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Terra dos Anjos INTRODUÇÃO uando comecei a escrever “Terra dos Anjos” meus planos para esse livro eram outros. Esse deveria ser o primeiro livro da “Saga dos Anjos”, mas devido alguns problemas que acabei tendo com outras histórias tive que excluir “Terra dos Anjos” da saga. A primeira coisa que me veio à cabeça quando me deparei com os problemas que apareceram foi modificar a história, o que de uma forma ou outra tive que fazer. Comecei a procurar os pontos onde deveria mudar e descobri que mudança não seria a salvação para a saga, então retirei e adicionei alguns capítulos e cenas e resolvi terminar “Terra dos Anjos” sem grandes alterações e criar uma história nova para ser o 1º livro oficial da saga. “Eterno” – título escolhido pelos leitores – seria o 1º de 3 livros da saga. A história seguiria a mesma base que foi usada para escrever “Terra dos Anjos” (ou TDA como foi apelidado pelos leitores), porém, com um enredo melhor trabalhado, mais solido, sem tantos erros como acabou acontecendo com TDA. No momento “Eterno” e da a “Saga dos Anjos” estão temporariamente cancelados. Não sei se os problemas de TDA me desanimaram ou se acabei perdendo o amor pela história, mas não tenho planos para a saga (nem sei se voltarei com ela). De qualquer forma espero que leiam TDA como uma previa de “Eterno”, um aquecimento e caso “Eterno” volte a ser escrito, que não o crucifique e nem a saga. Espero que curtam muito essa história e que, mesmo com os erros e problemas, vocês possam amar-la tanto quanto eu a amei enquanto escrevia. Um super abraço para todos – Felipe Reino Q PRÓLOGO ...Depois que terminei a frase não sei dizer bem o que aconteceu. Uma luz forte atingiu toda a sala. Estava certa de que tudo isso que estava acontecendo era um sonho. Um sonho muito estranho. Provavelmente eu iria acordar e pensar em escrever um livro sobre esse sonho maluco. Mas isso não era um sonho. 01. MUDANÇA DE ROTINA empre precisei de mais tempo para qualquer coisa do que meus irmãos. Aqueles dois patetas! Banho, cabelo, se arrumar, comer… Até para escrever eu era mais lerda do que eles. Era! Graças a Deus os dois se mudam hoje. Toni – Antonio Montês Filho – o mais velho dos três filhos da dona Michele Montês, sempre foi o queridinho da casa. Seu rosto beirando a perfeição era uma cópia masculina do rosto da mamãe. Porém seus belos olhos verdes e cabelos castanhos dourados eram 100% “made in papai” Senhor Antonio Montês. Ele era alto, bonito, olhos lindos, músculos na medida, bom jogador, tinha bom emprego, se eu não fosse irmã dele até eu me apaixonaria. Já meu outro irmão, Patrick Montês, era exatamente o oposto. Olhos cor de mel, como os da mamãe e os meus, cabelos negros, um sorriso avassalador e um corpo igualmente na medida – como o do Toni-, só pecava com os maus hábitos. Patrick era mal-humorado, péssimo aluno e só queria saber de sua banda ridícula. Apesar dos dois serem irmãos, se alguém de fora os analisar vai achar que um dos dois é adotado ou qualquer coisa do tipo. Os dois irão se mudar no mesmo dia, mas por motivos opostos. Toni vai viajar a trabalho – orgulho da casa –, já Patrick vai entrar em turnê com sua banda, ele acredita que poderá se tornar o próximo Kurt Cobain, e eu finalmente poderei ficar com a casa só pra mim. – Patrick, Alice e Michele! – berrou meu pai da escada – querem fazer o favor de se apressarem. S Era só o que me faltava. Meu pai, que nunca foi de chamar a minha atenção por isso, parece que resolveu agir igual aos dois. Realmente não espero que ele esteja treinando para substituí-los. Eu não sei se sobreviverei. – Já estou pronto papai – ouvi Patrick gritando, enquanto descia as escadas correndo. Toni, como sempre, já estava na porta. Por ele nós já teríamos ido há trinta minutos. – Alice, você ainda não está pronta? – papai continuava. – Já estou pronta, amor. – desta vez minha mãe quem descia as escadas. Droga, agora só faltava a mim! E o pior: não estava pronta. Tive que descer do jeito que estava. Meu cabelo incrivelmente liso na raiz, mas que ia encaracolando ao decorrer até chegar às pontas estava mais preto do que de costume. Minha pele branca estava rosada devido à maquiagem feita as pressas. Meus 1,65 de altura estavam devidamente tapados com meu jeans básico, minha blusa amarela com uma pequena estampa rodeando a gola e meu tênis preto surrado. Resultado de tudo: estava me achando feia e não podia fazer nada para modificar isso. Entramos no carro. Eu, como sempre, tive que ficar no meio. No maldito meio. Todos que me conhecem sabem que eu gosto de ficar na janela, imersa em meus pensamentos, mas quando os dois estão juntos sempre sobra pra eu ter que ficar na porcaria do meio. Ainda bem que isso é só por hoje. Tudo bem que Patrick vai voltar daqui a cinco meses, mas pelo menos vai ter lugar pra nós dois e ninguém precisara brigar pela janela. Assim que chegamos ao aeroporto meu pai decidiu testar minha paciência. Mesmo que ele não tenha notado isso. – Filha, pode pegar as malas dos seus irmãos no porta- malas? – meu pai sempre gostou de abusar de mim quando eu estou estressada, mas dessa vez ele pegou pesado. Não estava pra esses tipos de coisas. Não para meus irmãos! Eles têm mãos, que carreguem os dois! – Alice, obedeça a seu pai! – dois contra um era covardia. Fui obrigada a levar as malas dos dois. Duas malas. Apenas duas malas, foi o que eu disse. Deixamo-los no portão de embarque. Os olhos de Dona Michele já estavam lacrimejando. – Eu desejo muita sorte para os dois – dizia, ou melhor, choramingava a mamãe. – Juízo na cabeça de vocês. Principalmente você Patrick! – completava o papai enquanto entregava uma das malas ao Toni. – Você não vai dizer nada para seus irmãos Alice? – Já vão tarde! – Alice! – Berrou minha mãe. – Deixe-a mamãe. Sabemos que ela sentira muita falta da gente, não é Patrick? – Ela só não quer é dar o braço a torcer! Pode falar Alice. Não respondi, apenas mostrei a língua para os dois e virei às costas. Sabia que estava sendo infantil, agindo feito uma garota de 6 anos de idade ao invés de agir feita uma de 16 que sou. Mas sabia também que o que eles diziam era a mais pura verdade. Apesar de odiar-los por natureza, eu sentiria muita falta daqueles dois patetas dentro de casa. Estávamos no aeroporto e ficamos lá até o avião decolar e sumir no céu. Como já esperava, papai me deu aquele velho sermão. Sempre se equilibrando entre os extremos da seriedade com os da raiva. – Alice, o que deu em você? – Pai! Por favor, hoje eu não estou bem – tentei dizer isso com a maior delicadeza que me foi possível. – Filha, seu pai tem razão. Não precisava falar assim com seus irmãos! – mamãe falava como se tivesse uma pomba da paz em sua garganta. Qualquer sermão, por mais serio que fosse, dito por ela soa como um conselho amigo, sereno. – Você hoje estava impossível! – completou papai. – Vocês dois não entendem! – e acho que nem eu. Quando chegamos ao estacionamento, o nosso carro foi a primeira coisa que vi. Como não poderia notar aquela coisa grande, linda, brilhando pra vida, reluzindo todo o seu esplendor. Era uma Mercedes preta, linda mesmo. Acho que nunca gostei tanto de um objeto quanto eu gostei dessa Mercedes. Não sou de ligar para carros e velocidade, mas aquela Mercedes me enfeitiçou, porém, não conseguia chamá-la de Mercedes, nem de Beleza Negra como meu pai. Apesar de achá-la magnífica, apesar de toda sua exuberância, ainda assim eu só conseguia chamá-la de carro. No carro o silêncio foi predominante e estava quase certa de que continuaria assim até que chegássemos em casa. Durante toda a silenciosa viajem de volta para casa fiquei, digamos que, distraída em meus pensamentos enquantoobservava cada árvore passando por mim e sumindo em questão de segundos. Lembrei do meu professor de física, sempre dizendo que o movimento é relativo. Tudo depende do ponto de vista de quem vê. Do meu ponto de vista, tudo ao meu redor estava em alta velocidade. O sol estava bem forte e por alguns momentos o reflexo dele no vidro me cegava, mas ainda assim, continuava olhando. A rua em movimento me hipnotizava, era como se o mundo estivesse acelerando, correndo mais rápido do que devia. A casa agora era só minha! Chega de Patrick quase arrombando a porta do banheiro enquanto me penteio; chega de Toni dizendo que se eu não terminar de tomar meu café logo, não poderá me levar até a escola e principalmente; chega de ser a casulinha da casa! De repente as árvores e postes começaram a diminuir a velocidade. A rua começará a ser bem familiar para mim. Estávamos chegando em casa. Voltávamos àquela velha casa de sempre, agora com dois moradores a menos. – Essa casa já parece mais parada sem os dois aqui! – Mamãe continuava a choraminga. Perguntava-me se quando eu fosse embora a mamãe também choraria. – Acho que continua a mesma coisa – Ainda estava agindo feito uma criança. – Eu vou subir e tomar um banho. Vou aproveitar que tirei o dia de folga hoje e descansar. – Papai sempre foi um homem de negócios, engenheiro formado, estava sempre em sua firma trabalhando. Quando Toni disse que queria fazer engenharia, papai teve uma reação inesperada. Melhor dizendo ESTRANHA. Respirou fundo, afrouxou a gravada, passou a mão sobre sua cabeça quase calva, se não fosse por uns poucos cabelos que lhe restavam sobre as laterais da cabeça, soltou o ar, subiu as escadas, abriu a janela do meu quarto e gritou: – Teremos outro engenheiro na casa! Todos que estavam na rua concentraram seus olhares para a minha janela que ficou conhecida como “a janela do engenheiro”. Foi um dos dias mais constrangedores da minha vida. Hoje