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Terra dos Anjos - Felipe Reino

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Terra dos Anjos 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
uando comecei a escrever “Terra dos Anjos” meus planos para 
esse livro eram outros. Esse deveria ser o primeiro livro da “Saga 
dos Anjos”, mas devido alguns problemas que acabei tendo com 
outras histórias tive que excluir “Terra dos Anjos” da saga. 
 
A primeira coisa que me veio à cabeça quando me 
deparei com os problemas que apareceram foi modificar a 
história, o que de uma forma ou outra tive que fazer. Comecei a 
procurar os pontos onde deveria mudar e descobri que 
mudança não seria a salvação para a saga, então retirei e 
adicionei alguns capítulos e cenas e resolvi terminar “Terra dos 
Anjos” sem grandes alterações e criar uma história nova para 
ser o 1º livro oficial da saga. 
“Eterno” – título escolhido pelos leitores – seria o 1º 
de 3 livros da saga. A história seguiria a mesma base que foi 
usada para escrever “Terra dos Anjos” (ou TDA como foi 
apelidado pelos leitores), porém, com um enredo melhor 
trabalhado, mais solido, sem tantos erros como acabou 
acontecendo com TDA. 
 
No momento “Eterno” e da a “Saga dos Anjos” estão 
temporariamente cancelados. Não sei se os problemas de TDA 
me desanimaram ou se acabei perdendo o amor pela história, 
mas não tenho planos para a saga (nem sei se voltarei com ela). 
De qualquer forma espero que leiam TDA como uma 
previa de “Eterno”, um aquecimento e caso “Eterno” volte a ser 
escrito, que não o crucifique e nem a saga. 
 
Espero que curtam muito essa história e que, mesmo 
com os erros e problemas, vocês possam amar-la tanto quanto 
eu a amei enquanto escrevia. 
Um super abraço para todos 
 
– Felipe Reino 
Q
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PRÓLOGO 
 
...Depois que terminei a frase não sei dizer bem o que 
aconteceu. Uma luz forte atingiu toda a sala. Estava certa de que 
tudo isso que estava acontecendo era um sonho. Um sonho 
muito estranho. Provavelmente eu iria acordar e pensar em 
escrever um livro sobre esse sonho maluco. Mas isso não era um 
sonho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
01. MUDANÇA DE ROTINA 
empre precisei de mais tempo para qualquer coisa do que meus 
irmãos. Aqueles dois patetas! Banho, cabelo, se arrumar, 
comer… Até para escrever eu era mais lerda do que eles. Era! 
Graças a Deus os dois se mudam hoje. Toni – Antonio Montês 
Filho – o mais velho dos três filhos da dona Michele Montês, 
sempre foi o queridinho da casa. Seu rosto beirando a perfeição 
era uma cópia masculina do rosto da mamãe. Porém seus belos 
olhos verdes e cabelos castanhos dourados eram 100% “made in 
papai” Senhor Antonio Montês. Ele era alto, bonito, olhos 
lindos, músculos na medida, bom jogador, tinha bom emprego, 
se eu não fosse irmã dele até eu me apaixonaria. 
Já meu outro irmão, Patrick Montês, era exatamente o 
oposto. Olhos cor de mel, como os da mamãe e os meus, 
cabelos negros, um sorriso avassalador e um corpo igualmente 
na medida – como o do Toni-, só pecava com os maus hábitos. 
Patrick era mal-humorado, péssimo aluno e só queria saber de 
sua banda ridícula. Apesar dos dois serem irmãos, se alguém de 
fora os analisar vai achar que um dos dois é adotado ou 
qualquer coisa do tipo. 
Os dois irão se mudar no mesmo dia, mas por motivos 
opostos. Toni vai viajar a trabalho – orgulho da casa –, já Patrick 
vai entrar em turnê com sua banda, ele acredita que poderá se 
tornar o próximo Kurt Cobain, e eu finalmente poderei ficar com 
a casa só pra mim. 
– Patrick, Alice e Michele! – berrou meu pai da escada – 
querem fazer o favor de se apressarem. 
S 
Era só o que me faltava. Meu pai, que nunca foi de 
chamar a minha atenção por isso, parece que resolveu agir igual 
aos dois. Realmente não espero que ele esteja treinando para 
substituí-los. Eu não sei se sobreviverei. 
– Já estou pronto papai – ouvi Patrick gritando, 
enquanto descia as escadas correndo. Toni, como sempre, já 
estava na porta. Por ele nós já teríamos ido há trinta minutos. 
– Alice, você ainda não está pronta? – papai continuava. 
– Já estou pronta, amor. – desta vez minha mãe quem 
descia as escadas. Droga, agora só faltava a mim! E o pior: não 
estava pronta. 
Tive que descer do jeito que estava. Meu cabelo 
incrivelmente liso na raiz, mas que ia encaracolando ao decorrer 
até chegar às pontas estava mais preto do que de costume. 
Minha pele branca estava rosada devido à maquiagem feita as 
pressas. Meus 1,65 de altura estavam devidamente tapados 
com meu jeans básico, minha blusa amarela com uma pequena 
estampa rodeando a gola e meu tênis preto surrado. Resultado 
de tudo: estava me achando feia e não podia fazer nada para 
modificar isso. 
Entramos no carro. Eu, como sempre, tive que ficar no 
meio. No maldito meio. Todos que me conhecem sabem que eu 
gosto de ficar na janela, imersa em meus pensamentos, mas 
quando os dois estão juntos sempre sobra pra eu ter que ficar 
na porcaria do meio. Ainda bem que isso é só por hoje. Tudo 
bem que Patrick vai voltar daqui a cinco meses, mas pelo menos 
vai ter lugar pra nós dois e ninguém precisara brigar pela janela. 
Assim que chegamos ao aeroporto meu pai decidiu 
testar minha paciência. Mesmo que ele não tenha notado isso. 
– Filha, pode pegar as malas dos seus irmãos no porta-
malas? – meu pai sempre gostou de abusar de mim quando eu 
estou estressada, mas dessa vez ele pegou pesado. Não estava 
pra esses tipos de coisas. Não para meus irmãos! Eles têm mãos, 
que carreguem os dois! 
– Alice, obedeça a seu pai! – dois contra um era 
covardia. Fui obrigada a levar as malas dos dois. Duas malas. 
Apenas duas malas, foi o que eu disse. 
Deixamo-los no portão de embarque. Os olhos de Dona 
Michele já estavam lacrimejando. 
– Eu desejo muita sorte para os dois – dizia, ou melhor, 
choramingava a mamãe. 
– Juízo na cabeça de vocês. Principalmente você Patrick! 
– completava o papai enquanto entregava uma das malas ao 
Toni. – Você não vai dizer nada para seus irmãos Alice? 
– Já vão tarde! 
– Alice! – Berrou minha mãe. 
– Deixe-a mamãe. Sabemos que ela sentira muita falta 
da gente, não é Patrick? 
– Ela só não quer é dar o braço a torcer! Pode falar 
Alice. 
Não respondi, apenas mostrei a língua para os dois e 
virei às costas. Sabia que estava sendo infantil, agindo feito uma 
garota de 6 anos de idade ao invés de agir feita uma de 16 que 
sou. Mas sabia também que o que eles diziam era a mais pura 
verdade. Apesar de odiar-los por natureza, eu sentiria muita 
falta daqueles dois patetas dentro de casa. Estávamos no 
aeroporto e ficamos lá até o avião decolar e sumir no céu. 
Como já esperava, papai me deu aquele velho sermão. 
Sempre se equilibrando entre os extremos da seriedade com os 
da raiva. 
– Alice, o que deu em você? 
– Pai! Por favor, hoje eu não estou bem – tentei dizer 
isso com a maior delicadeza que me foi possível. 
– Filha, seu pai tem razão. Não precisava falar assim com 
seus irmãos! – mamãe falava como se tivesse uma pomba da 
paz em sua garganta. Qualquer sermão, por mais serio que 
fosse, dito por ela soa como um conselho amigo, sereno. 
– Você hoje estava impossível! – completou papai. 
– Vocês dois não entendem! – e acho que nem eu. 
Quando chegamos ao estacionamento, o nosso carro foi 
a primeira coisa que vi. Como não poderia notar aquela coisa 
grande, linda, brilhando pra vida, reluzindo todo o seu 
esplendor. Era uma Mercedes preta, linda mesmo. Acho que 
nunca gostei tanto de um objeto quanto eu gostei dessa 
Mercedes. Não sou de ligar para carros e velocidade, mas 
aquela Mercedes me enfeitiçou, porém, não conseguia chamá-la 
de Mercedes, nem de Beleza Negra como meu pai. Apesar de 
achá-la magnífica, apesar de toda sua exuberância, ainda assim 
eu só conseguia chamá-la de carro. 
No carro o silêncio foi predominante e estava quase 
certa de que continuaria assim até que chegássemos em casa. 
Durante toda a silenciosa viajem de volta para casa fiquei, 
digamos que, distraída em meus pensamentos enquantoobservava cada árvore passando por mim e sumindo em 
questão de segundos. Lembrei do meu professor de física, 
sempre dizendo que o movimento é relativo. Tudo depende 
do ponto de vista de quem vê. Do meu ponto de vista, tudo 
ao meu redor estava em alta velocidade. O sol estava bem forte 
e por alguns momentos o reflexo dele no vidro me cegava, mas 
ainda assim, continuava olhando. A rua em movimento me 
hipnotizava, era como se o mundo estivesse acelerando, 
correndo mais rápido do que devia. A casa agora era só minha! 
Chega de Patrick quase arrombando a porta do banheiro 
enquanto me penteio; chega de Toni dizendo que se eu não 
terminar de tomar meu café logo, não poderá me levar até a 
escola e principalmente; chega de ser a casulinha da casa! 
De repente as árvores e postes começaram a diminuir a 
velocidade. A rua começará a ser bem familiar para mim. 
Estávamos chegando em casa. Voltávamos àquela velha casa de 
sempre, agora com dois moradores a menos. 
– Essa casa já parece mais parada sem os dois aqui! – 
Mamãe continuava a choraminga. Perguntava-me se quando eu 
fosse embora a mamãe também choraria. 
– Acho que continua a mesma coisa – Ainda estava 
agindo feito uma criança. 
– Eu vou subir e tomar um banho. Vou aproveitar que 
tirei o dia de folga hoje e descansar. – Papai sempre foi um 
homem de negócios, engenheiro formado, estava sempre em 
sua firma trabalhando. 
Quando Toni disse que queria fazer engenharia, papai 
teve uma reação inesperada. Melhor dizendo ESTRANHA. 
Respirou fundo, afrouxou a gravada, passou a mão sobre sua 
cabeça quase calva, se não fosse por uns poucos cabelos que lhe 
restavam sobre as laterais da cabeça, soltou o ar, subiu as 
escadas, abriu a janela do meu quarto e gritou: 
– Teremos outro engenheiro na casa! 
 Todos que estavam na rua concentraram seus olhares 
para a minha janela que ficou conhecida como “a janela do 
engenheiro”. Foi um dos dias mais constrangedores da minha 
vida. 
Hoje ele tinha tirado o dia de folga especialmente para 
levar meus irmãos ao aeroporto. Não era todo dia que ele fazia 
isso, por tanto, me senti um pouco enciumada de não ter tido 
esse tipo de consideração até hoje. 
Depois que se passaram algumas horas comecei a sentir 
falta da bagunça que era a casa quando os dois estavam aqui. 
Da mamãe gritando com Patrick por ter deixado o prato sujo 
sobre a mesa do computador, do Toni reclamando da barulheira 
que o Patrick fazia enquanto ensaiava com a banda na garagem. 
Até do papai – depois de reclamações do Patrick – dizendo para 
“eu sair logo do banheiro ou senão…” Nunca soube o que vinha 
depois do senão, mas nunca acreditei que ele realmente faria 
alguma coisa. Não imaginei que sentiria tanta falta de dois seres 
que, até então, eu odiava como nunca odiei na minha vida. 
Eu estava de férias, então não tinha nada pra fazer. 
Liguei a TV no meu quarto, mas a programação não tinha nada 
de interessante. Nenhuma noticia nova sobre nenhum dos meus 
artistas favoritos, parecia até uma conspiração para me prender 
diante o tédio que aquele dia se tornará. Tentei ver se tinha 
alguma novidade no meu e-mail: VOCÊ TEM (0) MENSAGENS 
NOVAS. Por alguns minutos fiquei observando meu quarto, 
reparando nos detalhes que não tinha reparado antes, como um 
pequeno rasgado no papel de parede, perto da janela, o meu 
violão nunca usado continuava no mesmo lugar, deitado no 
canto, do lado do guarda-roupa a direita da porta do quarto – 5 
aulas e nunca mais voltei –. Meus CDs estavam da mesma 
maneira que os deixei, jogados na mesa de computador ao lado 
da janela. Alguns DVDs na escrivaninha, ao lado da mesa de 
computador, junto com vários livros e revistas femininas. Na 
mesinha, ao lado da minha cama, estavam meu celular, alguns 
anéis, e quase caído, meu binóculo. O ventilador de teto estava 
ligado na velocidade media, havia ainda a máquina fotográfica 
que tinha ganhado de natal na mesa do computador, junto aos 
CDs e a minha ampulheta cuja cor da areia gerava discussões a 
todos que viam; seria ela azul ou verde? Ainda olhando a mesa 
do computador, estava minha mochila velha do lado da mesa, 
cheia de revistas em quadrinhos. Em cima da mochila, uma caixa 
de sapatos com livros de contos românticos da minha mãe e, 
ainda, em cima da caixa, alguns CDs velhos que eu iria jogar fora 
algum dia. 
Pensei seriamente em arrumar meu quarto. Levantei e 
comecei a guardar os CDs que estavam espalhados pela mesa de 
computador, mas o tédio cansa então parei. 
Resolvi que iria ler. Peguei uma versão adaptada do livro 
A volta do parafuso de Henry James. Comecei. Já havia lido 
aquele livro umas três vezes, adorava-o, mas desta vez estava 
tão absorta em meus pensamentos que nem prestei atenção no 
que lia, apenas lia. Quando dei por mim novamente, havia 
notado que tinha se passado duas horas e eu ainda estava na 
página oito do livro. Realmente não estava conseguindo me 
concentrar, talvez não quisesse. Nunca imaginei que a saudade 
de ter meus irmãos em casa me viria tão rápido e me atingiria 
tão forte assim. Voltei a verificar meu e-mail: VOCÊ TEM (0) 
MENSAGENS NOVAS. Estava iniciando uma súbita e frenética 
vontade de gritar, como meu pai fez no dia em que descobriu 
que Toni seguira engenharia, mas – graças a Deus – meu senso 
de ridículo me impediu de cometer tal alto de insanidade e fui 
obrigada a gritar mordendo meu travesseiro, para abafar o som. 
Sabia exatamente o motivo de estar assim: MINHA ROTINA 
FORA MUDADA. 
 
