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PRINCÍPIOS JURÍDICOS NAS ORGANIZAÇÕES E-book 1 Natália Bonfim Neste E-Book: Introdução ����������������������������������������������������4 Norma jurídica �������������������������������������������� 6 Conceito ��������������������������������������������������������������������6 Características ���������������������������������������������������������8 Classificação ��������������������������������������������������������� 10 Validade, vigência, vigor e eficácia ���������������������� 11 Fontes ���������������������������������������������������������� 14 Fontes imediatas ou primárias ���������������������������� 14 Fontes mediatas ou secundárias ������������������������� 15 Hermenêutica (interpretação) jurídica ����������������������������������������������������������17 Métodos hermenêuticos �������������������������������������� 18 Tipos de hermenêutica jurídica ���������������������������� 23 Integração do direito ������������������������������ 25 Ordenamento jurídico ����������������������������28 Fatos e atos jurídicos ������������������������������30 Fato jurídico em sentido amplo (lato sensu) ������ 30 Fato jurídico em sentido estrito (stricto sensu) �� 34 Ato jurídico em sentido amplo e ato ilícito ���������� 34 2 Ato-fato jurídico ����������������������������������������������������� 37 Relação jurídica ����������������������������������������38 Considerações finais������������������������������ 40 Síntese ���������������������������������������������������������42 3 INTRODUÇÃO A vida em sociedade impõe que os homens convi- vam em paz e harmonia. Para isso, é necessário que exista um sistema que limite os comportamentos individuais, de modo que os homens se adaptem aos padrões de convivência coletiva� Esse sistema é o Direito� É o Direito que irá criar as bases para garantir a esta- bilidade na vida em sociedade. É ele que irá assegurar a paz, a harmonia, a ordem, a segurança e a justiça. Porém, o Direito, sozinho, não é capaz de gerar o bem-estar social. É necessário que os homens quei- ram viver bem em sociedade, e daí decorrem as leis: da vontade humana de alcançar o bem comum. Nesta disciplina, você irá aprender os pressupostos básicos que orientam a aplicação do Direito na vida em sociedade. Você aprenderá dos conceitos básicos do Direito aos métodos de interpretação da lei, como as regras jurídicas se estruturam e se distribuem no ordenamento jurídico, e como se desenrolam as relações jurídicas. Esses conceitos são importantes para que você, en- quanto cidadão, possa cumprir com suas obrigações e reivindicar seus direitos e para que, enquanto pro- fissional, você desempenhe suas atividades dentro da sua organização, atendendo à lei e ao Direito. 4 Nesta unidade, você irá estudar: • Normas jurídicas: conceito, características, classi- ficação e seus elementos qualitativos; • Fontes do Direito: as origens do Direito; • Hermenêutica jurídica: como interpretar e preen- cher lacunas do Direito; • Ordenamento jurídico: como as normas se estru- turam e se distribuem no sistema jurídico; • Fatos e atos jurídicos: os acontecimentos, naturais e humanos, que geram as relações jurídicas; • Relação jurídica: como se formam as relações sociais que visam fins jurídicos. Vamos começar? Bons estudos! 5 NORMA JURÍDICA Conceito Uma das primeiras questões que se colocam quando estudamos o direito é quanto ao conceito de norma (ou regra) jurídica. Afinal, norma jurídica significa o mesmo que direito? A resposta para essa pergunta é: não. O direito é uma forma de se estruturar a so- ciedade, enquanto a norma é o veículo por meio do qual o direito é transmitido à sociedade. Para a promoção da ordem social, o direito deve se revelar pelas normas que orientam as relações indivi- duais. Não basta que os homens estejam dispostos à prática da justiça; é necessário que a fórmula da justiça lhes seja indicada. Nesse contexto, a norma jurídica é a conduta exigida pelo Estado, que escla- rece ao agente como e quando agir (NADER, 2017, p� 83)� Também há diferença entre norma jurídica e lei. A lei é apenas um dos meios pelo qual a norma jurídica se expressa. A norma pode se expressar de vários modos, como por decretos, medidas provisórias, e até mesmo pelas decisões proferidas pelos Tribunais, a chamada jurisprudência� Outra distinção deve ser feita entre os conceitos de norma jurídica e instituto jurídico� Instituto jurídico é um conjunto de normas jurídicas que disciplinam 6 um determinado interesse, como o instituto do casa- mento, o instituto do contrato, o instituto da adoção. O conjunto de institutos jurídicos afins forma um ramo do direito (por exemplo, os três institutos cita- dos – casamento, contrato e adoção – formam, ao lado de vários outros institutos, o ramo do Direito Civil)� E o conjunto dos ramos do direito forma a ordem jurídica� Relembre que a norma jurídica é aquela emanada pelo Estado, isto é, aquela que vem do Estado, que impõe que o sujeito aja de determinada maneira� Mas, e se o sujeito agir de maneira diversa daquela imposta pelo Estado, ele será penalizado? Antes de respondermos a esta pergunta, devemos estudar a estrutura da norma jurídica� Para Hans Kelsen (1999, passim), jurista e filósofo austríaco, cuja obra Teoria Pura do Direito foi um divisor de águas no estudo da teoria do direito, a norma jurídica divide-se em duas partes: a “norma primária” e a “norma secundária”. A “norma primária” define o dever jurídico do agente frente a uma situação de fato, como a obrigação dos pais em prover o sustento de seus filhos menores. Ou seja, os agentes que têm filhos menores (situação de fato) têm a obrigação (o dever) de sustentar os seus filhos. A “norma secundária” é aquela que estabelece uma sanção para o caso de descumprimento do dever jurídico. Então, usando o mesmo exemplo acima, os 7 pais