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Geologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Carlos Eduardo Martins Revisão Textual: Prof. Ms. Claudio Brites Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global 5 • Deriva Continental • Os Pós-guerras e a Retomada da Deriva dos Continentes • A Expansão do Assoalho Oceânico • Tectônica Global ou de Placas · Esta unidade tem por objetivo apresentar o grande avanço que as inovações tecnológicas e as novas teorias a respeito da Terra, em especial na geofísica, produziram na Geologia. Nesta unidade em que trataremos da estrutura interna, da deriva continental e tectônica global, você terá acesso a diversos recursos. Veja o mapa mental que sintetiza a estrutura do assunto tratado nesse módulo. Fique atento aos prazos das atividades que serão colocados no ar. Recorra sempre que possível às videoaulas e aos slides narrados para tirar eventuais dúvidas sobre o conteúdo textual. Participe do fórum de discussão proposto para o tema. No seu tempo livre, procure pesquisar as fontes do material complementar. Além desses recursos, procure pesquisar o máximo que puder sobre o tema estrutura interna, deriva continental e tectônica global, pois há inúmeros conteúdos na internet que são bastante úteis para o seu estudo e para a sua formação profissional. Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global 6 Unidade: Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global Contextualização “Nosso universo nasceu, há 15 bilhões de anos, numa maciça superexplosão, e, segundo as especulações cosmológicas da época em que escrevo, pode acabar de maneira igualmente dramática. Dentro dele, o histórico de vida das estrelas, e, portanto de seus planetas, está, como o universo, cheio de cataclismos: novas, supernovas, gigantes vermelhas, anãs brancas, buracos negros e o resto - nenhum deles reconhecido ou encarado como mais que fenômenos astronômicos periféricos antes da década de 1920. A maioria dos geólogos resistiu durante muito tempo à ideia de grandes deslocamentos laterais, como os continentes movendo-se em todo o globo no curso da história da terra, embora a evidência disso fosse mais ou menos forte. E o fizeram com base em grande parte ideológica, a julgar pela extraordinária ira da controvérsia contra o principal proponente da “deriva continental”, Alfred Wegener. De qualquer modo, o argumento de que isso não podia ser verdade porque não se conhecia nenhum mecanismo geofísico para causar tais movimentos não era mais convincente a priori, em vista da evidência, do que o argumento de lorde Kelvin, no século XIX, de que a escala de tempo então postulada por geólogos devia estar errada, porque a física, como então entendida, fazia a terra muito mais jovem do que a geologia exigia. Contudo, desde a década de 1960 o antes impensável tomou-se a ortodoxia da geologia do dia-a-dia: um globo de placas gigantescas mudando de lugar, às vezes rapidamente (“placas tectônicas”).” HOBSBAWN, E. Era dos Extremos: o breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 530. 7 Deriva Continental Alfred Lothar Wegener (1880-1930) é um nome de referência não só para a Geologia, mas para a Astronomia e Meteorologia. Foi o pioneiro no uso de balões meteorológicos para registrar os dados da atmosfera em grande altitude. Seu vínculo com a Meteorologia foi além da prática científica, ele se casou com a filha do meteorologista Wladimir Köppen, autor do mapa de climas mais utilizado do mundo. Apesar das suas valiosas contribuições no campo da meteorologia, Wegener tinha muito interesse pessoal na Geofísica e na Paleontologia. Passava horas na biblioteca da Universidade de Marburg, Alemanha, pesquisando sobre temas dos mais diversos, principalmente Geofísica. O objetivo das leituras de Wegener foi ficando cada vez mais voltado para tentar provar a mobilidade da superfície terrestre, por dois aspectos: · Ele não concordava com as teses que explicavam a ocorrência de fósseis semelhantes em diferentes continentes; · Ele estava cada vez mais convencido de que uma série de fenômenos – geográficos, geológicos, climáticos, paleontológicos e geomorfológicos – pareciam, na visão dele, relacionados. Wegener