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Psicomotricidade_Perspectivas_Multidisciplinares

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PSICOMOTRICIDADE 
PERSPECTIVAS 
MULTIDISCIPLINARES 
CIRCULAÇÃO INTERNA
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PSICOMOTRICIDADE 
PERSPECTIVAS MULTIDISCIPLINARES 
 
 
 
 
 
 
 
“Situar a psicomotricidade tão somente em seu plano motor 
levaria a considerá-la como uma função puramente 
instrumental, dependente da impulsão de forças externas ou 
internas, mas alheias a ela, com o que se despersonalizaria 
totalmente o conceito de psicomotricidade.” (in SÁNCHEZ, P.; 
MARTINEZ, M.; PENALVER, I., 2003, p.34) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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SUMÁRIO 
 
 
1- Abordagem Multicomponencial......................................................................4 
 
Para uma epistemologia da psicomotricidade.........................................................4 
 
Psicomotricidade e investigação............................................................................13 
 
O papel da psicomotricidade na aquisição da linguagem......................................19 
 
Significação neuropsicológica do controle postural..............................................35 
 
Uma abordagem neuropsicológica à somatognosia (ou noção do corpo)...........43 
 
2- Abordagem Multiexperiencial.......................................................................56 
 
Fundamentos psicomotores da aprendizagem da natação para crianças.............56 
 
A deficiência mental a partir de um enfoque psicomotor...................................62 
 
3- Abordagem Multicontextual.........................................................................72 
 
Fundamentos psicomotores da evolução antropológica.....................................72 
 
Psicomotricidade e alto rendimento...................................................................84 
 
Fundamentos psicomotores das expressões artísticas........................................91 
 
Referências.......................................................................................................104 
 
 
Atividades Avaliativas.....................................................................................116
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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4 
 
1- ABORDAGEM MULTICOMPONENCIAL 
 
PARA UMA EPISTEMOLOGIA DA PSICOMOTRICIDADE 
 
Partindo dos conceitos históricos de "exercício físico" e de "ginástica médica" de Tissié (1894), 
passando pela perspectiva hipnótica de Charcot (1887) e pela teoria somatopsíquica de Freud (1930), bem 
como pelas inferências filosóficas do tai chi chuan chinês, do ioga hindu e dos filósofos somáticos e 
fenomenológicos (Kant, Kierkegard, Marx, Cassirer, M. de Biran, Camus, Nietzsche, Merleau-Ponty e 
outros), o autor procura estudar a matriz teórica da psicomotricidade, analisando as relações complexas entre o 
movimento e o pensamento, reconceitualizando os paradigmas críticos entre o corpo e o cérebro. Com base 
em Dupré (1925), Wallon (1925, 1932, 1934), Piaget (1947, 1956, 1962, 1976) e Ajuriaguerra (1952, 1970, 
1974), reformula as bases da teoria psicomotora, colocando em perspectiva, prospectivamente, a necessidade 
de integrar no seu corpo conteudístico as novas contribuições das neurociências desde Paillard (1961), 
Bernstein (1967), Luria (1975), Sperry (1979), Eccles (1989), Gardner (1994) a Damásio (1995). 
Em termos epistemológicos, a psicomotricidade não encerra só a história dos conceitos do exercício 
físico, da motricidade e do corpo, convocados para restaurar uma "ordem psíquica perturbada" ou para 
facilitar o "funcionamento do espírito", mas também o estudo causal e a análise de condições de adaptação e 
de aprendizagem que tornam possível o comportamento humano. 
Foi Tissié (1894), um médico que no século XIX "tratou", pela primeira vez, de um caso de 
"instabilidade mental com impulsividade mórbida", por meio da chamada ginástica médica. Tal caso tratava 
de um jovem paciente de 17 anos, rejeitado socialmente, portador de idéias obsessivas e fixas, extremamente 
colérico, que andava longas distâncias, mesmo quilômetros, não para conhecer o ambiente ou dar expressão às 
suas necessidades de exploração da natureza ou aos seus sentimentos de liberdade ou evasão, mas apenas para 
andar depressa e ininterruptamente - uma espécie de "marcha em fuga", que é característica de muitos casos 
esquizofrênicos. 
A ginástica chamada médica da época consistia na execução de movimentos elementares 
coordenados, de flexões de membros, de equilíbrios, de percursos a pé, de boxe e de percursos de bicicleta, 
com duchas frias administradas em intervalos regulares. Para Tissié (1901), um trabalho muscular dirigido sob 
a ótica médica compensaria as impulsões enfermas de seus pacientes. 
O movimento começa, assim, há cerca de um século, a ser concebido como agente curativo, "pondo 
em ordem as orientações energéticas". O paradigma dessta perspectiva pioneira sustentava que "dominando os 
movimentos, o paciente disciplinaria a razão", um conceito psicomotor relevante. 
À ação curativa da ginástica médica juntou-se a ação psicodinâmica da ginástica respiratória, que 
emergiu essencialmente duma perspectiva higienista, com a finalidade de "estimular os centros da sugestão" 
(Tissié, 1901). 
Para Tissié (1894), a ginástica médica e o controle respiratório "desenvolvem o autodomínio, 
solicitando os centros cerebrais onde se encontram os pensamentos, os movimentos e o lugar onde nasce a 
vontade". Estaria aqui outro dos paradigmas da psicomotricidade? 
Cabe realçar que, nessa época, a influência de Charcot (1887) se fazia sentir de forma singular. O 
hipnotismo e a teoria da sugestão, ou da persuasão, segundo esse autor, que marcadamente influenciou Freud 
(1930), centram- se no sentido muscular. De fato, a hipnose não é mais do que uma estranha cumplicidade 
entre a idéia e o movimento, ou pelo menos evoca uma dialética inseparável entre tais componentes da vida 
psíquica. 
Os métodos criados por Charcot (1887) atribuíram ao movimento uma função de restauração das 
Textos extraídos Do Livro Psicomotricidade Perspectivas Multidisciplinares de Carlos Alberto de Mattos Ferreira 
 
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5 
idéias sãs, exatamente porque são desejadas pela vontade do paciente. Segundo esse autor, "por hipnose, a 
palavra do médico reeduca um pensamento desviante ou pervertido. É por meio de palavras, de gestos e de 
atitudes que imprimimos ao sujeito que ele atingirá a idéia que desejamos transmitir-lhe". Residirá também 
aqui um paradigma do relaxamento psicossomático? 
"Pela ginástica médica, o exercício físico dirigido pelo próprio indivíduo intercederá na ordem psicológica, 
gerando uma qualidade cuja natureza é, por um lado, moral, e por outro, psicológica" (Tissié, 1894). Nestas 
palavras de Tissié, a denominada ginástica médica já pressupõe a tomada de consciência e a intencionalidade 
do movimento, que mais tarde esvaziará o "dogma sueco" em detrimento de uma supervalorização 
anatomofuncional e morfológica de uma ginástica analítico-corretiva, de uma teoria mecanicista do 
movimento e de uma educação física de base e de manutenção, mas que o tai chi chuan e o ioga, muitos anos 
antes, por inerência filosófico-cultural, e a terapia e a reeducação psicomotora, por fundamento 
comportamental, priorizam mais recentemente. 
Tissié (1894, 1899) é certamente o primeiro autor ocidental a abordar as ligações entre o movimento e 
o pensamento. Ele constrói um novo espaço de conceitos que oscilam entre a fisiologia e a psicologia, além de 
preconizar historicamente a medicação pelo movimento. Tratar-se-ia de uma utopia? 
Um século de história e vários séculos de passado tem, portanto, o processo de conhecimento da 
psicomotricidade, uma palavra que pode dar cobertura a muitos conceitos diferentese mesmo, em alguns 
modelos, a um verdadeiro caos semântico que se espalha por várias profissões, desde fisiatras a psiquiatras, de 
fisiologistas a ortopedistas, de psicólogos a psicoterapeutas, de fisioterapeutas a professores de educação 
física, de professores de música a professores de expressão artística, etc. 
A dimensão do que encerra o paradigma entre o corpo e o cérebro, o body and mind problem dos 
filósofos somáticos e dos fenomenologistas como Kant, Kierkegard, Marx, Cassirer, Maine de Biran, Camus, 
Nietzsche, Merleau-Ponty, entre outros, resta ainda a esclarecer. 
A deslumbrante concepção da psicanálise equacionada por Freud (1962, 1976) procura desvendar as 
relações entre o soma e o psíquico a partir de zonas do corpo, como a boca, o ânus e os órgãos genitais, zonas 
erógenas que induzem a processos libidinais vitais que inferem, em contrapartida, uma somatoanálise, da qual 
surgem as primeiras representações de um "corpo emocional e intrapsíquico", instrumento essencial à 
construção da personalidade do indivíduo e à sua autoconsciência, o verdadeiro Eu que emerge exatamente de 
necessidades e experiências relacionais. 
Schilder (1963) refere-se aos processos libidinais como narcísicos, tendo como objeto a imagem do 
corpo, o tal estado de auto-reflexão corporal de onde emana o fluxo paralelo da consciência (o self), 
verdadeira síntese psicomotora da pessoa (Fonseca, 1997). 
Corpo e cérebro, motricidade e psiquismo, portanto, co-integram-se em co-construção mútua ao longo 
da ontogênese. Um não é possível sem o outro, implicando daí a sua co-estabilidade. É esse sentido de 
harmonia que ilustra a unidade psicossomática, algo que se pode dissociar nas perturbações psíquicas (por 
exemplo, histeria, hipocondria, anorexia, catatonia, depressão, distimia, hipomania, etc.), a maioria das quais 
espelha uma linguagem própria do corpo. 
Damásio (1995) evoca que "o corpo e o cérebro se encontram indissocia- velmente integrados por 
circuitos neurais e bioquímicos dirigidos de um para o outro" reciprocamente. Para este neurocientista 
português de renome mundial, "qualquer que seja a questão que possamos levantar sobre o que somos e por 
que somos como somos, uma coisa é certa: somos organismos vivos complexos, com um corpo propriamente 
dito e um sistema nervoso". 
Textos extraídos Do Livro Psicomotricidade Perspectivas Multidisciplinares de Carlos Alberto de Mattos Ferreira 
 
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6 
 
FIGURA 1.1 
“A mente não seria o que é se não existisse uma interação entre o corpo e o cérebro durante o processo 
evolutivo, o desenvolvimento individual e a interação com o ambiente” (Damásio, 1995, vf. 96). 
 