que não sustentam seus filhos menores devem sofrer uma penalidade, uma sanção. Deste modo, para Kelsen, a ordem jurídica expressa um “dever-ser”: se uma determinada conduta con- trária a uma situação de fato for constatada, deverá ser aplicada uma sanção. Daí, já se percebe que a norma jurídica não se expres- sa apenas pela lei, ela pode se expressar em uma situação de fato, como quando o guarda de trânsito utiliza o apito para determinar que o motorista pare o carro. Se ele não parar o carro, estará sujeito a uma sanção. E se ele parar o carro não estará su- jeito à sanção. O ato de utilizar o apito para conter o comportamento dos motoristas é uma forma de expressão das normas jurídicas que disciplinam o trânsito. Características Pela lição de Kelsen, a sanção se integra na norma jurídica, oferecendo ao agente duas alternativas: ado- tar a conduta nela prevista ou sujeitar-se à aplicação de uma sanção. No entanto, há normas que não definem comporta- mentos a serem seguidos, como a norma do art� 18, §1° da Constituição Federal, que dispõe que “Brasília é a Capital Federal”; ou a norma do art. 1° do Código Civil, que dispõe que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. 8 Assim, o que efetivamente caracteriza a norma jurí- dica de qualquer espécie é justamente o fato de ela enunciar uma forma de organização ou conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória (REALE, 2001, p� 95)� Essa é a sua característica pri- mordial. Suas demais características são: a) Bilateralidade: a norma jurídica é sempre com- posta por dois sujeitos: o ativo e passivo. O sujeito ativo é aquele que tem o poder de impor o dever à outra; o sujeito passivo, por sua vez, é aquele que tem o dever de cumprir com a obrigação; b) Generalidade: significa que a norma jurídica é obrigatória para todos que se encontrem em igual situação jurídica. É da generalidade que vem o princí- pio da igualdade (ou da isonomia), previsto no art� 5° da Constituição Federal, pelo qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza […]”;c) Abstratividade: a norma jurídica é abstrata, isto é, ela alcança o maior número possível de situações, mas sem analisar caso a caso especificamente, o que nem seria possível dado o enorme número de situações variadas que ocorrem na vida cotidiana; d) Imperatividade: a norma jurídica é imperativa, obri- gatória, devendo ser observada por toda a sociedade; e) Coercibilidade: significa a possibilidade de uso da coação, ou seja, o direito pode usar a força para obrigar o agente a cumprir a determinação contida na norma jurídica, como por exemplo, quando determina a penhora dos bens do devedor. 9 Classificação Os juristas classificam as normas jurídicas em vários tipos; não há uma classificação mais ou menos cor- reta que outra� Seguindo os critérios utilizados por MASCARO (2012, p. 86), as normas jurídicas podem ser: a) Primárias ou secundárias: é a classificação de Kelsen, que já estudamos acima, pela qual as normas primárias imputam sanção a algum fato, enquanto as normas secundárias não imputam sanções; b) Normas de conduta e normas de competência: as normas de conduta tratam de atos que geram conse- quências sancionáveis. As normas de competência distribuem poderes e atribuições; c) Normas autônomas e dependentes: as normas autônomas são aquelas que têm seu sentido comple- to. As normas dependentes são aquelas que depen- dem de outras normas para completar o seu sentido; d) Normas gerais e individuais: as normas gerais são aquelas que tratam de casos hipotéticos, am- plamente normatizados. As normas individuais são aquelas, quase sempre expressas nas sentenças proferidas em processos e nas normas de pequeno alcance necessárias à administração do Estado; e) Temporárias e permanentes: normas temporárias são aquelas normas que o direito expressamente determina como tais, por exemplo, uma norma que terá validade durante estado de calamidade pública. As normas permanentes são aquelas normas que 10 começam a produzir efeitos desde que são promul- gadas e terão vigência contínua; f) Internacionais, nacionais, estaduais ou municipais; g) Cogentes ou dispositivas: cogentes são as nor- mas que são obrigatórias a todos, como as regras de Direito Penal. Dispositivas são as normas que dão margem de liberdade aos sujeitos, como as regras que se referem a contratos, pois possibilitam que as partes negociem as cláusulas contratuais. Validade, vigência, vigor e eficácia Quando estudamos as normas jurídicas, devemos estudar as suas qualidades, os atributos que as si- tuam no ordenamento jurídico. Esses atributos são a validade, a vigência, o vigor e a eficácia. A validade é o atributo que diz se uma norma é legal ou ilegal, constitucional ou inconstitucional� Hans Kelsen defende que há um escalonamento de normas no direito, sendo que uma norma inferior encontra seu fundamento de validade na norma su- perior, e assim por diante, até chegar à Constituição, que é o fundamento de validade de todo o sistema infraconstitucional� Logo, para saber se uma norma é válida, ela deve ser relacionada com outras normas que estão aci- ma dela, até chegar à Constituição. São as normas 11 superiores que irão demonstrar que a norma inferior está de acordo com as suas determinações. Mas não só: para uma norma ser considerada válida, ela também precisa ter sido elaborada de acordo com os procedimentos previstos em outras normas� Por exemplo, a Constituição Federal proíbe a criação de lei que autorize a tortura� Se uma norma nesse sentido for criada, ela não será considerada válida. A vigência é um atributo temporal, e se refere ao mo- mento em que a norma começa a produzir efeitos. Quando uma norma é promulgada, ela já é consi- derada válida, mas não começa a produzir os seus efeitos imediatamente, isto é: seus comandos ainda não são de observância obrigatória. O período compreendido entre a promulgação da norma e o momento em que ela começa a produzir efeitos é chamado de vacatio legis� Durante esse período, a norma já é válida, mas ainda não é vigente. Geralmente, a própria norma estipula sua vacatio le- gis� Por exemplo, a Lei n° 10�406/2002, que instituiu o Código Civil, estipulou em seu art. 2.044 que o Código entraria em vigor um ano após a sua publicação no Diário Oficial. Destaque-se que o art. 1° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) dispõe que, se a norma não indicar qual é o prazo de vacatio legis, “a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. 