concordava veementemente com a tese de Abrahan Ortelius (1596) de que as costas da América e da África foram a mesma superfície. O que ele sabia era que sem evidências incontestáveis dificilmente receberia crédito por essa hipótese, pelo contrário, seria ridicularizado, como aconteceu com muitos que o tentaram. Sua busca a partir de então foi a de levantar evidências comprobatórias para sustentar a hipótese da mobilidade da superfície terrestre, que não era originalmente de Wegener, mas que ele estava muito empenhado em provar. Diversas pesquisas permitiram que se certificasse das similaridades geológicas nas idades das rochas e das orientações das estruturas geológicas nos lados opostos do Atlântico. Na época, diversas pesquisas botânicas e zoológicas mostravam a existência de espécies que coexistiam nos diferentes continentes. Chamou a atenção de Wegener o caso da distribuição geográfica do molusco Helix pomatia (o caracol de jardim) e dos vermes lumbricídeos na margem oeste da Europa e ao leste da América do Norte, ou seja, na margem atlântica dos dois continentes separados por milhares de quilômetros. O mesmo pode ser dito a respeito da ocorrência de fósseis de um pequeno tipo de réptil aquático, chamado no Brasil de Mesosaurus brasiliensis (Stereosternum Tumidum), entre outras espécies também correlacionadas, comum aos sedimentos permianos tanto do Brasil quanto da África do Sul. O conhecimento em meteorologia e clima deu a Wegener a condição de perceber que alguns fósseis inventariados em sua época teriam sido resgatados de locais nos quais os climas não condiziam com as espécies registradas, por exemplo: fósseis de plantas tropicais, conhecidas como Flora Glossopteris, encontrados no que é hoje a ilha de 8 Unidade: Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global Spitsbergen, próxima ao Polo Ártico e, de forma mais impressionante, na América, África, Índia, Austrália e Antártica. A Figura 1 apresenta um esquema similar ao que Wegener observou sobre as espécies citadas acima. Figura 1. Associações fósseis observadas em conjunto por Wegener Fonte: Wikimedia Commons Além da semelhança continental e correspondência fóssil, Wegener também procurou averiguar se existiriam semelhanças paleoclimáticas que pudessem auxiliar na sua busca pelas provas da mobilidade dos continentes. Ele encontrou os indícios necessários em algumas pesquisas que estavam em vias de comprovar as glaciações ocorridas a cerca de 300 milhões de anos, as quais abrangeram o sul e o sudeste do Brasil, o sul da África, da Índia, Austrália e da Antártica (Figura 2). Figura 2. Evidência glacial utilizada por Wegener (1915) Fonte: tasaclips.com O gelo desse episódio de glaciação não se encontra mais nesses locais, à exceção da Antártica, mas as suas marcas ainda podem ser reconhecidas. Em particular, podemos relacionar as estrias por abrasão que a geleira em movimento produz nos afloramentos rochosos (Figura 3), bem como os sedimentos glaciais e algumas evidências de remoção ou erosão por geleiras. 9 Figura 3. Pavimento estriado de Witmarsum, Paraná, Brasil. Similar aos observados por Wegener Fonte: Wikimedia Commons De posse de todas essas informações, Wegener tratou de publicar a sua hipótese de mobilidade terrestre no livro The Origin of Continents and Oceans (A origem dos Continentes e Oceanos) em 1915. Para ele, a superfície da Terra era completamente móvel, ao que chamou de deriva dos continentes. A deriva dos continentes tivera início entre 225 e 230 milhões de anos, quando um antigo supercontinente, que ele denominou Pangeia (grego pan = toda e gaia = terra), cercado por um único oceano, o Pantalassa ou Paleo-Pacífico, começou a se fragmentar e mover, gerando os supercontinentesLaurásia, ao norte do Equador, e o Gondwana, ao sul. Posteriormente, esses deram origem aos continentes atuais. A Figura 4 esquematiza a tese da deriva de Wegener. Figura 4. Provável movimento da deriva dos continentes que, segundo Wegener, divide o supercontinente Pangeia e o Oceano Pantalassa. Fonte: 3.bp.blogspot.com 10 Unidade: Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global Ao contrário do que ele imaginava, sua teoria foi recebida com ressalvas pelas comunidades