ele tinha tirado o dia de folga especialmente para levar meus irmãos ao aeroporto. Não era todo dia que ele fazia isso, por tanto, me senti um pouco enciumada de não ter tido esse tipo de consideração até hoje. Depois que se passaram algumas horas comecei a sentir falta da bagunça que era a casa quando os dois estavam aqui. Da mamãe gritando com Patrick por ter deixado o prato sujo sobre a mesa do computador, do Toni reclamando da barulheira que o Patrick fazia enquanto ensaiava com a banda na garagem. Até do papai – depois de reclamações do Patrick – dizendo para “eu sair logo do banheiro ou senão…” Nunca soube o que vinha depois do senão, mas nunca acreditei que ele realmente faria alguma coisa. Não imaginei que sentiria tanta falta de dois seres que, até então, eu odiava como nunca odiei na minha vida. Eu estava de férias, então não tinha nada pra fazer. Liguei a TV no meu quarto, mas a programação não tinha nada de interessante. Nenhuma noticia nova sobre nenhum dos meus artistas favoritos, parecia até uma conspiração para me prender diante o tédio que aquele dia se tornará. Tentei ver se tinha alguma novidade no meu e-mail: VOCÊ TEM (0) MENSAGENS NOVAS. Por alguns minutos fiquei observando meu quarto, reparando nos detalhes que não tinha reparado antes, como um pequeno rasgado no papel de parede, perto da janela, o meu violão nunca usado continuava no mesmo lugar, deitado no canto, do lado do guarda-roupa a direita da porta do quarto – 5 aulas e nunca mais voltei –. Meus CDs estavam da mesma maneira que os deixei, jogados na mesa de computador ao lado da janela. Alguns DVDs na escrivaninha, ao lado da mesa de computador, junto com vários livros e revistas femininas. Na mesinha, ao lado da minha cama, estavam meu celular, alguns anéis, e quase caído, meu binóculo. O ventilador de teto estava ligado na velocidade media, havia ainda a máquina fotográfica que tinha ganhado de natal na mesa do computador, junto aos CDs e a minha ampulheta cuja cor da areia gerava discussões a todos que viam; seria ela azul ou verde? Ainda olhando a mesa do computador, estava minha mochila velha do lado da mesa, cheia de revistas em quadrinhos. Em cima da mochila, uma caixa de sapatos com livros de contos românticos da minha mãe e, ainda, em cima da caixa, alguns CDs velhos que eu iria jogar fora algum dia. Pensei seriamente em arrumar meu quarto. Levantei e comecei a guardar os CDs que estavam espalhados pela mesa de computador, mas o tédio cansa então parei. Resolvi que iria ler. Peguei uma versão adaptada do livro A volta do parafuso de Henry James. Comecei. Já havia lido aquele livro umas três vezes, adorava-o, mas desta vez estava tão absorta em meus pensamentos que nem prestei atenção no que lia, apenas lia. Quando dei por mim novamente, havia notado que tinha se passado duas horas e eu ainda estava na página oito do livro. Realmente não estava conseguindo me concentrar, talvez não quisesse. Nunca imaginei que a saudade de ter meus irmãos em casa me viria tão rápido e me atingiria tão forte assim. Voltei a verificar meu e-mail: VOCÊ TEM (0) MENSAGENS NOVAS. Estava iniciando uma súbita e frenética vontade de gritar, como meu pai fez no dia em que descobriu que Toni seguira engenharia, mas – graças a Deus – meu senso de ridículo me impediu de cometer tal alto de insanidade e fui obrigada a gritar mordendo meu travesseiro, para abafar o som. Sabia exatamente o motivo de estar assim: MINHA ROTINA FORA MUDADA. 02. LEMBRANÇAS stava sentindo ódio de mim mesma agora. Não podia acreditar que estava com saudades daqueles patetas dos meus irmãos. Isso era totalmente desprezível, inaceitável e imperdoável. Eu sempre tive certeza de que quando me visse livre daqueles dois eu faria uma festa, mas estava com saudades. Saudades de tudo, até mesmo do que eu achava que não sentiria saudades. É incrível como o costume de conviver com alguém que você odeia pode lhe fazer. Hoje quando acordei – as 10:00 – e fui tomar banho, achei que estava louca. No meio do banho podia jurar que havia ouvido o Patrick gritando para eu sair logo e quando sai, pude ouvi quase que claramente ele dizer o seu famoso “finalmente, guria” que só ele sabia falar. Desci e fui tomar o café, não iria nem almoçar hoje. Estava de roupão e com os cabelos úmidos e ainda não penteados. Peguei o pão e procurei pelo queijo e o presunto, mas só achei margarina. Por que não compravam manteiga? Eles sabem que detesto margarina. Desisti do pão e fui pegar alguns biscoitos. Não gostava muito de biscoitos pela manhã, mas é melhor que ficar com fome ou comer pão com margarina. Pensava em tomar leite – não sei por que ficam dizendo que leite é coisa de criança – mas o cheiro forte do café me hipnotizou. Senti-me como naqueles desenhos em que a fumaça da comida fazia o formato de uma mão e puxava o personagem até ele, quase me pude sentir flutuando. E Sentei-me à mesa sozinha, era raro nos reuníamos na mesa para comer seja lá o que for. Exceto por aqueles domingos em que o papai fazia um belo de um churrasco e chamava os vizinhos, mas de qualquer forma não era a mesa da copa. Era a mesa da varanda, de madeira, larga e comprida, pareciam àquelas mesas dos castelos, porém um pouco menor e menos elegante. Meus irmãos que adoravam aqueles churrascos. Eles sempre faziam questão de ir comprar as carnes e o carvão. Eles ficavam tão felizes que eu era quase capaz de amar os dois. Talvez esses fossem os únicos dias em que eu ficava feliz deles serem meus irmãos, eram dias de paz. Acho que vou sentir falta desses domingos. Nossa cozinha me fazia lembrar muito eles, havia quase que uma serie humorística gravada naquelas paredes. Como quando o Patrick resolveu dar uma de cozinheiro e quase pôs fogo na casa. Ou quando o Toni trouxe a primeira namorada para conhecer a família, foi oferecerum refrigerante, mas não conseguia abria a garrafa e quando abriu ele havia sacudido tanto ela que voou refrigerante pra tudo que é lado. Odiava admitir isso, mas, essa casa não era a mesma sem os dois aqui. Fui me trocar depois que terminei de tomar café. Parecia impossível, mas esse ano eu não fui a lugar nenhum. Era chato ter que ficar em casa, era chato ter como entretenimento apenas a TV e o computador, era chato não viajar. Essa sem sombras de dúvidas estava sendo as piores férias da minha vida. Monotonia era a palavra predominante em minhas férias. Queria tanto fazer alguma coisa, mas o que? A principio pensei em dormir, era a única coisa que poderia fazer naquele momento. Queria fazer algo diferente pelo menos uma vez na vida, algo que fugisse da rotina tedioso de todo dia. As minhas opções de entretenimento sempre foram claras: Ler livros repetidos – precisava com urgência ir para uma livraria -, assistir a televisão e sua programação ridícula e sem cultura, apesar de ter a opção dois onde posso escolher algum filme da vasta coleção de DVDs que tenho em casa. Podia jogar algum jogo no quarto de Patrick, mas só de imaginar aquele cômodo imundo, cheirando a suor e comida estragada, com roupas intimas espalhadas entre a mesa do computador e a televisão já quase posso sentir o vomito saindo garganta a fora. Eu poderia até tentar arrumar alguma coisa por lá, mas não seria eu se fizesse algum tipo de caridade ao pateta 2. Fiquei imaginando o que estaria fazendo aqueles dois uma hora dessas? Com certeza algo mais produtivo do que eu – apesar de que o Patrick só produz gazes tóxicos e enjôo coletivo. Tinha os meus CDs, mas não iria mexer neles agora. Deitei em consequência da falta do que fazer, coisa tipicamente minha. Comecei a pensar na vida – outra coisa chata que faço – e na minha imensa “sorte” em não viajar para lugar algum nessas férias. Resolvi sair um pouco, para refrescar a cabeça, não tinha rumo, deixaria que meu “instinto aventureiro” me levasse. Mas sabia que não poderia demora. Disse a minha mãe que iria à sorveteria. Se eu dissesse que andaria por ai, sem rumo, sem destino, deixando o meu instinto me levar ela me colocaria em uma camisa de força. Peguei meu relógio e coloquei alguns anéis. Reparei que eu tinha que pintar as unhas, estavam horríveis! Peguei minha chave e fui para onde meu coração quisesse. Assim que sai da porta parecia que tinha tido um dejá vù. Eram as mesmas pessoas, fazendo as mesmas coisas, nos mesmos lugares. Era como se nada tivesse mudado desde a ultima vez que sai. As ruas estavam do mesmo jeito do dia anterior, as lojas pareciam ter os meus clientes – apesar de saber que eram outros -, nada mudava. Não que eu esperasse que as coisas mudassem de um dia para o outro, mas essa cidade estava assim há quase 16 anos. A cidade de Vila Bela era a pior cidade que alguém poderia escolher para morar. Era inacreditável em como a cidade era parada. Não tem nem como acreditar que isso algum dia foi a cidade que meus pais contavam. Como meu pai sempre dizia: – Essa cidade era viva. Ela não era uma simples cidade, parecia ter vida própria. Com suas festas, muitas vezes sem motivos, que reunia toda uma rua e todos participavam. Era uma verdadeira folia. Eu mesmo já organizei, quando jovem, algumas dessas festas. Papai sempre contava, com muito orgulho como se fosse algo realmente merecedor de uma medalha de honra ao mérito, sobre as festas que organizava. Ele ainda contava que todos os feriados que lhe era permitido, a prefeitura organizava desfiles, com bandas, dançarinos, era quase um carnaval fora de época. Parece que minha mentira se tornou verdade, quando vi estava seguindo direto para a sorveteria. Estava morta de calor mesmo, precisava de algo para refrescar o corpo. Nesse momento achei que a escola seria uma boa opção, algo incomum