12 O atributo que não se confunde com a vigência é o vigor� Uma norma que foi revogada perdeu sua vali- dade e vigência, mas não necessariamente perdeu o seu vigor. Por exemplo, o Código Civil de 1916 foi revogado, mas ainda pode regular algumas situações que ocorreram enquanto ele estava em vigor� Por fim, a eficácia é o atributo que corresponde à verificação dos efeitos sociais da norma. Para que uma norma seja eficaz, é necessário que ela seja observada socialmente. A lei que institui um progra- ma nacional de combate a determinado mal e que, posta em execução, não resolve o problema, carece de eficácia (NADER, 2017, p. 93). 13 FONTES Na língua portuguesa, a palavra “fonte” é empregada para indicar a nascente da água. No direito, o termo é utilizado de maneira semelhante: significa a origem, a causa das normas e institutos jurídicos� A doutrina classifica as fontes do direito em fontes imediatas (ou primárias) ou mediatas (ou secundárias). As fontes imediatas são aquelas que possuem força suficiente para gerar a regra jurídica, enquanto as fontes mediatas são aquelas que esclarecem o es- pírito dos aplicadores das leis (VENOSA, 2019, p� 9)� Fontes imediatas ou primárias As fontes imediatas são, por excelência, a lei e o costu- me. Vamos analisar cada uma dessas espécies a seguir: a) Lei: é uma regra geral que se dirige a um número indeterminado de indivíduos. Ela é abstrata, aplicando- -se a um variado número de situações, e permanente, pois sua vigência é contínua, deixando de ser aplicada apenas quando for revogada ou quando deixar de ser obrigatória (no caso das leis temporárias). Em nosso Direito, a lei deve ser escrita e, em geral, obrigada a todos. A sanção é o elemento que obriga o indivíduo a fazer o que a lei determina� Por fim, a lei deve emanar de um poder competente, isto é, deve ser elaborada pela autoridade indicada pelo Estado. Pelo princípio da separação dos pode- 14 res previsto no art. 2° da Constituição Federal, em regra, cabe ao Poder Legislativo promulgar leis, mas o Poder Executivo e o Poder Judiciário podem editá- -las em situações específicas. b) Costume: é a prática reiterada de hábitos que, ao longo do tempo, se torna obrigatório. O costume nasce da sociedade, pois é a repetição de condutas lícitas, que passam a ser aceitas e consideradas obri- gatórias. Quando esse uso é aceito pelos Tribunais, ele é reconhecido como um costume. Não se esque- ça de que a lei é suprema, portanto, o costume não pode ser contrário a ela. Fontes mediatas ou secundárias As fontes mediatas do Direito, aquelas que esclare- cem o espírito do aplicador da lei, são: a) Doutrina: é o trabalho dos juristas, estudiosos e pes- quisadores do Direito, que inspira os aplicadores da lei� Alguns autores, como Miguel Reale, entendem que a doutrina não pode ser considerada uma fonte do Direito, pois ela não se desenvolve dentro de uma “estrutura de poder”, ou seja, ela não prescreve es- truturas normativas que, com caráter obrigatório, disciplinam as relações sociais. No entanto, não se pode negar a importância da doutrina para o Direito, pois é a partir dela que são criadas novas teorias jurídicas, que institutos são reavaliados, que reformas são propostas. 15 b) Jurisprudência: a jurisprudência é um conjunto de decisões proferidas pelos Tribunais. A jurisprudência não se forma com apenas uma, duas ou três decisões; são necessárias várias decisões que tratemde questões semelhantes, por exemplo, a jurisprudência do STJ sobre contratos ou a jurispru- dência do STF sobre prisão em segunda instância. Observe que a jurisprudência não tem força obrigató- ria, mas é claro que decisões proferidas reiteradamen- te pelos Tribunais em casos semelhantes são capazes de influenciar o pensamento dos aplicadores da lei. c) Analogia: é uma técnica utilizada para preencher as lacunas da lei, pela qual o juiz estende a um caso con- creto a norma jurídica aplicada a outro caso semelhante� d) Princípios gerais de Direito: são regras básicas que direcionam o aplicador da lei. São pressupostos básicos, inspirados pelo ideal de Justiça, que orien- tam a aplicação das normas jurídicas. e) Equidade: é o recurso que o juiz utiliza para apli- car a norma jurídica de maneira mais justa� É uma maneira de o juiz adequar a norma às particularida- des do caso concreto� SAIBA MAIS Para saber mais sobre as fontes do Direi- to, assista a esse vídeo do Professor Silvio de Salvo Venosa: https://www.youtube.com/ watch?v=6fA9Ufe4yH0� 16 HERMENÊUTICA (INTERPRETAÇÃO) JURÍDICA Vamos agora entrar no campo da hermenêutica ju- rídica� A palavra hermenêutica vem de Hermes, o deus da mitologia grega chamado de intérprete ou mensageiro� Assim, a hermenêutica é a ciência que estuda a interpretação. Mas o que significa interpretar? Interpretar significa encontrar o sentido e o alcance das palavras e, para isso, o intérprete analisa vários elementos e utiliza conhecimentos científicos e técnicos, de forma a encontrar a verdadeira mensagem que elas querem passar� A hermenêutica jurídica, por sua vez, é a ciência que busca interpretar o Direito, revelando seu sentido e fi- xando o alcance das normas jurídicas� Fixar o sentido de uma norma jurídica é descobrir a sua finalidade, quais são os valores que o