científicas europeia e americana. Algumas reações mostraram até certa hostilidade, como foi o caso de Rollin T. Chamberlin, da Universidade de Chicago, que apelidou a teoria de Wegener de Footloose –uma coisa capaz de circular livremente e fazer, ou ser, o que quiser, devido à falta de responsabilidades ou compromissos. Parte do problema identificado por seus críticos foi o fato de Wegener não ter atribuído a força natural que seria capaz de mover os continentes. Acreditava que o movimento dos continentes podia estar associado à gravitação da Lua e do Sol e da força centrífuga, pelo movimento de rotação da Terra ao redor de si, e não a forças internas, ou endógenas à crosta. Em sua última expedição à Groenlândia, em 1930, aos 50 anos, Wegener veio a óbito por hipotermia. Após a sua morte, a sua teoria foi relegada ao esquecimento. A exceção fica por conta do geólogo britânico Arthur Holmes, que, após tantas discussões sobre a falta de um “motor” para mover os continentes, em 1928, afirmou que “correntes de convecção” térmicas ascendentes, que ocorrem abaixo da crosta terrestre, na astenosfera, arrastaram as duas partes separadas do continente original, expandindo o assoalho oceânico. Após migrarem por baixo das partes separadas, formavam montanhas nas margens daquelas, onde as correntes assumiam trajetórias descendentes. O princípio de Holmes é muito simples: se um fluido tem contato com duas áreas com temperaturas diferentes, ele entra em uma fase de movimento rotacional alternando de um ambiente para outro (Figura 5). O movimento do fluido repercute no movimento das estruturas que flutuam nele. O calor interno da Terra é gerado por Desintegração Radioativa ou Decaimento Radioativo – processo de diminuição da atividade de um nuclídeo radioativo pela transmutação que sofre ao se desintegrar. Pode-se afirmar que a proposição das correntes de convecção de Holmes reascendeu a esperança na explicação da mobilidade terrestre pela deriva dos continentes de Wegener, indicando a força propulsora coerente para mover continentes, algo que o próprio Wegener, apesar de toda a sua engenhosidade, não havia conseguido identificar. Figura 5. Correntes de convecção na astenosfera Fonte: ic.sunysb.edu 11 Os Pós-guerras e a Retomada da Deriva dos Continentes As duas grandes guerras mundiais produziram o maior número de perdas de vidas humanas da história, mas deixaram um legado de inovações que, após o término dos conflitos, passou a ser utilizado para a pesquisa de novos recursos materiais e no desenvolvimento científico. Os sonares, por exemplo, desenvolvidos para detectar a presença de submarinos inimigos, começaram a ser usados para o mapeamento do assoalho oceânico. Esse mapeamento revelou um relevo bastante acidentado, formado por grandes bacias sedimentares entremeadas por verdadeiras cadeias montanhosas submersas: as cordilheiras ou dorsais meso-oceânicas. Como boa parte do trabalho de mapeamento se concentrava no Oceano Atlântico, em pouco tempo os geofísicos já tinham a exata medida da Dorsal Mesoatlântica, um sistema de montanhas alinhadas do norte ao sul do Atlântico com duas características decisivas para as teses de mobilidade da crosta: · O assoalho oceânico do Atlântico era composto por rochas com idades entre 150 e 200 milhões de anos apenas, diferentemente das encontradas na crosta continental, que podem ter idades superiores a 1 bilhão; · A zona central da Dorsal Mesoatlântica e das outras dorsais mapeadas em seguida era caracterizada por uma fenda, denominada de Rift, que concentra a maior parte dos sismos que ocorrem nessa região do mundo, indicando que se tratar de uma área sismicamente ativa. O mapeamento do fundo dos oceanos permitiu, então, além do dimensionamento mais correto da crosta terrestre, a indicação dos pontos onde os sismos estavam concentrados. Na Figura 6, podemos observar o resultado dessa combinação de fatores, note que, na representação do Instituto de Tecnologia da Califórnia – CALTECH, o mapeamento do fundo dos oceanos associado ao das ocorrências sísmicas estabeleceu novos limites para a crosta – as cores da legenda indicam a profundidade do hipocentro dos sismos. Figura 6. Ocorrência de sismos na superfície