Buscar

2391-Texto do artigo-8764-1-10-20130820

Prévia do material em texto

Riolando Azzi 
O Episcopado Brasileiro 
frente à Revolução de 1930 
Durante a década de 1920-1930, como já se assinalou em estudos 
anteriores, a Igreja Católica passou a oferecer sua colaboração ao 
poder constituído, enfatizando a necessidade de reforçar o ensino 
religioso para a população. 
A hierarquia católica tinha uma posição bastante nítida: tratava-se 
de estabelecer vim pacto de aliança com os governadores do país em 
defesa do poder constituído, em oposição aos movimentos revolucio-
nários que visavam alterar o regime político e a ordem social. 
Tradicionalmente, a Igreja do Brasil sempre exercera a ftmção de 
força mantenedora da ordem estabelecida; e os bispos brasileiros 
se disptmham a continuar no exercício dessa ftmção. Para isso a 
hierarquia eclesiástica dispunha como instrumento adequado o ensi-
no da religião, mediante o qual a população católica era estimulada 
a obedecer aos detentores do poder, não apenas em força da lei, mas 
como uma obrigação de consciência. 
47 
Como o ensino religioso fora excluído das escolas públicas nas 
primeiras décadas da República, o episcopado declarava que so-
mente poderia alinhar-se ao lado do governo, na medida em que 
fosse facilitado o ensino religioso. Através dele a Igreja continua-
ria a inocular na população a obediência à ordem estabelecida e 
ao poder constituído. 
Na realidade, já haviam sido dados os primeiros passos nesse 
sentido quando a República Velha caiu. 
A queda da primeira República não deixou desarvorado o episco-
pado brasileiro. Desde a implantação do movimento de reforma 
católica no século XIX, os bispos haviam definido com bastante 
ênfase que sua única preocupação era a área religiosa e espiritual. 
A República Velha fora hostilizada durante várias décadas pela 
hierarquia eclesiástica, justamente por ter tirado à Igreja Católica 
uma série de privilégios de que ela gozava no regime de Padroado. 
Assim por exemplo, o episcopado reclamou continuamente contra 
a laicização do ensino na primeira República. 
Diante da população brasileira, a Revolução de Vargas se apresen-
tava como o esforço por criar uma nova ordem política e social. 
Desde que ficou evidenciado que o movimento revolucionário não 
era de origem comunista, a Igreja Católica não viu razão para 
hostilizá-lo. Pelo contrário: afigurou-se aos líderes do episcopado 
que era chegado o momento de lutar para que a nova ordem a 
ser implantada pela Segimda República fosse de caráter nitida-
mente cristão. 
Nesse momento a hieraquia eclesiástica se congrega ao redor de 
uma grande idéia: mudar a ordem constitucional do país. 
Na realidade, o desideratum dos bispos restringia-se apenas ao 
aspecto religioso. Segimdo eles, a ordem constitucional estabeleci-
da na primeira república fora irispirada por princípios liberais e 
positivistas. Tanto o liberalismo como o positivismo eram conde-
nados pela doutrina da Igreja. Desse modo, a Revolução de 30 
havia destruído essa ordem constitucional de origem agnóstica e 
laicista. 
Chegara pois, o momento oportimo para a Igreja Católica de 
pressionar o governo, a fim de que fosse estabelecida uma ordem 
jurídlco-social verdadeiramente cristã. 
Ê interessante notar que os bispos atribuíam a maioria dos fracas-
sos e insucessos da Igreja durante a República Velha ao estatuto 
jurídico da nação. Acreditavam portanto que, uma vez mudada 
a ordem jurídica, o catolicismo entraria necessariamente num pe-
ríodo de expansão e de pujança. 
48 
Nessa ação do episcopado em prol de iima nova ordem, dois aspec-
tos, intimamente vinculados entre si, merecem ser destacados desde 
o início: a dependência do episcopado brasileiro de critérios esta-
belecidos pela Santa Sé e o conceito hierárquico de Igreja. 
O modelo eclesial então vigente considerava a Igreja como uma 
grande sociedade hierárquica chefiada pelo papa. Desse modo, 
competia à Cúria Romana estabelecer as prioridades de ação pas-
toral para toda a Igreja. O episcopado brasileiro faz questão de 
afirmar com freqüência sua obediência às orientações vindas de 
Roma. 
Pio XI, chefe da Igreja nessa época, se destacou pelo esforço de 
restaurar o poder espiritual da Igreja na sociedade moderna. Com 
essa finalidade instituiu a festa de Cristo Rei, publicou as encícli-
cas sobre o ensino religioso (Divina illius magistri) e sobre o 
matrimônio cristão (Casti connubii). 
A tônica das reivindicações do episcopado serão portanto para 
que a nova constituição do país tenha uma conotação cristã (seja 
promulgada em nome de Deus), colocando tanto em evidência a 
importância da família, mediante o casamento indissolúvel, como 
do ensino religioso, autorizando-o nas escolas públicas. 
Essa orientação episcopal não é fruto primordial de uma análise 
profunda da realidade brasileira, mas sim da obediência às dire-
trizes da Santa Sé. 
O segundo aspecto a ser destacado é o conceito de Igreja vigente 
nessa época. Quando se fala em Igreja Católica, geralmente se 
subentende a Igreja docente, isto é, a hierarquia eclesiástica. Os 
bispos se consideravam então os legítimos intérpretes das aspirar 
ções do povo católico. Como chefes da Igreja, os prelados sabiam 
o que era mais condizente para a afirmação da fé católica, e aos 
fiéis cabia obedecer. 
Em última análise, tratava-se de uma única linha hierárquica. O 
papa, como representante de Cristo, ditava aos bispos quais as 
metas prioritárias de ação cristã, e estes, como representantes do 
papa, transmitiam aos fiéis as diretrizes eclesiásticas. 
É dentro desse quadro mais amplo que se deve analisar a atuação 
do episcopado em prol da nova ordem cristã. 
Para melhor reforçar sua posição, os bispos afirmavam que as 
tendências revolucionárias de caráter socialista tinham sua origem 
no próprio liberalismo republicano. Partindo de um liberalismo 
agnóstico, a República Velha estava sendo conduzida para o comu-
nismo ateu. Por essa razão, já desde os anos 20 o episcopado se 
tinha oferecido para colaborar com o governo na tentativa de 
salvar a ordem estabelecida. 
49 
Após ã Revolução de 30, o episcopado não se limita apenas a ofe-
recer a colaboração, mas passa a exigir uma série de reivindicar 
ções católicas. Mediante essa atuação, a Igreja passa a agir como 
uma verdadeira força no panorama político da época. 
Duas forsim as principais linhas de ação utilizadas pelo episcopado 
para a consecução de seus objetivos. 
Em primeiro lugar, gestos que evidenciassem o poder ascendente 
da Igreja Católica no Brasil, obrigando assim o governo a reconhe-
cer o seu prestígio. Nesse sentido, houve atitudes pessoais, como 
as demonstrações de entendimento entre o cardeal Leme e o presi-
dente Vargas, como também manifestações coletivas, como a visi-
ta da Virgem Aparecida ao Rio de Janeiro, a inauguração da está-
tua de Cristo Redentor no Corcovado e a celebração do primeiro 
Congresso Eucarístico Nacional na Bahia. 
Em segundo lugar, os gestos foram fortalecidos por palavras. Hou-
ve assim uma série de pronunciamentos, tanto em discursos como 
em cartas pastorais, visando definir bem a posição da Igreja diante 
da nova República. 
Neste estudo queremos apresentar cronologicamente diversos des-
ses episódios, evidenciando quer a concatenação existente entre eles, 
quer a nitidez do seu conteúdo ideológico. 
Já anteriormente Laurita Pessoa Raja, filha de Epitácio Pessoa, 
que assimiiu na vida religiosa o nome de Irmã Maria Regina do 
Santo Rosário, colocou em evidência na biografia de D. Leme sua 
orientação político-eclesiástica, principalmente nos episódios da 
visita da Aparecida ao Rio e da inauguração da estátua de Cristo 
Redentor. ^ 
Em seguida Thomas Bruneau valorizou esses dados, colocando-os 
num contexto mais global, cuja interpretação é hoje repetida por 
vários autores. 2 Aceitando basicamente a análise do sociólogo 
canadense, este estudo quer mostrar um panorama mais global e 
abrangente da hierarquia católica nessa fase, indicando as figuras 
que mais se destacaram por sua atuação. A análise do tema se 
restringe ao períodoque vai de 3 de novembro de 1930 a 16 de 
julho de 1934, isto é, a partir da posse do presidente Getúlio Var-
gas até a promulgação da nova Constituição Republicana. 
1. Santo Rosário, Irmã Maria Regina do, O cardeal Leme, Rio de Janeiro, José Olímpio, 1962, 289 ss. 
2. Bruneau, Thomas, O catolicismo brasileiro em época de tran-
sição, São Paulo, Edições Loyola, 1974, 81 ss. 
50 
A MISSA PELA PAZ: 30 DE NOVEMBRO DE 1930 
Existe uma analogia bastante marcante entre a visão pastoral de 
D. Antônio de Macedo Costa e a do cardeal D. Sebastião Leme. 
D. Macedo Costa atuou na fase de transição do Império para a 
República, em 1889.!* D. Leme na transição da primeira para a 
segunda República, em 1930. 
Na última fase da época imperial, o bispo do Pará era pratica-
mente o chefe da Igreja do Brasil. Nesse momento houve uma 
reaproximação entre Igreja e Estado, após a crise ocasionada pela 
Questão Religiosa nos anos 70. Em 1888, após a promulgação da 
Lei Aiu-ea, Leão XIII enviou à Princesa Isabel a Rosa de Ouro. 
Coube a D. Macedo Costa o discurso comemorativo desse evento. 
