta diversa.
A exigibilidade de conduta diversa seria, em suma, a possibilidade de o
agente agir de acordo com o direito no momento da ação ou omissão.
Ocorre que isso nem sempre é possível, sobretudo no ramo empresarial, o
qual envolve diversos riscos devido à instabilidade do mercado.
Imagine-se a seguinte situação: a empresa de João, após ser atingida pelos
efeitos da crise econômica, sofreu um prejuízo significante. Em razão disso,
o João não conseguiu arcar com todas as suas responsabilidades, motivo
pelo qual diversos equipamentos foram penhorados, muitos funcionários
foram demitidos (tendo que pagar valores altos de acertos trabalhistas), a
empresa teve a falência decretada, sofreu diversas ações de execução, entre
outras.
Assim, João não teve outra saída, senão utilizar o valor que deveria ter
repassado à previdência, para pagar o salário de alguns funcionários.
Diante desse quadro, deveria o Direito Penal ser acionado? Há outra
conduta a ser exigida de João diferente da narrada no exemplo acima? Por
óbvio que não.
Muito embora a conduta do João se enquadre no tipo penal previsto no art.
168-A (sendo típico e antijurídico), o contexto não permite que ela seja
culpável, uma vez que no caso em tela João está amparado por uma causa
supralegal de exclusão da culpabilidade, qual seja: a de inexigibilidade de
conduta diversa.
O professor Cleber MASSON[1] ensina que quando uma
pessoa física ou jurídica, deixa de repassar à previdência
social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e
forma legal ou convencional, em razão de dificuldades
financeiras, firmou-se tese no sentido de não ser legítima a
atuação do Direito Penal, pois seria injusta a incidência
prática do crime definido pelo art. 168-A do Código Penal.
Prevalece o entendimento de que se afasta a culpabilidade,em
face da ausência de um dos seus elementos constitutivos, a
exigibilidade de conduta diversa.
Importante esclarecer que para o reconhecimento dessa causa supralegal de
exclusão da culpabilidade é imprescindível que o acusado demonstre de
forma contundente os problemas suportados pela empresa que o impediu de
repassar o valor do INSS à União, do contrário o juiz não poderá
reconhecer a presença da inexigibilidade de conduta diversa.
Na prática essa prova não pode ser feita somente por meio de testemunhas,
pois os Tribunais Superiores entendem que o acusado deve fornecer
documentos capazes de demonstrar o histórico negativo que a empresa
esteva suportando na época dos fatos (como exemplo: documentos que
demonstrem a decretação da falência, cópias de ações de execução,
documentos da contabilidade, entre outros).
Não se pode olvidar, ainda, que essa causa de exclusão da culpabilidade
decorre da natureza de exceção do Direito Penal, isto é: não há motivos
para acionar o ramo mais invasivo do Direito, a fim de punir um agente que
não poderia ter agido de outra forma.
Por fim, com a intenção de aclarar situações em que essa causa supralegal é
aplicada, seguem precedentes dos Tribunais Federais da 2ª e 3ª Região,
respectivamente:
APROPRIAÇÃO INDÉBIT A PREVIDENCIÁRIA (TRF 2):
Nada obstante, compulsando os autos, verifica-se haver provas
suficientes de que o quadro de penúria financeira por que
atravessava a pessoa jurídica administrada pelas rés à época
dos fatos analisados na ação penal (...) não se reverteu, aliás,
agravou se, perdurando, inclusive, até os dias de hoje,
caracterizando, assim, mais uma vez, inexigibilidade de
conduta diversa, a excluir a culpabilidade das rés, como se
dessume do entendimento já exposado na sentença, cujos
fundamentos, pela clareza, solidez e juridicidade, incorporo
como razões de decidir e agrego outros: (...) As afirmações das
testemunhas são condizentes com a prova dos autos e
corroboradas pelas declarações de IR relativas aos anos de
2003 a 2006, juntadas às fls. 110/304. Da análise de tais
declarações resta claro que as Rés não obtiveram acréscimo
significativo de patrimônio no período em que se deu a
inadimplência e que não faziam retiradas vultuosas da referida
empresa, demonstrando, assim, que não se locupletaram dos
valores não repassados à autarquia previdenciária. Sendo
assim, resta claro que a empresa administrada pelas Rés
enfrentou grave obstáculo financeiro a impedir que as mesmas,
como suas administradoras, agissem conforme determinava o
comando contido no tipo em apreço, de modo que a
inadimplência civil não transcendeu desta sede para a esfera
criminal. A circunstância que vem endossar a absolvição tal
como colocada referese à inexigibilidade de conduta diversa
como causa supralegal de exclusão da culpabilidade das
acusadas. (...) De todos estes fatos, resta comprovada a
situação de excepcional gravidade financeira da sociedade
empresarial à época dos fatos descritos na denúncia,
caracterizando a excludente de culpabilidade, por
inexigibilidade de conduta diversa por parte de (...), que
deixaram de adimplir as obrigações tributárias. (APL n.º
0000141-34.2015.4.02.5001, TRF2, DJe 25/08/2017) 
APROPRIAÇÃO INDÉBIT A PREVIDENCIÁRIA (TRF 3):
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SONEGAÇÃO DE
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO PUNITIVA RETROATIVA RECONHECIDA.
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. SENTENÇA
ABSOLUTÓRIA MANTIDA. INEXIGIBILIDADE DE
CONDUTA DIVERSA. DIFICULDADES FINANCEIRAS
COMPROVADAS. RECURSO DA DEFESA PROVIDO.
RECURSO DA ACUSAÇÃO DESPROVIDO. 1. Réu
denunciado como incurso no artigo 168-A, §1º, I e artigo 337-
A, I, c.c. o artigo 71 e 69, todos do Código Penal e condenado,
apenas, pelo delito de sonegação previdenciária. 2. A
jurisprudência sedimentou-se no sentido da aplicação da
Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal aos
crimes de apropriação indébita previdenciária e sonegação de
contribuição previdenciária, reconhecendo a natureza material
das infrações e, consequentemente, a consumação com a
constituição definitiva do crédito tributário, bem como a
necessidade do prévio exaurimento do procedimento
administrativo fiscal como condição de procedibilidade para
deflagração da ação penal. O termo a quo para a contagem da
prescrição é constituição definitiva do crédito tributário.
Prescrição da pretensão punitiva retroativa reconhecida em
relação ao delito de sonegação previdenciária entre a data do
recebimento da denúncia e a publicação da sentença.
3. Capítulo absolutório da sentença. A defesa trouxe aos autos
elementos concretos de que a existência da empresa/sociedade
estava comprometida, sendo graves e contundentes as
dificuldades financeiras experimentadas pela pessoa jurídica
no período indicado na denúncia. Ações de execução, despejo
por falta de pagamento de aluguel, demissões, penhora de bens
do acusado e involução patrimonial do sócio. Empresa com
atividade encerrada quando da fiscalização. Mantido o
capítulo absolutório da sentença na qual se reconheceu causa
supralegal de exclusão de culpabilidade. 4. Recurso da defesa
provido e da acusação desprovido. (APL n.º 0000691-
66.2006.4.03.6181, TRF 3, DJe 13/11/2018 (apenas ementa,
pois o processo tramita sob segr edo de justiça)
CAPÍTULO 2
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO NO CRIME DE
PORTE ILEGAL DE ARMAS
O crime de porte ilegal de arma de fogo está descrito nos artigos 14 e 16 da
Lei n.º 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), a única diferença que há
entre aludidos tipos penais é de que o primeiro é relativo ao uso de arma
permitida e o segundo relativo ao uso de arma restrita:
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar,
manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso
permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
(...)
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar,
manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de
uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação
legal ou regulamentar.
Como se vê os verbos descritos nos tipos penais em apreço são
praticamente os mesmos, a diferença, repise-se, é somente em relação ao
tipo do armamento. No entanto, ambos protegem o mesmo bem jurídico –
segurança pública.
Feito essa premissa, vamos imaginar a seguinte situação: em uma blitz de
rotina policiais militares se deparam com um indivíduo portando
ilegalmente diversas armas em seu automóvel, tanto de uso permitido como
de uso restrito, e, em razão disso, o agente foi preso em flagrante.
Encerrado os trâmites na Delegacia de Polícia os autos foram encaminhados
ao Ministério Público e, nesta oportunidade, o Promotor de Justiça entendeu
por bem denunciar o indivíduo pelos fatos subsumidos aos tipos penais
acima ilustrados (arts. 14 e 16 da Lei n.º 10.826/03).
A acusação oferecida em desfavor do agente está correta? Analisando as
poucas informações descritas no exemplo anteriormente mencionado qual
seria a melhor tese defensiva?
A denúncia não está correta e a melhor tese defensiva seria a da aplicação
do princípio da consunção, a fim de evitar o excesso de punição, isso
porque todas as armas foram apreendidas durante a mesma situação fática.