terrestre Fonte: redorbit.com 12 Unidade: Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global Observe na Figura 6 que as ocorrências mais numerosas com a maior variedade de profundidade estão distribuídas ao longo de uma faixa que margeia a bacia do Oceano Pacífico. Essa margem corresponde ao denominado Cinturão ou Anel de Fogo do Pacífico. Nesse, estão concentrados os fenômenos sísmicos e vulcânicos mais significativos da superfície terrestre, como, por exemplo: · Fossa das Marianas (-11.034 metros); Fossa das Filipinas; Fossa do Japão; Fossa Peru-Chile; · Vulcão do Monte Ontake (Japão); Vulcão do Monte Fuji (Japão); Vulcão Krakatoa (Indonésia); Vulcão Sinabung (Indonésia); Vulcão Puyehue (Chile); Vulcão Mauna Loa (Havai); Vulcão Kilauea (Havai); Vulcão do Monte Santa Helena (EUA). Alguns dos vulcões mencionados encontravam-se adormecidos, mas entraram em erupção recentemente ou tiveram erupções devastadoras no passado. Glossário Hipocentro - Centro de uma área subterrânea onde a energia do terremoto é concentrada. Ponto situado no interior da terra, que é o centro de um terremoto e a origem de suas ondas elásticas. Epicentro - Ponto da superfície terrestre que se encontra situado exatamente sobre o local de origem do terremoto no interior da crosta, a partir de onde é calculada a magnitude de um sismo. Disponível em http://www.mineropar.pr.gov.br/modules/glossario - Acessado em 14/10/2014 Todo o processo de mapeamento do assoalho do Oceano Atlântico acompanhado da coleta de amostras de material rochoso foi posteriormente analisado por radiometria, outra novidade que havia sido incorporada às pesquisas geológicas. Glossário Radiometria (contextualizada no entreguerras mundiais) - conjunto de técnicas de medição de radiação eletromagnética, incluindo luz visível. As técnicas radiométricas caracterizam a distribuição da potência da radiação no espaço. Decorre da descoberta da radioatividade, por Henri Becquerel em 1896, processo em que certos nuclídeos sofrem desintegração espontânea, liberando energia e formando, em geral, novos nuclídeos. Nesse processo, costuma haver emissão de um ou mais tipos de radiação, como raios ou partículas alfa, fótons, gama. Disponível em http://www.mineropar.pr.gov.br/modules/glossario. Acessado em 14/10/2014 13 O resultado foi um surpreendente escalonamento das idades das rochas que, quanto mais próximas da dorsal, mais jovens são (Figura 7). Figura 7. Idades (em milhões de anos) do assoalho do Oceano Atlântico Fonte: adaptado de Teixeira et al (2009, p. 84) A combinação entre a datação das amostras coletadas e as medições radiométricas diversas, observadas na Figura 7, deu a dimensão sobre a expansão de todos os assoalhos oceânicos que compõem a superfície. O modelo que descreve o processo de expansão do assoalho oceânico pode ser observado na Figura 8. Figura 8. Expansão do assoalho oceânico por corrente de convecção divergente Fonte: 3.bp.blogspot.com 14 Unidade: Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global Na Figura 8, podemos observar a dinâmica paisagística que as correntes de convecção ascendentes de movimento divergente promovem. Em a), vemos o início da pressão da astenosfera sobre a crosta como aparecimento dos primeiros sinais de fraturamentos do terreno, expondo e sobrecarregando a plasticidade da crosta nesse local (Hot Spot) ou ao longo de uma linha, com fortes atividades sísmicas. Em b), há o início da ruptura da plasticidade da crosta ou o rifteamento e a abertura do continente com o aumento da intensidade da atividade sísmica. É importante observar que as marcas do rifteamento permanecem nas duas margens separadas. No Brasil, a Serra do Mar compreende os sinais do grande processo de rifteamento ocorrido a cerca de 200 milhões de anos, que separou a América do Sul e a África – situação que já havia sido sugerida, mas não comprovada, desde o século XVI. Em c), os continentes já apresentam um afastamento considerável. No lugar da superfície continental, o magma que emerge conduzido pela corrente de convecção, ao entrar em contato com o ar e com a água, solidifica-se e passa a formar o que denominamos de crosta oceânica basáltica. A crosta oceânica tem duas características