A Igreja se solidarizava com o governo imperial, visando deter a 
força do movimento liberal e republicano. O governo chegou a 
propor o nome de D. Macedo Costa para o cardinalato. 
Não obstante, uma vez proclamada a República a 15 de novembro 
de 1889, D. Macedo Costa teve diversas entrevistas com Rui Barbo-
sa, um dos principais chefes do governo republicano, visando de-
fender os direitos e a liberdade da Igreja no novo regime, e ao 
mesmo tempo mostrar que a hierarquia católica não se opunha à 
mudança política operada no país. 
Também o cardeal Leme, que comparecera na década de 20 ao 
lado dos presidentes Epitácio Pessoa e Artur Bernardes, e que se 
solidariza com o presidente Washington Luís até o momento de 
sua deposição, não teve dificuldade em aceitar logo em seguida a 
legitimidade da revolução. 
Ê o que se evidencia na celebração da missa pela paz, a 30 de no-
vembro de 1930: após o ato litúrgico, o cardeal compareceu diante 
do público ao lado do chefe e do governo provisório Getiílío 
Vargas. Não houve discursos. Mas o gesto era expressivo por si 
mesmo. 
Assimiindo o direito de interpretar o pensamento do episcopado, 
o cardeal Leme demonstra com esse gesto que a Igreja Católica 
estava disposta a continuar sua missão religiosa sem criar incom-
patibilidades com o novo governo. Mais ainda. Reconhecia a sua 
legitimidade não apenas tacitamente, mas de modo afirmativo, 
embora implícito. 
3. Vide Azzi, Riolando, D. Antônio de Macedo Costa e a posição 
da Igreja do Brasil diante do advento da república em 1889, in Síntese, 1976, n.o 8, 45-70. 
51 
o periódico católico, Mensageiro do Coração de Jesus, redigido 
pelos jesuítas, assim descreve esse importante episódio: 
"Em toda a parte se celebraram fimções religiosas pela paz da 
Nação. Os Srs. bispos acompanhados pelo clero e fiéis publica-
mente renderam graças a Deus pelo insigne benefício da paz e 
rezaram missas para atrair sobre a Pátria as bênçãos celestes. 
Como nas outras cidades, assim no Rio de Janeiro realizou-se do-
mingo, 30 de novembro, na praia do Russell, com extraordinária 
pompa, a missa solene em ação de graças pelo restabelecimento da 
paz no Brasil e pela confraternização da família brasileira. 
Pouco antes das 9 horas, começaram a chegar as tropas do exército, 
da marinha, da polícia e do corpo de bombeiros, inclusive as 
forças estaduais que ainda se encontram nesta capital, acompanha-
das de várias bandas de música". 
Após descrever os vários grupos militares, civis e religiosos que 
vão chegando sucessivamente, a crônica continua: 
"As 9 horas chegou ao local o Sr. Getúlio Vargas, chefe do governo 
provisório, acompanhado de S. Exma. Senhora, sendo recebido 
por aclamações populares. . . 
Logo depois chegou ao campo do Russell, S. Eminência o Cardeal 
D. Sebastião Leme, acompanhado do bispo de Petrolina, de mon-
senhor Costa Rego, vigário geral e de membros do cabido metropo-
litano. 
S. Eminência seguiu direto ao altar, onde celebrou a cerimônia 
religiosa, acolitado por diversos membros do cabido". 
Em seguida o cronista ressalta: 
"Terminada a cerimônia, o Sr. Getúlio Vargas, que permaneceu de 
pé durante todo o ofício, seguiu para o estrado central, de onde, 
ao lado de S. Eminência, assistiu ao desfile dos escoteiros e das 
irmandades religiosas, cujos componentes erguiam vivas ao Brasil 
pacificado, ao Sr. Getúlio Vargas e ao cardeal arcebispo. 
Também foi muito aplaudido o nome do Sr. Batista Luzardo e de 
outras figuras do movimento pacificador. 
Logo que o desfile terminou, o Chefe da Nação se retirou, acom-
panhado de Sua Eminência e dos Ministros de Estado, em meio 
das ovações da massa popular".* 
4. Mensageiro do Coração de Jesus, Rio de Janeiro, 1931, janeiro, 48-49. É interessante observar que nas entrelinhas há uma atitude de dúvida quanto à fé católica do novo presidente. O cronista faz questão de ressaltar que o presidente "permaneceu de pó durante todo o ofício". Convém lembrar que durante a missa a Igreja exigia em determinados 
52 
Desse modo, tendo tomado posse no dia 3 de novembro, já no 
fim desse mesmo mês o chefe do governo provisório comparece 
publicamente ao lado do cardeal do Rio de Janeiro. 
VISITAS RECÍPROCAS DO CARDEAL E DO PRESIDENTE: 
1.° DE JANEIRO DE 1931 
Por ocasião das festas do Ano Novo, o cardeal Leme tomou outra 
atitude que evidenciava sua vontade de manter um relacionamento 
cordial com o novo governo, visitando o presidente em seu palácio. 
Não obstante o caráter oficial de que se revestiu o ato, era mais 
um gesto significativo de que a Igreja estava disposta a prestigiar 
o novo regime implantado pela Revolução. Por sua vez, também 
Vargas demonstrou desde logo sua disposição de entendimentos 
com o episcopado, retribuindo em seguida a visita. 
Eis a crônica do episódio: 
"Em visita ao Dr. Getúlio Vargas, chefe do governo provisório, 
esteve na tarde do dia 1.° de janeiro no Palácio Guanabara S. Emi-
nência o Sr. Cardeal D. Sebastião Leme. 
O Cardeal foi recebido pelas casas civil e militar e depois por 
Sua Excia. o Sr. Presidente, a quem apresentou os votos de feli-
cidade pelo ano novo, em nome dos católicos brasileiros. Depois 
de alguns minutos de palestra com o chefe do governo, S. Eminên-
cia retirou-se. 
Uma hora mais tarde o Dr. Getúlio Vargas dirigiu-se ao Palácio 
S. Joaquim, a fim de retribuir a visita do chefe da Igreja, fazerdo-se 
acompanhar do general Andrade Neves e do capitão de mar e 
guerra Raul Tavares, chefe e sub-chefe de sua casa militar. 
O Sr. Presidente foi recebido pelo Cardeal rodeado pelas altas 
personalidades do clero, e conduzido para o saião nobre do palácio, 
onde se entreteve em cordialíssima palestra". ' 
momentos a postura "de joelhos". Vargas, portanto, demonstrara res-peito ao culto, mas não atitude de fé. Compare-se essa descrição com aquela em que o cronista da arquidiocese de Mariana descreve a atitude do presidente de IVlinas Antônio Carlos de Andrada (candidato a suces-sor de Washington Luís), quando participou da inauguração do semi-nário de Mariana em julho de 1928: "Por entre o som mavioso do como-vente hino Christus vincit e outros semelhantes, cantados pelo seminário, via-se distintamente o desfiar das contas do terço do Sr. Presidente do Estado, que piedosamente e em edificante recolhimento, confessava de-sassombradamente a fé cristã de que sempre fez brazão, sem ostenta-ção e sem respeito humano" (Boletim eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, maio, 1928, agos-set., 263-264). 
5. Mensageiro do Coração de Jesus, 1931, fev., 108-109. 
53 
Desse modo iam-se colocando as bases de vm entendimento entre 
Igreja e Estado, que facilitariam a participação da Igreja na nova 
ordem política e social, conforme a grande aspiração de D. Leme 
e do episcopado em geral. 
PRONUNCIAMENTO DE D . JOÃO BECKER: 
FEVEREIRO DE 1931 
o primeiro prommciamento oficial do episcopado sobre a nova 
situação, segundo temos notícia, proveio do arcebispodo Rio 
Grande do Sul, D. João Becker. 
É importante salientar esse fato, pois a revolução de 1930 fora 
liderada pelo Rio Grande do Sul. De sua parte, o arcebispo de 
Porto Alegre apressara-se em comiuiicar à Santa Sé que o movi-
mento revolucionário não tinha caráter socialista." Tsilvez daí a 
segurança de D. Becker em assinalar que provavelmente chegara 
a hora desejada pela Igreja de implantar no país a Restauração 
Católica. Aliás, desde a década precedente o prelado se destacara 
entre bispos preocupados com a reafirmação da Igreja na socie-
dade. 
O texto da declaração do arcebispo foi publicado na revista O Men-
sageiro do Coração de Jesus, em fevereiro de 1931, sob o título 
A Igreja e o atual momento. É possível que tenha sido redigido e 
divulgado já desde fins de 1930, isto é, após a proclamação da 
vitória do movimento revolucionário. 
O tema fimdamental do documento é que a ordem institucional 
da primeira república, sob a influência do liberalismo e do posi-
tivismo, não correspondia à índole católica do povo brasileiro, por 
isso fracassara. Chegara o momento de implantar um nova ordem, 
inspirada nos princípios cristãos. 
Eis as palavras textuais de D. João Becker: 
"Não é o sistema republicano como tal, que a nação rejeita, mas 
a sua organização defeituosa e incompleta. 
Com efeito, as constituições políticas, para que sejam eficazes, 
devem ser adequadas ao meio etnológico e social sobre o qual 
pretendem atuar, devem regular-se pelas tradições multiformes do 
país, acomodando-se ao caráter, à índole e às justas aspirações dos 
súditos. 
6. Vide Azzi, Riolando, O inicio da Restauração Católica no Brasil 
(1920-1930) (11), in Síntese, 1977, n.° 11. 
54 
É antidemocrática, impolítica e contrária às boas normas gover-
namentais a pretensão de impor a qualquer nação lun estatuto 
fundamental que despreza e repele esses postulados básicos. A 
vontade nacional tem o direito de prevalecer sobre teorias filosó-
ficas de alguma seita. Uma tal lei constitucional, fora das nor-
mas indicadas, é uma túnica de Nesso que o povo está obrigado 
a vestir". 