 
 
 
 
 
 
02. LEMBRANÇAS 
stava sentindo ódio de mim mesma agora. Não podia acreditar 
que estava com saudades daqueles patetas dos meus irmãos. 
Isso era totalmente desprezível, inaceitável e imperdoável. Eu 
sempre tive certeza de que quando me visse livre daqueles dois 
eu faria uma festa, mas estava com saudades. Saudades de 
tudo, até mesmo do que eu achava que não sentiria saudades. É 
incrível como o costume de conviver com alguém que você 
odeia pode lhe fazer. 
Hoje quando acordei – as 10:00 – e fui tomar banho, 
achei que estava louca. No meio do banho podia jurar que havia 
ouvido o Patrick gritando para eu sair logo e quando sai, pude 
ouvi quase que claramente ele dizer o seu famoso “finalmente, 
guria” que só ele sabia falar. 
Desci e fui tomar o café, não iria nem almoçar hoje. 
Estava de roupão e com os cabelos úmidos e ainda não 
penteados. Peguei o pão e procurei pelo queijo e o presunto, 
mas só achei margarina. Por que não compravam manteiga? 
Eles sabem que detesto margarina. Desisti do pão e fui pegar 
alguns biscoitos. Não gostava muito de biscoitos pela manhã, 
mas é melhor que ficar com fome ou comer pão com margarina. 
Pensava em tomar leite – não sei por que ficam dizendo que 
leite é coisa de criança – mas o cheiro forte do café me 
hipnotizou. Senti-me como naqueles desenhos em que a fumaça 
da comida fazia o formato de uma mão e puxava o personagem 
até ele, quase me pude sentir flutuando. 
E
Sentei-me à mesa sozinha, era raro nos reuníamos na 
mesa para comer seja lá o que for. Exceto por aqueles domingos 
em que o papai fazia um belo de um churrasco e chamava os 
vizinhos, mas de qualquer forma não era a mesa da copa. Era a 
mesa da varanda, de madeira, larga e comprida, pareciam 
àquelas mesas dos castelos, porém um pouco menor e menos 
elegante. Meus irmãos que adoravam aqueles churrascos. Eles 
sempre faziam questão de ir comprar as carnes e o carvão. Eles 
ficavam tão felizes que eu era quase capaz de amar os dois. 
Talvez esses fossem os únicos dias em que eu ficava feliz deles 
serem meus irmãos, eram dias de paz. Acho que vou sentir falta 
desses domingos. Nossa cozinha me fazia lembrar muito eles, 
havia quase que uma serie humorística gravada naquelas 
paredes. Como quando o Patrick resolveu dar uma de cozinheiro 
e quase pôs fogo na casa. Ou quando o Toni trouxe a primeira 
namorada para conhecer a família, foi oferecerum refrigerante, 
mas não conseguia abria a garrafa e quando abriu ele havia 
sacudido tanto ela que voou refrigerante pra tudo que é lado. 
Odiava admitir isso, mas, essa casa não era a mesma sem os 
dois aqui. 
Fui me trocar depois que terminei de tomar café. 
Parecia impossível, mas esse ano eu não fui a lugar nenhum. Era 
chato ter que ficar em casa, era chato ter como entretenimento 
apenas a TV e o computador, era chato não viajar. Essa sem 
sombras de dúvidas estava sendo as piores férias da minha 
vida. Monotonia era a palavra predominante em minhas férias. 
Queria tanto fazer alguma coisa, mas o que? 
A principio pensei em dormir, era a única coisa que 
poderia fazer naquele momento. Queria fazer algo diferente 
pelo menos uma vez na vida, algo que fugisse da rotina tedioso 
de todo dia. As minhas opções de entretenimento sempre foram 
claras: Ler livros repetidos – precisava com urgência ir para uma 
livraria -, assistir a televisão e sua programação ridícula e sem 
cultura, apesar de ter a opção dois onde posso escolher algum 
filme da vasta coleção de DVDs que tenho em casa. Podia jogar 
algum jogo no quarto de Patrick, mas só de imaginar aquele 
cômodo imundo, cheirando a suor e comida estragada, com 
roupas intimas espalhadas entre a mesa do computador e a 
televisão já quase posso sentir o vomito saindo garganta a fora. 
Eu poderia até tentar arrumar alguma coisa por lá, mas não 
seria eu se fizesse algum tipo de caridade ao pateta 2. 
Fiquei imaginando o que estaria fazendo aqueles dois 
uma hora dessas? Com certeza algo mais produtivo do que eu – 
apesar de que o Patrick só produz gazes tóxicos e enjôo coletivo. 
Tinha os meus CDs, mas não iria mexer neles agora. 
Deitei em consequência da falta do que fazer, coisa tipicamente 
minha. 
Comecei a pensar na vida – outra coisa chata que faço – 
e na minha imensa “sorte” em não viajar para lugar algum 
nessas férias. 
Resolvi sair um pouco, para refrescar a cabeça, não 
tinha rumo, deixaria que meu “instinto aventureiro” me levasse. 
Mas sabia que não poderia demora. Disse a minha mãe que iria 
à sorveteria. Se eu dissesse que andaria por ai, sem rumo, sem 
destino, deixando o meu instinto me levar ela me colocaria em 
uma camisa de força. 
Peguei meu relógio e coloquei alguns anéis. Reparei que 
eu tinha que pintar as unhas, estavam horríveis! Peguei minha 
chave e fui para onde meu coração quisesse. 
Assim que sai da porta parecia que tinha tido um dejá 
vù. Eram as mesmas pessoas, fazendo as mesmas coisas, nos 
mesmos lugares. Era como se nada tivesse mudado desde a 
ultima vez que sai. As ruas estavam do mesmo jeito do dia 
anterior, as lojas pareciam ter os meus clientes – apesar de 
saber que eram outros -, nada mudava. Não que eu esperasse 
que as coisas mudassem de um dia para o outro, mas essa 
cidade estava assim há quase 16 anos. A cidade de Vila Bela era 
a pior cidade que alguém poderia escolher para morar. Era 
inacreditável em como a cidade era parada. Não tem nem como 
acreditar que isso algum dia foi a cidade que meus pais 
contavam. 
Como meu pai sempre dizia: 
– Essa cidade era viva. Ela não era uma simples cidade, 
parecia ter vida própria. Com suas festas, muitas vezes sem 
motivos, que reunia toda uma rua e todos participavam. Era 
uma verdadeira folia. Eu mesmo já organizei, quando jovem, 
algumas dessas festas. 
Papai sempre contava, com muito orgulho como se 
fosse algo realmente merecedor de uma medalha de honra ao 
mérito, sobre as festas que organizava. Ele ainda contava que 
todos os feriados que lhe era permitido, a prefeitura organizava 
desfiles, com bandas, dançarinos, era quase um carnaval fora de 
época. 
Parece que minha mentira se tornou verdade, quando vi 
estava seguindo direto para a sorveteria. Estava morta de calor 
mesmo, precisava de algo para refrescar o corpo. 
Nesse momento achei que a escola seria uma boa 
opção, algo incomum de se pensar. Talvez fosse o fato de estar 
com os amigos – todos de férias – e sobre a diversão extra de 
todo dia. Minha vida estava realmente um saco, parada. Tinha 
vontade de estrangular a mim mesma de tão nervosa e inquieta 
que estava. E para piora ainda o meu quase curto, encontrei a 
última pessoa no mundo que gostaria de encontrar. 
Quando cheguei, dei de cara com Roger, um colega de 
classe. Quando me viu ele abriu um sorriso gigantesco, parecia 
que estava chegando a sua frente uma princesa saída dos seus 
sonhos mais pervertidos. Sim, porque um garoto com aquela 
cara de safado devia ter vários sonhos pervertidos. Nós não 
tínhamos muita afinidade, mas isso por minha parte. Ele sempre 
tentou se aproximar de mim, e eu sempre pulava fora. 
– Oi, Alice! – disse sorrindo. 
– Oi Roger. – respondi totalmente sem expressão. 
– Comprar sorvete? – não, vim ver se tem o novo álbum 
da Beyoncé. 
– Sim, vim comprar sorvete. – respondi com um sorriso 
falso. 
Assim que virei fiz uma careta de ódio e depois conferi 
para ver se ele realmente não tinha visto. Estava olhando o 
sorvete de frutas vermelhas. Não sei se era implicância, mas o 
simples fato de estar do lado de Roger já era o suficiente para 
deixar meu dia mais odioso. Sempre diziam que eu estava era 
apaixonada por ele. Se ele tem algum interesse por mim eu não 
sei, mas eu NUNCA. Até que ele era um rapaz bonito, com belos 
olhos azuis, cabelos lisos e loiros, uma pele de dar inveja e uma 
boca incrivelmente perfeita com um corpo tão em forma que 
nem parecia um garoto de 15 anos. Verdade seja dita: ele era 
lindo. Pode até ser burrice minha deixar um cara assim passar 
por mim e eu não fazer nada, mas havia algo nele que me 
enojava. 
– Você não foi viajar? – continuou ele a me torturar. 
– Não, não. Fiquei por aqui mesmo. – estava com medo 
de estar sendo simpática de mais e ele entender isso de outra 
forma. – E você, não quis viajar? – a pergunta foi automática. 
Não deveria ter prosseguido com essa conversa. 
– Bem, eu fui para a casa de praia do meu pai. Mas não 
ficamos muito por lá. Meu pai tinha negócios para resolver. 
– Entendo. – disse enquanto pegava uma bola de flocos 
e seguia para as coberturas. 
– Você vai estudar na escola de Vila Bela esse ano? 
– Claro. – onde mais eu iria estudar? Era a única escola 
da cidade. Além do mais, é a dois quarteirões da minha casa. 
Posso ir a pé. 
– Eu também vou estudar lá esse ano. Será que vamos 
pegar a mesma sala de novo? – se a vida for justa não. 
– Como podemos saber né? – paguei a moça no caixa e 
segui em direção a porta. Ele pagou rapidamente e correu atrás 
de mim. 
– Você vai ao primeiro dia de aula? 
– Sim. – fui curta e grossa. 
– Que bom! 
– Até mais então. – não esperei a resposta. Sai sem 
olhar pra trás. 
Quando cheguei em casa o sorvete já tinha acabado. 
Joguei o pote no lixo e segui para a sala. Queria assistir um 
pouco de televisão. Lavei as mãos na pia da cozinha e enxuguei 
sobre a calça, passando as palmas da mão e depois balançando 
ao ar. 
Na sala descobri que minha mãe estava deitada, 
assistindo pela milionésima vez ao… E o vento levou. 
Ela deve ter começado cedo, ou eu demorei demais na 
sorveteria, porque quando cheguei estava exatamente na cena 
em que Scarlett jura nunca mais sentir fome, seguindo depois da 
histórica trilha sonora e das lágrimas da minha mãe descendo. 
Não sei como minha mãe consegue assistir aquele filme imenso 
tantas vezes assim. Nem eu que gosto de assistir filmes 
repetidos tenho tanta disposição. 
Subi para meu velho e querido quarto. Fui assistir 
televisão por lá. A minha televisão era menor que a da sala, mas 
quebrava o galho. 
Estava passando um programa de fofocas. Como todo 
mundo adora saber o que os artistas estão fazendo, eu fiquei 
assistindo. Deitei na minha cama e fiquei abraçada com um dos 
meus ursos de pelúcia. Fechei os olhos e abri novamente. 
Levei um grande susto, como num piscar de olhos minha 
televisão desligoue as luzes apagaram? Teria tido alguma queda 
de energia e eu não percebi? 
Levantei e fui olhar meu celular. Dia 25 de janeiro. 
Estava explicado, já havia amanhecido. Não acredito que tinha 
dormido 17 horas seguidas! Não era por acaso que estava com 
fome. 
Fui tomar banho. Depois do banho, peguei meu habitual 
roupão de todo dia e desci para tomar meu café, com os cabelos 
úmidos. Desta vez olhei primeiro para ver se papai tinha 
comprado queijo e presunto, estavam lá. Peguei o pão, parti e 
coloquei primeiro o presunto, e por cima do presunto o queijo. 
Novamente sozinha, tomei meu café da manhã do jeito que 
gostava. Era estranho quando algo aparecia diferente do 