Apesar de um percurso histórico-científico titubeante, a psicomotricidade, embora se encontre hoje 
claramente esclarecida e amplamente demonstrada pelas neurociências (Eccles, 1989; Luria, 1965, 1974, 
1975; Sechenov, 1965; Paillard, 1961; Damásio, 1979), o seu reconhecimento, como disciplina e como 
profissão, ainda não ocorreu em muitos países. 
 
Sinopse do reconhecimento da psicomotricidade 
 
Primeiro com Tissié (1894) e com Dupré (1925), depois com Janet (1928) e, fundamentalmente, com 
Wallon (1925, 1932, 1934), a psicomotricidade ganhou definitivamente o reconhecimento institucional. Ela é 
uma prescrição habitual da medicina psiquiátrica e tem lugar nas terapêuticas das doenças mentais e do com-
portamento desviante, em que atua e previne pelo movimento e pela ação os "efeitos perversos de tensões e 
energias mal-orientadas". Por meio do movimento e pela inerência à função simbólica a que ele se deve 
referenciar, as condutas agressivas, desviantes e atípicas se organizam progressivamente. 
Outros percursores, como Itard (1801) e Seguin (1846), inspirados nos alienistas e nos teóricos da 
idiotia e da histeria, desenvolveram também aproximações aos conceitos básicos da psicomotricidade. Neles, 
o sensualismo é considerado como a origem da vontade. Os métodos que desenvolveram consubstanciavam-se 
nas implicações das sensações sobre as funções da atenção e sobre os centros psicomotores (aqui sustentando 
ainda um paralelismo funcional e não uma integração sistêmica), considerados como a sede da vontade, ou 
melhor, como centros nos quais as idéias se convertiam em ações. 
Atualmente, esta perspectiva neurofuncional, respeitadas as necessárias distâncias de fundamentação, 
é designada por integração sensorial (J. Ayres, 1972, 1979; Fisher et al., 1991) e constitui hoje uma 
metodologia terapêutica inovadora, internacionalmente reconhecida no contexto da intervenção precoce. 
A partir desses conteúdos maldefinidos e delimitados, emerge de certa forma o movimento médico-
pedagógico que influenciou massivamente as teorias da "ducha psíquica" e das "ortopedias mentais", 
sacerdócios da renovação e da recuperação do organismo por meio das reeducações psicofísicas, pressupondo 
Textos extraídos Do Livro Psicomotricidade Perspectivas Multidisciplinares de Carlos Alberto de Mattos Ferreira 
 