básicas: · São formadas basicamente por basaltos mais densos; · São mais finas que as crostas continentais, geralmente formadas por granitos e bem mais espessas e densas; · O limite central da crosta oceânica torna-se uma dorsal, contendo uma fossa que recebe material magmático oriundo da corrente de convecção, que empurra os dois lados da crosta em direções opostas, reconstruindo as duas margens da fossa central com basalto solidificado. Em d), o estágio de expansão do assoalho ou da crosta oceânica encontra-se em um estágio bem mais avançado. A Dorsal Meso-Oceânica já está bem formada e bastante cisalhada pelo calor e pela pressão interna provenientes das correntes de convecção. Glossário Cisalhamento - deformação resultante de esforços que fazem ou tendem a fazer com que as partes contíguas de um corpo deslizem uma em relação à outra, em direção paralela ao plano de contato entre as mesmas. Disponível em http://www.mineropar.pr.gov.br/modules/glossario/. Acessado em 14/10/2014 15 A Expansão do Assoalho Oceânico Coube ao geofísico da Universidade de Princeton, EUA, William Jason Morgan, estabelecer, em 1960, a prova comprobatória da expansão do assoalho oceânico por meio da correlação entre as anomalias magnéticas de polaridade alternada nas rochas coletadas em ambos os lados da Dorsal Mesoatlântica (Figura 9). Figura 9. Anomalias magnéticas no assoalho oceânico atlântico Fonte: Wikimedia Commons Esses novos princípios agregaram as informações para que, aí sim, definitivamente, a ciência admitisse a mobilidade da superfície terreste, tão persistentemente defendida por uns poucos visionários, principalmente Wegener, que não conseguiam provar suas hipóteses. Com toda essa nova materialidade de provas conquistadas em bases consistentes, esses teóricos poderiam ter suas teses finalmente verificadas e validadas; embora, não se tratasse mais de discutir o movimento dos continentes, mas de considerar o movimento da crosta terrestre como um todo. Em 1962, Harry Hammond Hess sugeriu que logo abaixo da crosta terrestre havia uma estrutura que ele denominou de astenosfera, formada de material incandescente e móvel. Com base nas informações da idade das rochas e das anomalias magnéticas, supôs deslocamentos na crosta provocados pela astenosfera, algo em torno de 1 e 10 cm/ano, contrariando Wegener, que acreditava em deslocamentos de 30 metros/ano. Atualmente, a medição dos movimentos da crosta terrestre é feita a partir do emprego de receptores GPS de altíssima precisão. São comparadas diversas tomadas de coordenadas precisas com o GPS de pontos na superfície e, a partir disso, são feitas modelagens computacionais com o deslocamento desses pontos, resultando em maior precisão na direção e velocidade do movimento. A Figura 10 apresenta uma simulação dos movimentos da crosta. a) cerca de 5 milhões de anos; b) cerca de 2 ou 3 milhões de anos; c) atualidade. 16 Unidade: Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global Figura 10. Direção e velocidade dos movimentos na crosta terrestre Fonte: whybecausescience.files.wordpress.com Note que, assim como afirmava Hess, as variações determinadas pelo comprimento da seta vão de pouco mais de um cm/ano a pouco menos de 10 cm/ano. Podemos observar e comparar a direção e a velocidade do movimento da placa que abriga a América do Sul com as demais placas. A seta que indica a direção e a velocidade do movimento regional, apesar de muito pequena, indica um deslocamento para noroeste de alguns centímetros por ano, o que é um forte indicativo de mobilidade, ou seja, de sismicidade regional. Mas, há sismos no Brasil? Sismos são vibrações bruscas e temporárias que ocorrem na superfície terrestre, decorrentes da mobilidade da crosta. Se a intensidade for muito alta e desastrosa, os sismos são chamados de terremotos. Já os sismos de baixa intensidade e que não causam muitos estragos são denominados de abalos ou tremores. Fonte: http://geofisicabrasil.com/geofisicabasica/99-sismologia14/147-sismos-terremotos.html - Adaptado. Acessado em: 15/10/2014 Os registros mais significativos que temos são apresentados no Quadro 1. Observe que não há uma área específica para as ocorrências sísmicas. Em registros de praticamente todas as regiões, a magnitude dos sismos em geral é baixa por conta da distância em relação às margens onde há colisão e separação. 