habitual. Engraçado, eu detesto tanto a monotonia e a mesmice 
desta cidade, mas quando minha rotina muda eu fico perdida. 
Talvez eu não fosse me acostumar caso as coisas na cidade 
começassem a mudar. 
Mamãe desta vez estava colocando algumas roupas 
para lavar, nem me ouviu descendo. Papai sempre dizia que eles 
podiam contratar uma empregada para cuidar da casa, mas 
mamãe se recusava a entregar a casa para uma desconhecida. 
Ela sempre dizia que adorava ser uma dona de casa e nada a 
faria querer parar com isso. Passei na área de serviço para dar 
bom dia para ela. Ela me deu um beijo, mas afastou as mãos o 
máximo que pode, estavam molhadas. 
Aos poucos comecei a me sentir enérgica. Sabia 
exatamente o que iria fazer: ARRUMAR O QUARTO. 
Não podia desperdiçar toda essa energia, tinha dormido 
17 horas, não tinha lugar para preguiça no meu corpo. 
Subi para meu quarto. Comecei pelo básico, arrumando 
a cama e guardando algumas roupas sujas no cesto de roupas 
sujas. Liguei o computador e abrir meu e-mail. Não esperei 
carregar a página, fui ao armário guardar as roupas de cama, 
agora já dobradas. As cobertas ficavam no compartimento de 
cima, que eu não alcançava direito. Resultado; as cobertas 
caíram em cima de mim. Lá fui eu dobrar todas as cobertas de 
novo. 
Depois de dobrar – novamente – todas as cobertas, 
resolvi pegar a cadeira do computador. Foi então que notei, na 
caixa de entradas do meu e-mail, o alerta: VOCÊ TEM (1) 
MENSAGENS NOVAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
03. E-MAILS 
ra uma e-mail de Toni. Aquele adorável pateta havia acabado de 
chegar ao hotel. Mandou um belo e-mail, cheio de amor e 
saudades: 
Oi Alice, tudo bem com vc? 
Eu acabei de chegar ao hotel (que é 
muito elegante, por sinal). 
Estou no notebook – que está com pouca 
bateria – por isso vou ser breve. 
Diga ao papai e a mamãe que eu estou bem 
e que Patrick já encontrou com o resto 
da banda. Eles pegaram o ônibus da 
“turnê” e seguiram para o Rio de 
Janeiro. Tudo está indo as mil 
maravilhas, até agora. Creio que nesse 
momento Patrick já deve estar conhecendo 
o local onde vai tocar. Eu vou encontrar 
com alguns amigos aqui em Vitória. 
Bjos do seu mano que você tanto adora 
Toni 
Nossa! Eu realmente adoro esse meu irmão. Assim 
como a Rainha Elizabeth vem todos os dias trazer o chá das 
17:00 para mim. Mas que eu estava com saudades, isso já era – 
infelizmente – fato! 
E
Depois desse e-mail eu quase havia me esquecido do 
que estava fazendo. Só me lembrei mesmo quando vi três 
cobertas – duas totalmente desnecessárias, estavam na minha 
cama por costume – dobradas em meu colo. Peguei a cadeira do 
computador, subi e coloquei-as sem problemas. Depois da cama 
arrumada, das roupas sujas já no cesto de roupas sujas e a 
roupa de cama devidamente guardada, comecei a tirar tudo do 
lugar. 
Eu sempre fui do tipo que quando começa uma 
arrumação em meu quarto, coisa rara, tenho que tirar 
absolutamente tudo do lugar. Mesmo que depois eu acabe 
colocando exatamente do mesmo jeito. 
Comecei pela escrivaninha. Tirei os DVDs, as revistas, 
alguns livros, a câmera fotográfica – que estava na mesa do 
computador, mas acabou parando na escrivaninha –, um 
caderno e minha agenda. Coloquei tudo em minha cama e 
prossegui, agora com a mesa de computador. Tirei alguns 
cordões e anéis que estavam lá, a ampulheta e também 
coloquei na cama. Os CDs também tive que tirar. E as coisas da 
minha mesinha também. Tudo para cama. A mesinha que fica 
do lado da minha cama estava arrumada, mas meu hábito de 
tirar tudo do lugar falou mais alto. 
Varri, tirei poeira, teias de aranhas e tudo o que podia 
estar “emporcalhando” meu quarto. O aparelho de som estava 
alto – não muito – e a música estava me animando ainda mais. 
Depois de tudo limpo, comecei a reorganizar as coisas. Peguei a 
caixa do microondas que estava na garagem e subi com ela para 
meu quarto. Usaria como lixão. Guardei os CDs que eu ficaria no 
lugar e joguei fora os CDs que havia gravado, mas por algum 
motivo não me valiam de nada. Revistas eu não costumava jogar 
fora, mas havia algumas que eu nem gostava mais. Pro lixo. Meu 
caderno de anotações já estava com anotações desnecessárias, 
lixo. 
Ao fim mais coisas foram do que voltaram. Foi uma 
ótima arrumação. Meu quarto agora estava um brinco, tão 
limpo quanto quando a minha mãe o arruma com seu jeito todo 
especial de ser. 
Desci. Já estava na hora do almoço. Mamãe, como 
sempre, já havia deixado um prato na pia, visando a minha 
altura e a do armário, ela já espera que acidentes aconteçam 
caso eu mesma tenha que pegar os pratos. O almoço estava 
com um cheiro agradável e reconfortante. Um verdadeiro 
prêmio depois de uma árdua arrumação no quarto. 
Antes de botar meu almoço, fui à sala, com o prato vazio 
na mão. Mamãe estava assistindo TV, desta vez o jornal local. 
Botei minha comida, peguei o suco e segui para subir, mas 
voltei. Lembrei do e-mail de Toni e resolvi falar logo com a 
mamãe. Sentei ao lado dela. Seu olhar era tão sereno e angelical 
que às vezes duvidava que ela fosse minha mãe. Queria muito 
ser igual a ela, tão linda, sempre feliz, com uma paz interior tão 
grande – mesmo que às vezes essa paz seja irritante. 
Aproximei-me um pouco mais e esperei que ela 
perguntasse. Não perguntou. Resolvi falar logo. 
– Mãe, o Toni mandou um e-mail hoje, mais cedo. 
– Meu Deus! Como ele está? 
– Ele disse que está bem, já está no hotel e Patrick já 
seguiu para o Rio com a banda. 
– Que ótimo! Diga a eles que desejo toda a sorte do 
mundo, que já estou morrendo de saudades e espero vê-los 
logo! – Dona Michele sabia muito bem como dizer qualquer 
coisa sem sair de seu tom de voz calmo e angelical. 
Não subi, resolvi terminar de almoçar ali na sala. Minha 
mãe já havia terminado o almoço, mas ainda estava com o prato 
vazio nas mãos. Agora ela olhava as notícias locais, chatas e 
tediosas. Era quase inconfortável que outras cidades sejam mais 
movimentadas que Vila Bela. Não queria os crimes e 
assassinatos, mas quem sabe um show ou um desses eventos, 
algo que pudesse me trazer um pouco de diversão e de 
preferência de graça – ou quase. 
Minha mãe parecia um pouco triste e repetia cada vez 
que uma notícia trágica era exibida, “Pobre rapaz, tão jovem!” 
ou “Como essa juventude está perdido, 17 anos e já envolvido 
em drogas”. Acho que isso é coisa de época. Minha mãe viveu 
em uma época onde o mundo era mais “colorido” e as coisas 
eram mais simples, eu já sou da era onde tudo tem que ser na 
hora, pra hoje. Achava triste ver todas essas pessoas se 
perdendo, mas não ficava chocada como minha mãe, já havia 
me acostumado a essa loucura toda que o mundo está se 
tornando. 
– Quer que eu leve o seu prato? – perguntei me pondo 
na frente dela e estendendo a mão. 
– Ah sim, por favor! – minha mãe deu um sorriso leve e 
agradecido. 
Coloquei o meu prato e o prato da mamãe na pia. Subi 
para o quarto. Estava muito calor, então abri a janela e liguei o 
ventilador. A energia acumulada de 17 horas de sono não havia 
se dissipado totalmente, então desci e resolvi lavar louça, ajudar 
um pouco a mamãe, ela deve estar cansada. 
Comecei pelos talheres, segui para os pratos e copos e, 
porfim, lavei as panelas. Estava tão absorta de tudo enquanto 
lavava que nem notei as horas passando. Depois de tudo lavado, 
guardei os talheres na gaveta e os copos no armário. Os pratos e 
as panelas tive que deixar para minha mãe guardar, também 
não queria acidentes. 
Minha mãe chegou para conferir meu trabalho, aprovou 
e colocou os pratos no armário. Eu a invejava por conseguir 
colocar os pratos com tanta facilidade no armário. A última vez 
que tentei colocar pratos no armário quase fui para no pronto-
socorro, cheio de corte e cacos de porcelana na pele. Os partos 
caíram da minha mão, direto para o chão. O pulo que dei 
naquele dia foi uma daquelas manobras que você faz uma vez 
para nunca mais, pura sorte, e fico agradecida com isso. 
Quando fui para meu quarto resolvi checar meu e-mail. 
Estava tão sozinha e sem nada para fazer que se não ocupasse 
minha mente com algo, acho que acabaria enlouquecendo. 
Havia chegado ao ponto de querer arrancar a minha cabeça do 
pescoço e jogar handball com ela. 
A internet estava lerda, para variar, e minha paciência 
nunca foi muito grande. Batia levemente a cabeça na mesa do 
computador, enquanto esperava a pagina abrir para finalmente 
entrar com minha senha e esperar mais um pouco. Quando 
finalmente o meu e-mail abriu, depois de muita espera, o alerta: 
VOCÊ TEM (1) MENSAGENS NOVAS. Desta vez era Patrick, o 
pateta dois. Respirei bem fundo – lá vem bomba – pensei um 
pouco e abri a mensagem. Era um e-mail aparentemente 
normal, sem imagens estranhas e nem links para vídeos infames 
que Patrick – sabe lá por que – achava que eu ficaria feliz em 
ver. Era uma mensagem normal, para meu alivio. Mas minha 
paciência com os dois patetas da cidade de Vila Bela era do 
tamanho de uma formiga bebê. E a mensagem de Patrick havia 
extrapolado esse limite, por mais normal que fosse. 
Oi Alice, tudo bem com vc? 
Eu acabei de chegar ao hotel (que é 
muito show). 
Estou adorando isso aqui. O lugar onde 
vamos tocar é muitoooo bom! 
Diga ao papai e a mamãe que eu estou 
bem, que o Toni já deve estar no hotel 
há tempos e, provavelmente, nesse 
momento deve estar com os amigos, em 
Vitória. Tudo está indo as mil 
maravilhas, até agora. Vou ensaiar um 
pouco com a banda. 
Bjos do seu mano que você tanto adora 
Patrick 
Era quase uma xerox do e-mail que Toni havia me 
enviado mais cedo. Eles devem ter combinado isso só para me 
enfurecer. Conseguiram. Mas tentei ser racional e madura, 
comecei a contar até dez. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. 
Se… Se… Se aqueles dois estivessem aqui eu os mataria. Eu não 
sou de me irritar com coisa pouca, mas quando o assunto é os 
dois patetas eu perco o controle. 
Desci e fui ver a mamãe. Estava arrumando a casa. Vi o 
DVD de Romeu & Julieta separado na mesinha da sala. Já sabia 
qual era o “clássico do cinema” do dia. Subi com a música tema 
do filme na cabeça. Adorava-a, mesmo ela me deixando um 
pouco deprimida quando me lembro do trágico fim do casal. 
Podia esperar muitas lagrimas para hoje. Pela parte da mamãe e 
por minha também – esse eu iria assistir. 
– Mãe, quando for assistir ao filme, me chama! – gritei 
enquanto subia os degraus. 
No meu quarto, liguei a televisão e fiquei assistindo ao 
programa de fofocas. Não tinha nada melhor mesmo. Depois de 
uns minutos mamãe me chamou. 
– Filha! Já vou colocar o filme. – oba, vai começar a 
sessão choradeira. Meu pai havia alugado o filme uma vez e viu 
no primeiro encontro válido dos dois. Eles nunca consideravam 
o primeiro encontro de verdade como válido, não entendia o 
motivo, mas também nunca me interessei muito em saber. 
Peguei a pipoca, que já estava pronta na panela, o 
refrigerante e apertei o play. O filme começou. 
 