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que as regiões do cérebro que dirigem o movimento voluntário poderiam se desenvolver pelo exercício físico. 
Tal ideologia voluntarista, defendida por exemplo por Petat (1942), que transportou para a reeducação 
física as idéias neurológicas de Babinsky (1934), baseava-se numa prática em que o simples exercício do 
movimento era tido como elemento de construção da razão. 
Foi assim, com tais pressupostos, que o exercício físico foi ganhando reconhecimento institucional. A 
recuperação dos "iletrados físicos" e dos deficientes, visando a fins retificadores, corretivos e também 
socializadores, segundo seus defensores, foi se impondo à margem dos conceitos psicomotores mais puristas. 
A era dos centros de ginástica corretiva (Walther, 1948), de reeducação da atitude e de reeducação física 
(Lapierre, 1968) teve então, e tem ainda hoje, um desenvolvimento disputado e cerrado entre fisioterapeutas, 
terapeutas ocupacionais e professores de educação física. 
A discussão e a rivalidade entre a educação física e a cinesiologia, entre a reeducação física, a 
atividade física e/ou motora adaptada e a cinesioterapia foram se dividindo e, subseqüentemente, divergindo 
entre um "corpo físico, higienista e em esforço", sujeito ao anatômico e ao fisiológico, defendendo um 
paralelismo psicofísico desintegrado de que são exemplos paradigmáticos as afirmações mens sana in corpore 
sano, "um cérebro irrigado por meio do exercício físico funciona melhor" e um "corpo afetivo, emocional e 
relacional", mais próximo dos fundamentos psicomotores wallonianos e ajuriaguerrianos. 
Guilman (1935), discípulo de Wallon, em centros de reeducação de jovens com problemas de 
comportamento, fora dos contextos institucionais da escola regular e dos centros de reeducação física, 
desenvolveu uma sistemática da psicomotricidade essencialmente dirigida aos instáveis, impulsivos, 
paranóicos, emotivos, obsessivos, apáticos e até mesmo aos delinqüentes. A sua visão de exame psicomotor e 
de motricidade perturbada no contexto das perturbações do comportamento retoma a essência do pensamento 
walloniano, segundo a qual a gênese dos atos irrefletidos, da instabilidade e da impulsividade, das facetas da 
turbulência, da incontinência motora, das perturbações afetivas e das emoções descontroladas é concebida 
como distorções da maturação tônica e da integração do esquema corporal. 
Esta aplicação original do pensamento walloniano e ajuriaguerriano, mais ou menos negligenciada nos 
centros de formação de educação e reeducação física, está na origem das formulações da reeducação 
psicomotora, que põe em realce as relações entre a afetividade, a vigilidade e a motricidade. Tais relações, 
colocadas em dúvida por muitos especialistas, foram defendidas por outros, nomeadamente por psiquiatras 
que criaram em 1961, pela primeira vez na Europa, no Hospital Henri Rousselle, o primeiroCentro de 
Formação Superior em Psicomotricidade, com diploma de reeducador da psicomotricidade, aberto a 
cinesioterapeutas, educadores, professores de ginástica, etc., onde Soubiran e Jolivet (1967) se confirmaram 
como os principais mentores de uma nova profissão. 
A educação física alheia a esse movimento no contexto da saúde e da higiene mental recupera o 
pensamento walloniano fundamentalmente com a Educação Física Estruturalista, de Parlebas (1970), com a 
Psicocinética, de Le Boulch (1967, 1972), e com a Pedagogia Institucional, de Mérand (1970), correntes de 
pensamento que se cruzam em uma matriz teórica do movimento humano, assumido mais como instrumento 
de utilização que é preciso educar, aperfeiçoar, dominar e controlar, do que como unidade e totalidade do ser 
que busca conteúdos na psiquiatria, psicologia, neurologia, fenomenologia ou patologia. 
Em síntese, a psicomotricidade, com o seu pluralismo histórico, fixa a sua origem nas práticas do 
esquema corporal, conceito-chave ainda hoje do seu edifício terapêutico e reeducativo. A importância da sua 
vivência e conscientização, do papel da ação na emergência das noções fundamentais, em volta das quais se 
organiza a linguagem (Quirós e Schrager, 1978) e o pensamento constitui o seu paradigma crucial. 
Ao contrário das concepções de educação física, a psicomotricidade não privilegia o "físico", 
sujeitando-o ao anatômico, ao fisiológico e ao morfofuncional, reforçando um paralelismo psicofísico ou 
psicocinético, tampouco valoriza os segmentos corporais e os componentes musculares, visando à excelência 
da prestação física, à destreza, ao alto rendimento ou à pura proficiência motora. 
Em psicomotricidade, o corpo não é entendido como fiel instrumento de adaptação ao meio 
envolvente ou como instrumento mecânico que é preciso educar, dominar, comandar, automatizar, treinar ou 
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aperfeiçoar. Pelo contrário, seu enfoque centra-se na importância da qualidade relacionai e na mediatização, 
visando à fluidez eutônica, à segurança gravitacional, à estruturação somatognósica e à organização práxica 
expressiva do indivíduo. Privilegia a totalidade do ser, sua dimensão prospectiva de evolução e unidade 
psicossomática; por isso, está mais próxima da neurologia, psicologia, psiquiatria, psicanálise, fenome- 
nologia, antropologia, etc. Os seus paradigmas principais abordam a significação do corpo e da motricidade na 
disontogênese, despersonalização, dismorfofobia, nas dificuldades adaptativas e de aprendizagem. 
A simbólica do movimento, apesar das formulações avançadas por Wallon ( Uenfant turbulent, 1925; 
Les origines du caractére chez l 'enfant, 1934) e da visão inovadora sobre o esquema corporal introduzida pela 
psicanálise, cuja falta do corpo está na base do fantasma original que ilustra o seu conceito nuclear de terapia, 
ainda que lhe sugira um bradicineticismo, tende a perder pertinência contextual entre os anos de 1930 e 1960. 
Atualmente, a psicomotricidade, estando rodeada por uma profusão incomensurável de práticas 
corporais desconceitualizadas e com discursos teóricos pouco consistentes, espalha-se por uma neurologia de 
tipo restritivo, por uma psicologia ora do tipo racional, ora do tipo relacional, e por temáticas que se prendem 
com as emoções e os afetos, sem contudo ter ainda definido seus contornos conteudísticos, paradigmas e 
problemas essenciais e objetos de pesquisa. 
A "inflação" psicomotora que abusivamente grassa nos nossos dias, a ponto de evocar que toda a 
atividade corporal é psicomotora, complica o quadro de esclarecimento teórico. As tentativas de abordagem 
epistemológica à motricidade humana, alicerçada em análises filosóficas atraentes e em correntes de 
pensamento contemporâneo, que passam ao lado de fundamentos neurológicos, psicológicos, psiquiátricos e 
patológicos básicos, tornam o objeto de estudo da psicomotricidade um desafio mais sério de integração 
teórica. 
Na Enciclopédia Universal, o termo "psicomotricidade" é abordado com certo equívoco, explorando a 
ambigüidade dos conceitos a que ela se associa, assim como a significação dessa associação. A 
psicomotricidade é nela definida de forma muito ampla e vaga: "campo de todas as tentativas para analisar e 
realizar a perfeição do comportamento". 
De onde vem esta concepção? 
As teses de Piaget (1947, 1956, 1962, 1976) e de Wallon (1925, 1932, 1934, 1956, 1969) sobre a 
gênese da inteligência e do pensamento da criança são um ponto de referência indispensável ao conhecimento 
em transformação da psicomotricidade. Contributo para o estudo da gênese da psicomotricidade e Escola, 
escola, quem és tu? (Fonseca, 1975, 1976), sublinham, cada um com a sua visão singular de psicomotricidade, 
com um método e uma conceitualização distintos. Ambos reforçam que o psiquismo e o psicomotor não são 
duas categorias ou realidades estranhas, fechadas, separadas ou submetidas uma às leis do pensamento puro e 
outra aos mecanismos físicos e fisiológicos, mas, ao contrário, enfocam a psicomotricidade como a expressão 
bipolar e circular de um único processo, ou seja, a adaptabilidade e a capacidade de aprendizagem humana. 
Um dos primeiros autores a integrar os saberes destes dois pioneiros da psicologia genética, e os 
modelos clínicos de Reich, Schilder, Lacan e Melanie Klein, Ajuriaguerra (1952, 1970, 1974) construiu uma 
aplicação terapêutica deste método, e não meramente teórica ou conceitual, ressaltando mais a significação 
relacional, afetiva e mediatizadora dos problemas psicomotores do que a sua infra-estrutura 
anatomofisiológica. 
É com base nesta concepção neuropsiquiátrica integradora original que emerge a sua definição de 
reeducação psicomotora: "Técnica que, pelo recurso ao corpo e ao movimento, se dirige ao ser humano na sua 
totalidade. Ela não visa à readaptação funcional ou à supervalorização do músculo, mas sim a fluidez do corpo 
no envolvimento. O seu fim é permitir melhor integração e melhor investimento da corporalidade, maior 
capacidade de se situar no espaço, no tempo e no mundo dos objetos e facilitar e promover melhor 
harmonização na relação com o outro" (Ajuriaguerra e Soubiran, 1959). 
Definida dessa maneira, a psicomotricidade é uma forma de terapia que pode incluir técnicas 
psicossomáticas, métodos expressivos e de relaxamento, atividades lúdicas, ou seja, processos de ação 
inspirados na psicanálise e na psicoterapia (Vayer, 1961, 1971). Uma espécie de exegese que sofre de limites 
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malfixados e que ampliam a sua ambigüidade, mas que não deixam de reforçar a sua utilidade 
psicoeducacional. 
Do "corpo corrigido" do princípio do século XX, com um passado tenebroso sobre as relações entre o 
espírito e o corpo (Buytendjk, 1957), caminhamos para um "corpo informacional" característico da última 
década do século XX (Fauché, 1993). 
O psíquico e o psicomotor do presente enunciam um evangelismo epistemológico. A identidade da 
psicomotricidade e a validade dos conceitos que emprega para se legitimar revelam uma síntese 
inquestionável entre o afetivo e o cognitivo que se encontram no psicomotor, isto é, a lógica do 
funcionamento do sistema nervoso, em cuja integração maturativa emerge uma mente que transporta imagens 
e representações e que resulta de uma aprendizagem mediatizada dentro de um contexto sociocultural e sócio-
histórico (Fonseca, 1989). 
Esta opção epistemológica, certamente superadora do dualismo cartesiano que Damásio (1995) 
desmascara com tanto brilhantismo, não deseja mais do que pôr em prática em termos educativos, 
reeducativos, habilitativos e terapêuticos as relações ativas, eficientes e modificadorasentre o corpo e as 
atividades mentais, intelectuais e afetivas; atividades essas que devem ser balizadas pela neuropsicologia 
evolutiva, pela psiquiatria e pela psicanálise, pela psicofisiologia e pela psicossomática atuais, que assumam 
uma integração teórica e viabilizem as práticas multidimensional e multifacetada. 
Muitas dificuldades de teorização nascerão, muitos conflitos da prática se equacionarão, mas a 
evolução da psicomotricidade não pode deixar de ter como orientação básica de que o ser humano é único, 
total e evolutivo, e que ela, na sua essência interventiva, lhe deve facilitar o acesso a um funcionamento 
psíquico normal otimizado. 
A história do saber da psicomotricidade já representa um século de esforço de ação e de pensamento, e 
sua cientificidade na era da cibernética e da informática permitirá, certamente, ir mais longe na descrição das 
relações mútuas e recíprocas da convivência do corpo com o psíquico. Esta intimidade filogenética e 
ontogenética representa o triunfo evolutivo da espécie humana, um longo passado de vários milhões de anos 
de conquistas psicomotoras. 
A psicomotricidade, em síntese, atreve-se a clarificar o paradigma da evolução da espécie humana, de 
certa forma a única que pode atingir a metamotricidade, dado que os outros animais também desfrutam de 
uma motricidade, de um corpo e de um cérebro em interação com o seu hábitat específico (Fonseca, 1989). 
Cada vertebrado possui uma motricidade própria, cuja evolução neuroanatômica materializa uma 
interação entre o seu corpo, o seu cérebro e o seu hábitat, mas só o ser humano, o vertebrado dominante 
(Fonseca, 1989), desenvolveu a motricidade pensante e transcendente, que reflete a complexidade 
organizacional única no ecossistema, a construção integrada de substratos neurológicos (o neocórtex), desde a 
protomotricidade dos reflexos à neomotricidade da reflexão (Fonseca, 1989, 1992). 
A emergência da motricidade intencional e planificada, portadora de significações extramotoras, 
extrabiológicas e extra-somáticas, de distância interior e de conscientização entre o pensamento e a ação, está 
na base da criação de um mundo civilizacional, acrescentado à natureza, por meio de uma nova motricidade e 
uma praxiologia, cuja complexidade é desconhecida na motricidade animal. 
O surgimento da inteligência criadora só pode ser compreendida à luz da evolução da inteligência 
sensório-motora e vertebrada, que permitiu à espécie humana, por meio de sua inteligência corporal e 
cinestésica (Gardner, 1995), transformar a natureza e acrescentar-lhe cultura. A inteligência nesse contexto 
não se pode distanciar das condições sócio-históricas concretas de onde ela emergiu, ou seja, ela é o corolário 
da motricidade que se interiorizou (Aju- riaguerra e Hecaen, 1964; Bernstein, 1967). 
A fronteira que separa a motricidade animal da humana é, em tese, a transformação e a transcendência 
da motricidade inacessível ao animal, não só por características únicas que deram origem a libertações 
anatomofuncionais, mas por aquisições de novas capacidades intencionais que surgiram delas. 
Ao perspectivar a evolução humana em uma complexa espiral que decorre da ação ao pensamento 
(Wallon, 1969), do gesto à palavra, a motricidade libertada do corpo, e provocando nele impressionantes 
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alterações morfológicas (Fonseca, 1992), torna-se cada vez mais dependente das intenções criadas pelo 
homem (Damásio, 1979). 
 
Qual é o objeto de conhecimento da psicomotricidade? 
 
A psicomotricidade na sua essência não é só a chave da sobrevivência, como se observa no animal e 
na espécie humana, mas é, igualmente, a chave da criação cultural. Em síntese, é a primeira e última 
manifestação da inteligência. A psicomotricidade, em termos filogenéticos, tem, portanto, um passado de 
vários milhões de anos, porém uma história restrita de apenas cem anos. 
A motricidade humana, a única que se pode denominar por psicomotora, é distinta da motricidade 
animal por duas características: é voluntária e possui novos atributos de interação com o mundo exterior 
(Eccles, 1989). 
Para Sperry (1979), Prêmio Nobel de Medicina, a atividade mental, tal como a inteligência, é um meio 
para executar ações, em vez de se evocar que a motricidade é apenas uma forma subsidiária projetada para 
satisfazer aos pedidos e às necessidades dos centros nervosos superiores. 
Em Bernstein (1967), o estudo da ação não interessa apenas à performance motora, mas a todas as 
formas de realização de comportamentos significativos, sendo possível de concretizar-se por meio da 
planificação e da resolução de problemas, envolvendo para o mesmo autor não só a iniciação eferente 
(problema) como a finalização aferente (solução) com conseqüências sensoriais. 
Para ambos, "não agimos para conhecer, antes, conhecemos para agir". Esta separação ou 
retardamento teleonômico, entre os estímulos e as respostas, entre objetivos e fins, entre as gnosias e as 
praxias, que no fundo está na base do surgimento da inteligência, é uma distância que converte a informação 
intra-somática (eu) e extra-somática (não-eu), em estados de conscientização, um intermediário poderoso, em 
uma palavra, o âmago do ser - isto é, a somatognosia - dirigido por intenções manejadas pelo sujeito 
(Damásio, 1995; Fonseca, 1997). 
Essa capacidade de intencionalidade inerente à motricidade humana modificou por completo a vida 
mental da espécie humana e altera de forma construtiva e co-construtiva a vida mental da criança ao longo de 
seu desenvolvimento psicomotor. Nesta linha de pensamento, Gardner (1994), uma das maiores autoridades 
atuais sobre inteligência humana, a concebe com múltiplos componentes (The theory of multiple 
intelligences), exatamente sete tipos de inteligência, entre as quais destaca a inteligência cinestésico-corporal, 
por ele definida como "controle do corpo, de objetos e de situações, envolvendo movimentos globais ou 
movimentos delicados dos dedos, produzindo ações altamente diferenciadas para fins expressivos, expositivos 
ou intencionais". 
Neste objeto de estudo, o mesmo autor considera a inteligência cinestésico- corporal como a base da 
evolução, não só no seu papel na caça e na fabricação de ferramentas, mas também como apogeu da arte, 
como domesticação da motricidade animal, como emergência da linguagem não-verbal e da consciência e 
como berço do pensamento reflexivo. 
Desenvolvendo esta perspectiva, sobre a qual deve se radicar hoje a natureza do objeto do 
conhecimento da psicomotricidade, Gardner (1994) considera a inteligência cinestésico-corporal como uma 
família de procedimentos para traduzir a intenção em ação, do que resulta um produto final criador e trans-
formador, isto é, a praxia, cuja complexidade é certamente semelhante à linguagem, tanto em termos 
filogenéticos como em ontogenéticos. 
 