de se pensar. Talvez fosse o fato de estar com os amigos – todos de férias – e sobre a diversão extra de todo dia. Minha vida estava realmente um saco, parada. Tinha vontade de estrangular a mim mesma de tão nervosa e inquieta que estava. E para piora ainda o meu quase curto, encontrei a última pessoa no mundo que gostaria de encontrar. Quando cheguei, dei de cara com Roger, um colega de classe. Quando me viu ele abriu um sorriso gigantesco, parecia que estava chegando a sua frente uma princesa saída dos seus sonhos mais pervertidos. Sim, porque um garoto com aquela cara de safado devia ter vários sonhos pervertidos. Nós não tínhamos muita afinidade, mas isso por minha parte. Ele sempre tentou se aproximar de mim, e eu sempre pulava fora. – Oi, Alice! – disse sorrindo. – Oi Roger. – respondi totalmente sem expressão. – Comprar sorvete? – não, vim ver se tem o novo álbum da Beyoncé. – Sim, vim comprar sorvete. – respondi com um sorriso falso. Assim que virei fiz uma careta de ódio e depois conferi para ver se ele realmente não tinha visto. Estava olhando o sorvete de frutas vermelhas. Não sei se era implicância, mas o simples fato de estar do lado de Roger já era o suficiente para deixar meu dia mais odioso. Sempre diziam que eu estava era apaixonada por ele. Se ele tem algum interesse por mim eu não sei, mas eu NUNCA. Até que ele era um rapaz bonito, com belos olhos azuis, cabelos lisos e loiros, uma pele de dar inveja e uma boca incrivelmente perfeita com um corpo tão em forma que nem parecia um garoto de 15 anos. Verdade seja dita: ele era lindo. Pode até ser burrice minha deixar um cara assim passar por mim e eu não fazer nada, mas havia algo nele que me enojava. – Você não foi viajar? – continuou ele a me torturar. – Não, não. Fiquei por aqui mesmo. – estava com medo de estar sendo simpática de mais e ele entender isso de outra forma. – E você, não quis viajar? – a pergunta foi automática. Não deveria ter prosseguido com essa conversa. – Bem, eu fui para a casa de praia do meu pai. Mas não ficamos muito por lá. Meu pai tinha negócios para resolver. – Entendo. – disse enquanto pegava uma bola de flocos e seguia para as coberturas. – Você vai estudar na escola de Vila Bela esse ano? – Claro. – onde mais eu iria estudar? Era a única escola da cidade. Além do mais, é a dois quarteirões da minha casa. Posso ir a pé. – Eu também vou estudar lá esse ano. Será que vamos pegar a mesma sala de novo? – se a vida for justa não. – Como podemos saber né? – paguei a moça no caixa e segui em direção a porta. Ele pagou rapidamente e correu atrás de mim. – Você vai ao primeiro dia de aula? – Sim. – fui curta e grossa. – Que bom! – Até mais então. – não esperei a resposta. Sai sem olhar pra trás. Quando cheguei em casa o sorvete já tinha acabado. Joguei o pote no lixo e segui para a sala. Queria assistir um pouco de televisão. Lavei as mãos na pia da cozinha e enxuguei sobre a calça, passando as palmas da mão e depois balançando ao ar. Na sala descobri que minha mãe estava deitada, assistindo pela milionésima vez ao… E o vento levou. Ela deve ter começado cedo, ou eu demorei demais na sorveteria, porque quando cheguei estava exatamente na cena em que Scarlett jura nunca mais sentir fome, seguindo depois da histórica trilha sonora e das lágrimas da minha mãe descendo. Não sei como minha mãe consegue assistir aquele filme imenso tantas vezes assim. Nem eu que gosto de assistir filmes repetidos tenho tanta disposição. Subi para meu velho e querido quarto. Fui assistir televisão por lá. A minha televisão era menor que a da sala, mas quebrava o galho. Estava passando um programa de fofocas. Como todo mundo adora saber o que os artistas estão fazendo, eu fiquei assistindo. Deitei na minha cama e fiquei abraçada com um dos meus ursos de pelúcia. Fechei os olhos e abri novamente. Levei um grande susto, como num piscar de olhos minha televisão desligoue as luzes apagaram? Teria tido alguma queda de energia e eu não percebi? Levantei e fui olhar meu celular. Dia 25 de janeiro. Estava explicado, já havia amanhecido. Não acredito que tinha dormido 17 horas seguidas! Não era por acaso que estava com fome. Fui tomar banho. Depois do banho, peguei meu habitual roupão de todo dia e desci para tomar meu café, com os cabelos úmidos. Desta vez olhei primeiro para ver se papai tinha comprado queijo e presunto, estavam lá. Peguei o pão, parti e coloquei primeiro o presunto, e por cima do presunto o queijo. Novamente sozinha, tomei meu café da manhã do jeito que gostava. Era estranho quando algo aparecia diferente do habitual. Engraçado, eu detesto tanto a monotonia e a mesmice desta cidade, mas quando minha rotina muda eu fico perdida. Talvez eu não fosse me acostumar caso as coisas na cidade começassem a mudar. Mamãe desta vez estava colocando algumas roupas para lavar, nem me ouviu descendo. Papai sempre dizia que eles podiam contratar uma empregada para cuidar da casa, mas mamãe se recusava a entregar a casa para uma desconhecida. Ela sempre dizia que adorava ser uma dona de casa e nada a faria querer parar com isso. Passei na área de serviço para dar bom dia para ela. Ela me deu um beijo, mas afastou as mãos o máximo que pode, estavam molhadas. Aos poucos comecei a me sentir enérgica. Sabia exatamente o que iria fazer: ARRUMAR O QUARTO. Não podia desperdiçar toda essa energia, tinha dormido 17 horas, não tinha lugar para preguiça no meu corpo. Subi para meu quarto. Comecei pelo básico, arrumando a cama e guardando algumas roupas sujas no cesto de roupas sujas. Liguei o computador e abrir meu e-mail. Não esperei carregar a página, fui ao armário guardar as roupas de cama, agora já dobradas. As cobertas ficavam no compartimento de cima, que eu não alcançava direito. Resultado; as cobertas caíram em cima de mim. Lá fui eu dobrar todas as cobertas de novo. Depois de dobrar – novamente – todas as cobertas, resolvi pegar a cadeira do computador. Foi então que notei, na caixa de entradas do meu e-mail, o alerta: VOCÊ TEM (1) MENSAGENS NOVAS 03. E-MAILS ra uma e-mail de Toni. Aquele adorável pateta havia acabado de chegar ao hotel. Mandou um belo e-mail, cheio de amor e saudades: Oi Alice, tudo bem com vc? Eu acabei de chegar ao hotel (que é muito elegante, por sinal). Estou no notebook – que está com pouca bateria – por isso vou ser breve. Diga ao papai e a mamãe que eu estou bem e que Patrick já encontrou com o resto da banda. Eles pegaram o ônibus da “turnê” e seguiram para o Rio de Janeiro. Tudo está indo as mil maravilhas, até agora. Creio que nesse momento Patrick já deve estar conhecendo o local onde vai tocar. Eu vou encontrar com alguns amigos aqui em Vitória. Bjos do seu mano que você tanto adora Toni Nossa! Eu realmente adoro esse meu irmão. Assim como a Rainha Elizabeth vem todos os dias trazer o chá das 17:00 para mim. Mas que eu estava com saudades, isso já era – infelizmente – fato! E Depois desse e-mail eu quase havia me esquecido do que estava fazendo. Só me lembrei mesmo quando vi três cobertas – duas totalmente desnecessárias, estavam na minha cama por costume – dobradas em meu colo. Peguei a cadeira do computador, subi e coloquei-as sem problemas. Depois da cama arrumada, das roupas sujas já no cesto de roupas sujas e a roupa de cama devidamente guardada, comecei a tirar tudo do lugar. Eu sempre fui do tipo que quando começa uma arrumação em meu quarto, coisa rara, tenho que tirar absolutamente tudo do lugar. Mesmo que depois eu acabe colocando exatamente do mesmo jeito. Comecei pela escrivaninha. Tirei os DVDs, as revistas, alguns livros, a câmera fotográfica – que estava na mesa do computador, mas acabou parando na escrivaninha –, um caderno e minha agenda. Coloquei tudo em minha cama e prossegui, agora com a mesa de computador. Tirei alguns cordões e anéis que estavam lá, a ampulheta e também coloquei na cama. Os CDs também tive que tirar. E as coisas da minha mesinha também. Tudo para cama. A mesinha que fica do lado da minha cama estava arrumada, mas meu hábito de tirar tudo do lugar falou mais alto. Varri, tirei poeira, teias de aranhas e tudo o que podia estar “emporcalhando” meu quarto. O aparelho de som estava alto – não muito – e a música estava me animando ainda mais. Depois de tudo limpo, comecei a reorganizar as coisas. Peguei a caixa do microondas que estava na garagem e subi com ela para meu quarto. Usaria como lixão. Guardei os CDs que eu ficaria no lugar e joguei fora os CDs que havia gravado, mas por algum motivo não me valiam de nada. Revistas eu não costumava jogar fora, mas havia algumas que eu nem gostava mais. Pro lixo. Meu caderno de anotações já estava com anotações desnecessárias, lixo. Ao fim mais coisas foram do que voltaram. Foi uma ótima arrumação. Meu quarto agora estava um brinco, tão limpo quanto quando a minha mãe o arruma com seu jeito todo especial de ser. Desci. Já estava na hora do almoço. Mamãe, como sempre, já havia deixado um prato na pia, visando a minha altura e a do armário, ela já espera que acidentes aconteçam caso eu mesma tenha que pegar os pratos. O almoço estava com um cheiro agradável e reconfortante. Um verdadeiro prêmio depois de uma árdua arrumação no quarto. Antes de botar meu almoço, fui à sala, com o prato vazio na mão. Mamãe estava assistindo TV, desta vez o jornal local. Botei minha comida, peguei o suco e segui para subir, mas voltei. Lembrei do e-mail de Toni e resolvi falar logo com a mamãe. Sentei ao lado dela. Seu olhar era tão sereno e angelical que às vezes duvidava que ela fosse minha mãe. Queria muito ser igual a ela, tão linda, sempre feliz, com uma paz interior tão grande – mesmo que às vezes essa paz seja