legislador quis proteger. Fixar o alcance é demarcar o campo de incidência da norma jurídica; é conhecer sobre que fatos so- ciais e em que circunstâncias a norma jurídica tem aplicação (NADER, 2017, p. 263). Interpretar o Direito é descobrir o sentido das normas jurídicas para aplicá-lo a relações sociais e estabe- lecer regras para a convivência em sociedade� Mas, observe: a hermenêutica jurídica não interpreta ape- 17 nas a lei; ela também se ocupa de interpretar os fatos sociais e seu objetivo é o de fornecer ao intérprete os parâmetros para a solução de casos concretos. Assim sendo, o juiz, antes de decidir um caso con- creto, ou seja, antes de proferir uma sentença, deve interpretar o Direito, para chegar ao verdadeiro senti- do e alcance das normas jurídicas a serem aplicáveis para resolver aquele caso. Você, enquanto cidadão, precisa conhecer e interpretar o Direito para reivin- dicar seus direitos e cumprir com suas obrigações. Um empresário precisa conhecer o Direito para ad- ministrar seus negócios de acordo com a lei. Note a grande importância da hermenêutica jurídica: é preciso que todos conheçam as leis e as respei- tem, para que assim os indivíduos convivam pacifi- camente em sociedade e sejam garantidas a ordem, a segurança e a justiça. Métodos hermenêuticos Agora que você já entendeu o conceito e o objeto da hermenêutica jurídica, vamos estudar os métodos de interpretação do Direito. Uma das perguntas mais feitas sobre interpretação do Direito diz respeito ao sentido da lei: a hermenêu- tica jurídica busca a vontade da lei ou a vontade do legislador? O intérprete deve procurar saber qual foi o objetivo do legislador ao elaborar a lei ou ele deve buscar qual foi o pensamento da lei? 18 O primeiro movimento que se propôs a debater essa questão foi a Escola Histórica, representada por Carl von Savigny, no início do século 19 (MASCARO, 2019, p� 51)� Em um primeiro momento, Savigny defendia que a hermenêutica jurídica deveria se fixar apenas no que a lei dizia em sua literalidade� Em um segundo momento, mais importante, ele dizia que a lei deve traduzir o espírito do povo� Para ele, as leis nascem de acordo com as necessi- dades da sociedade e seu significado vai mudando à medida que a sociedade se modifica. Desse modo, as normas jurídicas deveriam ser interpretadas de acordo com os anseios do povo em um determinado momento histórico. Ao longo do século 19 e início do século 20, várias correntes e escolas estudaram a hermenêutica ju- rídica, mas foi Hans Kelsen, com sua obra Teoria Pura do Direito, que a interpretação jurídica atingiu seu ponto mais alto� Kelsen propôs diferenciar a in- terpretação da norma em dois tipos: a interpretação autêntica e a interpretação doutrinária. A interpretação autêntica é aquela feita por quem tem o poder de aplicar a norma. Então, o juiz, quando profere uma sentença em um caso, está interpre- tando a norma jurídica, que deve ser seguida pelas partes do processo. Não se discute aqui se a inter- pretação é certa ou errada, boa ou ruim; o que se quer dizer é que o órgão (o juiz) tem competência 19 formal (o poder) de interpretar e aplicar a norma no caso concreto� A interpretação doutrinária é aquela feita por quem não tem o poder de aplicar a norma, como o profes- sor de direito, quando explica uma norma jurídica a seus alunos; o juiz de direito, quando escreve um livro sobre determinado assunto; um pesquisador, quando escreve um artigo jurídico� Esses são casos de interpretação doutrinária, pois essas pessoas não têm o poder de aplicar a norma ao caso concreto, eles apenas emitem sua opinião sobre determinada norma jurídica. Só quem tem o poder de aplicar o direito ao caso concreto e impor que ele seja observado é o órgão competente, na interpretação autêntica. Tendo em vista a existência de várias teorias her- menêuticas que tentam explicar a ciência da inter- pretação jurídica, o mundo jurídico criou técnicas e ferramentas para buscar controlar a hermenêuti- ca jurídica. As ferramentas para interpretar são os métodos hermenêuticos; os tipos de hermenêutica jurídica dizem respeito aos resultados aos quais o intérprete pode chegar quando da interpretação da norma (MASCARO, 2019, p� 162)� Os métodos hermenêuticos se dividem em três ca- tegorias: a primeira se preocupa com a literalidade da lei, com o seu texto; a segunda se ocupa com o contexto da norma; e a terceira se preocupa com os objetivos da norma. Vamos analisar essas três categorias� 20 A primeira categoria de método hermenêutico se volta ao próprio texto da norma e divide-se em: a) Interpretação gramatical: é aquela que analisa o texto literal da norma. O intérprete deve buscar o significado das palavras para chegar ao sentido da norma; b) Interpretação lógica: é aquela que busca alcançar o sentido da norma por meio da utilização de princí- pios científicos da lógica (por exemplo, o princípio da contradição, que afirma que uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo); c) Interpretação sistemática: é aquela que relaciona a norma com as outras normas existentes no orde- namento jurídico (por exemplo, para interpretarmos uma norma do Código Civil, devemos analisar as demais normas que com ela se relacionam dentro daquele Código e até mesmo se ela é compatível com a Constituição Federal). A segunda categoria de método hermenêutico ana- lisa o contexto da norma, sua origem, o momento histórico em que ela foi criada, e divide-se em: a) Interpretação histórica: tem por objetivo escla- recer as circunstâncias históricas que levaram à elaboração da norma jurídica. Para tanto, o intérprete analisa os documentos que levaram à formação da norma, para entender quais eram as ideias e os pro- blemas do momento histórico em que essa norma surgiu; 21 b) Interpretação sociológica: é aquela que busca analisar, na sociedade, as causas que basearam a elaboração