O professor Cleber MASSON[2] ensina que de acordo com o princípio da
consunção “o fato mais amplo e grave consome, absorve os demais menos
amplos e graves”. Isso para que o indivíduo não seja responsabilizado pelos
mesmos fatos mais de uma vez, o que destoaria da finalidade do Direito
Penal.
Nota-se que a matéria em debate é de extrema objetividade. Isto é, como o
crime previsto no art. 16 da referida Lei é mais grave (porte ilegal de arma
de uso restrito: reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa), ele absorve o
crime previsto no art. 14, pois este, por se tratar de armas de uso permitido,
é menosgrave.
Ademais, importante consignar que o princípio da consunção (ou absorção)
pode ser aplicado ainda que os tipos penais protejam bens jurídicos
distintos, conforme se verifica por meio das lições do Cezar Roberto
BITENCOURT[3]:
Não convence o argumento de que é impossível a absorção
quando se tratar de bens jurídicos distintos. A prosperar tal
argumento, jamais se poderia, por exemplo, falar em absorção
nos crimes contra o sistema financeiro (Lei n. 7.492/86), na
medida em que todos eles possuem uma objetividade jurídica
específica. (...) No conhecido enunciado da Súmula 17 do STJ,
convém que se destaque, reconheceu-se que o estelionato pode
absorver a falsificação de documento. Registra-se, por sua
pertinência, que a pena do art. 297 é de 2 a 6 anos de reclusão,
ao passo que a pena do art. 171 é de 1 a 5 anos. Não se
questionou, contudo, que tal circunstância impediria a
absorção, mantendo-se em plena vigência a r eferida súmula.
Portanto, mesmo que os bens jurídicos tutelados sejam diversos o princípio
da consunção deve ser aplicado, a fim de que o agente não seja
responsabilizado duas vezes pelos mesmos fatos e condutas – non bis in
idem.
Importante registrar, ainda, a título de esclarecimento, que o princípio da
consunção também é utilizado em casos em que um crime é praticado a fim
de alcançar outro crime. Por exemplo: uso de documento falso para a
prática do crime de estelionato. Nesse caso o agente deve ser
responsabilizado tão somente pelo crime de estelionato, uma vez que, por
meio do princípio da consunção, o crime meio (uso de documento falso) é
absorvido pelo crime fim (estelionato).
Por fim, seguem precedentes bastante didáticos do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, que ilustram a aplicação do princípio da consunção
em ações penais em que o agente foi denunciado por crimes previstos no
Estatuto do Desarmamento:
APL N.º 0009459-23.2015.8.26.0609, TJSP , REL. DES. CLÁUDIA
LUCIA FONSECA F ANUCCHI, DJE 12/07/2017
Assiste razão à Defesa, mostrando-se de rigor a aplicação do
princípio da consunção com relação aos delitos tipificados nos
artigos 12, 14, caput, e 16, parágrafo único, inciso IV, todos da
Lei nº 10.826/03, de sorte a considerar os dois primeir os (posse
e porte ilegal de arma, munições e acessórios de uso permitido)
absorvidos pelo delito mais grave (posse de arma com
numeração suprimida e posse de munição de uso restrito),
porquanto a apreensão dos armamentos, das munições e do
acessório sucedeu-se no mesmo contexto fático,
caracterizando, assim, crime único.
APL N.º 0059831-38.2014.8.26.0050, TJSP , REL. DES. TOLOZO
NETO, DJE 06/12/2017
Com efeito, havendo na hipótese único contexto fático, deve ser
aplicado o princípio da consunção no que diz respeito aos
crimes de porte ilegal de arma de fogo com numeração
suprimida e disparo de arma de fogo, ambas infrações penais
pelo qual o apelado foi condenado. Inobstante, tratando-se de
porte de arma de fogo que se equipara à de uso restrito pelo
fato de sua numeração ter sido raspada, em consonância com o
art. 16, parágra fo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03, crime
cuja pena é mais grave do que a prevista para o disparo de
arma de fogo, delito previsto no art. 15 do mesmo Diploma
Legal, o critério quantitativo do aludido princípio da
consunção, derivado dos princípios da proporcionalidade e
razoabilidade, demanda que o disparo seja tomado como post
factum impunível em relação ao porte, prevalecendo este a
absorver o primeiro. Importante, porém, distinguir a hipótese
dos presentes autos daquela em que a arma de fogo é de uso
permitido. Cominada ao delito previsto no art. 14 da Lei nº
10.826/03 pena idêntica àquela adstrita ao art. 15 do
mencionado Diploma Legal, o crime fim de disparo de arma de
fogo resta por absorver o crime meio de porte, desde que, frise-
se, não haja o estabelecimento de contextos fáticos diversos
para cada conduta, ou seja, o porte e o disparo ocorram em
uma mesma conjuntura.
APL n.º 0010632-52.2015.8.26.0037, TJSP , Rel. Des. Gilber to Ferr eira
da Cruz, DJe 17/1 1/2017
Entretanto, embora comprovado o fato objetivo descrito no tipo
penal do artigo 14 da Lei nº 10.826/03, é inconteste a sua
absorção pelo crime do artigo 15 da referida Lei especial, pois
os dois delitos atingem o mesmo bem juridicamente tutelado,
qual seja, a incolumidade pública pertencente ao mesmo
sujeito passivo: coletividade. Assim, o delito de porte ilegal de
arma de fogo de uso permitido praticado por (...) fica
absorvido pelo crime de disparo de arma de fogo. Satisfeitas as
exigências do princípio da consunção no conflito apar ente de
normas. Isso em razão daquele ser meio ou instrumento para a
perpetração deste último crime de maior gravidade.
CAPÍTULO 3
NÃO DECLARAR O IMPOSTO DE RENDA CONSTITUI CRIME
CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA?
O crime de omitir informações às autoridades fazendárias a fim de suprimir
tributos está previsto no art. 1º, I, da Lei 8.137/90, o qual assevera que:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo,
ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes
condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades
fazendárias.
Ocorre que há grande debate se a omissão nesse caso se configura (i)
quando o agente declara o imposto, mas omite informações a fim de
suprimir o tributo, ou (ii) se o simples fato de não fazer a declaração, por
exemplo do Imposto de Renda, já é o suficiente para ensejar o crime
previsto na Lei 8.137/90.
De fato, o legislador não foi muito claro, mas ao analisar de forma
minuciosa o tipo penal em apreço, verifica-se que as condutas
incriminadoras consistem, ipsis litteris, em (i) omitir informações (ou seja:
informações eventualmente declaradas, porém, com alguma supressão),
bem como (ii) prestar declaração falsa às autoridades fazendárias. Dessa
forma, a não declaração de imposto de renda, em tese, não se amolda ao
delito de sonegação de tributo – portanto, referida conduta é formalmente
atípica.
Há decisão recente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região bastante
didática sobre o tema aqui trazido (APL n.º 0007036-77.2008.4.03.6181/SP,
DJe 13/09/2018).
No julgamento foram analisados dois anos calendários distintos (2003 e
2004). No ano de 2004 o agente não apresentou à Receita Federal os
rendimentos da sua empresa; já no ano de 2003 o agente declarou o imposto
de renda da pessoa jurídica à Receita, mas omitiu informações a fim de
suprimir tributos.
Qual foi o resultado?
2004:
A conduta descrita na denúncia quanto ao ano-calendário
2004 é atípica, pois a omissão na entrega da PJSI 2005 não
configura, por si só, a omissão fraudulenta descrita na norma
penal. Com efeito, perfilho do entendimento de que a "omissão"
da qual trata a norma penal somente se perfaz quando o
contribuinte apresenta a declaração e nela omite as
informações acerca dos fatos gerador es da obrigação
tributária. (...) Isto porque, quando o contribuinte não entrega
a Declaração da Pessoa Jurídica, não há falsidade, não há
fraude, e o Fisco pode arbitrar o valor devido segundo a lei
tributária, como, in casu, ocorreu. Conclui-se, portanto, que a
conduta imputada à acusada é atípica em relação a não
entrega da PJSI 2005, correspondente ao ano-calendário de
2004.
2003:
No que tange ao ano-calendário de 2003, tem-se perfeitamente
demonstrada a materialidade do crime do art. 1º, I, da Lei nº
8.137/90. Com efeito, segundo restou apurado no bojo do
processo administrativo fiscal nº 10880.07525/2008-65, houve
redução de tributos mediante omissão de informação, na
Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa
Jurídica, acer ca da r eceita auferida pelo contribuinte (...)
Portanto, por meio dessa decisão do TRF3, não apresentar à Receita Federal
a declaração dos rendimentos, por si só, não configura crime contra a ordem
tributária. Consistiria, apenas, uma inadimplência perante o fisco.
No entanto, essa questão não é tão simples.
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi julgada uma situação bem
semelhantecom a ilustrada acima (APL n.º 5005382-31.2010.404.7002,
DJe 14/12/2012), todavia além de não declarar o imposto de renda, o agente
não prestou informações à Receita Federal quando essa o intimou.