 
4. FOFOCAS 
ra manhã outra vez. Mais um dia havia passado e minha vida 
continuava a mesma, gostando ou não. Levantei cedo, tomei 
banho, coloquei meu roupão de todo dia e fui ver se mamãe já 
tinha feito o café. Pelo cheiro que senti logo que desci as 
escadas, o café estava acabando de sair. 
Papai, para minha surpresa, ainda estava na mesa. Eu 
realmente havia acordado cedo. Estranhei-o ainda não estar 
totalmente arrumado para o serviço. 
 
– Pai, o que aconteceu que ainda não está vestido? 
 
– Hoje eu resolvi chegar mais tarde. Estou muito cansado. 
 
– O Toni e o Patrick mandaram e-mails! 
 
– Sua mãe me contou. Pode dizer que estou muito feliz e 
desejo toda sorte do mundo pros dois! 
 
– Claro, claro! Pode deixar. – eu adoro falar com aqueles 
dois mesmo. 
 
Sentei na cadeira ao lado esquerdo do papai, onde sempre 
me sento. Quando os meus irmãos estão aqui eles costumam 
comer em seus quartos, ou na sala. Acho que eu sou a única que 
gosta da mesa. Papai só sentava conosco nos cafés da manhã, 
para ler seu jornal. 
Depois de tomar meu café, subi imediatamente. Fui 
responder o e-mail dos dois. Para economizar tempo, mandei a 
mesma mensagem para os dois: 
 
 
 
 
 
E 
Oi, pateta! 
 
Estou feliz que tenham 
chegado em segurança 
nos seus respectivos 
lugares. Odiaria que 
vcs morressem. Quero 
vcs vivos, para poder 
torturar os dois, bem 
devagar, depois podem 
morrer a vontade. 
Mamãe e papai 
desejaram sorte, 
felicidade e tudo 
mais. 
 
Bjs 
 
Mari, sua irmã do 
coração. 
 
Não tava nem ai se tinha sido um pouco grossa na 
mensagem. Eles mereciam. Às vezes acho que preciso de um 
psicólogo para entender o motivo de tanto ódio gratuito pelos 
meus irmãos. Bem, na verdade não é tão gratuito, eles 
aprontam, mas as vezes acho que exagero. 
Quando desci, mamãe estava assistindo um programa de 
culinário. A apresentadora de meia idade loira e dentuça estava 
ensinando receitas de comidas típicas do Brasil durante toda a 
semana. 
 
– Já! – fui curta e objetiva e minha mãe entendeu 
exatamente do que eu estava falando. 
 
– E o que eles disseram? – minha mãe perguntava da sala. 
 
– Eles ainda não responderam – dei um pequeno grito da 
cozinha. 
 
– A mãe da Milena ligou! – minha mãe agora estava na 
cozinha. 
 
– Serio, nem ouvi o telefone tocar! 
 
– Ela disse que já estão em casa e perguntou se você não 
queria dar uma passada por lá! 
 
– Claro, vou daqui a pouco para lá! 
 
Milena era a minha melhor amiga na infância, mas agora 
ela mudou um pouco. Ainda somos amigas, porém, pensamos 
de modo diferente, o jeito como ela vê a vida, suas atitudes, nós 
somos bem diferentes. Desde que seu pai começou a subir na 
vida ela e a mãe começaram a perder a humildade, já via o dia 
em que eu romperia a amizade que tenho com Milena por causa 
disso. 
Quando cheguei à casa de Milena o carro ainda estava com 
o porta malas aberto e o pai de Milena estava carregando as 
malas. 
 
– Quer uma ajudinha senhor Marcelo? – perguntei assim 
que o vi com duas malas na mão e uma pequena mala no ombro 
direito. 
 
– Seria uma grande ajuda! Pode pegar aquela mala ali, a 
direita! Não está pesada, são apenas alguns vestidos da Milena. 
– a peguei. Como ela disse, não pesava, então peguei outra, 
meio verde. 
 
– Se estiver muito pesado você não precisa carregar! – 
Acho que era o único que não havia perdido a humildade ainda. 
– Não, não! Eu consigo carregar até mais! – estava sendo 
sincera. Aquelas malas não pesavam nem a metade das malas 
que eu e minha mãe fazemos quando vamos viajar. 
 
– Você é realmente um amor de menina! – ele entrou e eu 
o segui. 
 
Deixei a mala junto a outras que estavam em frente a 
escada. A mãe de Milena, Susana, estava na cozinha bebendo 
água. 
 
– Alice, quanto tempo! – seus cabelos loiros estavam tão 
fortes e brilhantes que chamaram mais atenção do que qualquer 
outra coisa. 
 
– Realmente! – respondi tentando não fechar os olhos e 
não ficar cega. 
 
– A Milena está no quarto! – agradeci a deixa. 
 
– Que bom! Vou subir para falar com ela. – mesmo de 
longe ainda se via aquele cabelo brilhando feito neon. Quando 
sai de perto dele quase pude sentircomo se tivesse ficado muito 
tempo fitando uma lâmpada de 100 watts. 
 
– Mili? – perguntei batendo na porta. 
 
–Alice! – ela parecia feliz em me ver. – Entre querida, 
quanto tempo! Esse 1 mês e meio que passei fora realmente fez 
diferença! 
 