irritante. Aproximei-me um pouco mais e esperei que ela perguntasse. Não perguntou. Resolvi falar logo. – Mãe, o Toni mandou um e-mail hoje, mais cedo. – Meu Deus! Como ele está? – Ele disse que está bem, já está no hotel e Patrick já seguiu para o Rio com a banda. – Que ótimo! Diga a eles que desejo toda a sorte do mundo, que já estou morrendo de saudades e espero vê-los logo! – Dona Michele sabia muito bem como dizer qualquer coisa sem sair de seu tom de voz calmo e angelical. Não subi, resolvi terminar de almoçar ali na sala. Minha mãe já havia terminado o almoço, mas ainda estava com o prato vazio nas mãos. Agora ela olhava as notícias locais, chatas e tediosas. Era quase inconfortável que outras cidades sejam mais movimentadas que Vila Bela. Não queria os crimes e assassinatos, mas quem sabe um show ou um desses eventos, algo que pudesse me trazer um pouco de diversão e de preferência de graça – ou quase. Minha mãe parecia um pouco triste e repetia cada vez que uma notícia trágica era exibida, “Pobre rapaz, tão jovem!” ou “Como essa juventude está perdido, 17 anos e já envolvido em drogas”. Acho que isso é coisa de época. Minha mãe viveu em uma época onde o mundo era mais “colorido” e as coisas eram mais simples, eu já sou da era onde tudo tem que ser na hora, pra hoje. Achava triste ver todas essas pessoas se perdendo, mas não ficava chocada como minha mãe, já havia me acostumado a essa loucura toda que o mundo está se tornando. – Quer que eu leve o seu prato? – perguntei me pondo na frente dela e estendendo a mão. – Ah sim, por favor! – minha mãe deu um sorriso leve e agradecido. Coloquei o meu prato e o prato da mamãe na pia. Subi para o quarto. Estava muito calor, então abri a janela e liguei o ventilador. A energia acumulada de 17 horas de sono não havia se dissipado totalmente, então desci e resolvi lavar louça, ajudar um pouco a mamãe, ela deve estar cansada. Comecei pelos talheres, segui para os pratos e copos e, porfim, lavei as panelas. Estava tão absorta de tudo enquanto lavava que nem notei as horas passando. Depois de tudo lavado, guardei os talheres na gaveta e os copos no armário. Os pratos e as panelas tive que deixar para minha mãe guardar, também não queria acidentes. Minha mãe chegou para conferir meu trabalho, aprovou e colocou os pratos no armário. Eu a invejava por conseguir colocar os pratos com tanta facilidade no armário. A última vez que tentei colocar pratos no armário quase fui para no pronto- socorro, cheio de corte e cacos de porcelana na pele. Os partos caíram da minha mão, direto para o chão. O pulo que dei naquele dia foi uma daquelas manobras que você faz uma vez para nunca mais, pura sorte, e fico agradecida com isso. Quando fui para meu quarto resolvi checar meu e-mail. Estava tão sozinha e sem nada para fazer que se não ocupasse minha mente com algo, acho que acabaria enlouquecendo. Havia chegado ao ponto de querer arrancar a minha cabeça do pescoço e jogar handball com ela. A internet estava lerda, para variar, e minha paciência nunca foi muito grande. Batia levemente a cabeça na mesa do computador, enquanto esperava a pagina abrir para finalmente entrar com minha senha e esperar mais um pouco. Quando finalmente o meu e-mail abriu, depois de muita espera, o alerta: VOCÊ TEM (1) MENSAGENS NOVAS. Desta vez era Patrick, o pateta dois. Respirei bem fundo – lá vem bomba – pensei um pouco e abri a mensagem. Era um e-mail aparentemente normal, sem imagens estranhas e nem links para vídeos infames que Patrick – sabe lá por que – achava que eu ficaria feliz em ver. Era uma mensagem normal, para meu alivio. Mas minha paciência com os dois patetas da cidade de Vila Bela era do tamanho de uma formiga bebê. E a mensagem de Patrick havia extrapolado esse limite, por mais normal que fosse. Oi Alice, tudo bem com vc? Eu acabei de chegar ao hotel (que é muito show). Estou adorando isso aqui. O lugar onde vamos tocar é muitoooo bom! Diga ao papai e a mamãe que eu estou bem, que o Toni já deve estar no hotel há tempos e, provavelmente, nesse momento deve estar com os amigos, em Vitória. Tudo está indo as mil maravilhas, até agora. Vou ensaiar um pouco com a banda. Bjos do seu mano que você tanto adora Patrick Era quase uma xerox do e-mail que Toni havia me enviado mais cedo. Eles devem ter combinado isso só para me enfurecer. Conseguiram. Mas tentei ser racional e madura, comecei a contar até dez. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Se… Se… Se aqueles dois estivessem aqui eu os mataria. Eu não sou de me irritar com coisa pouca, mas quando o assunto é os dois patetas eu perco o controle. Desci e fui ver a mamãe. Estava arrumando a casa. Vi o DVD de Romeu & Julieta separado na mesinha da sala. Já sabia qual era o “clássico do cinema” do dia. Subi com a música tema do filme na cabeça. Adorava-a, mesmo ela me deixando um pouco deprimida quando me lembro do trágico fim do casal. Podia esperar muitas lagrimas para hoje. Pela parte da mamãe e por minha também – esse eu iria assistir. – Mãe, quando for assistir ao filme, me chama! – gritei enquanto subia os degraus. No meu quarto, liguei a televisão e fiquei assistindo ao programa de fofocas. Não tinha nada melhor mesmo. Depois de uns minutos mamãe me chamou. – Filha! Já vou colocar o filme. – oba, vai começar a sessão choradeira. Meu pai havia alugado o filme uma vez e viu no primeiro encontro válido dos dois. Eles nunca consideravam o primeiro encontro de verdade como válido, não entendia o motivo, mas também nunca me interessei muito em saber. Peguei a pipoca, que já estava pronta na panela, o refrigerante e apertei o play. O filme começou. 4. FOFOCAS ra manhã outra vez. Mais um dia havia passado e minha vida continuava a mesma, gostando ou não. Levantei cedo, tomei banho, coloquei meu roupão de todo dia e fui ver se mamãe já tinha feito o café. Pelo cheiro que senti logo que desci as escadas, o café estava acabando de sair. Papai, para minha surpresa, ainda estava na mesa. Eu realmente havia acordado cedo. Estranhei-o ainda não estar totalmente arrumado para o serviço. – Pai, o que aconteceu que ainda não está vestido? – Hoje eu resolvi chegar mais tarde. Estou muito cansado. – O Toni e o Patrick mandaram e-mails! – Sua mãe me contou. Pode dizer que estou muito feliz e desejo toda sorte do mundo pros dois! – Claro, claro! Pode deixar. – eu adoro falar com aqueles dois mesmo. Sentei na cadeira ao lado esquerdo do papai, onde sempre me sento. Quando os meus irmãos estão aqui eles costumam comer em seus quartos, ou na sala. Acho que eu sou a única que gosta da mesa. Papai só sentava conosco nos cafés da manhã, para ler seu jornal. Depois de tomar meu café, subi imediatamente. Fui responder o e-mail dos dois. Para economizar tempo, mandei a mesma mensagem para os dois: E Oi, pateta! Estou feliz que tenham chegado em segurança nos seus respectivos lugares. Odiaria que vcs morressem. Quero vcs vivos, para poder torturar os dois, bem devagar, depois podem morrer a vontade. Mamãe e papai desejaram sorte, felicidade e tudo mais. Bjs Mari, sua irmã do coração. Não tava nem ai se tinha sido um pouco grossa na mensagem. Eles mereciam. Às vezes acho que preciso de um psicólogo para entender o motivo de tanto ódio gratuito pelos meus irmãos. Bem, na verdade não é tão gratuito, eles aprontam, mas as vezes acho que exagero. Quando desci, mamãe estava assistindo um programa de culinário. A apresentadora de meia idade loira e dentuça estava ensinando receitas de comidas típicas do Brasil durante toda a semana. – Já! – fui curta e objetiva e minha mãe entendeu exatamente do que eu estava falando. – E o que eles disseram? – minha mãe perguntava da sala. – Eles ainda não responderam – dei um pequeno grito da cozinha. – A mãe da Milena ligou! – minha mãe agora estava na cozinha. – Serio, nem ouvi o telefone tocar! – Ela disse que já estão em casa e perguntou se você não queria dar uma passada por lá! – Claro, vou daqui a pouco para lá! Milena era a minha melhor amiga na infância, mas agora ela mudou um pouco. Ainda somos amigas, porém, pensamos de modo diferente, o jeito como ela vê a vida, suas atitudes, nós somos bem diferentes. Desde que seu pai começou a subir na vida ela e a mãe começaram a perder a humildade, já via o dia em que eu romperia a amizade que tenho com Milena por causa disso. Quando cheguei à casa de Milena o carro ainda estava com o porta malas aberto e o pai de Milena estava carregando as malas. – Quer uma ajudinha senhor Marcelo? – perguntei assim que o vi com duas malas na mão e uma pequena mala no ombro direito. – Seria uma grande ajuda! Pode pegar aquela mala ali, a direita! Não está pesada, são apenas alguns vestidos da Milena. – a peguei. Como ela disse, não pesava, então peguei outra, meio verde. – Se estiver muito pesado você não precisa carregar! – Acho que era o único que não havia perdido a humildade ainda. – Não, não! Eu consigo carregar até mais! – estava sendo sincera. Aquelas malas não pesavam nem a metade das malas que eu e minha mãe fazemos quando vamos viajar. – Você é realmente um amor de menina! – ele entrou e eu o segui. Deixei a mala junto a outras que estavam em frente a escada. A mãe de Milena, Susana, estava na cozinha bebendo água. – Alice, quanto tempo! – seus cabelos loiros estavam tão fortes e brilhantes que chamaram mais atenção do que qualquer outra coisa. – Realmente! – respondi tentando não fechar os olhos e não ficar cega. – A Milena está no quarto! – agradeci a deixa. – Que bom! Vou subir para falar com ela. – mesmo de longe ainda se via aquele cabelo brilhando feito neon. Quando sai de perto dele quase pude sentircomo se tivesse ficado muito tempo