O texto ataca implicitamente a Igreja positivista do Brasil como 
a "seita" que lutara com ardor por alguns itens da Constituição 
de 1891. 
Em seguida o prelado continua: 
"Assisti, senhores, à queda da monarquia e presenciei a proclama-
ção da República nesta capital. Tenho estudado o nosso regime 
democrático em todas as fases de sua evolução. 
Inúmeras vezes tenho auscultado o coração do nosso generoso 
povo. Ele mais conhece a república através dos sacrifícios que 
lhe impõe do que pelos benefícios que dela recebe". 
Após aludir à política tributária dos governos anteriores, acres-
centa : 
"Apenas quero frisar um fato que dolorosamente tem ferido a 
nação. 
É estatisticamente certo que a grande maioria da população brasi-
leira professa a religião católica, que abençoou o nascimento da 
nacionalidade. A quase totalidade acredita na existência de Eteus 
e na divindade de Jesus Cristo. 
O número de sequazes das seitas ateístas é relativamente insignifi-
cante. 
Pois bem! A este BrasU católico e cristão foi imposta uma cons-
titmção imperfeita, sem rei e sem Deus, segundo as idéias de -ama 
escola de poucos adeptos e contra as tradições religiosas de muitos 
séculos. 
A população teve de enfiar essa túnica de Nesso, mas tem se senti-
do mal, e os tristes resultados daí provenientes são assaz conheci-
dos". ' 
Em suma, o arcebispo dá a entender que, uma vez libertado o 
país de uma ordem jurídica inadequada porque não cristã, chegara 
a hora de se atender às justas exigências da população brasileira, 
católica por tradição e por maioria absoluta. 
7. Mensageiro do Coração de Jesus, 1931, fev., 103-104. 
55 
PASTORAL COLETIVA DOS BISPOS DA 
BAHIA: 5 DE MARÇO DE 1931 
Em termos de posição da Igreja diante da nova situação política, 
é muito mais importante o segundo documento do episcopado: a 
pastoral coletiva dos bispos da Bahia, datada de 5 de março de 1931. 
As cartas pastorais são docimientos do magistério ordinário dos 
bispos em suas dioceses, tendo certa analogia com o magistério 
imiversal do papa, através de suas cartas encíclicas para toda a 
Igreja. A carta pastoral da província eclesiástica da Bahia tem 
um valor especial por ser firmada por quatro bispos: D. Augusto 
Álvaro da Silva, arcebispo da Bahia; D. Juvêncio, bispo de Caetité; 
D. Adalberto, bispo da Barra; e D. Eduardo, bispo de Ilhéus. O 
arcebispo da Bahia era o primaz do Brasil, a segimda autoridade 
da hierarquia eclesiástica, então presidida pelo cardeal Leme. 
Na fase inicial da Restauração Católica nos anos 20, a figura do 
primaz da Bahia ficara de certa forma na sombra, provavelmente 
por manter firme sua rejeição à primeira Constituição republicana. 
Com a queda da república velha surgia uma nova perspectiva, e D. 
Augusto decidiu entrar de cheio na luta pelas reivindicações cató-
licas. 
A primeira parte da carta pastoral fala dos males da época e indica 
o grande perigo da anarquia bolchevista. Esse é o supremo mal 
que deve ser evitado a qualquer custo. 
Na segunda parte, o documento trata das esperanças da hora pre-
sente. Afirmam os bispos: 
"Se tivéssemos a desventura de ver as forças da anarquia apode-
rarem-se da nossa querida pátria, os vindouros poderiam com 
muita justiça exclamar: O Brasil afundou-se na anarquia porque os 
católicos não souberam constrtiír na hora crítica da sua história, 
não souberam impor-se pela sua cultura, pela sua coragem, pelo 
seu valor, às gerações desnorteadas e desanimadas que os ro-
deavam". 
No pensamento dos bispos, chegava o momento da atuação dos 
católicos para criar uma nova ordem social, capaz de opor-se efe-
tivamente à onda revolucionária crescente. 
"Já não estamos no tempo em que se podia ainda duvidar da ação 
social e benéfica da Igreja, tempos em que Rm Barbosa escrevia 
o prólogo de "O Papa e o Concilio". Já passaram estes tempos de 
trevas, em que um liberalismo de ideólogos desorientados conse-
guia entusiasmar almas inexperientes. Já os chefes desse liberalis 
mo deletério, e entre eles o próprio Rui Barbosa no Brasil, se peni-
tenciaram por terem desconhecido os direitos da Igreja em relação 
ao Estado, e a sua ação benéfica com respeito à sociedade. 
56 
Que diriam hoje se assistissem à completa derrocada dessas dou-
trinas liberticidas, apesar do pomposo nome de liberalismo com 
que pretenderam condecorá-las e vissem como nós vemos neste 
momento, o bolchevismo aniquilador da família, da Pátria e do 
indivíduo ufanar-se de ter, por legítimos pais e avós, os homens 
de 1789 e 1793, os defensores dos pseudo-direitos do homem, e 
todos aqueles que guerreavam a Igreja, apodando-a de retrógrada 
e inimiga da liberdade?" 
Em vista dessas circunstâncias, os bispos consideram como ponto 
essencial a presença do pensamento cristão na Constituição brasi-
leira. Eis suas afirmações: 
"Estas grandes lições da história contemporânea, amados irmãos 
e filhos em Jesus Cristo, devem ser para todos os católicos brasi-
leiros um poderoso estímulo para o cumprimento do primeiro dever 
da hora presente: a coragem de pensar e difundir a idéia católica. 
Ora, neste momento decisivo, em que o olhar de todos os brasilei-
ros se dirige solícito e ansioso para a nova Constituição anunciada 
para breve, a principal preocupação de nós todos deve ser que 
essa idéia católica, em toda a sua pureza e integridade, vá impreg-
nar de verdade e de justiça a lei fimdamental de nossa Pátria muito 
amada". 
Em seguida, a pastoral passa a expor a teoria católica sobre o rela-
cionamento entre Poder espiritual e Poder temporal. 
"Para alcançar este desideratum seria mister fixar com segurança 
a doutrina sobre as relações entre Igreja e Estado. 
As dificuldades resultantes desses contactos procuram várias esco-
las resolvê-las, por caminhos diversos, dando origem a três siste-
mas : sistema de absorção, sistema de separação, sistema de har-
monia. Em tese apenas o terceiro sistema é admissível, pela razão 
óbvia de queos dois primeiros são violadores de direitos autênti-
cos". 
Segundo os bispos, nem a Igreja deve absorver o Estado, conforme 
o sonho teocrático dos juristas da Idade Média, nem o Estado deve 
absorver a Igreja, conforme o cesaropapismo de muitos governan-
tes a partir dos imperadores bizantinos. Ê ilícita também a sepa-
ração completa "porque supõe que a vida religiosa apenas interessa 
à vida individual e não à coletividade da nação". Resta portanto 
apenas a terceira via de solução. 
"Não podendo pois admitir em tese como solução do problema 
da Igreja o sistema de absorção nem o de separação, resta como 
solução linica o sistema de harmonia, que foi para o nosso Brasil 
o regime abençoado, dentro do qual se realizaram no passado todas 
as nossas glórias". 
57 
É evidente que falta aos bispos conhecimento histórico mais pro-
fimdo, pois durante todo o período colonial a Igreja hierárquica 
esteve completamente absorvida pelo Estado através do regime 
de Padroado. E foi contra essa dominação política que os bispos 
reformadores do século XIX lutaram arduamente. Na Pastoral 
Coletiva de 1890 os bispos referiam-se à atuação do governo impe-
rial com esta expressão realista: "era uma proteção que nos aba-
fava". 
A harmonia do passado é apenas uma idealização que visa tornar 
mais patentes os males atribuídos ao período republicano. Por 
isso os prelados pedem uma total revisão na Constituição de 1891. 
Daí as conclusões finais do dociunento episcopal: 
"É pois imprescindível para que volvam à nossa legislação os bene 
fícios da harmonia entre Igreja e Estado, que acabe para sempre 
na legislação brasileira a apostasia implícita das nossas tradições. 
Invoque nossa Magna Carta o sacrossanto nome de Deus e seja ela 
promulgada como o foram na República as de alguns Estados da 
Federação, "em nome de Deus onipotente". Seja supresso na ban-
deira nacional o lema sectário e estreito do Positivismo. Proclame 
a nova Constituição não uma união absorvente entre a Igreja e o 
Estado, que vá coarctar a legítima independência de duas socieda-
des cada qual perfeita no seu gênero, nem uma separação prejudi-
cial aos interesses da Pátria e contra as lições do Evangelho, mas 
imia harmonia recíproca, respeitosa e leal entre o Estado e a 
Igreja, em favor da obra comum da raoralização do povo, o reco-
nhecimento dos direitos de Deus e de Jesus Cristo, das liberdades 
do catolicismo e da ação educadora que a Igreja pode exercer para 
a formação intelectual ou moral dos brasileiros".* 
É talvez a primeira vez que um documento episcopal trata com 
tanto destaque o problema das relações entre Igreja e Estado, 
nesta nova fase de Restauração Católica. Os prelados desejam 
que o novo governo estabeleça um regime de harmonia com a 
Igreja Católica, e que os princípios cristãos fundamentem a nova 
ordem jurídica e social. 
Os bispos da Bahia, em sua agressividade contra a República Velha, 
chegam até a pedir que se suprima da bandeira brasileira o lema 
"Ordem e Progresso", atitude reacionária que provavelmente não 
chegou a ser compartilhada pelo grupo mais expressivo do episco-
pado nessa fase de transição republicana. Em pronunciamentos 
sucessivos do episcopado, não mais se acena a essa exigência. 