As Sete Inteligências: 
 
Quinestesico-corporal: 
 - esportes 
- dança 
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- mecânica 
- trabalho manuais 
- passatempos 
 
Linguistica: 
- literatura 
- poesia 
- comunicação 
- radio 
- teatro 
- escrita 
 
Intrapessoal: 
- imaginação 
- independência 
- privacidade 
- auto-conhecimento 
 
Interpessoal: 
- cooperação 
- liderança 
- trabalho em grupo 
- interação 
 
Musical: 
- musica 
- ritmo 
- composição 
 
Visuoespacial: 
- artes visuais 
- esculturas 
- decoração 
- filmes 
- diagramas 
 
Logico- Matematica 
- Calculo 
- ciência 
- quantificação 
(As inteligências múltiplas do cérebro humano (Gardner, 1994).) 
 
Para o mesmo autor, a praxia depende da combinação integrada e sistêmica de três funções que 
comandam a sua execução: 
- Função receptiva (controle receptivo,captação de sinais, interpretação da ação, atenção, etc.); 
- Função elaborativa (integração, planificação, calibração, gestão de rotinas, padrões de seqüência, etc.); 
- Função expressiva (efeito fugal, controle da ação, melodia, cinestésica, manisfestação práxica, reaferência, 
etc.); 
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Em suma, a motricidade transformou a anatomia, a fisiologia e a psicologia do ser humano, modificou 
as suas funções e a inteligência que a utiliza. A motricidade humana - por analogia a única suscetível de se 
designar por psicomotricidade - exige a tomada de consciência, a vontade motivacional e o sistema de 
representações; com ela, o ser humano inventou e fabricou, com seu corpo biológico, corpos artificiais; 
adquiriu por meio dela "órgãos" muito especializados, que trabalham por ele com mais rendimento e 
disponibilidade. Para os paleon- tologistas, a motricidade é o traço significativo e crucial da evolução humana 
(Fonseca, 1994). 
O acesso a uma motricidade para todo o serviço (Murcia, 1980) liberado de especializações biológicas 
restritivas, converteu o corpo em uma maravilha da engenharia biológica, em uma virtuosa morfologia e em 
sofisticados e complexos programas de ação, comunicação e criação, sem o que não seria possível ascender à 
inteligência superior. 
Em analogia com a concepção de inteligência de Sternberg (1985), a motricidade humana pode ser 
entendida numa teoria triárquica, subentendendo um complexo e multifacetado conhecimento distribuído por 
três subteorias básicas: 
- A subteoria multicomponencial, por se referir à dimensão do mundo interior do indivíduo e aos componentes 
do ato psicomotor, que se baseia no processamento de informação (input sensorial - integração e elaboração - 
e output motor), em que se tem de mencionar a disponibilidade, a interação e a acessibilidade dos 
metacomponentes do processo executivo (performance), da planificação espaço-temporal entre os objetivos e 
os fins e da monitorização e modulação estratégica de fatores tônico-posturais e gnósico-práxicos para 
solucionar problemas. 
- A subteoria multiexperencial, por se referir à familiarização, à prática e à aprendizagem integrada, da qual 
emerge o potencial de flexibilidade e de plasticidade, ou de rigidez, e restrição de rotinas e automatismos que 
encerram a utilização dos componentes psicomotores em concordância com a sua dimensão mnésica e 
ontogenética, e concomitantemente disontogenética (Gubay, 1975; Fonseca, 1995), encarando a dialética dos 
diversos períodos de desenvolvimento, da infância à velhice. 
- A subteoria multicontextual, por se relacionar com o mundo exterior e com os ecossistemas nos quais 
decorre a evolução psicomotora, atribuindo a eficiência dos vários sistemas biopsicossociais como reflexo da 
adaptabilidade dos contextos às características dos indivíduos, desde a família, à escola, à sociedade e às suas 
organizações. 
A psicomotricidade não pode ser analisada fora do comportamento e da aprendizagem, e esta, longe 
de ser uma relação inteligível entre estímulos e respostas, é antes uma seqüência de ações, ou seja, uma 
seqüenciais espaço- temporal intencional, para usar uma expressão piagetiana. 
A organização da ação humana contém propriedades gerais que lhe dão coerência: em primeiro lugar, 
porque a ações são, na sua maioria, seqüenciais; em segundo lugar, porque as ações ocorrem em um dado 
tempo, daí a importância de um plano, da emergência de pré-condições e da previsibilidade da sua interrupção 
e dos seus lapsos; e em terceiro lugar, a noção de que os objetos exigem ações apropriadas para os manipular, 
ou seja, a propriedade final das ações é que elas têm um contexto apropriado. 
 
Subteoria multicomponencial 
tonicidade + postura + lateralização + somatognosia + 
espaço-tempo + praxia global +praxia fina
 
 
Subteoria multiexperiencial 
bebê + criança 
adolescente 
 adulto, idoso 
 
Subteoria multicontextual 
família + hospital +creche 
+ jardim de infância pré-escola 
+ escola+ trabalho + cultura+ ecossistema
 
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FIGURA 1.3 Teoria triárquica da psicomotricidade. 
 
Em síntese, a psicomotricidade é tributária de uma arquitetura funcional que se desenvolveu 
filogeneticamente e que se estrutura ontogeneticamente (Fonseca, 1989, 1994), só ocorre numa dialética 
biopsicossocial, com a qual foi possível acrescentar à natureza uma civilização, e é possível acrescentar aos 
reflexos motores uma reflexão psicológica originada de um processo de aprendizagem dependente de uma 
mediatização que ocorre num contexto social concreto. 
Nem a motricidade nem a inteligência valem muito por si. É a interação e a relação inteligível e 
informacional entre ambas que dão ao movimento a função vicariada da inteligência (Fonseca, 1989). Esta 
teoria é válida tanto para o Homo habilis quando este se empenhou na fabricação de instrumentos como para 
dar um golpe de cinzel de Michelângelo. 
 
PSICOMOTRICIDADE E INVESTIGAÇÃO 
 
A civilização humana é tributária do corpo e da motricidade (Fonseca, 1999a). A confusão entre 
motricidade e psicomotricidade subsiste. A diferenciação teórica e mesmo investigativa da motricidade animal 
e da motricidade humana não se vislumbra em muitas e inúmeras pesquisas sobre a prestação e o rendimento 
motor em vários contextos da performance humana, seja na área dos esportes seja na esfera da ergonomia, seja 
na da arte ou da reabilitação (Sérgio, 1994). 
 A psicomotricidade, em substância, compreende uma teoria diversa e incerta de diferentes 
significações para diferentes investigadores e profissionais, mesmo para escolas de conhecimento, quando não 
de correntes oriundas de diferentes culturas científicas, nas quais há, de fato, mais necessidade de comu-
nicação, intercâmbio e esclarecimento futuro, pois só nesta tentativa de esgotamento e integração de 
conhecimentos ela pode ganhar estatuto científico. 
 
