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TT: 040 Emissão: 31/05/2010 Revisão: 00 Data da Revisão: 30/05/2010 Aprovação: 1530200110 FUTEBOL E GESTÃO (publicada originalmente em Maio/Junho de 2010 pela HSM Management) A reportagem é de Graciela Gonzalez Biondo, Viviana Alonso, Chris Stanley, Leticia Gasca Serrano e Alexsandro Biaggi, colaboradores de HSM MANAGEMENT. EMPRESAS OU TIMES? ESSAS ORGANIZAÇÕES DO FUTEBOL SÃO UM MIX E AMBOS, O QUE RESULTA EM UM TIPO PECULIAR DE GESTÃO, QUE TRABALHA COM O PARADIGMA DA CONSTRUÇÃO DA FIDELIDADE DE SEUS CONSUMIDORES-TORCEDORES Este ano tem Copa do Mundo de Futebol. O que o leitor de HSM Management fará durante o evento? A resposta provável é: "Assistirá ao maior número de partidas possível". A boa notícia é que ele não precisa considerar isso uma perda do tempo em que deveria estar trabalhando. Ao contrário, se futebol é paixão, magia, habilidade e técnica, ele também representa produto, concorrência, clientes, poder e dinheiro. E, assim, tem muito a ensinar aos gestores. Não se assuste, porém. Perguntaram certa vez a David Goldblatt se, no futebol moderno, o negócio não havia roubado o espaço do esporte. E o autor de The Ball is Round, um compilado da história, sociologia e magia do esporte mais popular do mundo, respondeu com um relato simples: "Não faz muito tempo, fui assistir ao Manchester United quando o clube inglês era o epicentro da revolução do branding global e das mudanças advindas da aquisição estrangeira. Em campo, encontrei outra coisa. Tive o privilégio de ver como Carlos Tevez carregava a partida nas costas, bem como os 21 jogadores que estavam com ele em campo e os 70 mil espectadores do estádio. Eletrizante". Outra lição para as empresas: o futebol virou um (bom) negócio, mas nunca perdeu a alma de esporte. O LADO EMPRESA? Há 12 anos, a divisão especializada no negócio dos esportes da firma de consultoria multinacional Deloitte elabora uma série de relatórios anuais sobre o futebol, entre eles o "Football Money League", no qual se relacionam os 20 maiores clubes do mundo, geralmente lançado no Soccerex European Forum (evento para executivos de clubes, ligas, imprensa, agendas de marketing e branding). Na abertura da edição 2009 deste, aparece a frase: "A natureza da indústria do futebol permitira aos grandes clubes resistirem, de alguma maneira, a recessão econômica". Em recente entrevista, Dan Jones, sócio da Deloitte responsável por essa divisão, destacou, não obstante, que "o impacto será notado em 2011, quando os resultados refletirem a venda e a renovação de cadeiras cativas, eventos e outras ações corporativas (corporate hospitality). A atividade no mercado de transferências continua, os direitos se renovam e, ao menos na Europa, o publico dos estádios se mantêm o mesmo. Acho que, graças a esse entusiasmo que o esporte gera nas pessoas, mais forte do que os humores da economia, os clubes demonstram ser razoavelmente resilientes". Deve ser por isso que, com precisão e elegância, Goldblatt disse uma vez que o negócio do futebol é "insular", ou seja, de certo modo está protegido dos reflexos do entorno. Sempre foi assim, é verdade, ainda que, recentemente, pareça ter mudado um pouco. Simon Ruper, colunista especializado em esportes, autor de vários livros sobre o tema, afirmou ao Financial Times, no final da temporada de transferências da Europa em 2010, que "os clubes ingleses não gastaram mais que US$ 48 milhões em novos jogadores, a quantia mais baixa desde 2005. Os alemães, espanhóis e franceses gastaram menos ainda". A crise parece tê-los alcançado finalmente, disse ele na mesma coluna, "mas não é somente isso; as transferências estão caindo de moda". Cada vez menos dirigentes parecem crer que comprar jogadores melhore o desempenho do time. Contratações podem até ter efeito nocivo, aliás, tanto sobre o plantel existente como sobre o novo, que sempre necessita de um período de adaptação. Um dirigente