8. Mensageiro do Coração de Jesus, 1931, julho, 429-432. 
58 
VISITA DA VIRGEM APARECIDA AO RIO DE JANEIRO: 
3 1 DE MAIO DE 1931 
Uma das grandes preocupações de D. Leme era a afirmação da fé 
católica dentro da vida urbana, que ia progressivamente assiunindo 
características acentuadamente leigas. Para isso decidiu utilizar 
como instrumento a mobilização do povo em grandes manifesta-
ções de cunho religioso. Já em 1922 promovera ele o Congresso 
Eucarístico do Rio de Janeiro, que tivera repercussão nacional. ^ 
De 24 a 31 de maio de 1931 o cardeal decidiu realizar a Semana 
da Padroeira do Brasil, imponente manifestação em honra de nossa 
Senhora Aparecida. Não faltavam razões para esssa promoção. 
No ano anterior, a 16 de julho, o papa Pio XI, atendendo aos pedi-
dos do episcopado brasUeiro, proclamara a Virgem Aparecida pa-
droeira do Brasil. Com isso a Santa Sé oficializava imi culto po-
pular, cujas raízes remontavam ao período colonial. 
Além disso, reunindo na capital da República representantes do 
episcopado e fiéis de todo o Brasil, o cardeal colocava em evidência 
a pujança da fé católica na sociedade. 
Ao mesmo tempo, essa manifestação de fé demonstraria ao governo 
quão justas eram as reivindicações da hierarquia católica quanto 
aos aspectos religiosos que deviam caracterizar a nova fase repu-
blicana que se iniciava. 
Na carta circular escrita por D. Leme a 22 de abril de 1931, essas 
idéias podem ser vislimíbradas. Afirma o cardeal: 
"Ato público de fé religiosa, manifestação de carinho filial à Mãe 
e Senhora do povo brasileiro, exultação e regozijo pelo reconheci-
mento de seu Padroado Nacional, apelo fervoroso à sua valiosíssi-
ma proteção para o Brasil, a Semana de Nossa Senhora de Apare-
cida avultará ainda como vmíi grito de confiança irredutível no 
futuro da nacionalidade". 
A circular acena em seguida ao período crítico que se atravessa em 
conseqüência da mudança da ordem política. E acrescenta: 
"Cônscios de que, sem a força e a graça do altíssimo, em vão se 
agitariam os homens, vamos apelar para Aquele que tem nas mãos 
a vida e a sorte dos indivíduos e dos iwvos". 
Para D. Leme, a manifestação do Rio deve ser a expressão da fé 
católica de todo o povo brasileiro. 
9. Vide, Azzi Riolando, O inicio da Restauração Católica no Brasil 
(1920-1930), in Síntese, 1977, n.o 10, 67-68. 
59 
"Representado pela alma nobre e generosa da sua capital, o Brasil 
vai acolher-se à sombra do manto régio e maternal de Nossa 
Senhora da Conceição Aparecida." 
O cardeal conclui a circular acenando claramente ao sentido polí-
tico da manifestação: 
"Irmanados num só pensamento de fé e patriotismo, sem distinção 
de classes sociais ou tendências políticas, vamos publicamente le-
var ao trono da Imaculada Padroeira o voto nacional do povo. 
Queremos uma era de ordem, trabalho, paz e tranqüilidade 
para a família brasileira. 
Tal é o voto súplice e ardente do próprio coraçãoi da pátria. E Deus 
há de ouvi-lo!".̂ ° 
Pouco tempo antes da manifestação, o cardeal Leme deu uma 
entrevista em que reforçava as idéias expressas na circular, mos-
trando mais claramente o seu pensamento: 
"Epero que a festa constitua uma das páginas mais expressivas da 
história do Brasil nos últimos anos: primeiro como ato público 
de fé, proferido por toda a população da cidade sem distinção de 
classes sociais. E como esta cidade é capital do Brasil, o seu ato 
de fé coletivo será um hino que aos pés de N. Senhora vai cantar 
o coração da pátria. Assim as homenagens nacionais à Padroeira 
do Brasil valerão ainda como afirmação de que o nosso povo nasceu 
católico, nos princípios católicos foi civilizado e católico quer con-
tinuar a ser, haja o que houver, custe o que custar. Mais que imia 
festa exterior, as solenidades pomposas do Rio de Janeiro a N. 
Senhora Aparecida avultarão como um plebiscito nacional em favor 
da Santa Igreja de N. S. Jesus Cristo, e portanto das forças vivas 
da nacionalidade. Na encruzilhada perigosa da hora difícil que o 
Brasil atravessa, vamos dizer diante do mundo, onde está a salvação 
da pátria", n 
De fato, o espetáculo foi deveras grandioso. A manifestação final 
do dia 31, com a procisão da estátua da Virgem Aparecida, trazida 
pelo arcebispo de S. Paulo, é assim descrita numa das crônicas 
da época: 
"Bem organizada a ordem de todas as corporações religiosas e 
civis, a procissão não podia deixar de ser o que foi, e o espetáculo 
o maior que até hoje tenha presenciado ot Rio de Janeiro. Certo 
que o número de assistentes àquela memorável proclamação do 
Padroado de Maria Santíssima e consagração do Brasil a Maria 
Imaculada da Aparecida não foi inferior a um milhão. 
10. Revista do Ciero, Rio de Janeiro, 1931, maio, 193. 
11 . Merisageiro do Coração de Jesus, 1931, jullio, 440. 
60A presença de S. Excia. o Presidente da República Dr. Getúlio 
Vargas e os numerosos bispos que tomaram parte (os outros se 
fizeram representar), unificaram em uma só família o BrasU em 
peso junto ao trono da mãe dos brasileiros. 
Maria SS. Imaculada Aparecida o Brasil é vosso foi o grito que 
dos corações de um milhão de brasUeiros ressoou na grande espla-
nada do Castelo juntamente com os votos à Rainha Soberana e 
Mãe nossa". 12 
Embora o número dos participantes acima indicado não seja 
muito plausível, foi sem dúvida uma manifestação impressionante. 
E houve mesmo a intenção decidida de mostrar ao presidente 
Vargas, ali presente, o poder ascendente da Igreja Católica, da qual 
o seu governo não poderia prescindir. 
CONVOCAÇÃO PARA O CONGRESSO EUCARÍSTICO: 
6 DE AGOSTO DE 1931 
o arcebispo da Bahia já se expressara claramente na pastoral 
de 5 de março de 1931, sobre as esperanças católicas nesse período 
de transição entre a primeira república e a nova fase que estava 
sendo agora iniciada. 
A 6 de agosto desse mesmo ano, na pastoral de convocação para 
o primeiro Congresso Eucarístico Nacional, a ser celebrado na 
Bahia, novamente volta ao tema. 
Após indicar que a idéia de celebração dos Congressos Eucarísticos 
vinha desde 1929, acrescenta: 
"Acertararse a sua realização para a última semana de setembro 
de 1931. 
Em carta circular impressa em data de 4 de outubro de 1930, nos 
dirigimos pressurosos aos exmos. e revmos. srs. arcebispos e bispos, 
solicitando a cooperação imprescindível de sua sabedoria, experiên-
cia e zelo para melhor garantia e seguro êxito do Congresso". 
E continua com esta significativa interrogação: 
"Seria apenas coincidência sem maior significação o ter sido deter-
minado aquele tempo para a realização do Congresso, quando 
simultaneamente se desencadeou a comoção social a que aludimos, 
e da qual resiiltou a situação atual que se apresenta com tantas 
promessas de paz e de felicidade para o Brasil? 
12. Mensageiro do Coração de Jesus, 1931, julho, 439-440. 
61 
Cremos ao invés, amados irmãos e filhos caríssimos, que a mesma 
Divina Providência que predeterminou fosse a nacionalidade for-
mada aos pés da primeira cruz arrancada das nossas matas virgens, 
e à sombra do primeiro altar eucarístico do país, escolhesse tam-
bém o tempo de reorganização nacional, tão promissória para a 
realização do Primeiro Congresso Eucarístico Nacional Brasileiro". 
E conclui em seguida: 
"É pela Eucaristia que Jesus há de ser reconhecido Rei dos povos 
e das nações, rei dos cidadãos brasileiros, rei das famílias brasi-
leiras, rei do Brasil como nação constituída". 
A tônica do documento de D. Álvaro da Silva é, pois, análoga ao 
pronunciamento de D. Leme a respeito da visita da Virgem Apare-
cida ao Rio de Janeiro: os católicos reimidos na Bahia para a 
celebração do Congresso Eucarístico mostrarão ao novo governo 
da República os anseios da população brasUeira em prol de uma 
ordem constitucional tipicamente cristã. 
Também aqui o argumento histórico é invocado segundo uma 
interpretação comum na época entre os católicos: o Brasil nascera 
e crescera à sombra da Cruz, e somente com a primeira república 
perdera as características de país cristão. Chegara portanto o 
momento da Restauração Católica. 
INAUGURAÇÃO DO MONUMENTO DO CRISTO REDENTOR: 
1 2 DE OUTUBRO DE 1931 
Após a semana em honra de Nossa Senhora Aparecida, no mês de 
maio, o cardeal Leme programou uma outra semana em honra de 
Cristo Rei, no mês de outubro. A semana culminaria com a inau-
guração da estátua de Cristo Redentor, no Corcovado, a 12 de 
outubro. 
Durante essa semana houve dois pronunciamentos dignos de desta-
que: o sermão de D. Augusto Álvaro da Silva, durante o solene 
pontificai celebrado na Candelária a 10 de outubro, e o discurso 
do cardeal Leme no encerramento das solenidades, no dia 12. 
Em seu sermão, o arcebispo-primaz da Bahia voltou a enfatizar as 
idéias expressas desde a pastoral coletiva de 5 de março, e repeti-
das na pastoral de 6 de agosto desse mesmo ano. De maneira 
incisiva D. Álvaro ressaltava a importância do poder espiritual da 
13. Primeiro Congresso Eucaristico Brasileiro de 3 a 10 de setem-
bro de 1933, Bahia, 1936, 4-5. 