fitando uma lâmpada de 100 watts. – Mili? – perguntei batendo na porta. –Alice! – ela parecia feliz em me ver. – Entre querida, quanto tempo! Esse 1 mês e meio que passei fora realmente fez diferença! E como tinha feito. Seu corpo parecia ter mudado consideravelmente para 1 mês e meio. Suas pernas estavam mais grossas e sua cintura era quase de modelo. Notei que ela provavelmente iria parar de usar bojo, seus seios também estavam maiores, mas não fiquei reparando nisso. Os cabelos loiros e lindos dela estavam em sua cor natural, nada berrante como a mãe. Seus olhos azuis faziam o contraste perfeito com sua boca avermelhada e sua pele branca. Talvez ela tivesse razão para se sentir superior, ela era a garota mais linda da cidade. Botamos o papo em dia, apesar de que os assuntos que ela conversava agora não eram de meu interesse, exceto um. – Alice, sabe no que eu estava pensando? – O que? – disse enquanto ajudava a arrumar as coisas. – Nós podíamos marcar de ir ao shopping! – Ótima idéia, mas quando? – Amanhã! – Amanhã?! – Sim. Por que deixar para outro dia o que se pode fazer amanhã. – Não é bem assim o ditado. – eu iria aceitar o convite. Só estava tirando uma com a cara dela. – Ah Alice, vamos. Podemos chamar a Bia e a Mel! Bianca e Melissa eram outras amigas de turma. Elas sempre moraram em Vila Bela, mas – acredite se quiser – só nos conhecemos quando fomos para a mesma sala há três anos. – Tudo bem, eu vou! – resolvi parar de brincar. – Estou com um pouco de fome! – disse Milena passando a mão na belíssima e em forma barriga. – Eu também. Ainda não almocei. – repeti o gesto. – Vamos à lanchonete da Lucia? Eu estava com saudades dos pratos naturebas dela. – Milena deu um salto e se pôs de pé. – Ótima idéia! – respondi com o mesmo entusiasmo. – Então eu vou ligar para as meninas! Vou ver se as duas podem ir conosco. – Milena pegou seu celular e começou a discar – Desde quando as duas estão de volta? – perguntei desconfiada. – Desde ontem! Elas me mandaram um e-mail avisando. – Milena respondia como se isso fosse óbvio demais para ser perguntado. Não pude evitar de me senti excluída. Elas tagarelaram um bom tempo. Mel ligou para Bia e as três ficaram conversando na mesma chamada – acho. Nunca entendi direito como isso funciona, mas adorava. – Tudo certo, as duas já estão indo para lá! – Milena estava mais animada agora. – Então o que estamos esperando? Descemos as pressas. Falamos rapidamente com a mãe de Milena e fomos direto para a lanchonete. Chegamos à lanchonete juntas. Bia já foi guardando nossos lugares, Milena foi falar com a Lúcia, a dona da lanchonete – nessas horas via salvação para nossa amizade. Lúcia era uma mulher simpática, mas não mexam com ela ou terão que se responsabilizar pelas conseqüências. A lanchonete era bem grande, havia dois andares. Era um típico restaurante natureba, com o estilo rústico, com moveis em madeira, lustres e esculturas de barro. Sempre gostei daquela lanchonete, tinha uma linda vista da cidade morta de Vila Bela. Acho que era o único lugar da cidade que parecia ter vida. – Então garota, me conta como foi de férias? – Mel perguntava para Milena. – Muita coisa aconteceu, depois eu conto melhor para vocês! – Eu tenho muita coisa pra contar, minhas férias foram ótimas! – disse Bia que me fez acreditar que eu era a única que não havia viajado nessas férias. Nós pedimos alguns sanduíches e suco de morango com hortelã. Conversamos sobre bobagens e riamos muito. Estava feliz em reencontrar minhas amigas depois da onda de depressão súbita que me abateu quando meus irmãos viajaram. Não falamos nada de útil, até Isa tocar no assunto. – Vocês ficaram sabendo do Sr. Guedes? – Isa puxou o assunto A Família Guedes era a família mais antiga da cidade. Viviam ali há quase 60 anos. A mulher do Sr. Guedes havia falecido não faz muito tempo. Pobre Senhor Gudes, ficou arrasado com a morte da esposa, realmente inconsolável. Mais de 50 anos de casados e ainda pareciam se amar tanto quanto quando eram jovens, era lindo ver o casal que conseguiu ficar junto por tanto tempo e com a mesma intensidade de quando começaram a namorar. – Diga, diga! – Milena já estava curiosa. – Dizem que ele vai se mudar. – Mel ficou se equilibrando entre os tons “mistério” e “fofoca”, mas acabou ficando com o tom de fofoca. – Pobre Sr. Guedes, deve ser difícil para ele perder a mulher depois de... De muitos anos juntos! Soube que ele está indo para Itália, morar com o filho mais velho. – completou Bia. – Mas isso não é tudo – Mel voltou ao tom de mistério, mas por pouco tempo, o tom preferido dela era de fofoca mesmo – Ouvi dizer que já vendeu a casa há alguns meses, mas como a família estava na Espanha só poderão se mudar em fevereiro. Parece que eles estão com alguns assuntos a resolver por lá. – Nossa, que coisa! – Eu e Milena falamos em coro. – Mas isso não é tudo – Mel prosseguiu. – Meu Deus garota! – Bia interrompeu – Você estava fazendo alguma investigação da nova família da cidade, tipo, pegou a ficha completa dos indivíduos? – Todos riram. – Engraçadinha. Vão querer saber ou não? – Mesmo se nós disséssemos “não” você falaria, então... – Bia continuou brincando. – Parece que o nome da família é “Devón”, eles são quatro: O marido, a esposa e dois filhos. – ela fazia as contas nos dedos – Parece que é uma garota, mais velha, e um garoto – Isa deu bastante ênfase a palavra garoto. – Será que é gatinho? – Milena já ficou animada. – Para o bem de todas nós é melhor que seja um deus! – completou Bia. – Tomara que seja um desses galãs de filmes teen que nós ficamos assistindo. – Mel deixou seu comentário. – Mas Mel, vem cá – disse Bia enquanto levantava uma sobrancelha e se debruçava na mesa, como que vai contar um segredo – Como você consegue todas essas informações? – Eu tenho meus contatos – disse Mel, rindo maliciosamente. Todas continuaram comentando sobre como queriam que o garoto fosse. Eu tive que me resumir apenas em dar um sorriso sem sal e balançar a cabeça concordando com tudo. Já via que esse ano as coisas seriam bem diferentes em Vila Bela. 6. SHOPPING epois que voltamos da lanchonete, liguei para minha mãe. Falei que iria dormir na casa de Milena esta noite. Disse também que iria ao shopping com Milena, Bia e Mel no dia seguinte. Ela não disse nada para me impedir, apenas perguntou se tinha tudo ocorrido bem na viajem com Milena e os pais dela. Disse que sim. Subimos eu e Milena para o quarto, não tínhamos terminado a arrumação pós-viajem que tínhamos prometido a mãe dela. O quarto de Milena sempre foi imenso. Depois que terminamos tudo – mesmo – descemos para jantar. Ao contrario da minha casa, na casa de Milena todos comiam na mesa, como uma “família” de verdade. Depois que terminamos de jantar, Milena e eu subimos. Ela foi arrumar a cama, estava exausta da viagem. Depois que arruei minha cama – no chão – e colocou uma camisola. Eu já estava com a minha, mas Milena nunca gostou de ficar pela casa com roupas de dormir. Diferente de mim, ela não se sentia nenhum pouco incomodada em ficar nua na minha frente. Já eu, não sabia onde enfiar a cara quando isso acontecia. Ela deitou e em poucos minutos já estava dormindo. Eu ainda estava sem sono, ficar trocando o dia pela noite dá nisso mesmo. Peguei o abajur na escrivaninha e coloquei no chão, ao lado da minha “cama”. Peguei um livro da série Gossing Girl e comecei a ler. Aos poucos o sono foi chegando, de mansinho, mas foi chegado, até que não deu mais para agüentar. Guardei o livro, coloquei o abajur na escrivaninha, o apaguei e voltei para me apagar na cama. Quando acordei, Milena estava pulandono banheiro. Apesar de ser fora do quarto, podia ouvi-la cantarolando uma música qualquer. Assim que ela saiu, eu entrei. Tomei um banho bem rápido e corri para o quarto. Havia um vestido lindo em cima da cama quando voltei. Era um vestido xadrez, colorido. D Sua estampa parecia ter sido pintada a giz de cera e não tinha dúvidas de que era o vestido que eu iria usar hoje. – Então, gostou? – perguntou Milena – Comprei para você. – Deu para notar, o vestido é a minha cara! Amei demais, muito obrigada. Só não te dou um abraço agora porque estou meio molhada! – Não esquenta não. O importante e que você gostou. Milena já estava vestida. Estava com uma blusa listrada de azul e branco, uma jaqueta verde e uma calça jeans com manchas brancas. Peguei o vestido e corri para o closet. O vestido havia ficado perfeito em mim, estava realmente maravilhoso. Nós íamos começar a nos arrumar melhor – cabelo, maquiagem e até unhas já que tínhamos tempo – quando a mãe de Milena gritou: – Mili, Bianca e Melissa já chegaram. Elas estão subindo! Logo as meninas já estavam no quarto. Bia estava perfeita. Seus cabelos castanhos escuros estavam belíssimos, realçando seus olhos cor de mel. Ela vestia um vestido jeans, com um modesto decote que estava coberto por um lenço colorido, com um cinto listrado, também colorido. Já Mel estava com seus cabelos assumidamente crespos com um novo corte, menor e moderno, uma blusa bem colorida, uma saia amarela e muitos acessórios. Apesar de já estarem prontas, Bia e Mel ajudaram a arrumar a mim e a Milena. Ficamos conversando sobre varias coisas inúteis e sobre os mistérios dos garotos, além da torcida para que aparecesse algum gatinho no shopping. A mais animada de todas era a Bia, quase não parava de falar. Eu – como sempre – era a estraga prazer. Adorava estar com as meninas, fofocar e falar sobre gatinhos, mas às vezes as meninas exageravam. Nós íamos com o primo de Milena, Ricardo, ou melhor, Rick. Ele era mais velho, 19 anos, porém sempre nos dava carona para onde quer que fossemos. Ele era