17 Quadro 1. Os maiores sismos registrados no país (em magnitude Richter que vai de <2 a >10) Data Localidade Magnitude 27/01/1922 Mogi -Guaçu, SP 5.1 28/06/1939 Tubarão, SC 5.5 31/01/1955 Serra do Tombador, MT 6.2 28/02/1955 Litoral Vitória, ES 6.1 13/12/1963 Manaus, AM 5.1 13/02/1964 NW Mato Grosso do Sul 5.4 20/11/1980 Pacajus, CE 5.2 05/08/1983 Codajás, AM 5.5 30/11/1986 João Câmara, RN 5.1 10/03/1989 João Câmara, RN 5.0 13/02/1990 Plataforma, RS 5.0 10/03/1998 Porto dos Gaúchos, MT 5.2 23/03/2005 Porto dos Gaúchos, MT 5.0 31/10/2007 Plataforma, AP 5.2 24/04/2008 São Vicente, SP 5.2 Fonte: Arquivo Sísmico Brasileiro apud Veloso (2013, p. 56) A relativa ou aparente estabilidade que o Brasil apresenta também tem a ver com a teoria da Isostasia. Essa teoria defende que a crosta menos densa, constituída basicamente de silício e alumínio, flutua sobre a astenosfera, mais densa e constituída de silício e magnésio. As porções mais espessas da crosta (o Brasil se situa em uma dessas) seriam mais estáveis e, por isso, menos suscetíveis a sismos e vulcões (Figura 11). Figura 11. Modelo do equilíbrio isostático da crosta terrestre Fonte: whybecausescience.files.wordpress.com 18 Unidade: Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global Em meados da década de 1960, o mapeamento do fundo dos oceanos e da superfície emersa dos continentes por sonar ou por radar (sensoriamento remoto) trouxe um novo panorama, nunca antes percebido, de que a superfície da Terra é inteiramente sólida, embora descontínua (Figura 12). Figura 12. Superfície da Terra obtida por sensoriamento remoto Fonte: web.letras.up.pt Em 1968, foi lançado um dos artigos mais importantes para a explicação da delimitação de mobilidade da crosta terrestre, autoria de William Jason Morgan, intitulado Rises, trenches, great faults, and crustal block (Ascensão, fossas, grandes falhas e blocos crustais). No artigo mencionado, Morgan dividiu a superfície da Terra em 20 unidades (Figura 13) ou placas, tendo, ainda, subdividido os contatos entre elas em três tipos de margens, as quais detalharemos em seguida. Figura 13. Divisão das placas proposta por Morgan (1968) Fonte: Wikimedia Commons 19 Margens construtivas ou divergentes As chamadas margens construtivas estão sobre as zonas de movimento ascencional e divergente das correntes de convecção na astenosfera. Já vimos que o resultado da ação das correntes divergentes é gerar a massa constituinte das crostas oceânicas, ou seja, a expansão do assoalho oceânico. Nessas regiões ocorre sismicidaderazoavelmente intensa devido à ascensão de material magmático que empurra as duas margens continentais novas em direções distintas, sendo esse o motivo pelo qual são chamadas de construtivas. Um dos exemplos mais relevantes de margem construtiva é o rifteamento que está ocorrendo na região da superfície que compreende o leste do continente africano e o sul da Península Arábica (Figura 14). Figura 14. Rifteamento na porção oriental do continente africano e Península Arábica Fonte: web.arc.losrios.edu Nessa região, as correntes de convecção pressionam o continente de baixo para cima, gerando diversas irregularidades no terreno. Essas irregularidades são grandes depressões que formam os grandes lagos do leste africano. Note na Figura 14 que há um certo alinhamento norte-sul de fácil reconhecimento visual em imagens de satélite. O rifteamento africano, um exemplo clássico de movimento de margem construtiva, tende a separar completamente as porções orientais do restante do continente, como mostra a imagem à direita na simulação da Figura 14. Margens destrutivas ou convergentes As margens destrutivas encontram-se na extremidade oposta às margens construtivas e, em geral, são resultantes do deslocamento convergente promovido pela astenosfera, o que faz com que acabem se chocando umas contra as outras. Como vimos na explicação do equilíbrio isostático, as margens apresentam densidades diferenciadas e, por esse motivo, umas têm capacidade de “flutuar” mais do que as outras sobre a astenosfera. 