62 
Igreja, e a necessidade do reconhecimento dos direitos eclesiásticos 
na nova organização jurídica do país. Por sua vez, o prommciamento 
de D. Leme assumiu quase um caráter de desafio ao governo, mos-
trando que o povo católico só apoiaria a nova situação imposta pela 
Revolução, se fossem reconhecidos os direitos da Igreja. 
Eis os tópicos principais do sermão de D. Álvaro da Silva, pronun-
ciado em presença do núncio apostólico e de 48 bispos: 
"Para interpretar a alma generosa do povo brasileiro, quis a bon-
dade de Sua Eminência o nosso cardeal que uma voz do norte se 
fizesse ouvir nesta cerimônia... 
O Brasil aqui se reúne agora, detentor das graças de Deus, para 
reafirmar a sua crença absoluta e repetir que Cristo Redentor é 
nosso Rei. 
Da profimdeza desses céus recôncavos do Cruzeiro, ele contempla 
o seu povo e a sua obra. Possa ele encontrar sempre a espada de 
Deus sobrepujando o gládio de César. A nacionalidade aliada à 
fé, o patriotismo orientado pelos ditames da verdade sagrada. A 
coragem dos homens defenderá os tesouros do céu e os tesouros 
da terra. 
Meus irmãos, eu vos direi a razão da minha presença aqui, para 
exaltar essa festa da Igreja e da pátria. Acabo de chegar de Porto 
Seguro. Nesse momento é como se falasse a própria Igreja Cató-
lica que assistiu o desembarque de Pedro Álvares Cabral, penetrou 
nas matas virgens, ajudou o gentio quando carregava o lenho para 
manifestar a sua conversão e a sua fé. Promoveu enfim, a posse 
divina do Brasi l . . . 
Povo privilegiado, que reconhece contrito ser Cristo Redentor o 
seu único Rei. Cristo é o seu Rei!". 
Em seguida acrescenta: 
"Ainda hoje, ainda agora a República reconhece o Cristo Redentor 
como o Rei do Brasil. E a separação da Igreja do Estado, o 
ensino leigo e outros males não influíram nesse reinado? 
Nimca, meus irmãos. Não poderia influir. É a onda que passa. Os 
primeiros homens da República tiveram a intenção de golpear a 
Igreja de Cristo. Mas não puderam arrancar a fé da alma nacional. 
Quiseram enfraquecê-la, e ela criou asas e avassalou as consciên-
cias. 
Um católico não pode desejar a separação de Igreja. Os dois 
poderes que dirigem o homem não podem ser antagônicos. Seja-
mos independentes, mas sejamos unidos. A separação poderia ser 
julgada como restrição, antagonismo, ou desdém...". 
63 
o arcebispo conclui com esta afirmação: 
"O bronze dos canhões facilmente se derrete. A fé do povo, a 
vontade do povo, a crença do povo são ao contrário, garantia que 
perduram com a própria eternidade de Cristo". 
Pela tônica de sua argumentação, o sermão dispensa maiores comen-
tários. É uma expressão de força da Igreja em prol das reivindi-
cações católicas. Também aqui volta à tona o argumento histórico, 
já apresentado pelo arcebispo anteriormente, e cujas lacunas já 
foram indicadas. 
Também o discurso final do cardeal Leme constituiu um verdadeiro 
manifesto de força da Igreja Católica. 
Eis suas palavras: 
"Nem as convenções da política, nem o deslumbramento das exposi-
ções da indústria e do comércio, nem mesmo as festas da pátria 
jamais conseguiram trazer tantos brasileiros à nossa capital mara-
vilhosa. 
E haverá ainda quem acredite ser lícito à República fingir que 
pode ignorar as crenças religiosas do povo?! Não, senhores! Depois 
de tantas afirmações da consciência religiosa do povo brasileiro, o 
agnosticismo do Estado seria uma mentira solene a aviltar o bom 
senso dos legisladores. 
O nome de Deus está cristalizado na alma do povo brasileiro. Ou 
o Estado reconhece o Deus do povo, ou o povo não reconhecerá 
o Estado. Ninguém me leve a mal que felicite a cidade de São 
Sebastião do Rio de Janeiro, neste momento histórico, em que 
ela reúne, agrega e solidariza aos pés do Cristo Redentor tantos 
filhos e representantes de todos os Estadosda Federação. Nimca, 
como nesta hora de fé e brasilidade, nunca o Rio de Janeiro sentiu 
tão afirmado, tão reais e verdadeiros os seus foros de capital, 
centro, cérebro e coração da República". 
Tendo a Revolução de 30 sido mobilizada de certa forma contra 
o poder político de São Paulo, o cardeal Leme, paulista de nasci 
mento, faz questão de ressaltar que é hora de união de todos os 
brasieliros. 
"Aqui é a terra de todos os brasileiros, porque sabem todos que 
aqui não latejam sentimentos regionalistas, explicáveis talvez, mas 
sempre perigosos para o culto sagrado que devemos à Pátria. 
Quem vos fala é um paulista que muito se honra e se ufana de o 
ser, mas por Deus e pela Pátria, não me arreceio de afirmar que 
acima de São Paulo vejo o Brasil. 
64 
Não é a hegemonia de São Paulo, não é a hegemonia do Rio Gran-
de do Sul, não é a hegemonia de Minas, não é a hegemonia do 
Norte ou do Sul! — a única hegemonia que admitimos é a do 
Brasil, pátria única e indivisível, que aos pôsteres queremos trans-
mitir íntegra, unida, intangível e coesa". 
Para conseguir a unidade da pátria, abalada pelos regionalismos, 
o cardeal indica como solução a afirmação dos princípios reli-
giosos : 
"A religião é uma das maiores forças, para não dizer a línica, que 
pode manter intactas a integridade e a coesão do Brasil. Se os 
dirigentes teimarem em prescindir dos valores espirituais, eu p r e 
vejo que as competições partidárias, de regionalismo, de classes, 
grupos e pessoas, a falta de sinceridade, as desconfianças e ressen-
timentos, as vinganças e revides acabarão por estraçalhar a vinida-
de do Brasil". 
O prelado conclui seu discurso com a seguinte peroração: 
"Brasil! Brasil! Ó pátria! Ajoelha-te aos pés do Cristo Redentor. 
Junto à sua cruz nascestes grande e imenso; grande e imenso 
crescestes. Continua de joelhos aos pés da Cruz, ó pátria, porque 
só assim poderás continuar de pé diante dos povos civilizados, 
ostentando a fronte erguida, falando -ama só língua, professando 
uma só religião, adorando um só Cristo, desfraldando uma só 
bandeira". 1* 
CARTA PASTORAL DO BISPO DE ATERRADO: 
1 4 DE NOVEMBRO DE 1931 
Certamente o bispo de Aterrado, D. Manuel Nunes Coelho, não 
ocupa lugar de destaque entre os bispos que mais contribuíram 
para implantar a Restauração Católica no país. Não obstante, não 
deixa de ser significativo o seu pronunciamento, pois evidencia que 
a mentalidade da ofensiva da Igreja para reconquistar o seu lugar 
na sociedade brasileira contagiara a maior parte do episcopado. 
A 14 de novembro de 1931, D. Manuel Coelho publicava uma carta 
pastoral em que propõe o nome de São Rafael para protetor do 
Brasil, num esforço de demonstrar ainda mais a fé católica do 
povo brasileiro. Nesse dociunento o bispo declara haver participa-
do e apoiado as manifestações promovidas por D. Leme no Rio 
de Janeiro em honra de N. S. Aparecida e de Cristo Redentor. 
Em seguida exorta os católicos a se unirem com o poder consti-
14. Mensageiro do Coração de Jesus, 1931, dezembro, 750-754. 
65 
tuído numa frente única, contra o perigo da infiltração comunista 
no país. 
Escreve o bispo: 
"Acabamos de sair da pesada atmosfera que sempre cria uma 
revolução, e vm sem número de graves dificuldades se apresenta 
pedindo uma pronta solução aos dignos detentores do Governo. 
Entretanto, o peso do ambiente ameaça desabar nuvens negras 
sobre o nosso povo, sempre tão sensível ao bem e amigo da ordem, 
pretendendo ainda impedir que os responsáveis pelo Governo te-
nham a paz e a calma necessárias para resolverem os magnos 
problemas de que depende o futm-o do Brasil e por isso mesmo a 
felicidade e a grandeza de seus filhos. 
Não precisamos aqui expor nem discutir o que de todos já é bem 
conhecido, — as maléficas e ferozes doutrinas comunistas; apenas 
como todos os que amam esta grande Nação e que algo tem que 
perder, representando o princípio conservador e santificador do 
Evangelho, apelamos para os nossos caros cooperadores, e por eles 
nos dirigimos aos religiosos de ambos os sexos e a todos os que-
ridos diocesanos, a fim de que, como verdadeiros brasileiros, cheios 
de fé cristã e de patriotismo, cooperemos com os cidadãos que, 
em qualquer posição maior ou menor, se encontrem como deten-
tores de uma parcela de governo". 
O comunismo, segundo o prelado, representa a anarquia, a derru-
bada dos valores mantidos pela sociedade sob a inspiração cristã. 
Daí a necessidade de reforçar o poder constituído na defesa da 
ordem social. 
"Não temos atualmente para onde fugir; ou prestigiamos as auto-
ridades que aí estão empenhadas pela ordem da República, ou 
todos seremos cúmplices diante da tremenda derrocada que amea-
ça a estabilidade religiosa e social da nossa querida pátria! 