da norma, como os conflitos sociais, a cultura, a pressão política etc., atribuindo importância às circunstâncias histórico-sociais que deram origem àquela norma; e c) Interpretação evolutiva:é aquela que analisa se a lei ainda tem o mesmo sentido que o legislador quis lhe dar no momento histórico em que foi elaborada. Por exemplo, se o intérprete entender que hoje a norma analisada não se harmoniza com o sentido que lhe foi dada dez anos atrás, deve resolver a ques- tão de acordo com o tempo presente, e não com o tempo passado� A terceira categoria de método hermenêutico é aque- la que busca descobrir a finalidade da norma e divide- -se em interpretação teleológica e axiológica. A interpretação teleológica tem por base a regra de que a norma sempre tem um propósito, mas que nem sempre essa finalidade é clara e, portanto, o intérprete deve buscar quais são os fins sociais a que ela se destina. A interpretação axiológica é aquela que busca compreender quais são os valores que a norma pretende concretizar� Um exemplo de interpretação teleológica e axiológica é aquela contida no art. 5° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que dispõe que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. 22 As expressões “fins sociais” e “bem comum” são entendidas como sínteses éticas da vida em comu- nidade, logo, o intérprete deve encontrar nas consti- tuições, nas leis, nos decretos e em qualquer espécie normativa, o seu fim, que não pode ser antissocial e deve atentar para o bem comum, que é o fim da pró- pria vida em sociedade (FERRAZ JR�, 2018, p� 252)� Essa é uma interpretação teleológica, pois o intér- prete deve atender aos fins sociais da norma, e axio- lógica, pois o intérprete não pode descuidar do bem comum, que é o valor a ser concretizado por aquela norma� Tipos de hermenêutica jurídica Vamos analisar agora os tipos de hermenêutica ju- rídica. Como mencionamos brevemente, os tipos de hermenêutica jurídica são os resultados que o intérprete pode alcançar após interpretar a norma jurídica. São eles: a) Interpretação especificadora: é aquela que parte do pressuposto de que as palavras da norma expres- sam exatamente o sentido da lei� Por exemplo, quando o art. 155 do Código Penal diz que é furto “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”, há uma interpretação especificadora, pois o intérprete já sabe qual é o tipo penal previsto na lei. Não há dúvidas de que “subtrair, para si ou 23 para outrem, coisa alheia móvel” configura o crime de furto, pois a lei é clara nesse sentido� b) Interpretação restritiva: é aquela que limita o sen- tido da norma, pois supõe que sua amplitude preju- dica determinados direitos, ao invés de protegê-los� Por exemplo, o STF interpretou restritivamente o art� 102, inc. I, alíneas “b” e “c” da Constituição Federal, para limitar o foro por prerrogativa de função (o “foro privilegiado”) aos crimes praticados no cargo e em razão dele, afastando o entendimento de que o ins- tituto se aplicaria também aos crimes praticados antes da investidura no cargo e os que não guardam qualquer relação com o seu exercício. c) Interpretação extensiva: é aquela que amplia o sentido da norma, alcançando algumas situações que não estavam previstas nela. Por exemplo, o STF interpretou extensivamente o conceito de família previsto no §3° do art� 226 da Constituição Federal, para reconhecer a existência de união estável entre pessoas do mesmo sexo. De tudo que falamos até agora, note a importância da hermenêutica jurídica em nossas vidas: é por meio dela que podemos compreender o direito, que se pode estabelecer regras que todos obedeçam, que podemos entender como conviver em sociedade em paz e harmonia� 24 INTEGRAÇÃO DO DIREITO No direito brasileiro existe um princípio denominado vedação ao non liquet, pelo qual o juiz não pode dei- xar de julgar um caso por não saber como decidir. Quando falamos em integração do direito, falamos sobre o preenchimento de lacunas que existem na lei. Significa que, na hipótese de vazios na lei, devemos preencher esses espaços para que seja dada uma resposta jurídica a quem dela se socorre� De acordo com o art. 4° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Vamos analisar cada um desses elementos. Pela analogia, aplicamos a um caso não previsto pelo legislador a mesma solução aplicada a um caso semelhante, em igualdade de razões jurídicas� Logo, se não houver na lei uma norma que se aplique a de- terminado caso concreto, o intérprete poderá utilizar a analogia para preencher esse vazio� Por exemplo, quando se fala que um contrato é pa- recido com outro, e, portanto, as regras que limitam o poder de um deveriam também limitar o poder de outro, realiza-se uma analogia, tendo em vista alguma situação que pareça ser semelhante em ambos os casos (MASCARO, 2019, p� 145)� 25 Exemplo interessante de aplicação da analogia foi a decisão do STJ que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, fazendo incidir ao caso as normas legais que regem o relacionamento entre um homem e uma mulher que vivem em idêntica situa- ção. Para saber mais sobre esse caso, atente-se ao podcast Emprego da analogia no reconhecimento de união estável homossexual. Podcast 1 Como mencionamos anteriormente, quando do estu- do das fontes do direito, os costumes são os hábitos, as práticas reiteradas no tempo, de caráter lícito e obrigatório. Um exemplo de costume é o cheque pré- -datado, que não está previsto na lei, mas é aceito pelos Tribunais. Quanto aos princípios gerais de direito, inicialmente devemos entender o que são os princípios. Os prin- cípios são regras básicas cujo uso é consagrado no direito. Em comparação com as normas jurídicas, os princípios são mais amplos, abstratos, e, muitas vezes, estão definidos na Constituição Federal, como o princípio da igualdade, o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da