20 Unidade: Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global Observe na Figura 15 que, por conta da diferença de densidade, uma das placas mergulha na direção da astenosfera, enquanto a outra é soerguida, sofrendo deformações do tipo dobramentos nas rochas mais próximas a sua margem. Pode ocorrer nesses casos a formação de vulcões, por onde parte do material incandescente sobe podendo ser expelido pelas crateras deles. Figura 15. Choque de margens continentais com subducção (esquerda) e orogênese (direita) Fonte: Wikimedia Commons Esses contatos entre placas convergentes são chamados de destrutivos, pois, enquanto uma das margens, em geral a mais densa, mergulha ou é subduzida em direção à astenosfera, fundindo-se ao material incandescente, do outro lado, a margem confrontada é soerguida, sofrendo deformações que a transformam completamente do ponto de vista químico e físico, com o aparecimento de dobramentos, falhas, fraturas e diáclases. São inúmeras as áreas da crosta terrestre onde este fenômeno pode ser observado. Como exemplo, podemos citar fenômenos orogenéticos como a Cadeia de Montanhas dos Andes na América do Sul, os Alpes na Europa e a Cadeia do Himalaia que tem a montanha mais alta do mundo, o Monte Everest – com 8.848m de altitude –, todos classificados como resultantes de dobramentos modernos das bordas menos densas da crosta terrestre. A Cadeia ou Cordilheira do Himalaia resulta então da ascensão da margem sul da Ásia, por conta da subducção ou do mergulho da Índia sob aquela. Figura 16. Contato de margens destrutivas, soerguimento e dobramento da Cadeia do Himalaia. Fonte: bc.outcrop.org 21 Observando o esquema à esquerda, nota-se que ele representa a trajetória executada pelo subcontinente indiano desde o antigo supercontinente Gondwana, no Hemisfério Sul da Terra, até chocar-se com a Ásia, no Hemisfério Norte. Isso tem a ver com o movimento e o sentido da corrente de convecção que atua sob aquela região da Terra. Os arcos de ilhas como o arquipélago do Japão – erguido pelo contato destrutivo entre as placas das filipinas, norte-americana e euro-asiática, entre outras – são outro tipo de movimento de margens destrutivas, embora, nesse caso específico, a margem confrontada encontra-se muito profundamente mergulhada no oceano e a borda confrontante soergue e dobra apenas a porção mais imediatamente próxima do contato. Trata-se de uma faixa de terras de topografia irregular, suscetíveis a toda sorte de fenômenos sísmicos, vulcânicos e, ainda, podendo ser atingida por Tsunamis resultantes da energia dos choques entre as placas submersas, que repercutem na água do oceano, tendo como consequência os maremotos. Margens (Falhas) transcorrentes ou transformantes As falhas transcorrentes são fenômenos de contato de margens crustais onde não se pode admitir nem a destruição e nem a construção de massa continental. Admite-se que haja apenas a deformação do terreno afetado, que passa a apresentar falhas ou fraturas em decorrência da forte pressão exercida pela astenosfera. Isso ocorre porque as falhas são resultantes dos movimentos de fricção lateral das margens crustais em contato. Nesses casos, a hipótese mais plausível é que, enquanto uma corrente de convecção impulsiona uma das margens para um lado, a outra faz o mesmo, mas na direção oposta e mais ou menos na mesma velocidade, como indica a Figura 17 – um dos casos mais bem estudados do mundo. Figura 17. Falha de San Andreas, na Califórnia - EUA Fonte: historicmajortectonicactivityproject.pbworks.com, soest.hawaii.edu As falhas transcorrentes, embora não possam ser reconhecidas como fruto de movimento convergente e nem divergente da astenosfera, podem ser consideradas muito instáveis do ponto de vista sísmico. A Califórnia já foi afetada por terremotos provocados pelo movimento da Falha de San Andreas, que trouxeram muitas perdas humanas e transtornos socioeconômicos. 