Se neste momento, cheios de apreensões, é dever patriótico de 
todos cerrar fileiras para a defesa das instituições que nos gover-
nam e dirigem os destinos do País, de um modo particular esse 
grave dever pesa sobre os católicos, que, representando a quase 
totalidade dos brasileiros, pelo espírito ordeiro e conservador da 
sua Pé, são obrigados em consciência a ' t rabalhar pelo respeito 
devido à autoridade, como pela ordem, como fontes da prosperi-
dade social e da paz da família. 
Assim procedendo, os católicos nada mais fazem do que responder 
a luna imperiosa necessidade de sua Fé em face da hora crítica que 
vivemos". 
D. Manoel Coelho conclui com esta exortação incisiva: 
66 
"Na hora presente, a atitude franca que todos os brasileiros devem 
assumir, cooperando incondicionalmente para o prestígio do poder, 
de modo especial pesa sobre os católicos, que, mais que ninguém 
representam o princípio conservador como garantia da ordem". 
CRUZADA DE ORAÇÕES PELA PÁTRIA: 
25 DE MARÇO DE 1932 
o ano de 1931 fora caracterizado por manifestações religiosas im-
ponentes e por pronimciamentos importantes do episcopado sobre 
a nova ordem a ser implantada no país. 
Durante o ano seguinte, ao invés, escasseiam as manifestações pú-
blicas de fé e as declarações episcopais. Tal fato se deve à Revo 
lução paulista, que eclodiu no segundo semestre de 1932. 
Durante o primeiro semestre, no mês de março, o cardeal Leme 
promovia uma cruzada de orações pela pátria, tendo como tema: 
O Brasil precisa de Deus em suas leis e seus homens. 
Sua preocupação básica continuava sendo a elaboração da Consti-
tuição da Segunda República. 
O documento é do seguinte teor: 
"Na quadra difícil que o mimdo atravessa, a ninguém pode passar 
despercebida a responsabilidade excepcional do momento brasileiro. 
Daí os imperativos da consciência patriótica que todos reclamam, 
elevação de vistas e sinceridade de propósitos no cumprimento 
abnegado dos deveres cívicos. 
Infelizmente porém, a teimosia de um agnosticismo fora de moda 
leva os nossos homens a quererem prescindir das luzes e graças de 
Deus Onipotente, em cujas mãos está a sorte dos indivíduos e dos 
povos. 
Ora, para o Brasil nimca foi tão premente a necessidade da pro-
teção do céu. 
Nessas condições, a todos os espíritos que têm a felicidade de 
crer, se impõe, como postulado máximo de patriotismo, o dever 
cristão da prece. 
Orando com fé e fervor, havemos de atrair sobre a nossa terra a 
exuberância das graças divinas, sem as quais debalde se tentaria 
construir no interesse da comunhão nacional. 
15. Revista do Clero, 1932, nov. 406-407. 
&7 
Assim é que, visando despertar inteira cruzada de preces pela 
pátria, que precisa de Deus em suas ieis e em seus homens, aqui 
deixamos comovido apelo. 
Que ninguém recuse ao Brasil a contribuição de sua fé suplicante 
jimto à bondade infinita de Deus, por Jesiis Cristo, Senhor Nosso, 
Rei e amigo do povo brasileiro", 
O documento é datado de 25 de março, sexta-feira santa de 1932. 
Na circular em anexo havia a seguinte prescrição para o clero: 
"Nas reuniões e em todas as oportimidades do ministério, insistin-
do sobre a necessidade de que nas leis novas do país sejam respei-
tados os interesses espirituais do Brasil, os srs. sacerdotesmo-
verão os fiéis à fidelidade e perseverança na oração."i' 
APELO DO CARDEAL PARA O CONGRESSO EUCARÍSTICO: 
4 DE JULHO DE 1933 
A Revolução Constitucionalista de São Paulo provocara um tempo 
de espera na ação do episcopado. 
A campanha pela constitucionalização do país, iniciada em São 
Paulo, culminara a 23 de maio de 1932 com a morte de quatro 
estudantes. 
A 9 de julho de 1932 irrompeu o movimento armado, que perdurou 
até setembro. 
Desse modo, somente no ano seguinte o episcopado voltou a se 
pronunciar sobre a nova ordem cristã a ser implantada no país. 
A 4 de julho de 1933 o cardeal Leme endereçava um apelo aos 
católicos pela participação no Primeiro Congresso Eucarístico Na-
cional. 
O documento enfatiza dois aspectos. Em primeiro lugar, a vin-
culação entre fé e patriotismo. Essa reunião católica deveria evi-
denciar as origens católicas da cultura brasileira e a pujança da 
fé do seu povo. E m segundo lugar, o documento coloca em evi-
dência que a Igreja constitui um poder supra-nacional. A hierar-
qxoia católica do Brasil está vinculada ao poder do papa, chefe 
16. Revista do Clero, 1932, abril; Mensageiro do Coração de Jesus, 
1932, julho, 426-427. 
17. Revista do Clero, Rio, 1932, abril; Mensageiro do Coração de 
Jesus, 1932, julho, 426-427. 
68 
supremo da Igreja. Esse poder espiritual e universal paira acima 
das possíveis dissensões políticas. 
Eis as psdavras de D. Leme: 
"Para os católicos brasileiros, o Congresso Eucarístico Nacionaí 
que vai ser efetuado na Bahia, assume caráter de imi compromisso 
de honra, em que estão empenhados o nosso patriotismo e a nossa 
fé... 
Exigem-no o amor que votamos ao dulcíssimo Rei Sacramento e 
os interesses superiores da Pátria, cujos destinos, nesta hora difícil, 
vamos confiar à onipotência da Bondade Divina...". 
Em seguida acrescenta: 
"Triunfo de Cristo Rei, oração nacional pela pátria, demonstração 
de fé, gratidão e amor a Jesus Sacramentado, aimiento de nossa 
incondicional fidelidade à Santa Igreja Católica, Apostólica, Roma-
na, e ao seu chefe Supremo, o Santo Padre Pio XI, tão amigo do 
Brasil, o Congresso Eucarístico será também uma expressão incon-
fundível da pujança e elevação das forças espirituais que plasma-
ram e siistentam a alma da nacionalidade". 
PRIMEIRO CONGRESSO EUCARÍSTICO NACIONAL: 
3-10 DE SETEMBRO DE 1933 
A partir de 1933 se iniciaram no Brasil os Congressos Eucarísticos 
Nacionais. Essas assembléias eucarístícas tomaram-se um instru-
mento da hierarquia católica para a afirmação da presença da 
Igreja na sociedade. Por essa razão, a tônica dessas primeiras 
manifestações de fé foi a imião entre religião e pátria. Esses con-
ceitos se expressam nos discursos, nos temas e até nos hinos dos 
Congressos. 
O primeiro Congresso Eucarístico Nacional foi celebrado na Bahia. 
Como data escolheu-se a semana da pátria, de 3 a 10 de setembro 
de 1933. 
A hierarquia católica aproveitou essa oportunidade para enfatizar 
uma vez mais a necessidade de que a nova ordem jurídica a ser 
estabelecida no Brasil levasse em conta as reivindicações católicas. 
Três arcebispos ressaltaram a necessidade de que a Igreja tomasse 
posição decidida na nova ordem constitucional: D. Álvaro da Silva, 
o primaz da Bahia, D. Antônio Cabral, de Belo Horizonte e D. João 
Becker, de Porto Alegre. 
18. Revista do Clero, 1933, julho, 245-246; Mensageiro do Coração 
de Jesus, 1933, nov., 674. 
69 
Eis a oração do arcebispo-primaz em alguns de seus tópicos prin-
cipais : 
"Hoje, correndo as cortinas deste Congresso, venho redizer exul-
tante de entusiasmo: Pátria eucartstica. Talmente se identificavam 
no berço a nacionalidade e a Eucaristia que impossível se toma 
desassociá-las, dividi-las. Se este Congresso é eucarístico, é mesma-
mente o 1.° Congresso brasileiro por excelência". 
Em seguida acrescenta: 
"Não é a pátria que pelo digníssimo chefe da nação e seus dignos 
auxiliares, espalha agora esta emissão de selos com o escudo do 
Congresso Eucarístico Nacional Brasileiro, repetindo ele, como 
nós outros, Venite adoremos?". 
Ao término de sua alocução, o arcebispo declara: 
"E, já agora, seria mister não ser brasileiro para isolar-se alguém, 
neste conceito nacional de patriotismo e de fé. 
Pátria, estremecida, tu estás saldando assim toda a dívida, que 
talvez tenhas contraído em teu passado para com o Deus de tua 
nacionalidade. O momento presente resgata de sobra as tuas infi-
delidades de antanho. Salve Brasil eucarístico!". 
E conclui: 
"Somente quando o Brasil deixar de existir, somente quando se 
apagar no mapa das nações este nome adorável — Brasil — somente 
então deixará ele de ser o sacrário da Hóstia que é Jesus, que é 
a mesma hóstia sacrossanta. Pátria eucarística, salve!". 
Outro discurso importante foi o do arcebispo de Belo Horizonte 
D. Cabral, mn dos prelados mais destacados na implantação da 
Restauração Católica, 
Em um dos trechos de sua alocução, o arcebispo enfoca a vincula-
ção existente entre pátria e fé, nos seguintes termos: 
"Decorridos mais de quatro séculos de vida cristã, é a nação que 
aqui se congrega pelos mais autorizados expoentes de sua hierarquia 
e do seu clero, de sua intelectualidade e dos seus pensadores, dos 
seus sociólogos, dos seus estadistas, das suas classes armadas e 
da sua juventude, lídimos intérpretes de suas forças espirituais e 
morais. Em uma reafirmação consciente, oportuna e grandiosa, 
quer estadear sua fé ínamolgável e profunda na presença real e 
19. Primeiro Congresso Eucarístico Nacional Brasileiro, Bahia, 3 
a 10 de setembro de 1933, Bahia, 1936, 111-113. 
20. Vide Azzi, Riolando, O Inicio da Restauração Católica no Brasil 
(1920-1930), in Síntese, 1977, n.» 8. 75-76. 