Nesse caso, o agente foi condenado em primeira instância, mas o Tribunal
(TRF4) reformou a decisão por entender que a conduta de não apresentar à
Receita Federal os informes necessários não constitui o crime estampado na
Lei 8.137/90, conforme se verifica por meio do voto do relator:
O tipo penal exige o dolo genérico, consistente em uma
conduta ativa ou omissiva de consciente sonegação fiscal,
assim entendida a omissão de informação na declaração de
rendimentos ou a prestação de informações falsas nessa
declaração dirigida às autoridades fazendárias, bem como a
inserção de elementos incorretos ou a omissão de operações
fiscais nos livros e documentos exigidos pela lei fiscal, com o
intuito de omitir ou reduzir a tributação. Entretanto, a não
apresentação da declaração de Imposto de Renda, como soe
ocorrer no caso, não constitui infração penal, mas mera
infração tributária.
O relator reconheceu a atipicidade do delito de ofício e julgou prejudicado o
recurso de apelação do Ministério Público Federal.
Irresignado com o acórdão proferido, o MPF interpôs recurso especial ao
Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1390125/PR) alegando que pelo fato
do agente não ter declarado o imposto, bem como por não ter prestado
informações quando intimado pela Receita, o crime de sonegação de tributo
mediante omissão estava devidamente configurado. Verifica-se excerto do
recurso:
não apenas não apresentou a declaração de imposto de renda
relativa ao ano-calendário 1997, como omitiu informações
devidas à autoridade fazendária a respeito da origem dos
valores movimentados em suas contas-corr entes quando por
ela intimado para tanto (conduta fraudulenta). Assim agindo,
suprimiu tributos, na medida em que não recolheu valores
devidos à título de Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF
(inadimplemento).
É imperioso que se reconheça que, na espécie, houve omissão de
informação à autoridade fazendária em duas oportunidades: a primeira no
momento em que o recorrido não apresentou a declaração anual do imposto
de renda relativa ao ano-calendário 1997, que era devida; e a segunda
ocorrida, quando regularmente intimado pelo Fisco para prestar
esclarecimentos sobre a origem dos valores recebidos, passíveis de
tributação, deixou transcorrer o prazo que foi assinalado sem manifestação.
Resultado do julgamento? O ministro Felix Fischer, monocraticamente, deu
provimento ao recurso especial. Muito embora o ministro tenha
determinado que o TRF4 julgasse a apelação lá interposta (a apelação do
MPF foi julgada prejudicada, uma vez que o relator reconheceu de ofício a
atipicidade da conduta) ele entrou no mérito da questão e no voto restou
consignado que:
In casu, não há como se concluir pela ocorrência de mera
infração tributária, eis que esta se verifica quando há intensão
do autuado em saldar o débito fiscal constituído e, assim, as
circunstâncias não o permite. O que se vê é a adequação típica
imediata da conduta, valorada no acórdão combatido, ao art.
1º, inciso I, da Lei 8.137/90.
Ou seja: entendeu que o fato de o agente não ter declarado o imposto de
renda seria o suficiente para configuração do crime em tela.
Portanto, por meio dos precedentes dos Tribunais Regionais trazidos ao
debate e pela análise feita no tipo penal estampado na Lei n.º 8.137/90, em
tese, não configura crime contra a ordem tributária deixar de apresentar a
declaração do imposto de renda; configura mera inadimplência perante o
Fisco.
No entanto, nota-se que a questão não é pacífica, uma vez que o Superior
Tribunal de Justiça já se manifestou de forma contrária, sobretudo quando o
contribuinte devidamente intimado pelo órgão tributário fiscalizador se
mantém inerte.
CAPÍTULO 4
O CRIME DE GESTÃO TEMERÁRIA À LUZ DO PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE
Um dos mais importantes princípios em matéria criminal, sem dúvida
alguma, é o da legalidade (anterioridade da lei penal). Não é à toa que além
de estar previsto na Constituição Federal (art. 5º, XXXIX), também está
estampado no primeiro artigo do Código Penal: “Não há crime sem lei
anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” .
Isto é, para que um indivíduo seja responsabilizado penalmente pela prática
de uma conduta, é preciso que a sua ação (ou omissão a depender do caso)
esteja prevista em algum tipo penal de forma prévia. Sua função é limitar o
poder punitivo do Estado a fim de evitar acusações arbitrárias; sem amparo
legal.
Paulo BONAVIDES[4] ensina que:
O princípio da legalidade nasceu do anseio de estabelecer na
sociedade humana regras permanentes e válidas, que fossem
obras da razão, e pudessem abrigar os indivíduos de uma
conduta arbitrária e imprevisível da parte dos governantes.
Tinha-se em vista alcançar um estado geral de confiança e
certeza na ação dos titulares do poder, evitando-se assim a
dúvida, a intranquilidade, a desconfiança e a suspeição, tão
usuais onde o poder é absoluto, onde o governo se acha dotado
de uma vontade pessoal soberana ou se r eputa legibus solutus e
onde, enfim, as regras de convivência não foram previamente
elaboradas nem r econhecidas.
Exatamente! Não haveria como viver em uma sociedade se as regras não
fossem claras e determinadas.
Para o presente e-book é importante aclarar as quatro principais funções do
princípio da legalidade, sendo elas:
a) proibir a retroatividade da lei penal (caso um indivíduo pratique uma
conduta, e esta seja posteriormente definida como crime pelo legislador, ele
não poderá ser punido);
b) não permitir a criação de crimes e penas por meio dos costumes;
c) não permitir que a analogia seja utilizada para a criação de crimes ou
para fundamentar e agravar penas;
d) e proibir que o legislador crie tipos penais vagos e indeterminados.
Ocorre que em razão da evolução incessante da sociedade (industrial,
tecnológica, etc) e do grande aumento demográfico, o Direito Penal teve
que se adequar às novas relações sociais, bem como tutelar diversos bens
jurídicos, que até então, sequer existiam.
Dessa forma, a fim de dar resposta a inúmeras situações distintas, o
legislador acabou falhando ao criar alguns tipos penais muito abertos, como
exemplo: o crime de gerir temerariamente instituição financeira.
GESTÃO TEMERÁRIA
Aludido crime está previsto no art. 4º, § único, da Lei .º 7.492/86 (crimes
contra o sistema financeiro):
Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira:
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único. Se a gestão é temerária:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
O que se qualificaria como temerário? Afinal, em qual diploma
encontramos esse conceito? Não se sabe, uma vez que o legislador não diz.
Muito embora este crime seja considerado uma norma penal em branco, não
há norma secundária que permita encontrar o conceito necessário.
O agente não sabe o que pode ou não fazer para evitar que seja acusado
pelo crime em apreço, pois o legislador não respeitou uma das principais
funções do princípio da legalidade: a de proibir a criação de tipos penais
vagos e indeterminados.
Na prática, quem define as possíveis condutas temerárias é o Banco Central
do Brasil. Por exemplo: o gerente de um banco privado está sendo
investigado, pois supostamente teria gerido de forma temerária a instituição
financeira onde ele trabalhava.
Durante as investigações, por requisição do Ministério Público ou da
Autoridade Policial, é expedido ofício à instituição para que os analistas
responsáveis emitam um parecer sobre a conduta do investigado. Assim,
eles irão consignar no documento se a conduta deste foi temerária ou não.
Neste caso, o legislador não definiu a norma secundária, a qual deveria
informar o conceito de “temerário”. Quem faz isso, conforme se verifica
acima, é o Banco Central – autarquia federal. Dessa forma, o crime de
gestão temerária previsto na Lei de crimescontra o sistema financeiro
nacional não está constitucionalmente amparado, pois viola frontalmente o
princípio da legalidade.
Não há lógica deixar nas mãos do Banco Central o papel de decidir se o
agente praticou crime. Desse modo, salta aos olhos a insegurança jurídica
que essa situação causa.
Por fim, são válidas as lições do desembargador Guilherme de Souza
NUCCI[5]:
Temerário significa arriscado, perigoso e imprudente. O termo
é extremamente vago e aberto. Pensamos ofender o princípio
da taxatividade e, por consequência, a legalidade. Exige o art.
5º, XXXIX, da Constituição Federal, que “não há crime sem lei
anterior que o defina...” (grifamos). Ora, a doutrina é
praticamente unânime ao apontar, como corolário dessa
definição, seja ela bem-feita, com detalhes suficientes para ser
bem compreendida por todos, vale dizer, os tipos penais
incriminadores necessitam ser taxativos. Está bem longe de
atingir esse objetivo o crime previsto no art. 4º parágrafo
único, da Lei 7.492/86. É inconstitucional, portanto.