um cara legal, divertido, totalmente desencanado, além de ser lindo. Seus olhos azuis, cabelo castanho claro e músculos perfeitos o faziam sonho de consumo de quase todas as garotas da cidade. Milena vivia dizendo que se ninguém pegasse, ela pegava, mas o Rick estava sempre muito bem acompanhado. Eu já tive a esperança de um dia ele me querer, mas acho que ele me vê apenas como aquela garotinha sem graça de 6 anos atrás. Já eu, não o via como o garoto chato e implicante de quando tinha 13 anos, ele havia crescido. E como! Já eram 10:18 quando Rick chegou para nos levar. Ele estava com seu carro conversível, óculos escuros, uma jaqueta marrom, calças jeans e os cabelos menores do que a última vez que havia visto. – Rick, cada dia que passa você está mais perfeito! – disse Mel. – Mel, doce da minha vida, querida Mel. São seus olhos! – disse Rick, tirando os óculos de um jeito que só ele sabe. Sexy e sedutor. – Então, estão prontas? – Há muito tempo, não é garotas? – respondeu Milena. – Então o que estão esperando? Entrem logo no carro – Rick fez um sinal com a mão, convidando todas para entrarem em seu carro. Bia foi a primeira a subi. Ela foi na frente, deixando Milena um pouco irritada. O resto de nos sentou atrás, claro. Rick seguiu sorridente como sempre era. Parecia não ter problemas na vida. E não devia ter mesmo! O cara era lindo, tinha um bom emprego, um carro legal, uma garota diferente toda noite, o que um cara pode querer mais da vida? O shopping era em outra cidade, não me surpreendia que a única coisa que poderia animar a cidade de Vila Bela estivesse fechado há 10 anos. Quando chegamos, Bia resolveu sair do carro de uma forma bem diferente. Pulou para fora, sem abrir as portas. Além de Rick, nenhuma de nós quis repetir o ato. O shopping estava relativamente cheio. Mas nada que não pudéssemos enfrentar. Fomos direto para as lojas de roupas – viciadas. Rick foi encontrar uns amigos em uma loja de artigos esportivos e disse que se precisássemos dele era só ligar. Provamos varias e varias roupas. Brincamos de combinar e saímos gastando nossa mesada de três meses. Foi muito divertido, como deveria ter sido. Estava dando graças a Deus, pelo menos isso para dar uma animada nas minhas férias. Havia roupas de tudo que é jeito, de varias lojas diferentes. Saímos da ultima loja e fomos tomar sorvete. – Gente, o sorvete pode esperar? – perguntou Mel. – O que você quer fazer? – Milena foi bem direta. – É que preciso fazer xixi – respondeu Mel cruzando as pernas. Pela cara dela parecia mesmo apertada. – Está bem, vamos! Você parece que vai explodir! – disse Milena, já seguindo para o banheiro. Era engraçado como nós sempre tratávamos Milena como se fosse a líder do grupo. E ela agia feito uma líder. Encontramos com Rick, por sorte, e ele se ofereceu para esperar com as bolsas na porta do banheiro. – Mas eu vou ficar sozinho? – perguntou quando viu que todas nós estávamos indo ao banheiro. – Rick, meu querido, não queremos quebrar um ritual que já dura há séculos. – começou Milena. – Pois é Rick, amiga que é amiga nunca deixa a outra ir ao banheiro sozinha! – continuou Bia. – Mas o que vocês tanto fazem lá? – perguntou inocentemente Rick. – Isso vocês, homens, nunca irão saber! – terminou Mel, abrindo a porta do banheiro. Eu tive que me resumir em um sorrisinho constrangido, dar de ombros e entrar. No banheiro todas ficaram no espelho, exceto claro, Mel que foi para a primeira porta aberta que viu. Tinha poucas pessoas no banheiro, então deu para fofocar um pouco. – Hoje o shopping está meio fraquinho – começou Milena – Quase não vi nenhum garoto realmente decente. – Mas não se pode ganhar sempre – falou Bia enquanto retocava o batom. – Eu tinha esperanças de encontrar alguém. – Milena parecia realmente chateada. – Meninas, vocês ficariam chateadas se eu saísse um pouco. Preciso beber água! – estava começando a ficar com a boca seca. – Que é isso menina! Vá, não queremos que ninguém morra de desidratação. – Bia exagerando. Realmente estava precisando beber água. Enquanto bebia água tive a sensação de estar sendo observada. Ignorei. Mas a sensação estava mais forte. Não tinha muita gente no local, mas mesmo assim não dava para ver direito. Rick estava falando no celular, de costas para mim. Havia três mulheres saindo do elevador e um casal entrando no outro. Uns moleques ficavam rindo em frente à porta do banheiro masculino, mas não olhavam para mim. Até que eu o vi. Olhando pela janela da porta da saída de emergência. Havia um garoto, me observando como sentia. Ele parecia me vigiar, parecia querer me proteger. Apesar de não conseguir ver seu rosto direito, seus olhos estavam bem nítidos. Ele parecia não se importar de saber que eu já o tinha visto, parecia que queria ser pego. As meninas saíram do banheiro. Olhei para elas, estavam rindo, olhei de volta e ele já não estava mais lá. Corri para a porta e olhei pela mesma janela. – O que foi Alice? – perguntou Bia. – Não, nada. Apenas achei ter visto alguém aqui. – respondi ainda olhando para janela. – Seja lá quem for já não está mais ai – disse Milena, que olhou pela janela assim que sai. – Eu que não gostaria de estar nesse corredor sozinha. Ele me assusta! Realmente o corredor era assustador. Era largo de paredes brancas. Havia ventilação, pois sentia sair pelas frestas das portas, mas não se via de onde elas surgiam. E com certeza não teria dado tempo de ninguém sumir dali. Voltamos às compras. Rick fez a gentileza de nos acompanhar nessas ultimas compras do dia. Foi um verdadeiro cavalheiro, carregando as sacolas, dando sua opinião sobre as roupas e ainda fazendo todas nós rirem com suas piadas hilariantes. No final das compras fomos todosá praça de alimentação. Comemos uma pizza gigante, sem medo, estava deliciosa. Conversamos mais um pouco. Rick contou algumas histórias que aconteceram com ele é o irmão dele, coisas que só se vê em seriados humorísticos para adolescentes, enquanto nós apenas riamos muito. A volta foi mais tediosa. Já tínhamos conversado tudo o que tínhamos para conversar, fofocado tudo o que tinha para fofocar, cumprimos nossas expectativas de compras, agora só nos restava comentar sobre o que compramos e o que aconteceu nesse longo dia no shopping. Mas mesmo assim eu só conseguia manter uma coisa em minha cabeça: Quem era aquele garoto? E os últimos dias de janeiro se vão. Chega fevereiro. As aulas estavam prestes a começar. 6. O NOME DELE É DANIEL DEVÓN eliz ou infelizmente o mês de janeiro havia acabado. Foi rápido e tedioso, talvez um dos meses mais solitários de toda minha vida. Eu já estava farta de ficar sem fazer nada, absolutamente nada. Pela primeira vez estava feliz em acordar para ir à escola, pelo menos lá eu encontraria os meus amigos, teria algo o que fazer e não ficaria o dia inteiro dormindo e assistindo televisão. Fui tomar meu banho, como todos os dias. Às vezes achava que minha vida era um eterno dejá vu, sempre se repetindo. Quando desci para tomar café, não senti o cheiro de pão e café fresco de sempre. Olhei a cozinha, estava vazia e intacta. Subi correndo pelas escadas e fui direto para o quarto da minha mãe. Ela ainda estava deitada, mas não estava dormindo. – Mãe, o que aconteceu? – perguntei. – Não acordei bem hoje, me desculpe. Eu não pude preparar seu café! Coloquei a mão em sua testa, estava quente. – Mãe você está com febre! Até parece que eu vou deixar você descer nessas condições. Pode deixar que eu me viro. Já tomou algum remédio? – perguntei quase sem respirar. – Já sim! Seu pai me deu o remédio que o meu medico sempre indica em casos como esse! – E onde está ele agora? – perguntei nervosa. – Ele foi à padaria. Disse que iria comprar pão, mas não demoraria. – Tudo bem, mas nem pense em se levantar da cama. Vou preparar algo para você! F Sai do quarto e deixei a porta encostada. Enquanto descia as escadas, ouvi um barulho de porta abrindo. Era o papai! – Alice, acordou. Comprei pão! – meu pai foi colocando os pães em cima da mesa e continuou – Acho que já deve ter visto a sua mãe. – Ela está com febre, mas já vou preparar o café dela! – Não precisa. Você vai acabar se atrasando para escola, hoje não é o primeiro dia de aula? – nesse momento papai pegava algumas frutas. – Sim, mas eu não vou deixar a mamãe assim. Hoje eu não vou! – respondi furiosa pelo papai achar que eu era tão insensível assim. – Mas filha, não precisa! Eu vou ficar cuidando da sua mãe, pode ir! – Hum, vai cuidar bem dela? – perguntei brincando. – Claro que vou, eu cuido da sua mãe desde antes de você nascer. Apesar de que ela é quem tem talento para cuidar das pessoas. Confesso que ela cuida muito mais de mim do que eu dela, ela é quase como meu anjo da guarda! – Ele riu e eu o acompanhei. – Tudo bem, mas só se a mamãe achar que não vai precisar de mim! Subi e fui olhar a mamãe de novo. A febre ainda estava alta, mas não muito. Acho que o papai daria conta de cuidar dela sozinho, sabia que a mamãe iria me mandar para escola, mas perguntei mesmo assim: – Mãe, você acha que pode ficar sozinha com o papai ou prefere que eu fique? – Claro que eu posso ficar sozinho com seu pai! Já fiquei sozinho com ele tantas vezes, o que de ruim poderia acontecer? Pode ir filha, eu vou ficar bem! – Ela sorria, mas sua voz já não era tão angelical como costuma ser. Sua voz estava triste. – Serio, não vai mesmo precisar de mim? – Já disse, pode ir! – Então está bom, eu vou! – Me despedi dela, dei um beijo e sai. Antes de fechar a porta, coloquei o rosto entre a abertura da porta e perguntei, só de brincadeira: – Tem certeza mesmo? – VAI! – respondeu rindo. Desta vez parecia mais com a velha Michele de sempre. Não