E como tinha feito. Seu corpo parecia ter mudado 
consideravelmente para 1 mês e meio. Suas pernas estavam 
mais grossas e sua cintura era quase de modelo. Notei que ela 
provavelmente iria parar de usar bojo, seus seios também 
estavam maiores, mas não fiquei reparando nisso. Os cabelos 
loiros e lindos dela estavam em sua cor natural, nada berrante 
como a mãe. Seus olhos azuis faziam o contraste perfeito com 
sua boca avermelhada e sua pele branca. Talvez ela tivesse razão 
para se sentir superior, ela era a garota mais linda da cidade. 
Botamos o papo em dia, apesar de que os assuntos que ela 
conversava agora não eram de meu interesse, exceto um. 
 
– Alice, sabe no que eu estava pensando? 
 
– O que? – disse enquanto ajudava a arrumar as coisas. 
 
– Nós podíamos marcar de ir ao shopping! 
 
– Ótima idéia, mas quando? 
 
– Amanhã! 
 
– Amanhã?! 
 
– Sim. Por que deixar para outro dia o que se pode fazer 
amanhã. 
 
– Não é bem assim o ditado. – eu iria aceitar o convite. Só 
estava tirando uma com a cara dela. 
 
– Ah Alice, vamos. Podemos chamar a Bia e a Mel! 
Bianca e Melissa eram outras amigas de turma. Elas 
sempre moraram em Vila Bela, mas – acredite se quiser – só nos 
conhecemos quando fomos para a mesma sala há três anos. 
 
– Tudo bem, eu vou! – resolvi parar de brincar. 
 
– Estou com um pouco de fome! – disse Milena passando a 
mão na belíssima e em forma barriga. 
 
– Eu também. Ainda não almocei. – repeti o gesto. 
 
– Vamos à lanchonete da Lucia? Eu estava com saudades 
dos pratos naturebas dela. – Milena deu um salto e se pôs de pé. 
 
– Ótima idéia! – respondi com o mesmo entusiasmo. 
 
– Então eu vou ligar para as meninas! Vou ver se as duas 
podem ir conosco. – Milena pegou seu celular e começou a 
discar 
 
– Desde quando as duas estão de volta? – perguntei 
desconfiada. 
 
– Desde ontem! Elas me mandaram um e-mail avisando. – 
Milena respondia como se isso fosse óbvio demais para ser 
perguntado. Não pude evitar de me senti excluída. 
Elas tagarelaram um bom tempo. Mel ligou para Bia e as 
três ficaram conversando na mesma chamada – acho. Nunca 
entendi direito como isso funciona, mas adorava. 
 
– Tudo certo, as duas já estão indo para lá! – Milena estava 
mais animada agora. 
 
– Então o que estamos esperando? 
 
Descemos as pressas. Falamos rapidamente com a mãe de 
Milena e fomos direto para a lanchonete. 
Chegamos à lanchonete juntas. Bia já foi guardando nossos 
lugares, Milena foi falar com a Lúcia, a dona da lanchonete – 
nessas horas via salvação para nossa amizade. Lúcia era uma 
mulher simpática, mas não mexam com ela ou terão que se 
responsabilizar pelas conseqüências. A lanchonete era bem 
grande, havia dois andares. Era um típico restaurante natureba, 
com o estilo rústico, com moveis em madeira, lustres e 
esculturas de barro. Sempre gostei daquela lanchonete, tinha 
uma linda vista da cidade morta de Vila Bela. Acho que era o 
único lugar da cidade que parecia ter vida. 
 
– Então garota, me conta como foi de férias? – Mel 
perguntava para Milena. 
 
– Muita coisa aconteceu, depois eu conto melhor para 
vocês! 
 
– Eu tenho muita coisa pra contar, minhas férias foram 
ótimas! – disse Bia que me fez acreditar que eu era a única que 
não havia viajado nessas férias. 
 
Nós pedimos alguns sanduíches e suco de morango com 
hortelã. Conversamos sobre bobagens e riamos muito. Estava 
feliz em reencontrar minhas amigas depois da onda de 
depressão súbita que me abateu quando meus irmãos viajaram. 
Não falamos nada de útil, até Isa tocar no assunto. 
 
– Vocês ficaram sabendo do Sr. Guedes? – Isa puxou o 
assunto 
 
A Família Guedes era a família mais antiga da cidade. 
Viviam ali há quase 60 anos. A mulher do Sr. Guedes havia 
falecido não faz muito tempo. Pobre Senhor Gudes, ficou 
arrasado com a morte da esposa, realmente inconsolável. Mais 
de 50 anos de casados e ainda pareciam se amar tanto quanto 
quando eram jovens, era lindo ver o casal que conseguiu ficar 
junto por tanto tempo e com a mesma intensidade de quando 
começaram a namorar. 
 
– Diga, diga! – Milena já estava curiosa. 
 
– Dizem que ele vai se mudar. – Mel ficou se equilibrando 
entre os tons “mistério” e “fofoca”, mas acabou ficando com o 
tom de fofoca. 
 
– Pobre Sr. Guedes, deve ser difícil para ele perder a 
mulher depois de... De muitos anos juntos! Soube que ele está 
indo para Itália, morar com o filho mais velho. – completou Bia. 
 
– Mas isso não é tudo – Mel voltou ao tom de mistério, 
mas por pouco tempo, o tom preferido dela era de fofoca 
mesmo – Ouvi dizer que já vendeu a casa há alguns meses, mas 
como a família estava na Espanha só poderão se mudar em 
fevereiro. Parece que eles estão com alguns assuntos a resolver 
por lá. 
 
– Nossa, que coisa! – Eu e Milena falamos em coro. 
 
– Mas isso não é tudo – Mel prosseguiu. 
 
– Meu Deus garota! – Bia interrompeu – Você estava 
fazendo alguma investigação da nova família da cidade, tipo, 
pegou a ficha completa dos indivíduos? – Todos riram. 
 
– Engraçadinha. Vão querer saber ou não? 
 
– Mesmo se nós disséssemos “não” você falaria, então... – 
Bia continuou brincando. 
 
– Parece que o nome da família é “Devón”, eles são quatro: 
O marido, a esposa e dois filhos. – ela fazia as contas nos dedos 
– Parece que é uma garota, mais velha, e um garoto – Isa deu 
bastante ênfase a palavra garoto. 
 
– Será que é gatinho? – Milena já ficou animada. 
 
– Para o bem de todas nós é melhor que seja um deus! – 
completou Bia. 
 
– Tomara que seja um desses galãs de filmes teen que nós 
ficamos assistindo. – Mel deixou seu comentário. 
 
– Mas Mel, vem cá – disse Bia enquanto levantava uma 
sobrancelha e se debruçava na mesa, como que vai contar um 
segredo – Como você consegue todas essas informações? 
 
– Eu tenho meus contatos – disse Mel, rindo 
maliciosamente. 
 
Todas continuaram comentando sobre como queriam que 
o garoto fosse. Eu tive que me resumir apenas em dar um 
sorriso sem sal e balançar a cabeça concordando com tudo. Já 
via que esse ano as coisas seriam bem diferentes em Vila Bela. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6. SHOPPING 
epois que voltamos da lanchonete, liguei para minha mãe. Falei 
que iria dormir na casa de Milena esta noite. Disse também que 
iria ao shopping com Milena, Bia e Mel no dia seguinte. Ela não 
disse nada para me impedir, apenas perguntou se tinha tudo 
ocorrido bem na viajem com Milena e os pais dela. Disse que 
sim. 
Subimos eu e Milena para o quarto, não tínhamos 
terminado a arrumação pós-viajem que tínhamos prometido a 
mãe dela. O quarto de Milena sempre foi imenso. 
Depois que terminamos tudo – mesmo – descemos para 
jantar. Ao contrario da minha casa, na casa de Milena todos 
comiam na mesa, como uma “família” de verdade. 
Depois que terminamos de jantar, Milena e eu subimos. Ela 
foi arrumar a cama, estava exausta da viagem. Depois que arruei 
minha cama – no chão – e colocou uma camisola. Eu já estava 
com a minha, mas Milena nunca gostou de ficar pela casa com 
roupas de dormir. Diferente de mim, ela não se sentia nenhum 
pouco incomodada em ficar nua na minha frente. Já eu, não 
sabia onde enfiar a cara quando isso acontecia. 
Ela deitou e em poucos minutos já estava dormindo. Eu 
ainda estava sem sono, ficar trocando o dia pela noite dá nisso 
mesmo. Peguei o abajur na escrivaninha e coloquei no chão, ao 
lado da minha “cama”. Peguei um livro da série Gossing Girl e 
comecei a ler. Aos poucos o sono foi chegando, de mansinho, 
mas foi chegado, até que não deu mais para agüentar. Guardei o 
livro, coloquei o abajur na escrivaninha, o apaguei e voltei para 
me apagar na cama. 
 
Quando acordei, Milena estava pulandono banheiro. 
Apesar de ser fora do quarto, podia ouvi-la cantarolando uma 
música qualquer. Assim que ela saiu, eu entrei. Tomei um banho 
bem rápido e corri para o quarto. Havia um vestido lindo em 
cima da cama quando voltei. Era um vestido xadrez, colorido. 
D
Sua estampa parecia ter sido pintada a giz de cera e não tinha 
dúvidas de que era o vestido que eu iria usar hoje. 
 
– Então, gostou? – perguntou Milena – Comprei para você. 
 
– Deu para notar, o vestido é a minha cara! Amei demais, 
muito obrigada. Só não te dou um abraço agora porque estou 
meio molhada! 
 
– Não esquenta não. O importante e que você gostou. 
 
Milena já estava vestida. Estava com uma blusa listrada de 
azul e branco, uma jaqueta verde e uma calça jeans com 
manchas brancas. Peguei o vestido e corri para o closet. O 
vestido havia ficado perfeito em mim, estava realmente 
maravilhoso. Nós íamos começar a nos arrumar melhor – cabelo, 
maquiagem e até unhas já que tínhamos tempo – quando a mãe 
de Milena gritou: 
 
 – Mili, Bianca e Melissa já chegaram. Elas estão subindo! 
 
Logo as meninas já estavam no quarto. Bia estava perfeita. 
Seus cabelos castanhos escuros estavam belíssimos, realçando 
seus olhos cor de mel. Ela vestia um vestido jeans, com um 
modesto decote que estava coberto por um lenço colorido, com 
um cinto listrado, também colorido. Já Mel estava com seus 
cabelos assumidamente crespos com um novo corte, menor e 
moderno, uma blusa bem colorida, uma saia amarela e muitos 
acessórios. 
Apesar de já estarem prontas, Bia e Mel ajudaram a 
arrumar a mim e a Milena. Ficamos conversando sobre varias 
coisas inúteis e sobre os mistérios dos garotos, além da torcida 
para que aparecesse algum gatinho no shopping. 
A mais animada de todas era a Bia, quase não parava de 
falar. Eu – como sempre – era a estraga prazer. Adorava estar 
com as meninas, fofocar e falar sobre gatinhos, mas às vezes as 
meninas exageravam. 
Nós íamos com o primo de Milena, Ricardo, ou melhor, 
Rick. Ele era mais velho, 19 anos, porém sempre nos dava 
carona para onde quer que fossemos. Ele era um cara legal, 
divertido, totalmente desencanado, além de ser lindo. Seus 
olhos azuis, cabelo castanho claro e músculos perfeitos o faziam 
sonho de consumo de quase todas as garotas da cidade. Milena 
vivia dizendo que se ninguém pegasse, ela pegava, mas o Rick 
estava sempre muito bem acompanhado. Eu já tive a esperança 
de um dia ele me querer, mas acho que ele me vê apenas como 
aquela garotinha sem graça de 6 anos atrás. Já eu, não o via 
como o garoto chato e implicante de quando tinha 13 anos, ele 
havia crescido. E como! 
Já eram 10:18 quando Rick chegou para nos levar. Ele 
estava com seu carro conversível, óculos escuros, uma jaqueta 
marrom, calças jeans e os cabelos menores do que a última vez 
que havia visto. 
 