70 
adorável de Cristo Senhor Nosso, sob os incompreendidos e glorio-
sos andrajos dos véus eucarísticos. Importa dizê-lo: para a des-
medida obra da restauração da nacionalidade, reacende sua vigo-
rosa crença na força vital da Religião, que tem por fulcro o sacrá-
rio. Ê Srs., um como novo descobrimento empreendido por seus 
próprios filhos; sopesaram o seu valimento, tomaram consciência 
de suas responsabilidades. Aqui se encontram para reconduzi-lo 
aos seus destinos históricos". 
Ê interessante notar que os bispos assinalam a fé eucarística como 
característica da devoção popular, quando toda a tradição religiosa 
do povo brasileiro é muito mais voltada para a devoção aos santos 
do que para a vivência sacramentai. 
Como o arcebispo-primaz, também D. Cabral vê na coincidência 
do Congresso Eucarístico com o início da Segunda República um 
fato providencial, devendo a religião marcar profundamente a nova 
ordem constitucional. Eis suas palavras: 
"Planejado o primeiro Congresso Eucarístico Nacional para 1929 
crede, srs. ficasse procrastinado até então, sem algum desígnio 
supremo? 
. . .Dentro em poucos meses, vamos homologar a carta magna da 
2.* república. 
Um assomo espontâneo irreprimível do brio nacional fizera baquear 
o regime laicista, ateísta, professado na lei básica da 1.' república. 
Contra sua índole histórica, fora o país católico orientado por um 
grupo de positivistas estranhos às suas mais insofismáveis reali-
dades". 
E continua em seguida: 
"Quantos estremecem o Brasil e o querem pacificado, engrande-
cido, aprofundem o convencimento de que a sua restauração não 
poderá prescindir de Deus. As constituições dos povos são regidas 
por leis eternas". 21 
Na opinião de D. Cabral, portanto, deviam caminhar de mãos da-
das a restauração política e social do país com a Restauração 
católica. 
Finalmente, merece ainda destaque o discurso feito pelo arcebispo 
de Porto Alegre, em saudação ao interventor federal do Estado da 
Bahia, capitão Juracy Magalhães. D. João Becker, outro líder da 
Restauração Católica, fez também questão de destacar a impor-
tância da hora histórica, e a missão da Igreja de fundamentar com 
21. Primeiro Congresso Eucaristico Nacional Brasileiro, Bahia, 3 
a 10 de setembro de 1933, Bahia, 1936, 119-121. 
71 
os princípios cristãos a nova ordem a serimplantada no país. 
Segundo o arcebispo, somente a fé católica poderia consolidar o 
novo regime, evitando a desagregação e o perigo da anarquia. 
Eis as afirmações do prelado de Porto Alegre: 
"Vós, Sr. Interventor Federal, compreendeis a alta significação na-
cional e patriótica deste Congresso Eucarístico, que projeta novas 
luzes e inspira novas energias ao povo brasileiro. Seus efeitos, 
sem dúvida, manifestar-se-ão vantajosamente na angustiosa situa-
ção social que atravessamos. 
Na crepitação de ideais políticos e de interesses de classes, sente-se 
uma ânsia de reformas, quer na ordem econômica e social, quer 
na ordem moral e política. Observa-se, sem dificuldade, luna 
verdadeira crise do espírito humano . . . 
Ninguém ignora que a estrutura do Estado se acha gravemente 
desarticulada nas suas instituições basilares. 
De um lado, a autoridade estatal não goza do necessário prestígio 
e do outro, a consciência cívica está profundamente anarquizada. 
Em nova estruturação política da nossa Pátria é mister que a 
Igreja ofereça à legítima autoridade governamental apoio eficaz 
e oriente a consciência dos cidadãos. 
Ora, nós vemos os princípios fundamentais da estatologia ou 
teoria do Estado, com suma clareza e grande esplendor, nos ensi-
namentos de Cristo que a Igreja nos transmite". 
Não faltavam vozes que denunciavam., uma verdadeira tentativa de 
clericalização da política brasileira. Ò arcebispo faz questão, por-
tanto, de esclarecer a posição da Igreja diante do Estado: 
"Bem sabeis que o episcopado brasileiro não aspira ao domínio 
temporal do nosso país: contudo, ele tem o sagrado dever de 
indicar ao Estado brasileiro aquele fundamento sem o qual não 
lhe é possível prosperar nem subsistir. Por isso, ele cumpre o 
dever cívico e religioso, para o bem da nação, de orientar os fiéis 
na presente confusão de idéias, neste mar agitado que ameaça 
submergir a civilização brasileira, realizada através de quatro 
séculos de constantes trabalhos e pesados sacrifícios pelo episco-
pado nacional. A nossa atitude atual é a de sempre. 
E, se me fora permitido, eu diria nesta hora solene: brasileiros 
bons e destemidos, desde o norte ao sul, de pé, pela grandeza e 
prosperidade de nossa gloriosa e estremecida pátria". 22 
22. Primeiro Congresso Eucaristico Nacional Brasileiro, Bahia, 3 
a 10 de setembro de 1933, Bahia, 1936, 256-257. 
72 
o arcebispo de Porto Alegre, o primeiro a enfatizar a oportunidade 
oferecida pela Revolução de 1930 para que implantasse no país 
uma nova ordem constitucional de inspiração católica, publicou 
ainda nesse ano de 1933 uma carta pastoral Sobre o novo Estado 
brasileiro, reforçando as idéias já expressas anteriormente. 
EXORTAÇÃO DO ARCEBISPO DE S. PAULO: 
1 0 DE DEZEMBRO DE 1933 
o arcebispo de São Paulo, D. Duarte Leopoldo e Silva, teve pouca 
participação nesse movimento de reafirmação católica diante da 
Revolução de 1930. O fato, aliás, é claramente explicável, tendo 
em vista que o movimento revolucionário tinha entre as finahdades 
principais a de desfazer a hegemonia política e econômica de São 
Paulo no contexto brasileiro. Daí o silêncio de D. Duarte diante 
da nova situação política. Aliás, como já fizemos notar anterior-
mente, o arcebispo paulista fora sempre voa. dos defensores da 
reclusão da Igreja dentro de sua esfera tipicamente religiosa e 
espiritual. 
Não obstante, ele aceitava mna participação política dos católicos 
desde que destinada a defender os interesses da Igreja. É esta a 
tônica da declaração do arcebispo aos Congregados Marianos a 10 
de dezembro de 1933. 
Eis um trecho significativo dessa exortação: 
"Finalmente lembrar-se-á à generosa mocídade paulista que as 
Congregações absolutamente não se ocupam de política. Devem 
entretanto, os nossos marianos, como aliás todo bom católico, quan-
do e como o exigirem as circunstâncias, arregimentar-se para defe-
sa exclusiva dos magnos e supremos interesses da Igreja. Fiéis a 
esse pensamento, só deverão aceitar a orientação que, nesse senti-
do, lhes seja dada pelos chefes da Igreja, e nunca pelos chefes de 
partidos, quaisquer que sejam", 
Ê interessante notar aqui, com um exemplo prático, como essa 
declarada abstenção política se traduzia efetivamente na defesa da 
ordem tradicional, na manutenção do status quo, enfim, numa po-
sição política de caráter conservador. 
É o que se observa na colaboração dada pelos Congregados Ma-
rianos às autoridades políticas de São Paulo, para a manutenção 
da ordem. A revista Mensageiro do Coração de Jesus dá destaque 
ao assunto com este título: São Paulo: belo exemplo! 
23. Mensageiro do Coração de Jesus, Rio, 1934, fev., 124. 
73 
Eis o teor da notícia dada pelos jesuítas: 
"O governo de São Pavão, tendo ciência de que indivíduos suspeitos 
fundam agremiações secretas que ameaçam a boa marcha do 
governo e a ordem social religiosa, tomou a prudente resolução de 
apelar para a Federação das Congregações Marianas, pedindo-lhe 
a cooperação na repressão aos elementos indesejáveis que tentam 
perturbar a ordem e prejudicar a adolescência com os seus planos 
nefastos. O ato que o governo paulista acaba de praticar é um 
belo exemplo e uma prova de patriotismo, que devem ser imitados 
pelos que governam, quando estiverem em idênticas condições, 
porque a religião é a única arma realmente eficaz para combater 
o mal. Não foi justamente por não terem meios em mão esta arma 
necessária, que tantos governos renimciaram à luta?". 
E o cronista acrescenta em seguida: 
"As Congregações Marianas são organizações de nobres jovens 
consagrados à Virgem Santíssima que lhes protege as almas de 
escol e de radiante perfeição. São organizações que educam os 
jovens na moral cristã e os ensinam a amar a Deus, a pátria, a 
fundar ma. lar dentro dos preceitos de Jesus e os guiam ao caminho 
onde as suas almas irão pairar, nas regiões da honra moral e 
beleza fecunda. Andou bem acertado portanto o governo paulista, 
substituindo a violência pela cooperação das Congregações Maria-
nas. Que todos o imitem". 2* 
Como se vê, a abstenção política se concretiza na prática mediante 
a defesa da ordem constituída. 
Os POSTULADOS CATÓLICOS: 16 DE FEVEREIRO DE 1934 
Desde a década precedente o cardeal Leme, que era então arcebispo 
coadjutor do Rio de Janeiro, vinha se debatendo para que o gover-
no republicano reconhecesse uma série de exigências da Igreja 
Católica. Mas a primeira tentativa feita em 1925 encontrou a opo-
sição do presidente Artur Bernardes. 
Após a Revolução de 1930 a hierarquia católica se sentia mais for-
talecida em sua posição, e a própria perspectiva da mudança da 
Constituição oferecia uma nova oportimidade para a Igreja. 