Todavia, o entendimento dos Tribunais Superiores não é esse:
Para parcela da doutrina, a indeterminação do termo levaria à
inconstitucionalidade do tipo penal, por ofensa ao princípio da
legalidade. Não obstante, o Supremo Tribunal Federal tem se
deparado com a aplicação do tipo penal desde a edição da lei,
há 30 anos, e jamais reconheceu a sua inconstitucionalidade
(...). Devendo ser admitida, destarte, a constitucionalidade do
tipo penal, a saída que se apresenta, para compreendê-lo como
válido, é submetê-lo a uma “interpr etação conforme” à
Constituição, através de uma redução teleológica do seu
campo de incidência. Para tanto, é preciso afastar da
incidência da norma penal os casos que se encontrem cobertos
pelo risco permitido na esfera da atividade financeira. Desse
modo, a contrario sensu, deve-se entender que o tipo penal de
gestão temerária pressupõe a violação de deveres extrapenais.
(Resp n.º 1613260, STJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, DJe 24/08/2016).
Assim, ainda que parcela significativa da doutrina, composta por grandes
autores, entenda que o crime de gestão temerária é inconstitucional, este
continua, como se vê, válido perante os Tribunais.
CAPÍTULO 5
PRODUTOS VENCIDOS EXPOSTOS À VENDA, POR SI SÓ,
CONFIGURAM CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO?
Os crimes contra as relações de consumo estão previstos no art. 7º da Lei
8.137/90. Entre eles, no inciso IX, encontra-se o crime de vender produtos
em condições impróprias:
Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo:
(...) IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de
qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições
impróprias ao consumo;
Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.
Mas, o que seriam condições impróprias para consumo?
Como se vê, trata-se de uma norma penal em branco, ou seja: para verificar
quando o crime de fato está configurado é preciso procurar a
complementação em outro diploma, e no caso em tela, devemos consultar o
Código de Defesa do Consumidor (art. 18, § 6º, inciso I):
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis
respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os
tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes
diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com
a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou
mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua
natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
(...)
§ 6° São impróprios ao uso e consumo:
I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos.
Seguindo as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor, uma das
hipóteses de produtos impróprios ao consumo está relacionada com a
questão temporal, isto é, quando o produto está vencido. No entanto, ainda
nos cabe outro questionamento - o qual é o foco deste artigo: o simples fato
do produto estar vencido possui o condão de ensejar o crime contra as
relações de consumo? A resposta só pode ser negativa, em razão de 2 (dois)
grandes motivos:
O primeiro deles é por conta do caráter subsidiário do Direito Penal, pois
este só pode e deve ser acionado quando outros ramos do Direito, que
também exercem a função de controle social (ex.: Direito Civil, Direito
Administrativo, etc), falham.
Conforme acima mencionado, o Código de Defesa do Consumidor possui
mecanismos capazes de controlar a exposição de produtos vencidos à
venda. Assim, não se justifica o acionamento do ramo mais invasivo do
Direito apenas pela questão relacionada ao prazo de vencimento.
Roxin discorre de forma pontual sobre essa característica:
A proteção de bens jurídicos não se realiza só mediante o
Direito Penal, senão que nessa missão cooperam todo o
instrumental do ordenamento jurídico. O Direito penal é,
inclusive, a última dentre todas as medidas protetoras que
devem ser consideradas, quer dizer que somente se pode
intervir quando falhem outros meios de solução social do
problema – como a ação civil, os regulamentos de polícia, as
sanções não penais etc. Por isso se denomina a pena como a
‘ultima ratio da política social’ e se define sua missão como
proteção subsidiária de bens jurídicos. (ROXIN, Claus.
Derecho penal, t. I, p. 65. - g.n.).
O segundo motivo é que para a configuração do crime previsto no art. 7º,
inciso IX, da Lei 8.137/90, não basta que a mercadoria exposta à venda
esteja com o prazo de validade expirado. É de suma importância a
realização de laudo pericial a fim de constatar se o produto está adequado
ao consumo ou não, pois como o crime em apreço deixa vestígios, a perícia
é imprescindível (art. 158 do Código de Processo Penal).
Esse é o entendimento dos Tribunais Superiores, sobretudo do Superior
Tribunal de Justiça, conforme se vê abaixo:
DECISÃO PROFERIDA PELO MINISTRO JOEL ILAN
PACIORNIK NOS AUT OS DO RHC N.º 91.502/SP:
Com efeito, esta relatoria não ignora que a jurisprudência do
STJ oscilou acerca do tema, todavia tem se firmado no sentido
de que o delito de expor à venda produtos impróprios para o
consumo deixa vestígios, razão pela qual a perícia é
indispensável para a demonstração da materialidade delitiva,
nos termos do art. 158 do CPP. Assim, a ausência de perícia
autoriza o trancamento da ação penal por falta de justa
causa. (...) Como se vê, o Superior Tribunal de Justiça firmou
jurisprudência no sentido de que para a configuração do delito
descrito no art. 7º, IX, da Lei n. 8.137/1990 é indispensável a
realização de perícia que demonstre a impropriedade dos
alimentos para consumo, sob pena de configuração de
responsabilidade objetiva. Nessa esteira, carece de justa causa
a ação penal proposta pelo Ministério Público sem exame
pericial, circunstância que autoriza o trancamento da ação
penal. (...) Ante o exposto, voto pelo provimento do recurso
ordinário em habeas corpus para determinar o trancamento da
Ação Penal. (RHC n.º 91.502/SP, STJ, rel. min. Joel Ilan
Paciornik, DJe 01/02/2018).
DECISÃO PROFERIDA PELO MINISTRO ROGÉRIO SCHIETTI
CRUZ NOS AUT OS DO RHC N.º 69.692/SC:
Na espécie, o laudo pericial que serviria à aferição da
possibilidade de lesão (ou risco de lesão) à saúde humana, dos
gêneros alimentícios apreendidos no estabelecimento comercial
administrado pelo recorrente nem sequer foi
produzido. Inexistente, portanto , prova direta, necessária, in
casu, à conformação dos fatos ao elemento objetivo do tipo –
produto "impróprio para o consumo" –, reserva-se apenas ao
Direito Administrativo ou Civil eventual responsabilização e
punição pelo descumprimento de normas relativas à
conservação e exposição, para venda, de gêneros alimentícios.
Afinal, o violador da proteção devida ao consumidor poderá
não sair ileso nessas esferas, porque ali pode ser
responsabilizado objetivamente por eventuais danos ao
consumidor e, ainda, multado administrativamente, o que se
mostra eficaz e, o mais importante, mais consentâneo com o
sistema jurídico pátrio.(...) Portanto, in casu, concluo pela
existência de constrangimento ilegal, consubstanciado na
ausência de prova da materialidade delitiva, uma vez que
sequer produzido laudo pericial para atestar a impropriedade
dos alimentos. É insuficiente a ilação de que os produtos
apreendidos são impróprios para o consumo humano com
esteio em características sensoriais comuns ou,
exclusivamente, em virtude da ausência de informações
obrigatórias de rotulagem (como denominação do produto,
prazo de validade, data de fabricação/fracionamento), e não,
como exigido, por aferição técnica, direta, acerca da
impropriedade da mercadoria para o consumo.” (RHC n.º
69.692/SC, STJ, rel. min. Rogerio Schietti Cruz, DJe
13/06/2017).
Portanto, ainda que o crime em debate seja formal - não depende da
ocorrência de efetivo prejuízo ao consumidor -, é necessário averiguar, por
meio de laudo pericial, a impropriedade da mercadoria, pois só assim será
possível verificar a materialidade do delito. Ações penais iniciadas em
desacordo com o entendimento citado estão enraizadas na famigerada
responsabilidade objetiva, ou seja, são ilegais!
CAPÍTULO 6
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PODEM SER
CONSIDERADOS INSIGNIFICANTES?
O Direito Penal brasileiro adotou o conceito analítico de crime tripartido,
isto é: fato típico, antijurídico e culpável. Para o presente debate o elemento
mais importante é o primeiro, pois é nele que se encontra a tipicidade.
Esta se divide em formal e material. Representam, respectivamente, a
adequação do fato ao tipo penal, e a adequação do fato ao tipo de injusto, ou
seja, se a conduta do agente é capaz ou não de lesar o bem jurídico tutelado.
Pois bem, o Direito Penal é regido por diversos princípios, os quais
possuem a finalidade de limitar o poder punitivo do Estado. Entre esses,
temos o famigerado princípio da insignificância, que possui o condão de
afastar a tipicidade material do fato, quando a conduta do agente não possui
capacidade de lesar de forma expressiva o bem jurídico tutelado – não se
pode esquecer que o Direito Penal possui caráter fragmentário, bem como
subsidiário, assim, nem sempre deve ser aplicado. Por isso, muitos
doutrinadores afirmam que o princípio da insignificância é corolário de
aludidas características.