Definição e elegibilidade 
 
A definição de psicomotricidade é ainda imprecisa e multidimensional, além de apresentar uma 
explicação multivariada, por vezes ferozmente defendida pelos seus proponentes. Em resumo, ela não é 
totalmente objetiva. Como concepção, apresenta uma orientação científica heterogênea e, em termos 
metodológicos, é ainda apresentada numa estatística fraca, chegando a ponto de expressar uma sistematização 
e uma fundamentação até o momento ambíguas. 
O termo "psicomotricidade" é carregado de uma taxionomia e de uma tipologia difusas, com inúmeros 
atributos, fatores, indícios críticos incertos e sem consenso de diagnóstico, o que decorre de conceitos 
complexos, como os de co-morbidade, de risco, de vulnerabilidade, de disfunção, de desordem, de difi-
culdade, de transtorno, de perturbação, etc., e de interdependência ecossistêmica. Dessa forma, a definição e a 
elegibilidade do termo "psicomotricidade" parecem equacionar um problema ainda sem solução. 
A falta de clareza científica do termo justifica-se dada à sua linguagem ideológica, sua proliferação 
conceitual, suas disputas improdutivas, suas intermináveis e inúmeras controvérsias, etc., o que, em síntese, 
evocam sua frágil e desconexa teoria científica, com repercussões óbvias nos seus múltiplos modelos de diag-
nóstico, nas suas diferentes e insustentadas aplicações interventivas, quaisquer que sejam os contextos em que 
se observem, verifiquem ou pratiquem. 
Nesse aspecto, a psicomotricidade parece ser mais uma ciência em que todos têm o seu conceito, seu 
diagnóstico original e suas estratégias únicas de intervenção, sejam estas educativas, sejam reeducativas ou 
terapêuticas. Todos reclamam a exclusividade do seu conhecimento, mas o objeto de estudo da 
psicomotricidade,por ser complexo, não pode caber num conhecimento egocentrado ou apócrifo. 
Como paradigma principal, a psicomotricidade estuda as relações filogenéticas, ontogenéticas e 
disontogenéticas complexas entre o corpo, o cérebro e os ecossistemas, equacionadas nas seguintes três 
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FIGURA 1.4 Sistema psicomotor humano. 
dimensões: 
- Multicomponencial (componentes tônicas, posturais, somatognósicas, práxicas, etc.). 
- Multiexperiencial (do embrião ao recém-nascido; do bebê à criança; da criança ao adolescente; do 
adolescente ao adulto; do adulto ao idoso, integrando paralelamente os subparadigmas do ser humano inexpe-
riente e do ser humano experiente, do ser humano imaturo e maturo em termos de desenvolvimento de 
aprendizagem). 
- Multicontextual, ou seja, dependente dos vários ecossistemas (endo, micro, meso, exo e macrossistemas), 
nos quais o indivíduo se encontra socioculturalmente inserido. 
Destarte, a psicomotricidade, como objeto de estudo, subentende as relações entre a organização 
neurocerebral, a organização cognitiva e a organização expressiva da ação, isto é, compreende a ação (aqui 
entendida como praxia, motricidade ou como movimento intencional) como um todo, sendo impossível de se 
imaginar a sua execução (output) separada de sua planificação (input/integração/elaboração). 
A ação ou a motricidade humanas só podem ser concebidas em psicomotricidade quando o 
componente motor se inter-relaciona dinamicamente com o componente emocional e com o componente 
cognitivo, na medida em que é essa interação neuropsicomotora que lhe fornece a característica intrínseca e 
única da sua totalidade adaptativa e evolutiva. 
 
Diagnóstico em psicomotricidade 
 
A identificação das síndromes ou transtornos psicomotores, certamente um dos critérios de 
cientificidade da psicomotricidade, engloba vários subtipos de desorganização do movimento, noção 
cientificamente análoga à de dispraxia, definida por Ajuriaguerra (1970) como "perturbação global da 
personalidade, da qual podem emergir problemas instrumentais ligados à afetividade, na medida em que 
possuem um caráter expressivo, independentemente de não surgirem de neuropatias ou miopatias". 
Não envolvendo os motoneurônios inferiores, nem a unidade muscular ou a função muscular, as 
dispraxias compreendem um problema de planificação motora e de regulação e controle motor, isto é, trata-se 
de uma disfunção cortical superior, podendo arrastar disfunções subcorticais vestibulares. 
Também não deve ser considerada uma disfunção perceptiva nem aferente, pois trata-se antes de uma 
disfunção de output, chamada também de executiva, por isso dispráxica, independentemente de gerar 
alterações sutis, por vezes não- óbvias em alguns processos perceptivos e cognitivos, por isso não deve ser 
confundida com a noção de apraxia, que envolve, ao contrário, uma incapacidade de execução e de regulação 
de movimentos voluntários e intencionais, devido à lesão cerebral óbvia (Ajuriaguerra e Hécaen, 1964). 
A dispraxia, de acordo com vários autores (Ajuriaguerra e Soubiran, 1959; Gubay, 1975; Ayres, 1979; Miller, 
1986; Cratty, 1994), envolve, além de vários sub- tipos, graus de severidade e níveis etários (no sentido da 
cronogênese walloniana), não podendo estar dependente, portanto, de uma rotulagem arbitrária, sob o risco de 
se avaliar ou observar clinicamente seres humanos com base no famigerado “olho clínico" ou em 
inconseqüentes pseudoclassificações. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Programação 
3ª- Lobo frontal 
Córtex motor 
Cognitivo 
Práxico 
Desplanificação 
Desarmonia 
Dispraxia 
Processamento 
2ª- Lobo temporal 
Lobo occipital 
 Lobo parietal 
Sistema límbico 
Corpo caloso 
Associativo 
Imagético 
 
Perceptivo 
Disgnosías 
Dissomatognosias 
Despersonalização 
Ambidestria 
Atenção 
1ª- Diencéfalo 
Mesencéfalo 
Metencéfalo 
Cerebelo 
Tronco cerebral 
Medula 
Proprio-
ceptivo 
Postura 
 
Vestibular 
Reticular 
Desatenção 
Insegurança 
Disdiadococin. 
Sincinésia 
Paratonia 
Distonia 
Dissinergia 
Unidades Sistemas Disfunções 
 
 
Determinar a essência de um problema ou transtorno psicomotor, selecionar uma posição taxionômica 
com marcadores descritivos, substantivos e etiológicos e caracterizar os atributos, sejam eles compartilhados 
ou distintos e distinguíveis de várias síndromes, consubstancia um diagnóstico sólido, teoricamente testável e 
fundamentado, com suporte conceituai consensual em termos de organização neurofuncional, sugerindo, 
conseqüentemente, um diagnóstico baseado num modelo teórico sistêmico, como o "sistema psicomotor 
humano" proposto em outra oportunidade por este autor (Fonseca, 1988a). 
O grau de significação das diferenças intra-individuais, a identificação de sinais disfuncionais 
interindividuais nos vários fatores psicomotores (tônicos, vestibulares, posturais, somatognósicos, espaço-
temporais, macro e micropráxicos), a inter-relação das disfunções psíquicas subjacentes - de atenção, de 
processamento e de planificação, para referir o modelo de Luria (1965) - e a significação psiconeurológica 
destes, a sua correlação sistêmica neuropsicológica, a exclusão ou inclusão de sinais disfuncionais (soft 
neurological sights, para os autores ingleses) ou de síndromes, etc., não se podem remeter, em termos 
diagnósticos, a uma simples classificação ou a uma questionável seleção, ainda por cima com fracas bases 
prescritivas. 
O diagnóstico em psicomotricidade (Fonseca, 1992a, 1999b, 2000a) não substitui a avaliação 
neurológica tradicional, tampouco se pretende que ela possa eqüivaler a uma avaliação psicológica clássica. 
Ao contrário de ambas, ela caracteriza-se por uma interação mais investida, relacional e intencional entre o 
diagnosticador (observador ou avaliador) e o sujeito observado (entendido como "cliente" e não como 
paciente), pondo em jogo estratégias de mediatização que visam provocar neste mudanças relacionais e 
substanciais na sua prestação psicomotora e não apenas caracterizar um perfil psicomotor fixo, fechado ou 
imutável, ou seja, pretende atuar e mobilizar sua "zona de desenvolvimento proximal" (Vygotsky, 1986). 
Em suma, o diagnóstico psicomotor tem objetivos diferentes, um conjunto de tarefas e de 
instrumentos diferentes, uma orientação diferente, um envolvimento diferente e uma interpretação de dados 
diferente da dos modelos tradicionais ou clássicos de observação do comportamento humano, pois valoriza de 
forma transcendente o papel mediatizador do observador (Fonseca, 1992a, 1999b) nas suas interações com o 
observado. 
Em psicomotricidade, o diagnóstico é parte integrante e dialética da intervenção subseqüente, 
estabelecendo com esta um diálogo permanente de aprofundamento e de compreensão do problema ou das 
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perturbações psicomotoras do indivíduo, visando a busca intencional e significativa da sua modificação 
psicomotora, por ser simultaneamente centrada não só nos produtos finais da motricidade, como nos processos 
que a integram, elaboram, regulam e controlam, fazendo atuar em convergência e em sincronia neuro- 
funcional processos emocionais e cognitivos interiorizados. 
O diagnóstico psicomotor assume-se, assim, como um modelo de avaliação dinâmica original, 
especificamente orientado para a prescrição psicomotora, e não como um modelo tradicional de avaliação 
enfocado apenas numa dada posição ou classificação taxionômica, quando não evocando um processo de 
seleção duvidoso.Em princípio, o diagnóstico psicomotor deve ter como preocupação nuclear a colocação do sujeito 
observado no envolvimento pedagógico-terapêutico mais apropriado possível. O principal objetivo da 
avaliação psicomotora é criar condições que permitam fazer emergir, facilitar e enriquecer o potencial de 
aprendizagem e de adaptação do indivíduo. A idéia subjacente do diagnóstico psicomotor é ajudar os 
indivíduos e não meramente estigmatizá-los. 
Sendo o objetivo do diagnóstico psicomotor, da observação psicomotora ou da avaliação psicomotora 
(expressões similares para o autor) a obtenção de um perfil psicomotor, identificando dialeticamente as áreas 
fortes ou intactas e as áreas fracas ou disfuncionais, concretamente demonstradas nas tarefas de observação, a 
sua finalidade prioritária está mais em captar e monitorar de que modo o indivíduo aborda e resolve as 
situações-problema propostas. 
Tal preocupação clínica, senão ética, é ainda de maior relevância quando se observam indivíduos que 
revelam déficits ou vulnerabilidades inexplicáveis ao nível dos fatores psicomotores, sejam estas idiopáticas 
(de causa desconhecida) ou causadas por disfunções neurológicas mais evidentes. 
A conseqüência imediata do diagnóstico ou da observação é a construção e criação de programas de 
intervenção psicomotora que devem visar a melhoria do chamado perfil, pois a preocupação legítima de 
qualquer avaliação de sentido pedagógico ou terapêutico está em desenhar programas de enriquecimento 
psicomotor, intrinsecamente enfocados na otimização do potencial de aprendizagem. 
É com base no perfil psicomotor que se deve estruturar o plano prescritivo individualizado 
(terapêutico, remediativo ou reeducativo), tendo aí atenção rigorosa e sutil para o estudo da significação 
psiconeurológica dos sinais disfuncionais captados na observação (Fonseca, 1998c). 
Uma vez detectados tais sinais no indivíduo observado, torna-se crucial tomar como referência a 
formulação de hipóteses teóricas e as razões explicativas sobre a dinâmica das propriedades neurossistêmicas 
reveladas (Fonseca, 1975, 1988a). A partir disso, deve-se então desenhar os objetivos da intervenção 
psicomotora, procedendo ao final a avaliação contínua do processo interventivo, tendo em vista seu sucesso. 
Pode-se, eventualmente, colocar em prática uma metodologia que supere o insucesso, reanalisando longitudi-
nalmente, e em termos dinâmicos, todo o processo de intervenção. 
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Intervenção em psicomotricidade 
 