– Rick, cada dia que passa você está mais perfeito! – disse 
Mel. 
 
– Mel, doce da minha vida, querida Mel. São seus olhos! – 
disse Rick, tirando os óculos de um jeito que só ele sabe. Sexy e 
sedutor. – Então, estão prontas? 
 
– Há muito tempo, não é garotas? – respondeu Milena. 
 
– Então o que estão esperando? Entrem logo no carro – 
Rick fez um sinal com a mão, convidando todas para entrarem 
em seu carro. 
Bia foi a primeira a subi. Ela foi na frente, deixando Milena 
um pouco irritada. O resto de nos sentou atrás, claro. Rick 
seguiu sorridente como sempre era. Parecia não ter problemas 
na vida. E não devia ter mesmo! O cara era lindo, tinha um bom 
emprego, um carro legal, uma garota diferente toda noite, o que 
um cara pode querer mais da vida? 
O shopping era em outra cidade, não me surpreendia que a 
única coisa que poderia animar a cidade de Vila Bela estivesse 
fechado há 10 anos. 
Quando chegamos, Bia resolveu sair do carro de uma 
forma bem diferente. Pulou para fora, sem abrir as portas. Além 
de Rick, nenhuma de nós quis repetir o ato. 
O shopping estava relativamente cheio. Mas nada que não 
pudéssemos enfrentar. Fomos direto para as lojas de roupas – 
viciadas. Rick foi encontrar uns amigos em uma loja de artigos 
esportivos e disse que se precisássemos dele era só ligar. 
Provamos varias e varias roupas. Brincamos de combinar e 
saímos gastando nossa mesada de três meses. Foi muito 
divertido, como deveria ter sido. Estava dando graças a Deus, 
pelo menos isso para dar uma animada nas minhas férias. Havia 
roupas de tudo que é jeito, de varias lojas diferentes. Saímos da 
ultima loja e fomos tomar sorvete. 
 
– Gente, o sorvete pode esperar? – perguntou Mel. 
 
– O que você quer fazer? – Milena foi bem direta. 
 
– É que preciso fazer xixi – respondeu Mel cruzando as 
pernas. Pela cara dela parecia mesmo apertada. 
 
– Está bem, vamos! Você parece que vai explodir! – disse 
Milena, já seguindo para o banheiro. Era engraçado como nós 
sempre tratávamos Milena como se fosse a líder do grupo. E ela 
agia feito uma líder. 
Encontramos com Rick, por sorte, e ele se ofereceu para 
esperar com as bolsas na porta do banheiro. 
 
 – Mas eu vou ficar sozinho? – perguntou quando viu que 
todas nós estávamos indo ao banheiro. 
 
– Rick, meu querido, não queremos quebrar um ritual que 
já dura há séculos. – começou Milena. 
 
– Pois é Rick, amiga que é amiga nunca deixa a outra ir ao 
banheiro sozinha! – continuou Bia. 
– Mas o que vocês tanto fazem lá? – perguntou 
inocentemente Rick. 
 
– Isso vocês, homens, nunca irão saber! – terminou Mel, 
abrindo a porta do banheiro. Eu tive que me resumir em um 
sorrisinho constrangido, dar de ombros e entrar. 
 
No banheiro todas ficaram no espelho, exceto claro, Mel 
que foi para a primeira porta aberta que viu. Tinha poucas 
pessoas no banheiro, então deu para fofocar um pouco. 
– Hoje o shopping está meio fraquinho – começou Milena – 
Quase não vi nenhum garoto realmente decente. 
 
– Mas não se pode ganhar sempre – falou Bia enquanto 
retocava o batom. 
 
– Eu tinha esperanças de encontrar alguém. – Milena 
parecia realmente chateada. 
 
– Meninas, vocês ficariam chateadas se eu saísse um 
pouco. Preciso beber água! – estava começando a ficar com a 
boca seca. 
 
– Que é isso menina! Vá, não queremos que ninguém 
morra de desidratação. – Bia exagerando. 
 
Realmente estava precisando beber água. Enquanto bebia 
água tive a sensação de estar sendo observada. Ignorei. Mas a 
sensação estava mais forte. Não tinha muita gente no local, mas 
mesmo assim não dava para ver direito. Rick estava falando no 
celular, de costas para mim. Havia três mulheres saindo do 
elevador e um casal entrando no outro. Uns moleques ficavam 
rindo em frente à porta do banheiro masculino, mas não 
olhavam para mim. Até que eu o vi. Olhando pela janela da 
porta da saída de emergência. 
Havia um garoto, me observando como sentia. Ele parecia 
me vigiar, parecia querer me proteger. Apesar de não conseguir 
ver seu rosto direito, seus olhos estavam bem nítidos. Ele 
parecia não se importar de saber que eu já o tinha visto, parecia 
que queria ser pego. As meninas saíram do banheiro. Olhei para 
elas, estavam rindo, olhei de volta e ele já não estava mais lá. 
Corri para a porta e olhei pela mesma janela. 
 
– O que foi Alice? – perguntou Bia. 
 
– Não, nada. Apenas achei ter visto alguém aqui. – 
respondi ainda olhando para janela. 
 
– Seja lá quem for já não está mais ai – disse Milena, que 
olhou pela janela assim que sai. – Eu que não gostaria de estar 
nesse corredor sozinha. Ele me assusta! 
 
Realmente o corredor era assustador. Era largo de paredes 
brancas. Havia ventilação, pois sentia sair pelas frestas das 
portas, mas não se via de onde elas surgiam. E com certeza não 
teria dado tempo de ninguém sumir dali. 
Voltamos às compras. Rick fez a gentileza de nos 
acompanhar nessas ultimas compras do dia. Foi um verdadeiro 
cavalheiro, carregando as sacolas, dando sua opinião sobre as 
roupas e ainda fazendo todas nós rirem com suas piadas 
hilariantes. 
No final das compras fomos todosá praça de alimentação. 
Comemos uma pizza gigante, sem medo, estava deliciosa. 
Conversamos mais um pouco. Rick contou algumas histórias que 
aconteceram com ele é o irmão dele, coisas que só se vê em 
seriados humorísticos para adolescentes, enquanto nós apenas 
riamos muito. 
A volta foi mais tediosa. Já tínhamos conversado tudo o 
que tínhamos para conversar, fofocado tudo o que tinha para 
fofocar, cumprimos nossas expectativas de compras, agora só 
nos restava comentar sobre o que compramos e o que 
aconteceu nesse longo dia no shopping. Mas mesmo assim eu só 
conseguia manter uma coisa em minha cabeça: Quem era 
aquele garoto? 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
E os últimos dias de janeiro se vão. Chega fevereiro. As aulas 
estavam prestes a começar. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6. O NOME DELE É DANIEL DEVÓN 
eliz ou infelizmente o mês de janeiro havia acabado. Foi rápido e 
tedioso, talvez um dos meses mais solitários de toda minha vida. 
Eu já estava farta de ficar sem fazer nada, absolutamente nada. 
Pela primeira vez estava feliz em acordar para ir à escola, pelo 
menos lá eu encontraria os meus amigos, teria algo o que fazer e 
não ficaria o dia inteiro dormindo e assistindo televisão. 
Fui tomar meu banho, como todos os dias. Às vezes achava 
que minha vida era um eterno dejá vu, sempre se repetindo. 
Quando desci para tomar café, não senti o cheiro de pão e café 
fresco de sempre. Olhei a cozinha, estava vazia e intacta. Subi 
correndo pelas escadas e fui direto para o quarto da minha mãe. 
Ela ainda estava deitada, mas não estava dormindo. 
 
– Mãe, o que aconteceu? – perguntei. 
 
– Não acordei bem hoje, me desculpe. Eu não pude 
preparar seu café! 
 
Coloquei a mão em sua testa, estava quente. 
 
– Mãe você está com febre! Até parece que eu vou deixar 
você descer nessas condições. Pode deixar que eu me viro. Já 
tomou algum remédio? – perguntei quase sem respirar. 
 
– Já sim! Seu pai me deu o remédio que o meu medico 
sempre indica em casos como esse! 
 
– E onde está ele agora? – perguntei nervosa. 
 
– Ele foi à padaria. Disse que iria comprar pão, mas não 
demoraria. 
 
– Tudo bem, mas nem pense em se levantar da cama. Vou 
preparar algo para você! 
F
 
Sai do quarto e deixei a porta encostada. Enquanto descia 
as escadas, ouvi um barulho de porta abrindo. Era o papai! 
 
– Alice, acordou. Comprei pão! – meu pai foi colocando os 
pães em cima da mesa e continuou – Acho que já deve ter visto 
a sua mãe. 
 
– Ela está com febre, mas já vou preparar o café dela! 
 
– Não precisa. Você vai acabar se atrasando para escola, 
hoje não é o primeiro dia de aula? – nesse momento papai 
pegava algumas frutas. 
 
– Sim, mas eu não vou deixar a mamãe assim. Hoje eu não 
vou! – respondi furiosa pelo papai achar que eu era tão 
insensível assim. 
 
– Mas filha, não precisa! Eu vou ficar cuidando da sua mãe, 
pode ir! 
 
– Hum, vai cuidar bem dela? – perguntei brincando. 
 
– Claro que vou, eu cuido da sua mãe desde antes de você 
nascer. Apesar de que ela é quem tem talento para cuidar das 
pessoas. Confesso que ela cuida muito mais de mim do que eu 
dela, ela é quase como meu anjo da guarda! – Ele riu e eu o 
acompanhei. 
 
– Tudo bem, mas só se a mamãe achar que não vai precisar 
de mim! 
 
Subi e fui olhar a mamãe de novo. A febre ainda estava 
alta, mas não muito. Acho que o papai daria conta de cuidar dela 
sozinho, sabia que a mamãe iria me mandar para escola, mas 
perguntei mesmo assim: 
 
– Mãe, você acha que pode ficar sozinha com o papai ou 
prefere que eu fique? 
 
– Claro que eu posso ficar sozinho com seu pai! Já fiquei 
sozinho com ele tantas vezes, o que de ruim poderia acontecer? 
Pode ir filha, eu vou ficar bem! – Ela sorria, mas sua voz já não 
era tão angelical como costuma ser. Sua voz estava triste. 
 
– Serio, não vai mesmo precisar de mim? 
– Já disse, pode ir! 
 
– Então está bom, eu vou! – Me despedi dela, dei um beijo 
e sai. Antes de fechar a porta, coloquei o rosto entre a abertura 
da porta e perguntei, só de brincadeira: 
 
– Tem certeza mesmo? 
 