A título ilustrativo, segue hipotético caso:
João estava em um conhecido hipermercado consolidado em
todo o território nacional na cidade onde reside, após verificar
que ninguém estava o supervisionando, subtraiu para si um
litro de óleo de cozinha e se evadiu do local. Assim que saiu da
loja, em razão do sistema de câmeras, foi surpreendido pelos
seguranças, que chamaram a polícia. João foi preso em
flagrante.
Seguindo a linha do princípio da insignificância, criado por meio da
doutrina e jurisprudência, seria juridicamente correto condenar o João pelo
crime de furto (art. 155 do Código Penal)?
A resposta só pode ser uma: não! Ao analisar o caso, verifica-se que a
conduta praticada por João não possui potencial para lesar o patrimônio de
um hipermercado com estrutura em todo o país, dessa forma, a tipicidade
material não foi configurada.
Isso porque os vetores necessários à aplicação do princípio da
insignificância foram devidamente preenchidos no caso ilustrado, os quais,
conforme já reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF, HC 84.412-
0/SP, Min. Celso de Mello, DJU 19/11/2004), são: (i) mínima ofensividade
da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii)
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv)
inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Indaga-se: preenchidos referidos vetores o princípio da insignificância
pode/deve ser aplicado a todo e qualquer crime? Deveria. No entanto, não é
assim que os Tribunais têm entendido, sobretudo o Superior Tribunal de
Justiça, que por meio da súmula 599, afirmou que “o princípio da
insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública” .
Um dos casos que serviu de paradigma para este entendimento foi o
debatido nos autos do HC n.º 274.487/SP (STJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro,
DJE 15/04/2016), o qual asseverou:
o crime foi cometido contra sociedade de economia mista
estadual (SABESP), ou seja, contra a administração pública
indireta, o que configura reprovabilidade suficiente a justificar
a intervenção estatal por meio do pr ocesso penal.
Não se pode olvidar que os fundamentos utilizados pela egrégia Corte
Cidadã para não aplicar o princípio da insignificância no crime praticado
contra a Administração Pública são louváveis, pois de fato a moral
administrativa deve ser imperiosamente resguardada. Mas, para isso,
princípios basilares do Direito Penal clássico, conquistados ao longo dos
anos, não deveriam ser violados.
Ademais, para este debate, é muito válido, ainda, o seguinte raciocínio: no
precedente acima mencionado (HC n.º 274.487/SP do STJ), o qual, repise-
se, também foi utilizado como base para a edição da súmula 599 do STJ,
versou sobre o caso de um indivíduo que foi condenado à pena de 9 meses e
10 dias por ter furtado um holofote, avaliado em R$ 100,00, das
dependências da SABESP – sociedade de economia mista.
Até que ponto se justifica acionar o Direito Penal, levando-se em conta sua
onerosidade, para responsabilizar um agente que praticou um crime de furto
conta a administração pública, sendo que o prejuízo não foi capaz de gerar
dano ao bem jurídico tutelado?
Não é preciso muito esforço para perceber que isso não faz sentido. Isso
porque além de violar um princípio do Direito Penal, a aplicação dessa
súmula de forma automática também viola princípios que regem todo o
ordenamento jurídico, como exemplo, o princípio da economia processual –
gastou-se muito para punir o agente que lesou tão pouco, para não dizer
nada.
Noutro giro, encontra-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal.
Este entende que o simples fato de ter sido praticado um crime contra a
administração pública não é o suficiente para afastar a aplicação do
princípio da insignificância. Deve-se analisar caso a caso, a fim de garantir
o caráter fragmentário do Direito Penal (HC n.º 112.388, Rel. Min. Cezar
Peluso, DJ 21/08/2012). Verifica-se excerto do voto do relator:
eu levo em consideração o fato de que a própria administração
pública desconsidera maiores prejuízos a seu patrimônio
mesmo, em relação a tributos, para descaracterizar , por
atipicidade, certos crimes, à conta de insignificância da ação.
Eu acho que o caso é análogo.
Portanto, como se vê, a matéria não possui um entendimento pacificado
perante os Tribunais. Todavia, a posição do Supremo Tribunal Federal
condiz muito mais com a realidade jurídica do nosso sistema. Ou seja: o
princípio da insignificância não deve ser automaticamente afastado quando
há pratica de crime contra a administração pública. É necessário analisar as
peculiaridades de cada caso.
CAPÍTULO 7
A AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES QUE
RATIFICAM O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA
Com o advento da Lei 11.719/2008 o Código de Processo Penal sofreu
diversas mudanças, sobretudo nos procedimentos processuais. A partir das
alterações trazidas pela referida Lei, foi concedido ao acusado, após o
recebimento da denúncia, à oportunidade de apresentar a resposta à
acusação (arts. 396 e 396-A do CPP), na qual pode ser alegado tudo o que
interesse para sua defesa, inclusive juntar documentos, especificar as provas
que pretende produzir, bem como arrolar testemunhas.
Depois de apresentada a resposta à acusação, os autos do processo são
encaminhados ao juiz competente para que ele analise as matérias
aventadas pela defesa e verifique se é ou não o caso de dar prosseguimento
à ação penal, isto é: verificar se há justa causa; se não é o caso de absolver o
réu sumariamente; se a denúncia de fato está devidamente elaborada (art. 41
do CPP); etc.
Feito isso, se o magistrado entender por bem que as matérias alegadas pela
defesa do acusado não devem ser acolhidas, ele deve ratificar o recebimento
da denúncia fundamentando o porquê que as teses nãodevem ser acolhidas,
em homenagem ao princípio da motivação das decisões judiciais estampado
no art. 93, IX, da Constituição Federal:
todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados
atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a
estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade
do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à
informação.
Ocorre que na prática o juiz nem sempre fundamenta a decisão que ratificou
o recebimento da denúncia. Na maioria das vezes, se limita em afirmar que
por não ser o caso de absolver sumariamente o acusado, deve-se manter o
recebimento da denúncia realizado às fls. “XX”, uma vez que há indícios de
autoria e materialidade, bem como designa audiência de instrução.
É inequívoco que essa prática está totalmente destoada do que prevê a
legislação, principalmente após as mudanças legislativas trazidas por meio
da Lei n.º 11.719/2008.
Não é à toa que o legislador se preocupou em conceder ao réu a
oportunidade de apresentar a resposta à acusação depois que a denúncia é
recebida pelo juiz, esse direito visa garantir a ampla defesa e também dar a
chance de o acusado mostrar ao magistrado que a acusação que pesa em seu
desfavor não condiz com a realidade fática.
Assim, caso o juiz de base entenda por bem dar prosseguimento ao feito, ele
deve fundamentar por qual motivo as teses aventadas pela defesa estão
sendo afastadas. A decisão que ratifica o recebimento da denúncia é tão
importante quanto a que a recebeu pela primeira vez.
A resposta à acusação não pode ser vista como mera formalidade; não pode
ser tratada como uma peça que possui a única finalidade de arrolar as
testemunhas da defesa. A resposta à acusação deve ser minuciosamente
analisada pelo juiz competente, pois só assim poderá ser verificada a
necessidade de dar andamento ao processo criminal.
Sobre a importância da decisão que analisa a resposta à acusação, é válido
citar trecho de um brilhante voto proferido pelo ministro Teori Zavascki –
in memorian:
A decisão que aprecia a resposta à acusação prevista no art.
396-A do CPP é, sem dúvida alguma, de suma importância
para o resguardo de direitos fundamentais do denunciado. É
que nesse momento processual a defesa está autorizada a
invocar, desde logo, questões aptas a impedir o seguimento de
um processo criminal temerário (STF, RHC 120267 / SP, rel.
Min. Teori Zavascki, DJ 18/03/2014)
Exatamente! É nesse momento que o juiz terá condições de verificar a
necessidade de manter a acusação que pesa em desfavor do denunciado, por
isso a análise deve ser devidamente feita e a decisão suficientemente
fundamentada.
Caso isso não ocorra, na prática o melhor caminho a ser tomado é a
impetração de habeas corpus ao Tribunal de Justiça competente e, se
porventura a ilegalidade for chancelada pelos desembargadores, o defensor
deverá recorrer aos Tribunais Superiores (STJ e STF).
Por fim, seguem precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, com a intenção de ilustrar situações em que os desembargadores
reconheceram a nulidade de decisões que ratificaram o recebimento da
denúncia de forma desfundamentada:
HC N.º 2100527-38.2014.8.26.0000
A decisão é padronizada, limitando-se a afirmar que os
argumentos defensivos carr eados nas defesas preliminares não
autorizam a absolvição sumária. Sua simplicidade subverte o
sistema processual por ignoraras teses defensivas da resposta à
acusação, violando a garantia do devido processo legal e
negando vigência ao rito processual delineado pela reforma
operada pela Lei 11.719 de 2008. (...) A ratificação do
recebimento da denúncia, portanto, é decisão de conteúdo
decisório (já que não se pode cogitar “decisão que não
decide”) e, como tal, deve ser devidamente fundamentada por
mandamento constitucional: artigo 93, IX (“todos os
julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]”).