Em psicomotricidade é preciso primeiro observar e depois intervir em consonância, na medida em que 
esta deve ter como finalidade a promoção e a melhoria da organização neuropsicomotora do indivíduo no 
maior número de situações e contextos possíveis. 
Para que a intervenção psicomotora não respeite apenas modelos puramente opinativos ou 
idiossincráticos, a sua eficácia só pode ser alcançada com base em metodologias de credibilidade, abrindo 
caminho à investigação interventiva, isto é, criando uma teoria da intervenção psicomotora, suscetível de 
integrar modelos de intervenção ecológica (em salas de aula regulares, em salas de apoio especializado, em 
salas de consulta ou suas adaptações) e modelos com estratégias de intervenção específicas. 
Podemos colocar um enquadramento conceitual à intervenção psicomotora? Basta jogar com um 
enquadramento apenas intuitivo, lúdico, relacional? Quais serão os caminhos teóricos mais razoáveis a 
delinear? Para apurar a eficácia da intervenção, que critérios válidos e objetivos precisamos ter na seleção de 
amostras? Que desenhos estatísticos devemos utilizar no tratamento de dados? Que tipo de evidências temos 
apresentado para suportar a eficácia e a validade dos métodos de intervenção terapêutica ou reeducativa 
utilizados na prática cotidiana? 
Esses problemas conceituais e metodológicos requerem resposta e análise crítica, caso contrário o 
desenvolvimento da psicomotricidade como ciência e como estratégia de intervenção ficará inevitavelmente 
comprometido. 
A ponte ou a transferência entre o diagnóstico e a intervenção psicomotora é também um paradigma 
original da psicomotricidade, exatamente porque, depois de encontrar as razões explicativas e os fundamentos 
sistêmicos sobre a natureza dos problemas e dos transtornos psicomotores, é preciso, com base nesse conheci-
mento, selecionar quais situações-problema a construir nas sessões de intervenção e quais as estratégias de 
mediatização a adotar no processo relacional entre o psicomotricista e o cliente, seja ele um bebê, uma 
criança, um jovem ou um adulto. 
No âmbito da seleção das situações-problema, é preciso levar em consideração que a motricidade em 
si é um pretexto, o que verdadeiramente conta é a mediatização das funções psíquicas, isto é, emocionais e 
cognitivas, que gerenciam a organização do plano motor, como a interação gnosio-práxica da ação nos e com 
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os objetos; o ajustamento postural e a auto-regulação da atenção; o processamento da informação 
proprioceptiva dos dados tátil-cinestésicos e exteroceptiva dos dados espaço-temporais, em que a ação e a 
interação com os outros decorre; a verbalização ou simbolização antecipada da ação; a expressão espontânea, 
criativa e lúdica da ação e do jogo; a estruturação perceptiva, emocional e cognitiva da imagem do corpo e da 
ação; do pensar antes de agir, etc. 
Com base na seleção das situações-problema e com a aplicação de estratégias adequadas de 
mediatização (Feuerstein, 1975; Fonseca, 1999b), a intervenção psicomotora, seja ela profilática, preventiva, 
educativa, reeducativa, remediativa ou terapêutica, pode efetivamente promover no indivíduo as interações 
interiorizadas entre as funções de planificação e de execução motora, obtendo assim a sua modificação 
psicomotora. 
Atingir tal modificação é o objetivo de qualquer tipo de reeducação. Mas para que isso possa ocorrer 
torna-se necessário mediatizar constantemente as situações- problema ou as propostas de ação (noções 
distintas das de "exercício" mais freqüentemente utilizadas) pela linguagem e pela simbolização, pretendendo 
dotar o ato motor dos componentes do ato mental, isto é, intervindo ao nível da recepção (input), da integração 
(somatognosia do Eu ou do Self), da elaboração (planificação motora), da expressão motora (output) e, 
igualmente, na retroação entre a ação e os seus efeitos, ou seja, sensibilizar a reaferência e a tomada de 
consciência da ação no indivíduo, como reexperiência mental duplicada da ação, reforçando e consolidando a 
sua unidade e totalidade psicossomática única e evolutiva. 
O movimento só pode ser considerado terapêutico se for orientado para um fim, para um efeito 
teleonômico, conjugando objetivos com fins. Isto é, só quando o movimento e a ação implicam uma mudança 
na organização neuropsico- motora do indivíduo, mobilizando funções psíquicas de atenção, captação, 
integração multissensorial, processamento intra e extra-somático (próprio e exteroceptivo), elaboração, 
antecipação, conscientização, regulação e verificação da ação - em suma, só quando se mobiliza as áreas 
associativas, secundárias e terciárias do lobo frontal, e não apenas as áreas primárias do córtex motor. 
Não basta, portanto, o movimento pelo movimento, a ação pela ação, o jogo pelo jogo, pois, nesse 
caso, as crianças hiperativas e com déficits de atenção seriam os alunos mais eficazes da escola e as mais 
adaptadas às situações da vida cotidiana, o que não é verdade, como demonstra a saturada bibliografia 
publicada sobre esse tema, tão debatido na prática psicomotora e pedagógico- terapêutica atual (Barkley, 
1990).Para atingir estes objetivos, o psicomotricista tem de ser um mediatizador por excelência, intervindo 
simultaneamente nas funções emocionais e afetivas de seus clientes, utilizando para isso estratégias de 
intencionalidade, de reciprocidade, de significação, de transcendência, de novidade e complexidade, de 
segurança, de conforto, de sentimento de competência, de busca e de satisfação de objetivos, de transferência, 
de metacognição, etc. 
O recurso a tais estratégias de mediatização postas em prática pelo psicomotricista deve reforçar, 
contribuir e acelerar a plasticidade e a modificação dos potenciais psicomotores de seus clientes. Em resumo, 
a intervenção do psicomotricista é estimular pelo movimento o desenvolvimento do pensamento, um 
paradigma da educação e da habilitação de ontem, de hoje e, certamente, do futuro. 
 
Agenda para o futuro 
 
Efetivamente, o campo da psicomotricidade tem sido bombardeado com problemas cujas soluções 
ainda não ganharam aceitação da comunidade científica em muitos países. Muita energia e tempo têm sido 
gastos na criação de modelos teóricos, na definição e elegibilidade de paradigmas, na identificação e 
diagnóstico de síndromes e na prolixa difusão de métodos de intervenção, sem, todavia, terem sido testadas 
suficientemente as teorias e práticas existentes. 
Para que a psicomotricidade se desenvolva como ciência, parece necessário criar algum consenso 
antes de se passar à ação. Para isso, é urgente criar mais coerência e focagem epistemológica nos paradigmas 
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de estudo. Embora se possa considerar que a teoria da psicomotricidade tem pioneiros e novos messias de 
reconhecimento inquestionável, a consensualidade, a robustez e a eficácia dos critérios de cientificidade têm 
ainda muito a caminhar e a superar muita demagogia, visando essencialmente dar suporte aos seus dois pilares 
práticos, ou seja, ao diagnóstico e à intervenção. 
Para analisar, predizer e explicar a natureza complexa da psicomotricidade, precisamos criar um 
sistema de princípios básicos, um sistema de argumentos científicos e um sistema de procedimentos aceitáveis 
e eficazes, o que obviamente pressupõe um entendimento hermenêutico mais abrangente e sistêmico. 
A agenda para o futuro parece ser gigantesca, mas haverá sempre um primeiro passo, sendo urgente 
desenvolver neste aspecto uma investigação a partir das teorias existentes, cuja sinopse apresentamos no início 
deste capítulo. 
Seguidamente, deveria se proceder a integrações e sínteses conteudísticas das teorias e dos modelos 
mais respeitáveis, visando atingir uma árvore de conhecimento mais estruturada e totalizante (broad-based 
theory). 
Finalmente, deveria se estimular e atualizar revisões intra, inter, multi e transdisciplinares, a fim de 
promover e facilitar o intercâmbio entre investigadores, especialistas e práticos. O futuro da psicomotricidade 
poderá ser alcançado se se romperem com fronteiras conceituais, mobilizando mais e melhor os vários campos 
da matriz teórica e prática da psicomotricidade, enriquecendo-a como ciência transdisciplinar. Somente sobre 
esta base poderemos vir a formar e treinar, de modo mais dinâmico e atualizado, os atuais e os futuros 
psicomotricistas. 
 