– VAI! – respondeu rindo. Desta vez parecia mais com a 
velha Michele de sempre. 
 
Não cheguei a tomar café. Peguei uma maçã e fui comendo 
pelo caminho. Apesar de poder chegar alguns minutos atrasado 
no primeiro dia de aula, eu queria chegar antes da primeira aula 
começar. Fui apressando o passo. 
Não precisei andar muito para reparar uma movimentação 
estranha na antiga casa dos Guedes. A casa dos Guedes – que 
agora seria dos Devón – era no final de minha rua, por isso, 
quase sempre passava por ela quando ia para qualquer lugar. 
Havia dois caminhões de mudanças e um carro preto do 
qual não sei a marca, apenas que era bonito, parado em frente à 
casa. Eles deviam ter chegado cedo, parecia que as coisas 
estavam bem adiantadas. Tentei ver se conseguia achar alguém 
da nova família, mas não consegui. Só se via os carregadores de 
uniforme. Bem, acho que teria muito tempo para conhecê-los, 
continuei andando. 
Assim que cheguei à escola dei de cara com Milena, Mel e 
Bia. As três acenaram para mim e eu segui correndo para perto 
delas. Não voltamos ao shopping desde daquela vez, mas 
comentávamos de um novo dia de comprar. 
A escola havia sido reformada. Mas pouca coisa tinha 
realmente mudado. As paredes, antes apenas brancas, agora 
eram todas brancas e azuis, seguindo as cores da logomarca da 
escola. A quadra foi repintada e as redes foram trocadas. Foram 
colocados azulejos – também brancos e azuis – até a metade da 
parede na secretaria. Ainda não tinha visto o laboratório de 
ciências e nem a sala de informática, mas essas acredito não 
terem passado de uma pintura básica. O pátio agora tinha 
lixeiras com cores para cada tipo de lixo. Parecia que a cantina 
também receberá uma reforma, mas não notava muitas 
diferenças. 
Quando subimos, as salas não pareciam muito diferentes. 
Todas foram repintadas e o quadro negro trocado, fora isso era 
tudo a mesma coisa. A nossa sala esse ano seria a última do 
corredor do terceiro andar. 
Apesar de a cidade ser pequena, a escola vivia cheia. Todos 
na cidade estudam ou estudaram nela. Era difícil ver algum 
aluno novo. Isso acontecia quando alguém de fora da cidade 
resolvia matricular seu filho – sabe Deus o motivo – na escola ou 
quando alguém se mudava para a cidade. 
Bem, esse ano eu já esperava que novidades acontecessem 
dês do dia em que Mel disse que a família Devón se mudaria 
para a cidade. E assim que entrei na sala, pude ver a primeira 
mudança. 
Três mesas após a minha, estava ele, sentado olhando para 
a janela. Assim que entrei, ele desviou o olhar para mim. Ele era 
o garoto mais lindo que eu já havia visto na vida. 
Ele tinha cabelos lisos e pretos que estavam 
estrategicamente bagunçados, um corpo na medida para sua 
idade, uma boca encantadora e um olhar sedutor. Ele era 
perfeito em todos os sentidos. Não tinha como negar que, desta 
vez, acho que iria gostar de ter a rotina quebrada. Seus olhos 
verdes claros continuavam a me fitar, como se estivesse me 
decorando. E a cada vez em que seu peito se estufava inspirando 
o ar, minha respiração era cortada. Parecia que ele me roubava 
o ar. 
Não sei quanto tempo ficamos nos olhando. Só fui lembrar 
mesmo que estava na escola quando Mili me “acordou”, 
empurrando-me para dentro da sala. Mesmo depois que entrei, 
ele continuou me olhando. Parecia que estava me vigiando, 
querendo me proteger, como o garoto do shopping. Foi então 
que me veio à lembrança, o garoto do shopping! Seria ele? Não, 
acho impossível. Mas será? 
 
Assim que sentei senti mais olhos em minha direção. 
Estava assustada, o que será que todos estavam me olhando de 
forma tão estranha. Resolvi olhar melhor, claro, os olhares não 
eram para mim, eram para ele. 
Toda a sala estava olhando para aquele novo aluno. Seu 
rosto de anjo e beleza descomunal pelo visto não havia atraído 
somente a mim. Senti-me mal por ele, deveria estar sendo 
horrívelser novo aluno e já chamar toda a atenção para si. Ele 
não parecia ser do tipo que gosta de chamar a atenção, e aos 
pouco vi em seu rosto o desconforto de estar sendo observado 
pela sala toda. Na verdade a cara dele era mais de 
constrangimento, acho que principalmente por causa dos 
comentários. Todos – até mesmo os garotos – estavam 
admirados com sua beleza. Também pudera, ele conseguiu, pelo 
menos de mim, o titulo de novo “gatão da sala”, talvez até da 
escola. 
 
Por alguns instantes, aquela angústia que sempre tenho 
quando minha rotina é mudada começou a invadir-me de tal 
forma que chegava a doer. Talvez não tenha sido tão bom esse 
garoto aparecer por aqui. 
As outras aulas foram a mesma coisa, troca de olhares, 
comentários, suspiros e batimentos cardíacos a mil por hora. E 
no intervalo do lanche não foi diferente. Os comentários só 
aumentaram, agora era oficial, ele havia se tornado o garoto 
mais bonito da escola. Até mesmo os funcionários comentavam 
sobre sua beleza e eu, obvio, não tive para onde fugir. 
 
– Alice, você já falou com o aluno novo? – perguntou Jane, 
uma colega minha do 3º ano. 
 
– Ainda não. – respondi meio sem jeito. 
 
– Mas ele é da sua sala, não é? – ela parecia muito 
interessada. 
 
– Sim, ele é! 
 
Foi a pergunta mais repetida que os alunos das outras 
classes fizeram para os alunos do 2º ano. Todos queriam saber 
de onde saiu aquele garoto que ainda não sabia sequer o nome. 
Isso me incomodava muito. 
 
O intervalo acabou, mas os comentários não. A aula 
seguinte era de literatura. Havia comentários de que a 
professora antiga tinha se demitido, mas não se sabe ao certo o 
motivo. Parece que ela desistiu de ser professora para cuidar 
dos negócios da família, que não eram pequenos. 
Assim que entramos na sala a professora nova entrou 
também. A surpresa foi geral. Ninguém esperava uma 
professora de literatura nova e bonita, ou melhor, nova e linda. 
Era tão incrivelmente linda quanto o aluno novo. Seus cabelos 
lisos e pretos estavam em um coque. Sua pele branca parecia de 
porcelana, olhos verdes e um corpo de dar inveja a qualquer 
garota. Ela também tinha uma fisionomia angelical, porém era 
mais exótica. Ela provavelmente devia ser uma Devón. Sem 
dúvida, as pessoas mais lindas que já vi. 
 
– Olá, classe. Meu nome é Amanda Devón, serei a nova 
professora de literatura de vocês. Espero conseguir ser tão boa 
quanto à professora antiga de vocês, soube que era excelente. 
Bem, esse é meu primeiro dia aqui, por tanto, gostaria que cada 
um de vocês levantasse e dissesse nome e idade, começando 
por essa fila. 
 
Ela começou pela fila ao lado da porta, a minha seria a 
terceira e ultima fila. Havia 23 alunos na sala, mas esse numero 
costumava crescer com o tempo até chegar a capacidade 
máxima de 40 alunos. Como só havia o Devón – cujo primeiro 
nome ainda não conhecia – de aluno novo, nem prestei atenção. 
Alguns eu até podia remendar, pois já conhecia exatamente o 
modo de falar de cada pessoa na sala. 
Olhei rapidamente para trás. Ele ainda me observava, com 
os mesmo olhar de vigilância que manteve dês da primeira aula 
sobre mim, somente sobre mim. Não sabia se me sentia 
lisonjeada, constrangida ou irritada com isso, só sabia que me 
sentia estranhamente angustiada com a sensação forte de rotina 
rompida. 
A segunda fileira já havia acabado e a terceira já estava se 
apresentando. Não demorou muito para chegar minha vez. 
 
– Bem, acho que todos já me conhecem. Meu nome é Alice 
Montês e tenho 16 anos. – piada infame, estava muito nervosa, 
mas pelo menos todos riram. Até a professora deu um sorriso 
simpático. 
 
A fila seguiu com Milena e Mel, quando finalmente chegou 
a hora dele. Era estranho como nenhum professor perguntou 
por seu nome. Provavelmente ele já deve ter conhecido todos os 
professores, a irmã dele deve ter apresentado a todos. 
Virei-me para vê-lo falar. Ele era ainda mais lindo de pé. 
Seus olhos continuavam fixos em mim, depois se viraram para 
sala. 
– Meu nome é Daniel Devón, tenho 15 anos. 
 
Pela primeira vez pude ouvir sua voz. Era incrivelmente 
bela. Tinha um tom angelical, doce que combinava com seu 
rosto. Mas também era uma voz firme e segura. Ele era 
realmente perfeito. Daniel Devón. Sentia que nunca esqueceria 
esse nome. Acredito que seja impossível esquecer o nome da 
pessoa mais linda que já vi. A angustia tomou conta de mim 
outra vez, agora mais forte e arrebatadora. Sabia exatamente o 
que isso queria dizer: NOVA ROTINA SENDO CRIADA. 
Após todos terem se apresentado, Amanda começou a 
passar a matéria. 
 
– Este é apenas um texto de introdução. Não iremos nos 
aprofundar agora. Por isso, não se preocupem; o texto é 
pequeno. 
 
Ela passou um quadro inteiro. Em comparação ao que 
tínhamos no ano, um quadro realmente era pequeno. Antes de 
terminar o ultimo parágrafo, Amanda foi chamada a sala da 
diretoria. Parece que a pauta dela já estava pronta. 
Assim que ela saiu Daniel se levantou e veio até minha 
cadeira. Agora sim, todos os olhares estavam voltados para mim. 
O garoto mais lindo da escola, que se manteve calado durante 
todas as aulas, veio a minha cadeira. 
– Acho que seremos bons amigos. – foram as primeiras 
palavras que ele trocava comigo. Muito estranho. Que tipo de 
garoto se apresenta com “acho que seremos bons amigos”? 
 
– Q-q-que bom. Então quer dizer que você é um Devón? 
 
– Parece que sim! Você não precisa se preocupar, a 
Amanda não ficou com raiva de você. – eu fiz cara de quem não 
entendeu – Por causa da piada. 
 
– Ah, sim! Bom saber. – já nem lembrava daquela “piada”. 
 
– Eu mudei para a mesma rua que você mora! 
 
– Sim, eu sei. Mas como você sabe disso? 
 
– Eu te vi saindo de sua casa e passando pela minha casa. 
 
– Você... Você... Me viu? M-m-as como? – estava ficando 
assustada – Eu não vi ninguém. 
 
– Eu estava dentro do carro. 
 
– Dentro do... Carro? Ah, claro! – estava sentindo minha 
pele corar. 
 