cheguei a tomar café. Peguei uma maçã e fui comendo pelo caminho. Apesar de poder chegar alguns minutos atrasado no primeiro dia de aula, eu queria chegar antes da primeira aula começar. Fui apressando o passo. Não precisei andar muito para reparar uma movimentação estranha na antiga casa dos Guedes. A casa dos Guedes – que agora seria dos Devón – era no final de minha rua, por isso, quase sempre passava por ela quando ia para qualquer lugar. Havia dois caminhões de mudanças e um carro preto do qual não sei a marca, apenas que era bonito, parado em frente à casa. Eles deviam ter chegado cedo, parecia que as coisas estavam bem adiantadas. Tentei ver se conseguia achar alguém da nova família, mas não consegui. Só se via os carregadores de uniforme. Bem, acho que teria muito tempo para conhecê-los, continuei andando. Assim que cheguei à escola dei de cara com Milena, Mel e Bia. As três acenaram para mim e eu segui correndo para perto delas. Não voltamos ao shopping desde daquela vez, mas comentávamos de um novo dia de comprar. A escola havia sido reformada. Mas pouca coisa tinha realmente mudado. As paredes, antes apenas brancas, agora eram todas brancas e azuis, seguindo as cores da logomarca da escola. A quadra foi repintada e as redes foram trocadas. Foram colocados azulejos – também brancos e azuis – até a metade da parede na secretaria. Ainda não tinha visto o laboratório de ciências e nem a sala de informática, mas essas acredito não terem passado de uma pintura básica. O pátio agora tinha lixeiras com cores para cada tipo de lixo. Parecia que a cantina também receberá uma reforma, mas não notava muitas diferenças. Quando subimos, as salas não pareciam muito diferentes. Todas foram repintadas e o quadro negro trocado, fora isso era tudo a mesma coisa. A nossa sala esse ano seria a última do corredor do terceiro andar. Apesar de a cidade ser pequena, a escola vivia cheia. Todos na cidade estudam ou estudaram nela. Era difícil ver algum aluno novo. Isso acontecia quando alguém de fora da cidade resolvia matricular seu filho – sabe Deus o motivo – na escola ou quando alguém se mudava para a cidade. Bem, esse ano eu já esperava que novidades acontecessem dês do dia em que Mel disse que a família Devón se mudaria para a cidade. E assim que entrei na sala, pude ver a primeira mudança. Três mesas após a minha, estava ele, sentado olhando para a janela. Assim que entrei, ele desviou o olhar para mim. Ele era o garoto mais lindo que eu já havia visto na vida. Ele tinha cabelos lisos e pretos que estavam estrategicamente bagunçados, um corpo na medida para sua idade, uma boca encantadora e um olhar sedutor. Ele era perfeito em todos os sentidos. Não tinha como negar que, desta vez, acho que iria gostar de ter a rotina quebrada. Seus olhos verdes claros continuavam a me fitar, como se estivesse me decorando. E a cada vez em que seu peito se estufava inspirando o ar, minha respiração era cortada. Parecia que ele me roubava o ar. Não sei quanto tempo ficamos nos olhando. Só fui lembrar mesmo que estava na escola quando Mili me “acordou”, empurrando-me para dentro da sala. Mesmo depois que entrei, ele continuou me olhando. Parecia que estava me vigiando, querendo me proteger, como o garoto do shopping. Foi então que me veio à lembrança, o garoto do shopping! Seria ele? Não, acho impossível. Mas será? Assim que sentei senti mais olhos em minha direção. Estava assustada, o que será que todos estavam me olhando de forma tão estranha. Resolvi olhar melhor, claro, os olhares não eram para mim, eram para ele. Toda a sala estava olhando para aquele novo aluno. Seu rosto de anjo e beleza descomunal pelo visto não havia atraído somente a mim. Senti-me mal por ele, deveria estar sendo horrívelser novo aluno e já chamar toda a atenção para si. Ele não parecia ser do tipo que gosta de chamar a atenção, e aos pouco vi em seu rosto o desconforto de estar sendo observado pela sala toda. Na verdade a cara dele era mais de constrangimento, acho que principalmente por causa dos comentários. Todos – até mesmo os garotos – estavam admirados com sua beleza. Também pudera, ele conseguiu, pelo menos de mim, o titulo de novo “gatão da sala”, talvez até da escola. Por alguns instantes, aquela angústia que sempre tenho quando minha rotina é mudada começou a invadir-me de tal forma que chegava a doer. Talvez não tenha sido tão bom esse garoto aparecer por aqui. As outras aulas foram a mesma coisa, troca de olhares, comentários, suspiros e batimentos cardíacos a mil por hora. E no intervalo do lanche não foi diferente. Os comentários só aumentaram, agora era oficial, ele havia se tornado o garoto mais bonito da escola. Até mesmo os funcionários comentavam sobre sua beleza e eu, obvio, não tive para onde fugir. – Alice, você já falou com o aluno novo? – perguntou Jane, uma colega minha do 3º ano. – Ainda não. – respondi meio sem jeito. – Mas ele é da sua sala, não é? – ela parecia muito interessada. – Sim, ele é! Foi a pergunta mais repetida que os alunos das outras classes fizeram para os alunos do 2º ano. Todos queriam saber de onde saiu aquele garoto que ainda não sabia sequer o nome. Isso me incomodava muito. O intervalo acabou, mas os comentários não. A aula seguinte era de literatura. Havia comentários de que a professora antiga tinha se demitido, mas não se sabe ao certo o motivo. Parece que ela desistiu de ser professora para cuidar dos negócios da família, que não eram pequenos. Assim que entramos na sala a professora nova entrou também. A surpresa foi geral. Ninguém esperava uma professora de literatura nova e bonita, ou melhor, nova e linda. Era tão incrivelmente linda quanto o aluno novo. Seus cabelos lisos e pretos estavam em um coque. Sua pele branca parecia de porcelana, olhos verdes e um corpo de dar inveja a qualquer garota. Ela também tinha uma fisionomia angelical, porém era mais exótica. Ela provavelmente devia ser uma Devón. Sem dúvida, as pessoas mais lindas que já vi. – Olá, classe. Meu nome é Amanda Devón, serei a nova professora de literatura de vocês. Espero conseguir ser tão boa quanto à professora antiga de vocês, soube que era excelente. Bem, esse é meu primeiro dia aqui, por tanto, gostaria que cada um de vocês levantasse e dissesse nome e idade, começando por essa fila. Ela começou pela fila ao lado da porta, a minha seria a terceira e ultima fila. Havia 23 alunos na sala, mas esse numero costumava crescer com o tempo até chegar a capacidade máxima de 40 alunos. Como só havia o Devón – cujo primeiro nome ainda não conhecia – de aluno novo, nem prestei atenção. Alguns eu até podia remendar, pois já conhecia exatamente o modo de falar de cada pessoa na sala. Olhei rapidamente para trás. Ele ainda me observava, com os mesmo olhar de vigilância que manteve dês da primeira aula sobre mim, somente sobre mim. Não sabia se me sentia lisonjeada, constrangida ou irritada com isso, só sabia que me sentia estranhamente angustiada com a sensação forte de rotina rompida. A segunda fileira já havia acabado e a terceira já estava se apresentando. Não demorou muito para chegar minha vez. – Bem, acho que todos já me conhecem. Meu nome é Alice Montês e tenho 16 anos. – piada infame, estava muito nervosa, mas pelo menos todos riram. Até a professora deu um sorriso simpático. A fila seguiu com Milena e Mel, quando finalmente chegou a hora dele. Era estranho como nenhum professor perguntou por seu nome. Provavelmente ele já deve ter conhecido todos os professores, a irmã dele deve ter apresentado a todos. Virei-me para vê-lo falar. Ele era ainda mais lindo de pé. Seus olhos continuavam fixos em mim, depois se viraram para sala. – Meu nome é Daniel Devón, tenho 15 anos. Pela primeira vez pude ouvir sua voz. Era incrivelmente bela. Tinha um tom angelical, doce que combinava com seu rosto. Mas também era uma voz firme e segura. Ele era realmente perfeito. Daniel Devón. Sentia que nunca esqueceria esse nome. Acredito que seja impossível esquecer o nome da pessoa mais linda que já vi. A angustia tomou conta de mim outra vez, agora mais forte e arrebatadora. Sabia exatamente o que isso queria dizer: NOVA ROTINA SENDO CRIADA. Após todos terem se apresentado, Amanda começou a passar a matéria. – Este é apenas um texto de introdução. Não iremos nos aprofundar agora. Por isso, não se preocupem; o texto é pequeno. Ela passou um quadro inteiro. Em comparação ao que tínhamos no ano, um quadro realmente era pequeno. Antes de terminar o ultimo parágrafo, Amanda foi chamada a sala da diretoria. Parece que a pauta dela já estava pronta. Assim que ela saiu Daniel se levantou e veio até minha cadeira. Agora sim, todos os olhares estavam voltados para mim. O garoto mais lindo da escola, que se manteve calado durante todas as aulas, veio a minha cadeira. – Acho que seremos bons amigos. – foram as primeiras palavras que ele trocava comigo. Muito estranho. Que tipo de garoto se apresenta com “acho que seremos bons amigos”? – Q-q-que bom. Então quer dizer que você é um Devón? – Parece que sim! Você não precisa se preocupar, a Amanda não ficou com raiva de você. – eu fiz cara de quem não entendeu – Por causa da piada. – Ah, sim! Bom saber. – já nem lembrava daquela “piada”. – Eu mudei para a mesma rua que você mora! – Sim, eu sei. Mas como você sabe disso? – Eu te vi saindo de sua casa e passando pela minha casa. – Você... Você... Me viu? M-m-as como? – estava ficando assustada – Eu não vi ninguém. – Eu estava dentro do carro. – Dentro do... Carro? Ah, claro! – estava sentindo minha pele corar. – Espero te ver mais vezes. Agora vou para o meu lugar. Amanda já deve estar voltando! Ele voltou para o lugar. Sabia que