liberdade. Dessa maneira, os princípios gerais de direito são regramentos básicos extraídos das normas jurídicas, dos costumes, da doutrina, da jurisprudência e tam- bém de aspectos políticos, econômicos e sociais, e que se aplicam a um determinado instituto ou ramo 26 jurídico, visando a auxiliar o aplicador do direito na busca da justiça e da pacificação social (TARTUCE, 2019, p� 32)� Conclui-se que, se a lei for omissa, isto é, se não houver uma norma jurídica que se aplique ao caso concreto, o juiz deverá preencher a lacuna existente por meio da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito, nesta ordem� SAIBA MAIS Para saber mais sobre a integração da norma jurídica, assista ao vídeo da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a matéria: https://www.youtu- be.com/watch?v=shVkb_OtzWk 27 ORDENAMENTO JURÍDICO Agora que você já sabe o que são as normas jurídi- cas, chegou o momento de aprender como elas se estruturam e se distribuem no sistema jurídico. Você já compreendeu que o Direito trata de normas jurídicas. No entanto, ele não é composto por ape- nas uma norma; ele é um conjunto que compreende as normas jurídicas, as fontes do Direito e aquelas regras elaboradas para preencher as lacunas. Esse conjunto de normas jurídicas agrupadas em uma ordem lógica compõe o ordenamento jurídico. Dessa maneira, o ordenamento jurídico não é ape- nas um sistema de leis; como ensina Miguel Reale (2001, p. 179): Mais certo será dizer que o ordenamento é o sistema de normas jurídicas in acto, compre- endendo as fontes de direito e todos os seus conteúdos e projeções: é, pois, o sistema das normas em sua concreta realização, abrangen- do tanto as regras explícitas como as elabo- radas para suprir as lacunas do sistema, bem como as que cobrem os claros deixados ao poder discricionário dos indivíduos (normas negociais). 28 Dentro do ordenamento jurídico, há vários elementos que coexistem: os institutos jurídicos, as categorias, as figuras, as instituições e os sistemas.Quando estudamos a norma jurídica, fizemos men- ção ao instituto jurídico – o conjunto de normas ju- rídicas que disciplinam um determinado interesse jurídico� Quando esse conjunto de normas se refere a uma estrutura social própria, com certa estabilidade para determinado fim e com regulamento próprio, fala-se em instituição, como a família, os sindicatos, a pro- priedade. Uma instituição pode se constituir como pessoa jurídica, como ocorre no Direito Privado com as sociedades empresárias e no Direito Público, com as autarquias� O termo “figura” indica as formas como o instituto jurídico pode se apresentar; por exemplo, a posse pode ser de boa ou má-fé. As normas, os institutos jurídicos, as categorias, as figuras e as instituições se ordenam em um sistema, como o sistema de Direito Civil, o sistema de Direito Penal� Em nosso Direito, portanto, o sistema é um sistema de leis, enquanto o ordenamento jurídico é o sistema geral, composto pelos sistemas de leis� Apesar de não serem sinônimos, muitas vezes, a ex- pressão sistema jurídico é utilizada como sinônimo de ordenamento jurídico� 29 FATOS E ATOS JURÍDICOS Fato jurídico em sentido amplo (lato sensu) Fato jurídico é todo acontecimento, natural ou huma- no, que gera, modifica, conserva ou extingue direitos e obrigações. Todos os acontecimentos, oriundos de fatos naturais ou da vontade humana, são fatos jurídicos por meio dos quais se iniciam e terminam as relações jurídicas e acarretam consequências de Direito previstas nas normas jurídicas� Os fatos jurídicos abrangem os acontecimentos na- turais (fatos jurídicos em sentido estrito), as ações humanas lícitas ou ilícitas (ato jurídico em sentido amplo e ato ilícito, respectivamente) e aqueles fatos nos quais há atuação humana, mas esta é desprovida de manifestação de vontade (ato-fato jurídico). Verifique o quadro esquemático elaborado pelo pro- fessor Flávio Tartuce (2019, p. 196): 30 FATO (qualquer ocorrência) + Direito Fato nãojurídico Fato jurídico lato sensu ou em sentido amplo Fato natural ou Fato jurídico stricto sensu (em sentido estrito) Ordinário Ex. Decurso do tempo - prescrição + Composição de interesses = NEGÓCIO JURÍDICO + Efeitos legais = ATO JURÍDICO STRICTO SENSU (sentido estrito) Extraordinário Ex. Catástrofe natural não esperada + Vontade Fato Humano ou Fato Jurígeno Ato Lícito Ato Jurídico lato sensu ou em sentido amplo Ato Ilicíto - Penal - Civil - Administrativo Figura 1: Classificação dos fatos e atos jurídicos. Fonte: Tartuce (2019, p. 196) 31 Mas o que significa gerar, modificar, conservar ou extinguir direitos e obrigações? Para responder a essa pergunta, o primeiro conceito que devemos analisar é de aquisição de direitos. A aquisição de direitos não está prevista no Código Civil de 2002, porém era prevista no Código Civil de 1916, em seu art. 74, que assim dispunha: Art. 74. Na aquisição dos direitos se observa- rão estas regras: I – adquirem-se os direitos mediante ato do adquirente ou por intermédio de outrem; II – pode uma pessoa adquiri-los para si, ou para terceiros; III – dizem-se atuais os direitos completamen- te adquiridos, e futuros os cuja aquisição não se acabou de operar. Parágrafo único. Chama-se deferido o direito futuro, quando sua aquisição pende somente do arbítrio do sujeito; não deferido, quando se subordina a fatos ou condições falíveis. Esse conceito equivale àqueles consagrados na doutrina e que ainda podem ser utilizados nos dias atuais. Assim, a aquisição de direitos ocorre quando a propriedade do bem é adquirida por seu titular. 