Desse modo, a 16 de fevereiro de 1934 a Cúria Metropolitana do 
Rio de Janeiro, por ordem do cardeal Leme, publica a lista dos 
postulados católicos para a nova Constituição republicana. 
24. Mensageiro do Coração de Jesus, 1932, agosto, 503-504. 
74 
Nas pregações quaresmais, os sacerdotes deviam tornar conhecidas 
aos fiéis essas reivindicações da Igreja. Eis o teor do comu-
nicado : 
"Em aditamento ao aviso da Cúria Metropolitana sobre as prega-
ções quaresmais, de ordem de S. Eminência o Sr. Cardeal Arcebispo 
foram enviados na íntegra a todos os pregadores, os postulados 
religiosos que pleiteamos para a futura Constituição política do 
Brasil. Pela prece diante de Deus, e com a sua influência perante 
os homens, devem todos os católicos contribuir para o triunfo 
completo destes postulados. 
1.° Promulgação da Constituição em nome de Deus. 
2° Defesa da indissolubilidade do laço matrimonial, com a assis-
tência às famílias nimierosas e reconhecimento dos efeitos 
civis ao casamento religioso. 
3. ° Incorporação legal do ensino religioso, facultativo nos progra-
mas das escolas públicas primárias, secundárias e normais da 
União, do Estado e dos municípios. 
4. ° Regulamentação da assistência religiosa facultativa às classes 
armadas, prisões, hospitais etc. 
5. ° Liberdade de sindicalização, de modo queos sindicatos católi-
cos, legalmente organizados, tenham as mesmas garantias dos 
sindicatos neutros. 
6. ° Reconhecimento do serviço eclesiástico de assistência espiritual 
às forças armadas e às populações civis, como equivalente ao 
serviço militar. 
7. ° Decretação de legislação do trabalho inspirada nos preceitos 
da justiça social e nos princípios da ordem cristã. 
8. ° Defesa dos direitos e deveres da propriedade individual. 
9. " Decretação da lei de garantia da ordem social contra quaisquer 
atividades subversivas, respeitadas as exigências das legítimas 
liberdades políticas e civis. 
10.° Combate a toda e qualquer legislação que contrarie, expressa 
ou implicitamente, os princípios fimdamentais da doutrina ca-
tólica". 2» 
Como se pode observar pelo entmciado desses postulados, não se 
tratava simplesmente de imaa luta pela livre expressão da fé, mas 
uma parte importante dessas reivindicações católicas visavam 
ainda garantir à Igreja imia situação de privilégio, em vista de 
ser a religião católica adotada pela maioria da população. 
25. Mensageiro do Coração de Jesus, 1934, abril, 253. 
75 
Essas reivindicações católicas foram plenamente atendidas pelos 
membros da Assembléia Constittiinte, e integradas na Constituição 
de 16 de julho de 1934. 
CONCLUSÃO 
Da análise da posição da Igreja frente à Revolução de 1930, emer-
gem alguns aspectos que merecem ser ressaltados na conclusão 
deste estudo. 
Duas idéias básicas dominam o pensamento da hierarquia católica. 
A primeira, mais vinculada à realidade brasileira, era a da Restau-
ração Católica do país, superando a fase da primeira República, 
considerada liberal e positivista. A segunda de caráter mais xmiver-
salista, era a da reafirmação da presença da Igreja Católica no 
mundo, mediante a doutrina da realeza de Cristo. Essas duas 
idéias são convergentes e complementares entre si. 
1. A característica que mais se evidencia nessa fase histórica é 
a pressão do episcopado brasileiro junto ao Governo para exigir 
mna série de reivindicações católicas. Essas exigências visavam 
em última análise a reconquista de privilégios que a Igreja Cató-
lica havia perdido com a proclamação da República. 
2. A primeira Constituição republicana, promulgada em 1891, 
dava liberdade de culto às diversas coiifissões religiosas, mas tira-
va da Igreja Católica os privilégios auferidos durante a época 
colonial e Imperial como religião oficial do Estado. Por essa razão, 
perdurou sempre na hierarquia católica, uma hostilidade latente, 
e algumas vezes manifesta, para com o regime republicano brasi-
leiro. 
3. Convém ressaltar que a hierarquia eclesiástica não hostilizava 
a República Velha por sua estrutura política ou social, mas sim-
plesmente pela organização jurídica que eliminara a posição privi-
legiada que a religião católica ocupava na época imperial. A Igre-
ja Católica não reclamava contra possíveis injustiças de ordem 
econômica e social, mas simplesmente contra o caráter laicista da 
primeira Constitmção republicana. 
4. A reaproximação entre Igreja e Estado na década de 20 teve 
como motivo primordial o medo de possíveis revoluções socialistas 
de caráter materialista ateu, e de nenhimi modo implicava na acei-
tação pacífica da Constitmção de 1891. Pelo contrário, mediante 
seu compromisso de defender a ordem constituída, a hierarqma 
católica esperava que os homens de governo passassem a fazer 
maa interpretação menos rígida dos decretos de separação entre 
76 
Igreja e Estado, possibilitando assim maior influência da Igreja 
na área da família e da escola. 
5. Com a queda da Primeira República, desaparecia também a 
vigência da Constituição de 1891. Não tendo a revolução de Vargas 
um cunho socialista ou comianista, a hierarquia católica julgou 
chegada a hora de criar no Brasil uma nova ordem jurídica, em 
base aos princípios cristãos. 
Os principais membros da hierarquia eclesiástica que assimiiram 
posição diante da Revolução de 1930 foram o cardeal Leme, do Rio 
de Janeiro; o arcebispo D. João Becker, de Porto Alegre; o arce-
bispo D. Augusto Álvaro da Silva, primaz da Bahia; o arcebispo D. 
Antônio Cabral, de Belo Horizonte. Deve ser recordada também 
a atuação de D. Aquino Correia, arcebispo de Cuiabá, autor do 
Hino do Congresso Eucarístico de 1933, que publicou nesse mesmo 
ano uma carta pastoral sobre a nova situação política. 
6. Convém destacar também que a tônica dada pelo episcopado 
em seus pronunciamentos é colocar a salvação da pátria na reli-
gião. A insistência do episcopado é numa linha tipicamente espiri-
tualista : Cristo-é o rei e o salvador do Brasil; a salvação da pátria 
está na religião católica; Maria é a Mãe e salvadora do Brasil; é 
necessário que os governantes do país tenham fé e acatem a reli-
gião; é necessário que a legislação brasileira expresse a fé católica 
do povo. 
7. Embora a hierarquia eclesiástica afirme repetidamente que a 
Igreja Católica não assimie posição partidária, de forma mais ou 
menos inconsciente os bispos mantêm uma posição política bem 
definida, isto é, declaram-se firmes defensores da ordem estabele-
cida. Segundo eles, qualquer tentativa de mudança social provinda 
das bases populares teria origem comunista ou bolchevista, e seria 
marcada pela mentalidade ateísta. 
8. Na mente dos bispos, o conceito de pátria está vinculado ao 
conceito de ordem hierárquica, de poder estabelecido. Como na 
época dominava uma definição de Igreja acentuadamente hierárqui-
ca, os bispos transferiam facilmente essa idéia para o juízo sobre 
o sentido de pátria e nacionalidade. Segundo eles, somente uma 
sociedade civil com um governo estável e forte, com poder e auto-
ridade bem definida, poderia garantir à Igreja a realização de sua 
missão espiritual. 
9. A doutrina da realeza de Cristo, que o episcopado brasileiro 
assume plenamente sob a orientação da Santa Sé, contribuiu para 
uma visão distorcida da realidade histórica brasileira. Criou-se 
assim a idealização de ma. período monárquico de glória para a 
Igreja, mediante a oficialização da religião, e de uma etapa republi-
cana hostil à Igreja, pela separação entre Igreja e Estado. Na rea-
77 
lidade, a história mostra justamente o contrário: durante o período 
imperial a Igreja tinha pouca força política, religiosa e social, sufo-
cada pelo regime de Padroado, passando a adquirir nova vitalidade 
com a liberdade outorgada pela República. 
10. Também outros acontecimentos de ordem internacional 
contribuíram para o fortalecimento da posição conservadora da 
Igreja do Brasil: a revolução russa de 1917 e a expansão do comu-
nismo internacional; a revolução espanhola e a queda da monarquia 
em 1931; e a perseguição católica no México sob o poder de Calles 
de 1926 em diante. A partir dos anos 20, as publicações católicas 
do Brasil passam a dar destaque às perseguições sofridas pela 
Igreja nesses países, e a alertar contra o avanço das idéias socialis-
tas e comunistas no Brasil. 
11. Como resultado de uma visão unilateral da realidade brasilei-
ra, a Igreja buscou um acordo com o Estado: o Estado se empe-
nharia em garantir para a Igreja tuna situação privilegiada no 
país, e a hierarquia católica se comprometeria a defender a estabi-
lidade do poder constituído. A colaboração visava a manutenção 
da ordem social, contra qualquer tentativa de mudança revolucio-
nária. 
Desse modo o período de Restauração Católica, implantada a partir 
dos anos 20, consolidou-se com a Revolução de 30 e a promulgação 
da Constituição de 34. Esse período durou efetivamente até o 
fim da década de 50. 
12. A partir dos anos 60, a Igreja do Brasil entrou em uma nova 
fase: a Renovação Católica. Seus fimdamentos básicos foram o 
Concilio Vaticano II e as encíclicas sobiais de João XXIII e Paulo 
VI. O Concilio criou vim novo conceito de Igreja, como assembléia 
de todo o povo de Deiis e os pontífices romanos passeiram a orien-
tar à Igreja Católica para uma maior solidariedade com os povos 
oprimidos e com as classes marginalizadas pela estruturaeconô-
mica e social. Desde o início da década de 60, uma parte significa-
tiva do episcopado brasileiro passou a aderir convictamente a essa 
nova visão eclesiológica. 
78

Continue navegando