– Espero te ver mais vezes. Agora vou para o meu lugar. 
Amanda já deve estar voltando! 
Ele voltou para o lugar. Sabia que se fosse qualquer outro 
garoto eu não teria ficado tão nervosa e envergonhada e isso 
era ruim. Isso era muito ruim. 
Como ele disse, não demorou muito e Amanda já estava de 
volta. Ela terminou o parágrafo, mas poucos voltaram a copiar. 
Estavam todos comentando o que acabava de acontecer. Daniel 
Devón, que se manteve calado em todas as aulas, finalmente 
resolveu falar com alguém. E esse alguém era justamente eu. 
Não estava gostando nada de ouvir as pessoas fofocando 
sobre mim. Odiava ser o centro das atenções. Gostava que me 
notassem, mas não gostava de ser o único assunto de todos. Eu 
realmente precisava de uma consulta com um psicólogo, 
urgente. 
Já estava vendo tudo, claramente. Esse ano sem dúvida 
não seria igual aos outros, não mesmo. Era como se eu pudesse 
prever o meu futuro, que não estava nada agradável. Estava 
prevendo varias fofocas, cochichos, murmúrios e mais milhares 
e milhares de olhares incansáveis sobre mim. Não sei o porquê, 
mas sentia que esse Daniel realmente estava disposto a se torna 
um grande amigo meu. Mas com tantas garotas na sala, mais 
bonitas, mais encorpadas, mais disponíveis a alterações de 
rotina, ele tinha que escolher justamente a mim, a mim! 
Realmente podia prever o meu futuro. Sabia exatamente o 
que me aguardava e sabia que não iria gostar nada mesmo. Mas 
parece que não existe escapatória, esse ano é o ano das 
mudanças e minha rotina não seria apenas interrompida, ela 
seria reescrita. Senti-me extremamente repetitiva, mas esse era 
o ano da mudança de rotina, e era uma mudança realmente 
descomunal. 
 7. INVASÃO 
inalmente a aula havia acabado, não estava mais suportando 
aquilo. Estive ao ponto de pensar que poderia enlouquecer se 
ficasse mais um segundo ali, com ele me olhando e eles 
fofocando sobre mim. Quando sai da classe pude ouvir algumas 
garotas contando para outras salas o que havia acontecido. Meu 
Deus,logo a escola inteira iria ficar sabendo! Não sei se estarei 
viva até o fim do ano. No corredor, indo para a saída da escola, o 
vi com a irmã. Ele ainda me observava, e agora todos estavam 
vendo que o que andam cochichando nos últimos minutos era 
verdade. Acho que, de todas as fofocas já contadas, essa foi a 
que se espalhou mais rápido, deveria estar no livro dos recordes. 
Senti uma mão tocar meu ombro antes de chegar à porta. 
Era Roger, aquele infeliz sonhador. 
 
– Vocês estão namorando? – perguntou meio inseguro. 
 
– Vocês quem? – perguntei já sabendo do que se tratava. 
 
– Você e o aluno novo, o Devón. – ele ainda estava 
inseguro. 
 
– NÃO! – fiz uma cara de brava e sai. Ele veio atrás e 
continuou 
 
– Mas ele falou com você hoje. 
– Sim, acho que todos já sabem. – estava ficando nervosa. 
 
– Mas por que ele falou só com você? – ele veio para 
minha frente. 
 
– Oras como vou saber! – essa história já estava me 
irritando. 
 
F
Quando sai da escola, segui para o pátio. Precisava ficar 
sozinha um pouco. Passei pelo estacionamento e o vi com a 
irmã, que tinha acabado de bater a porta do carro. Ele me viu e 
veio para minha direção, lindo e perfeito, como um anjo. Mesmo 
estando furiosa com o pandemônio que minha vida estava se 
tornando por causa dele, não conseguia ficar nervosa quando via 
os belos olhos verdes com um sorriso perfeito vindo para perto 
de mim. 
 
– Oi, de novo! – ele estava mais perfeito do que me 
lembrava. 
 
– Oi – respondi dando um sorriso tosco. 
 
– Desculpe a confusão que acabei criando. – disse 
enquanto passava a mão sobre a nuca. 
 
– Que povo louco não é? – tentei não dizer o que 
realmente estava pensando – Fica fazendo de uma simples 
conversa um espetáculo de circo. – continuei com o sorriso 
tosco. 
– Que bom que não está com raiva de mim! – ele ficou 
mais animado. 
 
– De você? Não tenho motivos para ficar com raiva de você 
– mas acho que estava – Os outros que exageraram! – isso era 
verdade. 
 
– Será que posso te dar uma carona? – perguntou 
apontando para o carro – Bem, não eu. Mas a Amanda não vai 
se importar. 
 
– Vamos evitar mais comentários e deixar essa carona para 
próxima, depois que a poeira da fofoca abaixar. 
Acenei para ele e ele fez um sinal positivo com o dedo. Sua 
expressão era de quem havia acabado de dar a maior mancada, 
mas não parecia chateado por ter recusado. 
Quando fui para quadra, vi que as meninas estavam me 
espionando. Até minhas melhores amigas estavam tirando o dia 
para me aporrinhar com esse assunto! Segui em direção a elas já 
fazendo minha cara de quem estava com “as macacas”. 
 
– Que bonito, meninas, me espionando. – disse antes 
mesmo de chegar perto delas. 
 
– Nós só queríamos saber se você... – Mel tentou se 
explicar, mas a interrompi. 
 
 
– Nada de “mas”! Vocês são minhas amigas, ou pelo menos 
acho, deveriam me ajudar a calar a boca de todo mundo. Mas o 
que vocês estão fazendo, me apunhalando pelas costas, 
querendo saber o que eu estava conversando para terem o que 
fofocar, não é? 
 
– Alice, é isso que pensa da gente? – perguntou Bia 
fazendo cara de inocente. 
 
– É exatamente isso! Quem não as conhece que as compre. 
– tentei ser menos agressiva e disse isso mais 
descontraidamente. 
 
– Desculpa, prometemos não fazer mais isso – disse Bia, 
em nome de todas. 
 
– Fazer o que? Se é ruim com vocês, pior sem! – fiz sinal 
com a mão para me seguirem. Todas vieram atrás e nenhuma 
tocou no assunto mais comentado do dia seguinte. Sim, porque 
esse assunto ainda ia passar por muitas bocas antes de acabar. 
 
Quando cheguei em casa, um susto. Meu pai, sentado á 
mesa, junto com outro homem e minha mãe – que parecia estar 
bem melhor que de manhã – na sala, com uma mulher. O 
homem, de uns 40 anos, estava vestido com uma roupa social, 
de pasta na mão e conversava seriamente com meu pai. Já a 
mulher, de uns 30 e poucos, estava vestindo um belo vestido 
azul, não muito justo nem muito folgado. Mas o que mais me 
espantou foi a beleza dos dois. Ele tinha cabelos pretos, olhos 
verdes, aparentava ter um corpo em forma, uma voz firme e 
decidida. Já a mulher tinha longos cabelos também pretos, olhos 
cor de mel, uma pele tão perfeita que nem parecia ter passado 
pela adolescência, ou pelas espinhas. Seu rosto e voz eram tão 
calmos e angelicais quanto os da mamãe. Ela era a primeira 
pessoa que conheci – além da mamãe – que tinha esse perfil. 
Fiquei sem ação, já sabia exatamente de quem se tratavam. Só 
podiam ser eles, os Senhor e Senhora Devón, que outras pessoas 
no mundo poderiam ser tão lindas e angelicais quanto a essa 
família. Nesse momento cheguei a cogitar que eles haviam sido 
feito em laboratório, unido o que há de melhor nos seres 
humanos, não havia condições de uma pessoa normal nascer tão 
perfeita. 
 
– Alice, você já voltou! – disse meu pai. – Quero lhe 
apresentar o Sr. Miguel Devón. 
Como imaginei, eram os Devón. Ele sorriu para mim e seu 
sorriso me fazia lembrar o de Daniel. Estendeu a mão para me 
cumprimentar, fiz o mesmo. 
 
– Eu e o Sr. Devón estávamos discutindo alguns assuntos. 
Nós estamos firmando uma sociedade! – meu pai falava isso 
com um imenso orgulho e um sorriso no rosto tão igualmente 
imenso. – Aquela é a esposa dele, Sra. Ângela Devón. 
 
A Sra. Devón levantou-se do sofá e minha mãe seguiu 
atrás. Ela também me cumprimentou, mas acrescentou dois 
beijos. Eu mantive a educação e novamente fiz o mesmo. 
 
– Mas ela já é uma mocinha! – disse a Sra. Devón – 
Provavelmente você já deve conhecer os meus filhos. 
 
– Sim, já conheço. O Daniel é da minha sala. Já a Amanda 
eu conheceria de qualquer forma. – respondi, novamente 
mantendo a educação. – Mas você é muito nova para ter uma 
filha da idade da Amanda. 
 
– Que amor! Só mais velha do que aparento. Pode 
acreditar. A Amanda tem apenas 20 anos. Eu casei cedo, pouco 
mais velha que você. – ela começou a sorrir. Sua voz realmente 
era tão angelical quanto à da mamãe. 
 
– Mas mesmo assim, você ainda parece ser muito jovem! – 
meu ápice de educação foi na “retirada”. – Bem, se me dão 
licença, eu ainda não troquei de roupa, então, se me permitem 
eu vou subindo. Com licença. 
 
Subi rapidamente para o quarto. Os Devón não me veriam 
mais por hoje, só desceria quando fossem embora, todos eles. 
Começava a ficar com medo do que poderia acontecer comigo 
dali pra frente, com tantas mudanças acontecendo. A minha 
rotina já estava sendo modificada e reescrita. Não sabia mais o 
que seria de mim agora, com tantas mudanças aparecendo em 
minha vida. Nunca imaginei que o meu maior desejo iria se 
tornar o meu pior pesadelo. 
Fui tomar um banho, tinha que jogar um pouco de água na 
cabeça. Enquanto a água escorria pelo meu corpo e se dissipava 
no ralo, mantive meus pensamentos no passado. Parecia um 
bom momento para lembrar como minha vida era. Já estava 
digerindo algumas coisas e já sabia que podia dividir minha vida 
em antes e depois dos DeVale. Depois comecei a imaginar no 
que minha vida se tornaria, mas não fazia idéia. Imaginava 
fofocas, cochichos e nada mais. 
Depois que terminei de tomar banho, fui para porta e dei 
uma olhada pela greta que abri, aparentemente os dois já 
tinham ido embora. Voltei ao banheiro para apagar a luz que 
havia deixado acesa e troquei de roupa. Arrisquei-me e resolvi 
descer. Não havia ninguém na sala. Fiquei aliviada, não poderia 
voltar ao meu quarto se eles estivessem lá, e se eu quisesse 
manter minha educação. 
Fui para cozinha e achei que estava tendo uma visão. Era 
Daniel Devón sentado na mesa? Sim, era Daniel Devón sentado 
na mesa! 
 
– Oi, outra vez! – disse quando me viu. 
 
– O-o-oi. – estava totalmente sem graça. 
 
– Alice, achei que você tinha morrido no banheiro. Venha 
por seu almoço! – minha mãe me viu e depois olhou para o 
Daniel. – A Sra. Devón pediu para que ele almoçasse aqui hoje. 
Eles ainda estão arrumando as coisas e ela não pode fazer o 
almoço, espero

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