se fosse qualquer outro garoto eu não teria ficado tão nervosa e envergonhada e isso era ruim. Isso era muito ruim. Como ele disse, não demorou muito e Amanda já estava de volta. Ela terminou o parágrafo, mas poucos voltaram a copiar. Estavam todos comentando o que acabava de acontecer. Daniel Devón, que se manteve calado em todas as aulas, finalmente resolveu falar com alguém. E esse alguém era justamente eu. Não estava gostando nada de ouvir as pessoas fofocando sobre mim. Odiava ser o centro das atenções. Gostava que me notassem, mas não gostava de ser o único assunto de todos. Eu realmente precisava de uma consulta com um psicólogo, urgente. Já estava vendo tudo, claramente. Esse ano sem dúvida não seria igual aos outros, não mesmo. Era como se eu pudesse prever o meu futuro, que não estava nada agradável. Estava prevendo varias fofocas, cochichos, murmúrios e mais milhares e milhares de olhares incansáveis sobre mim. Não sei o porquê, mas sentia que esse Daniel realmente estava disposto a se torna um grande amigo meu. Mas com tantas garotas na sala, mais bonitas, mais encorpadas, mais disponíveis a alterações de rotina, ele tinha que escolher justamente a mim, a mim! Realmente podia prever o meu futuro. Sabia exatamente o que me aguardava e sabia que não iria gostar nada mesmo. Mas parece que não existe escapatória, esse ano é o ano das mudanças e minha rotina não seria apenas interrompida, ela seria reescrita. Senti-me extremamente repetitiva, mas esse era o ano da mudança de rotina, e era uma mudança realmente descomunal. 7. INVASÃO inalmente a aula havia acabado, não estava mais suportando aquilo. Estive ao ponto de pensar que poderia enlouquecer se ficasse mais um segundo ali, com ele me olhando e eles fofocando sobre mim. Quando sai da classe pude ouvir algumas garotas contando para outras salas o que havia acontecido. Meu Deus,logo a escola inteira iria ficar sabendo! Não sei se estarei viva até o fim do ano. No corredor, indo para a saída da escola, o vi com a irmã. Ele ainda me observava, e agora todos estavam vendo que o que andam cochichando nos últimos minutos era verdade. Acho que, de todas as fofocas já contadas, essa foi a que se espalhou mais rápido, deveria estar no livro dos recordes. Senti uma mão tocar meu ombro antes de chegar à porta. Era Roger, aquele infeliz sonhador. – Vocês estão namorando? – perguntou meio inseguro. – Vocês quem? – perguntei já sabendo do que se tratava. – Você e o aluno novo, o Devón. – ele ainda estava inseguro. – NÃO! – fiz uma cara de brava e sai. Ele veio atrás e continuou – Mas ele falou com você hoje. – Sim, acho que todos já sabem. – estava ficando nervosa. – Mas por que ele falou só com você? – ele veio para minha frente. – Oras como vou saber! – essa história já estava me irritando. F Quando sai da escola, segui para o pátio. Precisava ficar sozinha um pouco. Passei pelo estacionamento e o vi com a irmã, que tinha acabado de bater a porta do carro. Ele me viu e veio para minha direção, lindo e perfeito, como um anjo. Mesmo estando furiosa com o pandemônio que minha vida estava se tornando por causa dele, não conseguia ficar nervosa quando via os belos olhos verdes com um sorriso perfeito vindo para perto de mim. – Oi, de novo! – ele estava mais perfeito do que me lembrava. – Oi – respondi dando um sorriso tosco. – Desculpe a confusão que acabei criando. – disse enquanto passava a mão sobre a nuca. – Que povo louco não é? – tentei não dizer o que realmente estava pensando – Fica fazendo de uma simples conversa um espetáculo de circo. – continuei com o sorriso tosco. – Que bom que não está com raiva de mim! – ele ficou mais animado. – De você? Não tenho motivos para ficar com raiva de você – mas acho que estava – Os outros que exageraram! – isso era verdade. – Será que posso te dar uma carona? – perguntou apontando para o carro – Bem, não eu. Mas a Amanda não vai se importar. – Vamos evitar mais comentários e deixar essa carona para próxima, depois que a poeira da fofoca abaixar. Acenei para ele e ele fez um sinal positivo com o dedo. Sua expressão era de quem havia acabado de dar a maior mancada, mas não parecia chateado por ter recusado. Quando fui para quadra, vi que as meninas estavam me espionando. Até minhas melhores amigas estavam tirando o dia para me aporrinhar com esse assunto! Segui em direção a elas já fazendo minha cara de quem estava com “as macacas”. – Que bonito, meninas, me espionando. – disse antes mesmo de chegar perto delas. – Nós só queríamos saber se você... – Mel tentou se explicar, mas a interrompi. – Nada de “mas”! Vocês são minhas amigas, ou pelo menos acho, deveriam me ajudar a calar a boca de todo mundo. Mas o que vocês estão fazendo, me apunhalando pelas costas, querendo saber o que eu estava conversando para terem o que fofocar, não é? – Alice, é isso que pensa da gente? – perguntou Bia fazendo cara de inocente. – É exatamente isso! Quem não as conhece que as compre. – tentei ser menos agressiva e disse isso mais descontraidamente. – Desculpa, prometemos não fazer mais isso – disse Bia, em nome de todas. – Fazer o que? Se é ruim com vocês, pior sem! – fiz sinal com a mão para me seguirem. Todas vieram atrás e nenhuma tocou no assunto mais comentado do dia seguinte. Sim, porque esse assunto ainda ia passar por muitas bocas antes de acabar. Quando cheguei em casa, um susto. Meu pai, sentado á mesa, junto com outro homem e minha mãe – que parecia estar bem melhor que de manhã – na sala, com uma mulher. O homem, de uns 40 anos, estava vestido com uma roupa social, de pasta na mão e conversava seriamente com meu pai. Já a mulher, de uns 30 e poucos, estava vestindo um belo vestido azul, não muito justo nem muito folgado. Mas o que mais me espantou foi a beleza dos dois. Ele tinha cabelos pretos, olhos verdes, aparentava ter um corpo em forma, uma voz firme e decidida. Já a mulher tinha longos cabelos também pretos, olhos cor de mel, uma pele tão perfeita que nem parecia ter passado pela adolescência, ou pelas espinhas. Seu rosto e voz eram tão calmos e angelicais quanto os da mamãe. Ela era a primeira pessoa que conheci – além da mamãe – que tinha esse perfil. Fiquei sem ação, já sabia exatamente de quem se tratavam. Só podiam ser eles, os Senhor e Senhora Devón, que outras pessoas no mundo poderiam ser tão lindas e angelicais quanto a essa família. Nesse momento cheguei a cogitar que eles haviam sido feito em laboratório, unido o que há de melhor nos seres humanos, não havia condições de uma pessoa normal nascer tão perfeita. – Alice, você já voltou! – disse meu pai. – Quero lhe apresentar o Sr. Miguel Devón. Como imaginei, eram os Devón. Ele sorriu para mim e seu sorriso me fazia lembrar o de Daniel. Estendeu a mão para me cumprimentar, fiz o mesmo. – Eu e o Sr. Devón estávamos discutindo alguns assuntos. Nós estamos firmando uma sociedade! – meu pai falava isso com um imenso orgulho e um sorriso no rosto tão igualmente imenso. – Aquela é a esposa dele, Sra. Ângela Devón. A Sra. Devón levantou-se do sofá e minha mãe seguiu atrás. Ela também me cumprimentou, mas acrescentou dois beijos. Eu mantive a educação e novamente fiz o mesmo. – Mas ela já é uma mocinha! – disse a Sra. Devón – Provavelmente você já deve conhecer os meus filhos. – Sim, já conheço. O Daniel é da minha sala. Já a Amanda eu conheceria de qualquer forma. – respondi, novamente mantendo a educação. – Mas você é muito nova para ter uma filha da idade da Amanda. – Que amor! Só mais velha do que aparento. Pode acreditar. A Amanda tem apenas 20 anos. Eu casei cedo, pouco mais velha que você. – ela começou a sorrir. Sua voz realmente era tão angelical quanto à da mamãe. – Mas mesmo assim, você ainda parece ser muito jovem! – meu ápice de educação foi na “retirada”. – Bem, se me dão licença, eu ainda não troquei de roupa, então, se me permitem eu vou subindo. Com licença. Subi rapidamente para o quarto. Os Devón não me veriam mais por hoje, só desceria quando fossem embora, todos eles. Começava a ficar com medo do que poderia acontecer comigo dali pra frente, com tantas mudanças acontecendo. A minha rotina já estava sendo modificada e reescrita. Não sabia mais o que seria de mim agora, com tantas mudanças aparecendo em minha vida. Nunca imaginei que o meu maior desejo iria se tornar o meu pior pesadelo. Fui tomar um banho, tinha que jogar um pouco de água na cabeça. Enquanto a água escorria pelo meu corpo e se dissipava no ralo, mantive meus pensamentos no passado. Parecia um bom momento para lembrar como minha vida era. Já estava digerindo algumas coisas e já sabia que podia dividir minha vida em antes e depois dos DeVale. Depois comecei a imaginar no que minha vida se tornaria, mas não fazia idéia. Imaginava fofocas, cochichos e nada mais. Depois que terminei de tomar banho, fui para porta e dei uma olhada pela greta que abri, aparentemente os dois já tinham ido embora. Voltei ao banheiro para apagar a luz que havia deixado acesa e troquei de roupa. Arrisquei-me e resolvi descer. Não havia ninguém na sala. Fiquei aliviada, não poderia voltar ao meu quarto se eles estivessem lá, e se eu quisesse manter minha educação. Fui para cozinha e achei que estava tendo uma visão. Era Daniel Devón sentado na mesa? Sim, era Daniel Devón sentado na mesa! – Oi, outra vez! – disse quando me viu. – O-o-oi. – estava totalmente sem graça. – Alice, achei que você tinha morrido no banheiro. Venha por seu almoço! – minha mãe me viu e depois olhou para o Daniel. – A Sra. Devón pediu para que ele almoçasse aqui hoje. Eles ainda estão arrumando as coisas e ela não pode fazer o almoço, espero
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