32 O segundo conceito que merece análise é a modifi- cação de direitos. Os direitos podem ser modifica- dos pela prática de atos ou pela ocorrência de fatos jurídicos. Se a modificação se der no conteúdo ou objeto das relações jurídicas, trata-se de modificação objetiva. Se a modificação ocorrer em relação aos sujeitos da relação jurídica, trata-se de modificação subjetiva. O terceiro conceito a ser estudado é o de conserva- ção de direitos. Os atos jurídicos também podem ser praticados para resguardar direitos, isto é, para defender esses direitos contra quem quer que seja� São eles: a) Atos de conservação: são atos praticados pelo titular do direito para evitar lesão ao seu direito; b) Atos de defesa do direito lesado: são as medidas ajuizadas judicialmente após a violação do direito, como autoriza o art. 5°, inc. XXXV da Constituição Federal; c) Atos de defesa preventiva: são as medidas ajui- zadas judicialmente antes da violação do direito, mas quando há forte probabilidade de que ela está prestes a ocorrer; d) Autotutela: ocorrida a violação do direito, a ordem jurídica admite a autotutela, ou seja, o uso da força pela parte lesada, “fazer justiça com as próprias mãos”. Por fim, os atos e fatos jurídicos podem ocasionar a extinção de direitos, como nos casos de falecimento 33 do titular do direito, o abandono, a alienação (venda), ou até mesmo quando surge um direito incompatível com o direito existente, que o substitui. Esses são apenas alguns exemplos de extinção de direitos, pois não há limites para a criação e surgimento de novas hipóteses de extinção de direitos. Fato jurídico em sentido estrito (stricto sensu) O fato jurídico em sentido estrito é o acontecimento natural do qual decorre consequências jurídicas, e divide-se em ordinários e extraordinários. Os fatos jurídicos ordinários são os fatos da natureza que ocorrem costumeiramente, como o nascimento e o falecimento. Os extraordinários são aqueles que são imprevisíveis e inesperados, como um furacão, uma enchente e um terremoto. Mas, atenção: uma tempestade, por si só, não pode ser considerada um fato jurídico� Porém, se essa tempestade causar da- nos a um prédio que tenha seguro, este passa a ser considerado um fato jurídico, pois causou consequ- ências jurídicas� Ato jurídico em sentido amplo e ato ilícito Os atos jurídicos em sentido amplo (também chama- dos de atos humanos ou atos jurígenos) são aque- 34 les atos que decorrem da vontade humana, com a intenção de causar consequências jurídicas ou não. Eles se dividem em ato jurídico em sentido estrito e negócios jurídicos. Os atos jurídicos em sentido estrito são atos de mani- festação de vontade que produzem efeitos previstos na lei� Decorrem de comportamentos humanos que acabam gerando consequências jurídicas previstas em lei� Nesse tipo de ato jurídico, o agente não escolhe quais serão os efeitos jurídicos resultantes de seu com- portamento; as consequências jurídicas já foram previamente estabelecidas pela lei. Um exemplo de ato jurídico em sentido estrito é o ato de fixação de domicílio. Quando alguém se muda de residência, fixa ali o seu domicílio civil, mesmo sem declaração de vontade. Assim, o domicílio já é reco- nhecido pela norma jurídica mesmo sem declaração de vontade do agente� Os negócios jurídicos são atos jurídicos que decor- rem da manifestação de vontade das partes e têm por objetivo atingir uma finalidade específica. Por meio do negócio jurídico, as partes se vinculam e es- tabelecem regras que irão disciplinar seus interesses. São exemplos de negócios jurídicos os contratos, o casamento e o testamento� Os atos ilícitos são os atos que decorrem ou não diretamente da vontade e ocasionam consequên- cias jurídicas que são contrárias ao ordenamento 35 jurídico� Nesse sentido, o ato ilícito é aquele ato que ocasiona dano a alguém e este é indenizável. Desse modo, sempre que o ato jurídico, decorrente ou não da vontade humana, violar a norma jurídica e causar dano a outrem, estará configurado o ato ilícito. O ato ilícito está previsto no art. 186 do Código Civil, que assim dispõe: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Quando o agente tiver a intenção de causar o dano, haverá o dolo.Quando o agente praticar o ato com negligência, im- prudência e imperícia haverá a culpa. Carlos Roberto Gonçalves analisa esses três elementos (2018, pp. 329-330): a) A negligência consiste em uma conduta omissiva, ou seja, o agente não toma as precauções necessá- rias ao praticar uma ação. Por exemplo, a pessoa que faz uma queimada e se afasta sem verificar se o fogo está apagado; b) A imprudência ocorre quando o agente deveria se abster de uma ação ou quando se precipita na prática do ato, por exemplo, quando o agente ingere bebida alcoólica antes de dirigir; e c) A imperícia é a incapacidade técnica para o exer- cício de uma profissão, função ou arte, como quando um médico ministra medicação a um paciente sem se certificar de que ele é alérgico a algum dos com- ponentes da fórmula. 36 Quer aprender mais sobre ato ilícito na modalidade culpa? Verifique o estudo de caso disponível no pod- cast 2 - Erro médico: responsabilidade do médico e do hospital por sequelas causadas em bebê. Podcast 2 Ato-fato jurídico O ato-fato jurídico é o fato jurídico no qual há ação humana, mas para a norma jurídica, não é relevante se houve ou não a intenção do agente em praticá-lo. No ato-fato jurídico, o que importa é o efeito jurídico causado, e não se houve vontade ou não do agente em praticá-lo. Por exemplo, a compra de um sorvete por uma criança. 