Considero inadequado equiparar decisão que aprecie
manifestação defensiva em que se pode “ar guir preliminares e
alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e
justificações, especificar as provas pretendidas e arr olar
testemunhas [...]” (artigo 396-A do Código de Processo Penal)
a um despacho de mero expediente. Fosse assim, a
manifestação defensiva seria completamente inútil. (...) Em
face do exposto, concedo a ordem para anular a decisão que
ratificou o recebimento da denúncia por falta de
fundamentação, determinando a prolação de outra em seu
lugar, analisand o, ainda que de forma concisa, todas as teses
aduzidas por todas as defesas. (HC n.º 2100527-
38.2014.8.26.0000, TJSP, Des. Rel. Otávio de Almeida Toledo,
DJe 22/08/2014)
HC N.º 0038937-60.2015.8.26.0000
A esta altura, imperioso salientar que, de acordo com a nova
sistemática processual, o direito à resposta preliminar
conferido à defensoria tem como contrapartida o dever do
magistrado de apreciar, fundamentadamente, as preliminares e
alegações nela contidas. (...) Dessarte, forçoso reconhecera
nulidade do feito, em virtude da ausência de fundamentação do
despacho que negou a absolvição sumária. (...) Ante o exposto,
concede-se a presente ordem, a fim de anular o feito originário,
a partir da decisão que ratificou o recebimento da denúncia
(fls. 67), para que outra seja proferida, apreciando-se as teses
expendidas em defesa preliminar. (HC n.º 0038937-
60.2015.8.26.0000, TJSP, Rel. Min. Guilherme G. Strenger, DJe
16/09/2015)
CAPÍTULO 8
A ACUSAÇÃO PODE IMPETRAR MANDADO DE SEGURANÇA A
FIM DE MANTER O ACUSADO PRESO?
Nos termos do art. 127 da Constituição Federal o “Ministério Público é
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis”, sendo que uma das
principais atribuições concedidas a ele é a competência privativa de
promover a ação penal pública (art. 129, I, CF).
Por ser o titular da ação penal pública, o MP possui as seguintes
responsabilidades: de requisitar a instauração de inquérito policial; instaurar
Procedimento Investigatório Criminal (essa questão é muito debatida, no
entanto o STF já se manifestou no sentido de ser possível a investigação por
parte do Órgão acusador); oferecer denúncia; requerer medidas cautelares;
recorrer; entre outras.
No entanto, durante o “jogo” processual nem todas as jogadas são
permitidas por parte do MP.
Por exemplo: durante o processo criminal, o juiz, após analisar o
requerimento de revogação de prisão preventiva apresentado pela defesa,
acolhe o pleito e determina que seja expedido alvará de soltura em favor do
acusado que já estava preso há vários meses, por entender, em suma, que os
requisitos ensejadores do enclausuramento prematuro (art. 312 do CPP)
haviam desaparecido.
Irresignado com a decisão proferida pelo juiz, o promotor de justiça
oficiante interpõe recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581 do
Código de Processo Penal, a fim de que a prisão preventiva do acusado seja
reestabelecida.
Concomitante a isso, o representante do Parquet impetra ao Tribunal de
Justiça do Estado competente mandado de segurança, distribuído por
dependência ao Desembargador Relator do RESE, com a intenção de dar
efeito suspensivo ao recurso interposto – referido efeito seria para evitar a
eficácia/aplicabilidade da decisão recorrida, assim, enquanto o recurso não
fosse julgado o acusado não seria colocado em liberdade.
Ocorre que, com exceção das hipóteses previstas no art. 584 do CPP, o
RESE possui apenas o efeito devolutivo misto, isto é: “há efeito duplo, pois
permite que o juiz a quo possa reexaminar sua própria decisão e, caso a
mantenha, o recurso será remetido para o tribunal ad quem.” (Aury LOPES
JR.[6]) 
Ou seja: tendo em vista que a decisão que revoga prisão preventiva não está
presente nas hipóteses do art. 584 do CPP, a estratégia utilizadapela
acusação não está correta, uma vez que não possui amparo jurídico.
Contudo, na prática isso nem sempre é tão simples assim, pois diversas
vezes o MP já logrou êxito em conceder efeito suspensivo ao RESE, a fim
de manter o acusado preso preventivamente enquanto o recurso interposto
não fosse julgado pelo Tribunal ad quem.
Assim, cabia a defesa, diante dessa ilegalidade, impetrar habeas corpus
perante o Superior Tribunal de Justiça para cassar a decisão proferida pelo
Tribunal de Justiça competente, o qual conferiu o efeito suspensivo ao
RESE em sede de mandado de segurança.
Isso porque o mandado de segurança é remédio constitucional utilizado
pelo cidadão para impedir a prática de abusos e ilegalidades por parte do
Estado (quando não seja sanável pelo habeas corpus ou habeas data), ou
seja, é uma medida pró-cidadão, e não o contrário! Permitir a utilização de
mandado de segurança para manter a prisão do acusado seria distorcer as
regras e normas previstas em todo sistema constitucional.
Nesse sentido, importante citar precedente bastante didático da ministra
Maria Thereza de Assis Moura:
Da atenta leitura dos autos, não obstante as inflamadas teses
sobre o cabimento ou não da prisão domiciliar na hipótese em
liça, ao que cuido, quaestio outra emerge do caderno
processual. De fato, situação que se me apresenta é o exame da
possibilidade de se conceder efeito suspensivo a recurso em
sentido estrito interposto pelo Ministério Público. O artigo 584
do Código de Processo Pena l estatui, como regra, que o
recurso em sentido estrito será recebido apenas no seu efeito
devolutivo, somente lhe sendo atribuído o efeito suspensivo em
casos de perda da fiança, de concessão de livramento
condicional, da decisão: i) que denegar a apelação ou julgá-la
deserta, ii) sobre a unificação de penas, iii) que converter a
multa em detenção ou em prisão simples; sendo que o caso
vertente não figura nessas hipóteses legais. Ademais, não se
mostra desapercebido que o manejo do mandado de segurança
ministerial no Tribunal local ocorreu em 18.3.2017 (fls. 14/26)
- dois dias antes da interposição do recurso em sentido estrito
naquela Corte (fls. 56/66) -, sendo que o ajuizamento de
petição no writ, requestando o efeito suspensivo ao recurso
stricto sensu, data de 20.3.2017 (fls. 53/55), mesmo dia da
decisão liminar monocrática aqui vergastada. Diante dessas
considerações, inconteste que dado proceder do Par quet causa
espécie. (...) Observe-se, inclusive, que esta Corte Superior tem
proferido entendimento no sentido de não ser cabível a
impetração de mandado de segurança pelo Par quet para
conferir efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito
interposto contra decisão que deferira liberdade ao réu.
Conclui-se, portanto, que o decisum do Desembargador do
Tribunal de origem, data maxima venia, destoa dos precedentes
deste Superior Tribunal de Justiça. Dessarte, sobressai o fumus
boni iuris e o periculum in mora a autorizar o deferimento da
medida de urgência, inclusive superando-se a mens do
enunciado sumular n.º 691 da Suprema Corte, visto que, no
presente caso, o constrangimento ilegal manifesta-se dos autos.
(HC n.º 392.806, STJ, rel. min. Maria Thereza de Assis Moura,
DJ 28.03.2017)
Como se vê no precedente transcrito, o art. 584 do Código de Processo
Penal prevê, como regra, hipóteses limitadas para concessão de efeito
suspensivo ao recurso em sentido estrito, sendo certo que decisão que
revoga prisão preventiva não está entre aludidas hipóteses.
Por fim, importante consignar que essa matéria foi debatida por tantas vezes
perante o Superior Tribunal de Justiça que já foi devidamente sumulada:
Súmula 604-STJ: O mandado de segurança não se presta para
atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo
Ministério Público. (STJ. 3ª Seção. Aprovada em 28/2/2018,
DJe 5/3/2018)
CAPÍTULO 9
HABEAS CORPUS: SUPERANDO A SÚMULA 691 DO STF
Nos termos da súmula 691 do STF, “não compete ao Supremo Tribunal
Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator
que, em habeas corpus r equerido a tribunal superior , indefere a liminar.”
Essa regra também se aplica no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, ou
seja, se o advogado impetrar um habeas corpus ao STJ contra decisão
monocrática proferida por desembargador que indeferiu pedido liminar, o
ministro que receber essa impetração irá indeferi-la liminarmente com
fundamento na súmula 691 do STF (não irá processar/receber o HC).
Ocorre que essa limitação é bastante prejudicial à defesa, pois em razão da
demanda processual os Tribunais Superiores têm demorado muito para
conseguir pautar em julgamento os habeas corpus lá impetrados.
Por exemplo: durante a marcha processual o advogado criminalista observa
que ocorreu uma nulidade extremamente prejudicial no processo, diante
disso impetra ordem de habeas corpus ao Tribunal do Estado competente a
fim de sanar o constrangimento ilegal.