22 Unidade: Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global A Figura 18 é uma síntese comparativa entre os três tipos de margens observados nos tópicos anteriores. Figura 18. Tipo de margens ou limite de contato na crosta terrestre Fonte: ufrr.br Até este ponto da leitura, pode parecer que estamos tratando de temas independentes entre si, mas isso se deve ao fato de em nenhuma das referências anteriores ser apresentada a totalidade dos fatos, como Isacks, Oliver e Sykes fizeram em 1968, na obra Seismology and the New Global Tectonics (Sismologia e nova tectônica global – ou tectônica de placas). O artigo é uma reunião das principais teorias e experimentos sobre os movimentos crustais até então desenvolvidos e comprovados cientificamente, mas que, como já salientado acima, não estabeleciam relações entre si. Tectônica Global ou de Placas Os autores do artigo, então, buscaram demonstrar que o conjunto de temas que aparentemente pareciam difusos, formava um paradigma capaz de explicar todos os fenômenos que relacionados à mobilidade da crosta terrestre, a saber: · A existência de cadeias montanhosas (dorsais) em fundo oceânico; · O fato de que o fundo oceânico é relativamente recente, cerca de 180 milhões de anos, enquanto que as rochas dos continentes têm até 4 bilhões de anos; · A ausência de sedimentos no fundo oceânico; · As bandas das anomalias magnéticas do fundo oceânico; · A distribuição dos sismos e dos vulcões ativos na Terra; · A origem das cadeias montanhosas; · O aumento da profundidade dos epicentros dos sismos conforme nos afastamos da costa da América do Sul, e esta da Ásia; · E tudo isso sem deixar de explicar o que já havia observado Wegener e outros de sua época. 23 Em concordância com a Tectônica de Placas, as pesquisas geofísicas recentes elaboraram um modelo para o interior da Terra, atualmente visto como aquele que mais se aproxima da realidade, trata-se da subdivisão do interior da Terra em camadas concêntricas (Figura 19). Podemos observar na Figura 19 que as camadas estão distribuídas de acordo com as densidades, estados da matéria e temperaturas. Essas informações foram obtidas a partir de testes de laboratório, nos quais foram feitos diversos experimentos com a velocidade das ondas sísmicas. Como dissemos acima, esse modelo foi criado em laboratório, ou seja, não houve verificação em campo dos resultados apresentados, pois seria impossível, ao menos atualmente, a nós penetrarmos no interior da Terra. Na Figura 19, vemosque a cerca de 100 km de profundidade a temperatura já é de 1.000 °C e a densidade da matéria, praticamente, dobra. Então, como delimitar as camadas interiores da Terra com um mínimo de coerência se não podemos medi-la in loco? A resposta está na propagação das ondas sísmicas apresentada pelos diferentes materiais testados. Note na Figura 19 que os traços que indicam a velocidade das ondas ao longo do aumento da profundidade apresentam cortes e mudanças bruscas em seus ritmos. Essas descontinuidades são utilizadas como delimitadores dos parâmetros que identificam cada uma das camadas do interior da Terra. As descontinuidades menos profundas, que não aparecem na imagem, são a de Conrad, a 20 km, e a de Mohorovicic ou Moho, a cerca de 30 km. As outras, a de Gutemberg, cerca de 2.900 km, e a de Lehmann, 5.000 km, demarcam as dimensões das camadas internas da Terra, gerando a nossa imagem do interior do planeta. Figura 19. Estrutura sísmica da Terra, segundo o modelo Preliminary Reference Earth Model –PREM Fonte: adaptado de Pomerol et al (2011, p. 258) 24 Unidade: Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global Material Complementar Leituras: História geológica do Oceano Atlântico: http://www.sbpcnet.org.br/livro/65ra/PDFs/arq_2136_791.pdf Alfred Wegener e a revolução copernicana da geologia: http://ppegeo.igc.usp.br/pdf/rbg/v40n2/v40n2a12.pdf Sites: Glossário de termos geológicos (MINEROPAR): http://www.mineropar.pr.gov.br/modules/glossario/conteudo.php?conteudo=A 25 Referências POMEROL, C.; LAGABRIELLE, Y.; RENARD, M.; GUILLOT, S. Princípios de Geologia: técnicas, modelos e teorias. 14. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. PRESS, F.; SIEVER, R.; GROTZINGER, J.; JORDAN, T. H. Para Entender a Terra. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006. TEIXEIRA, W. et al. Decifrando a Terra. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2009. 26 Unidade: Estrutura Interna, Deriva Continental e Tectônica Global Anotações
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