37 RELAÇÃO JURÍDICA Certo é que os homens se relacionam entre si com vistas a satisfazer seus interesses pessoais� No en- tanto, nem todos os fins visados por eles são es- tritamente jurídicos� Os homens se relacionam na sociedade para fins morais, religiosos, econômicos, dentre outros� Tendo em vista que os homens se rela- cionam visando fins múltiplos, quais dessas relações sociais podem ser consideradas relações jurídicas? Para que uma relação social possa ser considerada uma relação jurídica, é necessário que sejam preen- chidos dois requisitos: (a) a existência de um vínculo entre duas ou mais pessoas; e (b) que esse vínculo esteja previsto na norma jurídica. Há situações em que existirá o vínculo dentre duas ou mais pessoas, mas não haverá norma jurídica específica para disciplinar aquele fato. Por exemplo, no Direito Penal, se não existir norma específica para o caso em análise, não haverá relação jurídica penal. A relação jurídica é composta por quatro elementos: a) Sujeito ativo: é o credor da relação jurídica. Por exemplo, em um contrato de empréstimo, o sujeito ativo é quem empresta o dinheiro e tem o direito de cobrar o devedor; 38 b) Sujeito passivo: é o devedor da relação jurídi- ca� No exemplo acima citado, é quem deve pagar o empréstimo; c) Vínculo de atributividade: é o vínculo existente entre os sujeitos da relação, muitas vezes, de maneira recíproca, tendo ambas as partes direitos e obriga- ções. É o que confere às partes o direito de exigir o cumprimento da prestação principal da relação jurídica� No caso do exemplo citado anteriormente, o vínculo entre as partes é o contrato de empréstimo� d) Objeto: é o fim visado pela relação jurídica. É o elemento em torno do qual a relação jurídica se cons- titui, sobre o qual recai o direito do credor de exigir o cumprimento da prestação, e o dever do devedor de cumprir com a obrigação assumida. No caso do empréstimo, o objeto é o empréstimo e o respectivo pagamento� Destaque-se que uma relação jurídica apenas pode ser constituída entre duas ou mais pessoas, e nunca entre uma pessoa e uma coisa. Não se admite rela- ção jurídica entre pessoa e coisa porque só pessoas podem ser sujeitos da relação jurídica. 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS Parabéns, você chegou ao final da Unidade! Que tal refletir sobre o que você aprendeu até aqui? A vida em sociedade demanda que os homens con- vivam em paz e harmonia� Para tanto, o Direito traz instrumentos que limitam o comportamento indivi- dual para que a estabilidade social seja garantida. O veículo que transmite o Direito à sociedade é a norma jurídica; ela é a conduta exigida pelo Estado, que esclarece ao agente como e quando agir� Logo, a característica principal da norma jurídica é que ela deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória por toda a sociedade� Mas como nasce o Direito? O Direito, tal qual uma nascente de água, brota das fontes. As fontes do Direito possuem força suficiente para gerar a regra jurídica e para esclarecer o espírito dos aplicadores das leis. São, portanto, fontes do Direito: a lei, os costumes, a doutrina, a jurisprudência, a analogia, os princípios gerais do Direito e a equidade� Por outro lado, o aplicador do Direito precisa saber interpretar a lei. Para isso, ele precisa descobrir a finalidade da norma jurídica e em que circunstâncias ela pode ser aplicada� É pela hermenêutica jurídica que o aplicador da lei irá descobrir o sentido das 40 normas jurídicas para o Direito às relações sociais e para preencher eventuais lacunas em caso de omis- são na lei. O conjunto das fontes do Direito, das normas jurídi- cas e das regras elaboradas para preencher as la- cunas, agrupados em uma ordem lógica, compõe o ordenamento jurídico� É nele que as normas jurídicas se estruturam e se distribuem no sistema jurídico. Por fim, os fatos e atos jurídicos são os acontecimen- tos naturais e humanos que dão origem às relações jurídicas, que são as relações sociais, cujo fim é a satisfação de um interesse estritamente jurídico. Em breves linhas, essa é a teoria geral do Direito. 41 Síntese • Relações sociais que pressupõem a existência de um vínculo entre duas ou mais pessoas, e que esse vínculo esteja previsto na norma jurídica. FATOS E ATOS JURÍDICOS • Fato jurídico em sentido amplo (lato sensu), fato jurídico em sentido estrito (stricto sensu), ato jurídico em sentido amplo, ato jurídico em sentido estrito, negócio jurídico, ato ilícito, ato-fato jurídico. FATOS E ATOS JURÍDICOS • Conjunto que compreende as normas jurídicas, as fontes do Direito e aquelas regras elaboradas para preencher as lacunas, agrupadas em uma ordem lógica. ORDENAMENTO JURÍDICO • Classificação: fontes imediatas (primárias) ou mediatas (secundárias). INTEGRAÇÃO DO DIREITO • Métodos e tipos hermenêuticos HERMENÊUTICA (INTERPRETAÇÃO) JURÍDICA • Classificação: fontes imediatas (primárias) ou mediatas (secundárias). FONTES. Parabéns, estudante! Você chegou ao fim da primeira unidade dessa disciplina. Em síntese, isso é o que você aprendeu até agora: • Estrutura, características, classificação. • Validade, vigência, vigor e eficácia: qualidades das normas, que as situam no ordenamento jurídico. PRINCÍPIOS JURÍDICOS NAS ORGANIZAÇÕES NORMA JURÍDICA. Referências Bibliográficas & Consultadas BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. BRASIL, Constituição. Lei nº 10.406, de 10 de janei- ro de 2002� Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, n. 8, 2002. BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942� Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657.htm. Acesso em: 30 jul� 2019� CIVIL, Processo� Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, 2002� FERRAZ JR�, Tércio Sampaio� Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. KELSEN, Hans� Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999� MASCARO, Alysson Leandro� Introdução ao estudo do direito. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2019. NADER, Paulo� Introdução ao estudo do direito� 40� ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. REALE, Miguel� Lições preliminares de direito� 25� ed. São Paulo: Saraiva, 2001. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume úni- co. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. VENOSA, Silviode Salvo� Direito civil: parte geral – vol. 1. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
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