Após alguns dias da impetração o relator do HC indefere o pedido liminar e
requisita informações ao Juízo apontado como autoridade coatora, com a
finalidade de dar prosseguimento aos trâmites do HC e futuramente, em
conjunto com os demais desembargadores, analisar o mérito da impetração
(nesse caso a nulidade apontada no processo).
Com base na súmula 691 do STF a única medida a ser tomada diante desse
quadro seria aguardar o julgamento do mérito, o que pode demorar meses!
Seria essa a postura mais adequada do defensor? A depender do caso não!
Isso porque se o objeto da impetração for contra uma ilegalidade flagrante o
STJ e o STF têm admitido o afastamento do preceito sumular em debate
com a finalidade de sanar o constrangimento ilegal que pesa em desfavor do
paciente.
Assim, no exemplo ilustrado anteriormente, o advogado deve impetrar uma
nova ordem de habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, ainda que
contra decisão monocrática que indeferiu pedido liminar, para que a
ilegalidade evidente seja sanada. Nessa nova impetração é de suma
importância que seja elaborado um tópico próprio demonstrando os motivos
pelos quais a súmula deve ser superada.
Isto é, não basta o advogado simplesmente transportar a matéria do
primeiro HC ao Tribunal Superior. Ele deve aclarar ao ministro o porquê
que a matéria merece ser analisada, explicar de forma minuciosa os
principais pontos da ilegalidade praticada pelo Juízo coator, repise-se, por
meio de um tópico específico, pois só assim o ministro terá substrato
suficiente para superar o entendimento da súmula 691 do STF.
Importante consignar que a regra é a aplicação da súmula, por isso que o
advogado deve demonstrar de forma contundente por qual motivo o
ministro poderá, excepcionalmente, afastá-la.
E mais: quando se trata de habeas corpus que busca a liberdade do cliente
(como exemplo: contra a decretação desfundamentada de uma prisão
preventiva), esse cenário é ainda mais delicado, uma vez que enquanto a
matéria não é analisada pelas instâncias superiores o cliente continuará
suportando um decreto preventivo ilegal.
Com a finalidade de exemplificar situações em que os Tribunais Superiores
afastam aludida súmula, seguem decisões do Superior Tribunal de Justiça e
do Supremo Tribunal Federal que conheceram habeas corpus ainda que
impetrados contra decisões que indeferiram pedidos liminares:
DECISÃO PROFERIDA PELO MINISTRO ROGERIO SCHIETTI
CRUZ NOS AUT OS DO HC N.º 477.091 (STJ, DJE 31/10/2018)
alega sofrer coação ilegal no seu direito de locomoção, em
decorrência de decisão proferida por Desembargador do
Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que indeferiu o pedido
de liminar formulado em seu favor (...). Consta dos autos que o
paciente foi preso em flagrante como incurso no art. 1º da Lei
n. 12.850/2013 em 23/10/2018 e permanece "sem qualquer
decisão homologatória e avaliação da legalidade do flagrante
por autoridade judicial e/ou sem qualquer previsão para
realização de audiência de custódia" (fl. 4). Neste writ, a
defesa sustenta que "o Desembargador (ora autoridade
Coatora), se mostrou omisso às ilegalidades,em especial a
inexistência de decisão fundamentada (ainda que
minimamente) acerca da análise do procedimento do flagrante
e a suposta manutenção da custódia, tornado a situação
totalmente ilegal" (fl. 5). (...) Inicialmente, destaco que as
matérias aventadas nesta ordem de habeas corpus não foram
objeto de análise pelo Tribunal a quo, ficando, assim, impedida
sua admissão, sob pena de indevida supressão de
instância. Nesse sentido é o disciplinamento do enunciado da
Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal: "não compete ao
Supremo Tribunal Federal conhecer de 'habeas corpus'
impetrado contra decisão do relator que, em 'habeas corpus'
requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar. O referido
impeditivo é ultrapassado tão somente em casos excepcionais,
nos quais a evidência da ilegalidade não escapa à pronta
percepção do julgador, como ocorre no caso em exame. (...) À
vista do exposto, defiro o pedido liminar, para relaxar a prisão
em flagrante do autuado, cuja precariedade não permite sua
subsistência por tantos dias.
DECISÃO PROFERIDA PELO MINISTRO DIAS TOFF OLI NOS
AUTOS DO HC N.º 135.926 (STF , DJE 02/08/2016):
Os impetrantes sustentam, inicialmente, que é o caso de
superação da Súmula 691 desta Suprema Corte, “já que o
indeferimento do provimento liminar na impetração em sede do
Superior Tribunal de Justiça se enquadra nas hipóteses
ensejadoras do afastamento sumular” (pág. 5 do documento
eletrônico 1). No mérito, alegam que “a questão cerne do
habeas corpus cinge-se à nova interpretação deste Excelso
Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade de início da
execução penal após o julgamento de 2ª instância pelos
Tribunais de Apelação” (pág. 6 do documento eletrônico
1). (...) Como tenho reiteradamente afirmado, a superação da
Súmula 691 do STF constitui medida excepcional, que somente
se legitima quando a decisão atacada se mostra teratológica,
flagrantemente ilegal ou abusiva. No caso sob exame, verifico
estar-se diante dessa situação, apta a superar o entendimento
sumular, diante do – à primeira vista - flagrante
constrangimento ilegal a que está submetido o paciente. Passo,
então, ao exame do pedido de medida liminar. A concessão de
medida liminar se dá em casos particularíssimos, nos quais se
verifique, de plano, o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Na anál ise que se faz possível nesta fase processual, entendo
que se mostram presentes tais requisitos. (...) Assim, diante de
tudo quanto exposto, e examinados os documentos coligidos
aos presentes autos, constato, ainda que em juízo de mera
delibação, a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar sob
análise. Destarte, defiro o pedido de medida liminar para
suspender, integral e cautelarmente, a execução provisória das
penas impostas ao ora paciente na Ação Penal.
Por fim, ainda em relação ao exemplo citado anteriormente, caso o
advogado não consiga sanar a ilegalidade flagrante ocorrida no processo de
origem, nessa nova impetração é viável elaborar um pedido alternativo
requerendo ao ministro do STJ que este determine que o Tribunal estadual
paute com urgência o HC lá impetrado, em razão da demora excessiva.
CAPÍTULO 10
A INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS À LUZ DO SISTEMA CROSS
EXAMINATION
Com o advento da Lei n.º 11.690/08 o Código de Processo Penal passou por
diversas alterações, sobretudo em relação à produção de provas. Para o
presente artigo a mudança que nos interessa é a referente ao procedimento
de inquirição das testemunhas.
Antes da chegada da aludida Lei o advogado, bem como o representante do
Ministério Público tinham que requerer a pergunta que gostariam de fazer
ao juiz que estava presidindo a audiência, para que este a formulasse à
testemunha:
Art. 212. As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará
à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não
tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já
respondida.
Ou seja, o sistema que predominava antigamente era o presidencialista - a
inquirição das testemunhas, seja da defesa ou da acusação, era realizada de
forma indireta, uma vez que não competia às partes elaborar a questão
diretamente às testemunhas, mas sim ao juiz.
Uma das grandes críticas que rodeavam o sistema presidencialista é de que
os princípios da ampla defesa e do contraditório eram por diversas vezes
violados, pois nem sempre o magistrado transmitia para testemunha a
pergunta da mesma forma que a parte requereu o que gerava, por
consequência, respostas que não corroboravam com a tese sustentada pelas
partes.
Com a mudança legislativa de 2008 as perguntas passaram a ser feitas
diretamente pelas partes, isto é: o promotor de justiça e a defesa fazem as
perguntas para as testemunhas sem a necessidade de requerer ao juiz; as
partes elaboram a indagação diretamente às testemunhas. Esse sistema ficou
conhecido como cross examination e está previsto no art. 212 do Código de
Processo Penal:
Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à
testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta,
não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já
respondida:
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá
complementar a inquirição.
Assim, depois de instalada a audiência de instrução o juiz deve passar a
palavra às partes para que elas possam formular as perguntas diretamente às
testemunhas. Mas, se houveram pontos não esclarecidos, o juiz poderá, ao
final, formular perguntas a fim de sanar qualquer dúvida gerada durante a
inquirição.
O professor Aury Lopes Jr.[7] explica que:
tal cenário está muito longe de colocar o juiz como uma
“samambaia” na sala de audiência, como chegaram a afirmar
maldosamente alguns, no pós-reforma, demonstrando a
virulência típica daqueles adeptos da cultura inquisitória e
resistentes à mudança alinhada ao sistema constitucional
acusatório. Nada disso. O juiz preside o ato, controlando a
atuação das partes para que a prova seja produzida nos limites
legais e do caso penal. Ademais, poderá fazer perguntas sim,
para complementar os pontos não esclarecidos. Jamais se disse
que o juiz não poderia perguntar para as testemunhas na
audiência!