O PAPEL DA PSICOMOTRICIDADE NA AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM 
Tendências filogenéticas 
 
Para os paleontólogos e antropólogos, a motricidade é a chave da evolução, encerrando nela, como 
paradigma, a sua finalidade enteléquica. Não se trata de colocar uma visão puramente biológica, tampouco de 
valorizar um reducionismo inconseqüente, como nos fala Weiss (1971). Pelo contrário, a totalidade estrutural 
com que hoje concebemos a teoria sintética da evolução confere à motricidade o papel motor que ilustra o 
triunfo evolutivo dos vertebrados e, na espécie humana, a significação de sua comunicação e da sua 
civilização. Com cerca de 40 mil genes, o patrimônio informacional da espécie perpetua e reduplica (Crick, 
Watson e Wilkins, 1975) uma direcionalidade e um desígnio transcendentes, nos quais a motricidade, por via 
de pressões seletivas darwinianas, retém certas características que desfrutamos com as outras espécies e 
modela outras únicas da espécie humana. 
Com base em combinações poligenéticas, abertas e efêmeras, a motricidade, com origem nos reflexos, 
refunde e rearranja, ao longo do processo evolutivo, componentes adaptativos que a transcendem e lhe 
permitem materializar a própria cognição. Dos reflexos à reflexão, a motricidade consubstancia o longo, o 
integrado e o complexo processo interativo e evolutivo, que obviamente traduz a emergência do cérebro, 
considerado o órgão mais organizado do organismo, o "órgão da civilização" (Vygotsky, 1930), o órgão 
principal, por excelência, para lidar intencionalmente com o envolvimento e, por inferência funcional, para 
captar, integrar, elaborar e expressar a linguagem, pois nenhum outro órgão evidencia tanta diferenciação 
topológica e tão elevada especialização (Lenneberg, 1975), apesar de se reconhecer hoje mais a sua anatomia 
que as suas funções. 
É à especialidade e à complexidade funcional que o cérebro adquiriu ao longo do seu período 
histórico-evolutivo, desde o diminuto cérebro dos peixes, dos répteis e das aves, ao longo de um horizonte 
calculado em 3 bilhões de anos, ao cérebro hipercomplexo e esférico dos mamíferos, dos primatas e do Homo 
sapiens, atingido em cerca de 10 mil anos, que se deve a grande aventura do “vertebrado dominante e 
comunicante", o único a atingir uma gestualidade, uma pantomima e uma imitação intencionais, em síntese, 
uma neomotricidade (isto é, uma metamotricidade sinônima da psicomotricidade, ou, mais exatamente, de 
praxia ideomotora, ideacional ou construtiva), capaz de se transformar numa forma transcendente de 
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comunicação - a comunicação não-verbal. 
O ser humano, como produto da evolução - o fully upright toll-user de Simpson (1973) -, singular e 
único entre os animais em termos de motricidade e de linguagem, explorador da natureza, adaptando-se a 
todos os seus envolvimentos ecológicos e produzindo neles impressionantes mudanças e transformações, 
cujos megaefeitos estão ainda por se apreciar, conseguiu com a sua neomotricidade planificada, pensada e 
seqüencializada acrescentar a ela um mundo objetal (por meio da micromotricidade) e um mundo simbólico- 
civilizacional (por meio da oromotricidade e da grafomotricidade). 
Dispondo de adaptações macro, micro, oro e grafomotoras extragenéticas, ou seja, adaptações 
decorrentes de sua aprendizagem cultural, o ser humano biologicamente vulnerável ao nascer e pobre em 
instintos, mas, em contrapartida, rico em plasticidade e flexibilidade adaptativa e em mediatização interativa e 
comunicativa, resistiu a todos os predeterminismos e pré-formismos com a sua motricidade práxica e 
representacional. Com suas invenções, entre as quais os instrumentos e os próprios símbolos, refez e refará o 
seu envolvimento, pondo em prática um sucesso evolutivo, independentemente de suas vicissitudes. 
 
 
 
FIGURA 1.6 Ao longo da evolução, em termos relativos, o tamanho da face diminui, enquanto o tamanho do 
cérebro aumenta. 
 
O homem é, eminentemente, um ser práxico e comunicativo, educável e sociável, não obstante sua 
biologia seja insuficiente para explicar o que fez, o que faz ou venha a fazer, uma vez que está condenado a 
ser, simultaneamente, agente e produto da cultura. Em síntese, a evolução revela que, nos seres humanos, a 
sua motricidade e a sua linguagem, e concomitantemente o seu cérebro e sistemas funcionais, se desenvolvem 
em conjunto. 
Paleontólogos, antropólogos e primatólogos (Leroi-Gourhan,1964; Bronowsky, 1973; Pilbeam, 1970) 
são unânimes em considerar uma hierarquização paleontológico-funcional e morfológico-motora dentro dos 
vertebrados que reflete, paralelamente, uma organização cerebral hierarquizada, desde o ictiomorfismo dos 
peixes ao antropomorfismo dos seres humanos, passando pelo anfibiomorfismo dos anfíbios, pelo 
sauromorfismo dos répteis, pelo teromorfismo dos mamíferos e pelo pitecomorfismo dos primatas (Fonseca, 
1989a). 
Somente dentro de uma progressiva diferenciação funcional da motricidade vertebrada (Fonseca, 
1989a, 1992b) se pode conceber a emergência de transformações e libertações anatomofuncionais, elas 
próprias indutoras de outras transformações e libertações neurobiológicas, seja do ponto de vista filogenético, 
seja do ontogenético, visto que são sinteticamente o corolário triunfante da evolução. 
A evolução da motricidade prefigura a evolução do cérebro, e este requer certa maturação neurológica 
vertical e ascendente (Luria, 1966) para dar origem à evolução dos sistemas de comunicação não-verbal à 
comunicação verbal, tanto no Homo sapiens como na criança. 
Os sistemas de comunicação animal não podem substanciar uma seqüência de marcas ou uma 
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manipulação de símbolos, pois estas são próprias apenas da espécie humana. Independentemente de a 
comunicação não-verbal animal ser bastante específica e restrita em termos de espécies, a sua complexidade 
gestual e facial, cinestésica e proxêmica está longe da comunicação não- verbal humana, dada a sua 
contigüidade com a manipulação de sinais, signos e símbolos, que não respondem somente a necessidades 
biológicas, mas que subentendem necessidades extrabiológicas, cuja transcendência significativa está na base 
da emergência da própria linguagem. 
Para que a linguagem se justifique em termos paradigmáticos, é necessário que os sons emitidos 
sejam: 
1- Vocais. 
2- Articulados. 
3- Significativos. 
4- Indicativos. 
5- Intencionais. 
6- Multicombináveis. 
 