No entanto, na prática esse procedimento nem sempre é respeitado. Muitas
vezes o magistrado esgota as perguntas de início e somente depois passa a
palavra às partes, distorcendo, assim, a natureza acusatória do processo
penal. Quando isso ocorrer o que deve ser feito?
A não observância a qualquer procedimento previsto no Código de
Processo Penal acarreta a nulidade do ato, portanto, se o juiz que estiver
presidindo a audiência não respeitar a regra do art. 212 do referido diploma
legal o advogado deverá requerer a nulidade da oitiva.
É de suma importância que o advogado esteja atento quando isso ocorrer,
uma vez que os Tribunais Superiores têm firmado o entendimento de que a
nulidade não alegada no momento oportuno é atingida pelo instituto da
preclusão.
Por exemplo: se o advogado deixar para impugnar a forma em que as
perguntas foram feitas somente ao final do processo e sem que tenha
registrado o inconformismo na ata de audiência, ele não conseguirá anular a
oitiva realizada de forma incorreta – a impugnação deve ser feita
imediatamente.
E mais, tendo em vista que se trata de nulidade relativa e em observância ao
princípio da pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo), não
basta o advogado requerer a nulidade no momento oportuno, mas deve
esclarecer, ainda, o porquê que a não observância ao procedimento correto
(perguntas feitas diretamente à testemunha) prejudicou o direito de defesa,
senão dificilmente conseguirá a nulidade pleiteada.
Malgrado a Lei 11.690/08 tenha alterado esse procedimento há 10 anos,
essa ainda é uma questão que gera muita discussão até mesmo entre juízes
que compõem o colegiado do Supremo Tribunal Federal, conforme se
verifica por meio do julgamento do HC n.º 111.815 (DJe 14/02/2018):
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Ministro
Marco Aurélio,só para eu entender. Normalmente o juiz faz
perguntas complementares depois das perguntas das partes?
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Depois da reforma; antes
era pr esidencial, era o juiz mesmo.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Certo.
Portanto, aqui, a insurgência é contra a Juíza ter formulado as
perguntas anteriormente às partes. Essa ordem dos fatores
altera o pr oduto?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Altera. O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO
BARROSO - Eu estou conversando verdadeiramente, para
ouvir opinião.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E
RELATOR) – Altera substancialmente.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Eu fiz
milhares de audiências como promotor criminal, altera
substancialmente a correlação de forças. Na verdade,
dependendo de como é o magistrado instrutor, ele ignora,
depois, totalmente as outras perguntas é já, como se fosse um
ato... Não era nem pr esidencial antes, era ditatorial.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Se for
assim, fará diferença.
No referido julgamento a oitiva da testemunha feita de forma incorreta foi
declarada, por maioria de votos, insubsistente.
Portanto, o advogado deve ficar muito atento com a forma que o juiz
conduz a audiência, pois se o procedimento previsto no art. 212 do Código
de Processo Penal (sistema cross examination) não for respeitado, deve-se
buscar a nulidade do ato.
CAPÍTULO 11
OS EFEITOS DA TRANSAÇÃO PENAL
Sempre que o advogado criminalista informa ao cliente sobre a
possibilidade de firmar um acordo de transação penal, a fim de evitar a
instauração do processo, diversas dúvidas surgem: “eu serei considerado
culpado?”; “essa transação me tornará reincidente?”; “será considerado
como mau antecedente?”; entre outras. Assim, o objetivo deste artigo é
esclarecer os principais pontos sobre o tema – os efeitos da transação penal.
De início, importante consignar que a proposta de transação penal só será
cabível quando o fato delitivo for de competência da lei do Juizado Especial
Criminal, isto é: quando se tratar de infração de menor potencial ofensivo
(contravenções penais – Decreto-Lei n.º 3.688/1941 - e crimes com pena
máxima não superior a 2 anos).
Diferente, portanto, da suspensão condicional do processo prevista no art.
89 do mesmo diploma legal, uma vez que a suspensão pode ser aplicada a
qualquer crime, desde que a pena mínima não ultrapasse o patamar de 1 ano
e os demais requisitos estejam devidamente preenchidos.
Pois bem, o instituto da transação penal está previsto no art. 76 da Lei n.º
9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais):
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal
pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério
Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou
multas, a ser especificada na proposta.
Ou seja, nada mais é que um acordo firmado entre órgão acusatório e o
autor do fato delitivo, com a finalidade de impor o cumprimento de penas
restritivas de direito ou multa, imediatamente, sem que seja necessário
formalizar o processo criminal. Portanto, por meio da transação penal, a
culpa do autor do fato não é discutida, bem como os males inerentes ao
processo são evitados.
A proposta de transação penal só será inviável nas seguintes hipóteses (art.
76, § 2º):
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena
privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos,
pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente
a adoção da medida.
Assim, não estando presente nenhuma das situações acima e o delito
praticado for de competência do Juizado Especial Criminal, a transação
penal poderá ser proposta pelo Ministério Público e, estando juridicamente
correta, homologada pelo magistrado competente.
Mas, quais são as consequências dessa homologação? Essa é uma dúvida
que, conforme dito anteriormente, muito clientes possuem.
A resposta é de que a decisão homologatória de transação penal não possui
natureza condenatória, ou seja, o autor do fato não será considerado culpado
(até mesmo porque não há o devido processo legal; o autor aceita a proposta
justamente para que a sua culpa não seja auferida), não gerará reincidência
e não poderá ser considerada como mau antecedente.
Em 2015 o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o recurso extraordinário
n.º 795.567 (com repercussão geral) reafirmou que essa decisão é
meramente homologatória, por isso não tem os efeitos da condenação penal.
Restou consignado no voto do ministro relator Teori Zavascki – in
memoriam - que:
A tese de repercussão geral a ser afirmada é, portanto, a
seguinte: os efeitos jurídicos previstos no art. 91 do Código
Penal são decorrentes de sentença penal condenatória. Tal não
se verifica, portanto, quando há transação penal (art. 76 da Lei
9.099/95), cuja sentença tem natureza homologatória, sem
qualquer juízo sobre a responsabilidade criminal do aceitante.
As consequências da homologação da transação são aquelas
estipuladas de modo consensual no termo de acor do.
O único efeito acessório do acordo de transação penal é o previsto no art.
76, § 4º:
Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor
da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou
multa, que não importará em reincidência, sendo registrada
apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de
cinco anos.
Portanto, o acordo será registrado tão somente para que o autor não seja
beneficiado novamente em um período inferior a 5 anos. São válidas, ainda,
as lições do desembargador Guilherme de Souza NUCCI[8]:
Registro da penalidade: faz-se o r egistro da pena aplicada para
o fim exclusivo de evitar nova transação no período de cinco
anos posteriores ao trânsito em julgada da decisão
homologatória do acordo. Não servirá o mencionado registro
para ser considerado como antecedente criminal, em relação a
futuros e eventuais delitos que o autor do fato possa cometer.
Essa, aliás, é a grande vantagem trazida pela transação penal.
Há uma punição, mas sem as consequências secundárias que a
condenação criminal acarr eta.
Destarte, o autor do fato que aceitar a proposta de transação não poderá
sofrer nenhuma penalidade acessória e o acordo não será considerado, em
nenhuma hipótese, como reincidência ou maus antecedentes.
CAPÍTULO 12
PRISÃO EM FLAGRANTE, E AGORA: RELAXAMENTO DA PRISÃO
OU LIBERDADE PROVISÓRIA?
Os institutos da liberdade provisória e do relaxamento da prisão geram
muitas dúvidas, sobretudo aos alunos que ainda estão no curso de direito,
bem como aos advogados que começaram militar na área criminal há pouco
tempo. A finalidade deste texto será de aclarar de forma bem objetiva
quando cada instituto deverá ser utilizado.
Na prática a utilização errônea dos institutos não costuma gerar prejuízos,
isto é, o pedido, ainda que esteja com a nomenclatura errada, será
devidamente analisado pelo juiz. No entanto, a fim de preservar a
excelência técnica/profissional é de suma importância que o advogado se
atente ao requerimento correto no momento de pleitear a liberdade do
cliente.
Pois bem, a principal diferença que há entre o relaxamento da prisão e a
liberdade provisória é que o primeiro é um meio de impugnação de prisão
em flagrante ilegal, com base no artigo 5º, LXV, da Constituição Federal:
“a prisão ilegal será imediatamente r elaxada pela autoridade judiciária”.
Diversos são os motivos que tornam a prisão em flagrante ilegal, alguns
deles são: (i) não ter ocorrido o crime ou não ter provas suficientes que
comprove a prática delitiva; (ii) se o tempo exigido pelo estado de
flagrância for muito superior; (iii) flagrantes forjados/preparados; (iv)
defeito no auto de prisão em flagrante (verificar as exigências formais
previstas no art. 304 do Código

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