Para Critchley (1975), os sons devem envolver uma micromotricidade específica da língua, da 
laringe e da faringe - oromotricidade -, algo que em si encerra uma especialização do aparelho articulatório 
inter-relacionado com os sistemas corticais superiores, ou seja, um conjunto sistemático de libertações 
anatômicas e de transformações funcionais ao nível do crânio e do cérebro, a qual fizemos referência 
anteriormente (Fonseca, 1989a, 1992b). 
Os animais reproduzem sons destituídos de significação que não passam de sinais fixos e inflexíveis, 
não-seqüencializados nem ordenados, que determinam padrões inatos que podem servir de meios 
inintencionais de comunicação e de esquemas básicos de sobrevivência e sinalização, mas que não podem ser 
caracterizados como linguagem. 
As ululações, os arfamentos, os rugidos, os latidos, os guinchos, os ofega- mentos e arquejamentos, 
os roncamentos e rosnamentos, os gritos e uivos limitativos, que servem para exprimir ameaças, ataques, 
perigos, dores, prazeres, chamadas-aviso, desejos, fome, medo, proteções e interações lúdicas, posturas, etc., 
certamente muito complexas e hierarquizadas, com certo paralelismo na evolução pré-verbal da criança, não 
podem criar palavras, tampouco novas frases (Slobin, 1979). Os animais não produzem nomes de objetos, 
direções comportamentais, idéias, valores, etc. Comunicam-se entre si, mas de forma limitativa e restritiva. 
Como o ser humano adquiriu os diferentes passos até a apropriação da linguagem talvez nunca 
venha a ser conhecido, uma vez que a linguagem, em suas origens, não deixou qualquer rastro ou registro, já 
que ela não é passível de se perpetuar em fósseis. 
A nossa proposta sobre a origem da linguagem é que ela esteve associada à motricidade, 
especialmente à libertação e utilização da mão e da face, de onde decorre e emergência seqüencial de gestos e 
de mímicas intencionais. Apesar da incomensurável versatilidade da comunicação não-verbal humana, em 
gestos mímicos (faciais e manuais), ambas estão limitadas e ambas são ineficazes na escuridão noturna, daí a 
necessidade de recorrer aos sons para se dispor de um meio de comunicação eficaz também na ausência de 
luz. 
A combinação de sons, gestos e mímicas para indicar objetos e situações, sinergeticamente integrada 
(componente interno neurobiológico) e imitada pelo grupo (componente externo social) em termos de 
contágio biocultural, ecocinese transcendente, filo e ontogeneticamente única e exclusiva da espécie humana, 
fornece algumas tendências sobre a emergência da fala, ela própria uma linguagem de sinais no seu início, só 
concebível em paralelo à fabricação e manipulação de instrumentos, marco antropológico crucial que 
identifica a separação do homem de Neanderthal do homem moderno (Libermann, 1975) e que põe em 
evidência a importância do tamanho e da complexidade do cérebro. 
A seqüência de sons, reforçada por gestos e mímicas, induz à palavra (síntese verbal de uma 
construção não-verbal) que, inicialmente sujeita à comunicação de fatos concretos, se tornou 
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progressivamente um instrumento de conhecimento, como podemos acompanhar longitudinalmente na 
criança. Com a palavra, o corpo e a sua motricidade prolongam-se em simbolismos, ou seja, ela permite a 
elevação do concreto (no sentido sensorial) ao abstrato (no sentido do simbólico). O primeiro signo sonoro - 
pois reúne o sensorial, o perceptivo e o imagético, no sentido iconográfico de Brunner (1970) - dá início ao 
pensamento humano. 
Na gênese do pensamento, o homem primitivo associou-se, e a própria criança associa-se, às coisas e 
aos objetos, por meio da sua motricidade neles aplicada, motricidade vivida e representada que se inseriu e se 
insere entre as coisas e as suas necessidades, a partir das quais modificou e modifica as relações entre ambas, 
uma vez que os próprios corpos se tornam o campo privilegiado de atividade, acomodando a sua postura à 
presença das coisas e dos objetos, procurando reproduzir algo deles, assemelhar-se a eles, a imitá-los. 
Trata-se de um pensamento descritivo, baseado na motricidade com a qual se opera a passagem da 
ação concreta à imagem que internamente a representa. O gesto, complemento das coisas e dos objetos, 
tornou-se progressivamente complemento da coisa ou do objeto a ser expresso (Wallon, 1963). O pensamento 
parece ter sido inicialmente mímico, antes de ter sido falado ou escrito, e tal paradigma da linguagem é 
ilustrado na ontogênese, como está expresso em algumas formas regressivas da afasia. 
Quais serão então as características intrínsecas dos signos sonoros que explicam a passagem dos 
seres não-humanos aos humanos? 
Autores como Balbi (1982), Hocktt (1978), Critchley (1975) identificam propriedades distintas da 
linguagem, que designaram por "características construtivas", das quais se destacam três peculiares do ser 
humano: deslocação, produtividade e dualidade. 
Deslocação no sentido de a linguagem apresentar um atributo de extensibilidade que transcende as 
barreiras imediatas do tempo e do espaço, cuja analogia com a dança das abelhas é um mero indício. 
Produtividade no sentido da multiplicidade inovadora e infindável de mensagens e da versatilidade e 
flexibilidade infindável das suas divisões, inteligivelmente decodificadas e codificadas (o openendedness 
chomskiano), cuja interação entre os golfinhos e as baleias é um simples exemplo. 
Dualidade no sentido da estruturação básica de padrões de linguagem, que em termos humanos se 
revela pela manipulação de morfemas que decorrem da copiosa construção de fonemas, cujas semelhanças 
com a melodia sonora das aves é uma amostragemplausível. 
Embora os etologistas nos venham elucidando a complexidade da comunicação entre os animais, o 
seu efeito comunicativo não pode ser ainda considerado intencional. A linguagem humana, embora emergindo 
de bases biológicas inquestionáveis, não pode ser reduzida a uma comunicação animal, independentemente de 
a comunicação entre os primatas apresentar indícios de formas mais elaboradas e plásticas de interação 
cognitiva, impensáveis no passado (Gardner, 1969). Todavia, o que os primatas pronunciam são simples 
duplicações silábicas. 
O ser humano é único em seu aparelho oromotor (Dubrul, 1958), que lhe permite atingir, dois a três 
anos depois de nascer e depois de se equilibrar (papel da postura bípede e da segurança gravitacional das quais 
advêm funcionalmente grandes transformações crânio-cerebrais e no aparelho vocal) e em um ecossistema 
sociocultural apropriado e mediatizado, uma articulação voluntária, complexa temporalmente (cem músculos 
para produzirem em média cerca de 14 sons por segundo) e diferenciada em inúmeros sons distintos. 
Com as chamadas transformações crânio-cerebrais decorrentes da postura bípede (Fonseca, 1989a), 
conquista motora específica da espécie, outras transformações se verificam paralelamente, quer na faringe, 
quer na laringe, bem como na língua. 
A faringe humana serve de passagem para a comida e ao ar, permitindo, mesmo que a passagem nasal 
esteja convenientemente fechada, que o ar seja inalado perfeita e totalmente pela boca. Os músculos 
digástricos, que servem para mobilizar a mandíbula a partir do osso hióide, estabilizam a laringe como se fos-
sem verdadeiras âncoras, recurso e suporte essencial à fala, inexistentes em outras espécies. Além desta 
função de suporte, esses músculos ampliam-se e divergem para expor o diafragma oral profundo (músculo 
milióideo), fornecendo-lhe maior liberdade de micromovimentos, que são essenciais à produção oral. 
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Pelo efeito da conquista bípede, a mandíbula, desde os insetívoros ao Homo sapiens, arredonda-se, 
devido à produção de modificações no crânio tendentes à redução do prognatismo e da estrutura dentária e 
também à rotação descendente do foramem magnum, mobilizando anteriormente e reduzindo os músculos da 
base da boca (digástrico anterior). Ao mesmo tempo, o osso hióide progride para a frente, tornando menor o 
ângulo entre a cavidade oral e a esôfago-faríngica, dando origem simultaneamente ao alongamento dos 
mesmos músculos na parte posterior (digástrico posterior). A boca e o aparelho oromotor ficam assim 
controlados no plano posterior pelo músculo milióideo, conferindo a ambas as estruturas anatômicas 
libertações funcionais que estão por trás da linguagem articulada humana. 
A laringe humana, por sua vez, originalmente nos vertebrados uma simples válvula de ar para proteger 
os pulmões quando conquistaram terra firme, transformou-se nos humanos num dispositivo funcional 
importantíssimo para produzir sons. O ar vindo dos pulmões, modulado pelo diafragma, vibra perfeitamente 
por meio das cordas vocais, originando inúmeras modificações e subdivisões que se repercutem nas três 
câmaras da fala: a faríngica, a nasal e a oral. 
 
 
Insectivoro 
 
 
 
Lêmure 
 
 
 
Macaco 
 
FIGURA 1.8 Devido à postura bípede, a mandíbula arredonda-se desde os insectívoros ao homem; o 
prognatismo reduz-se e o foramem magnum recua descendentemente, transformações que estão na base da 
produção da fala (na figura, a mandíbula está colocada na posição inversa) 
 
A forma em ângulo reto do trato vocal é também única no ser humano, assim como a colocação baixa 
da laringe e o controle da úvula. 
Com tanta especificidade anatomofuncional, a fala tinha de ser específica da nossa espécie, e possível 
somente em determinado período maturacional, uma vez que a criança humana e o chimpanzé, assim como o 
trato vocal reconstruído do Neanderthal, desfrutam de limitações no sistema que não lhes permitem, nem 
permitiram, produzir a multiplicidade de sons que caracterizam o aparelho humano da fala. 
Alguns papagaios conseguem reproduzir a fala humana sem, contudo, entenderem a sua significação, 
usando para isso mandíbulas e cavidades bucais não-humanas. Mas a complexidade de seu repertório é 
extremamente restrita, pois se limitam aos processos periféricos e não ao central e principal: imitam e copiam, 
mas não podem inventar e símbolos. 
A linguagem tornou-se, desse modo, um meio determinante da organização social. A caça ou a pesca, 
como um grande jogo, podem ser preparadas e planejadas pelo grupo. Tarefas podem ser transmitidas, 
comunicadas e, em seguida, realizadas; localizações espaciais e temporais, compartilhadas; memória, 
revisualizadas, reauditorizadas, revisitadas, reexperimentadas tátil e cinestesicamente, regestualizadas, etc., 
colocando em prática a melhoria das estratégias de interação e de métodos de trabalho, que tenderam a 
perpetuar a propensibilidade para o aprender que caracteriza o desenvolvimento da cultura, daí surgindo mais 
tempo para o lazer, para a reflexão, para aperfeiçoar armas, instrumentos e ferramentas e, conseqüentemente, 
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mais tempo para as relações sociais. Numa palavra, mais tempo para desenvolver a inteligência e a 
comunicação. A capacidade cognitiva para aprender e reaprender tornou-se assim cada vez mais importante. 
A evolução cultural e o desenvolvimento do cérebro dialeticamente interinfluenciaram-se ao longo do 
tempo, razão pela qual a criança humana precisa de tempo de dependência para se apropriar de tais aquisições 
complexas, pressupondo, novamente, uma hierarquia da motricidade, em analogia com a hierarquia da 
inteligência. Assim como nos evoca Piaget (1964a e 1964b), a criança precisa aprender certas tarefas antes de 
outras, isto é, precisa passar pelas inteligências sensó- rio-motora, pré-operacional e operacional antes de 
atingir a inteligência fornial e hipotético-dedutiva; assim, também a criança precisa conquistar a macro e a 
micromotricidade antes de atingir a oromotricidade da linguagem falada (primeiro sistema simbólico). 
Somente anos mais tarde ela atinge a grafomotricidade, que culmina na aquisição da linguagem escrita 
(segundo sistema simbólico). Ou seja, um conjunto integrado e pré-estruturado de aquisições fundamentais 
para a apropriação cultural, que, por sua vez, ilustra e espelha a maturação de substratos neurológicos e de 
sistemas funcionais que são monopólio da espécie humana. 
Em conclusão, não basta possuir um cérebro largo para produzir a linguagem. É também necessário 
um sistema postural de onde emerge um aparelho vocal disponível que sinergeticamente possa produzir uma 
oromotricidade especializada. A incorporação da linguagem pressupões a integração de uma neomotricidade 
decorrente da aquisição exclusiva da espécie humana, ou seja, da postura bípede, que Quirós (1979) 
materializa, em termos neurofuncionais, a potencialidade corporal, sem a qual a linguagem não pode ser 
reproduzida de forma eficaz. Com ela, desenvolve-se um sistema cognitivo extremamente potente e plástico e, 
simultaneamente, apropria-se da comunicação simbólica. 
 
FIGURA 1.9 Representação do trato vocal na criança e no adulto. Observe-se a limitação do aparelho 
oromotor na criança. 
 
Efetivamente, com músculos perilabiais, uma cavidade bucal pequena, uma língua hiperpráxica e 
capaz de bloquear a faringe, um palatino baixo e dentes metamorfoseados e reduzidos, o ser humano controla 
a pressão de ar, da qual emerge a função única da fala, permitindo transferir conceitos abstratos a outros 
semelhantes. 
A evolução quantificativa e qualitativa entre o primata e o

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