do Barcelona ilustra esse fato com a "regra do segundo": se um jogador precisa de um segundo para ver quem esta esperando a bola, o resultado da partida está em risco. "Os times bem estabelecidos rendem mais." Stefan Szymanski, destacado economista especializado em esportes, professor da Cass Business School, de Londres, e autor, com Kuper, de Soccemomics, estudou 40 clubes ingleses durante dez anos. O investimento em transferências só explica 16% dos resultados do futebol, isto é, a posição no campeonato. O fator determinante é o salário dos jogadores. Além disso, em um mercado supervalorizado, no qual o preço do jogador raramente tem relação com sua contribuição efetiva para os resultados esportivos e econômicos, custa aos clubes com fins lucrativos comprar jogadores, enquanto os que não dependem de lucros continuam pagando o que Ihes pedem. "O dirigente que aspira a encarar o assunto como se faz no mundo dos negócios não consegue competir", conclui Kuper. O fato é que os clubes europeus de maior sucesso empresarial - Barcelona, Arsenal e Manchester United - são cautelosos. Precaução que os simpatizantes vêem com bons olhos, apesar da intensa cobertura que a imprensa dá a boatos e fatos relativos a negociações dos passes dos jogadores. O LADO ESPORTE? William MeGregor, o vendedor de tecidos escocês que, além de salvar o Aston Villa da falência, criou a liga de futebol inglesa em 1988, provavelmente foi o primeiro a dizer que o futebol é um grande negócio. Recém-chegado a Birmingham, tornou-se simpatizante do clube, que era somente um grupo de jogadores de 20 anos administrando as finanças como podia é, claro, gerava mais dívidas do qualquer outra coisa. Por sua experiência comercial, pediram- lhe que se encarregasse da tesouraria. Em pouco tempo, tomou-se presidente, estabilizou os números e o time ganhou seu primeiro campeonato. Começou a organizar a liga. Convocou os clubes para uma reunião em Manchester, na qual estabeleceram as bases de sua estrutura e funcionamento, bem como a tabela da primeira temporada: 1988-1989 -passo-chave na maior profissionalização. Na história, como na vida, se o jogo é informal, desestruturado e divertido nos primeiros anos, na maturidade ele é levado a sério. Em seu livro Playbacks and Checkbooks: An Introduction to the Economics of Sports, Szymanski sustenta que, à parte as teorias sobre as razões históricas, sociológicas ou geopolíticas que explicam a profissionalização do esporte como um todo, particularmente a do futebol, "o clube é a instituição que revolucionou o esporte moderno". Mesmo que, originalmente, o negócio não estivesse em seu DNA - o objetivo era a socialização -, os times atraíam espectadores, fazendo surgir a possibilidade de obter renda, um elemento estranho em um contexto de associações civis sem fins lucrativos. "A modalidade puramente comercial do esporte profissional, como a do beisebol das grandes ligas, nasceu nos Estados Unidos e se estendeu a outros países", relata Szymanski. Juntamente com as novas tecnologias de transmissão de eventos, entre outros fatores, a veia comercial foi o que viabilizou os modelos tradicionais. Um paradoxo emerge quando esporte e negócios se combinam. No esporte, a rivalidade intensa e essencial para a sobrevivência de todos. Nos negócios, as empresas fazem todo o possível para neutralizar o rival - ou "anulá-lo", como se diz nos tempos de mercados do tipo "oceano vermelho", segundo os especialistas em estratégia Renée Mauborgne e W. Chan Rim. Em The Baseball Players' Labor Market, obra seminal de 1956, Simon Rottenberg começava a estudar a dinâmica econômica por trás do negócio esportivo e já afirmava: "Os esportes profissionais são intrinsecamente diferentes das empresas. Nenhuma equipe prospera quando elimina seus rivais, pois necessita deles para manter viva a competitividade (e a eventual rentabilidade dos times)". Outro precursor, Walter Neale, mencionou, em seu artigo The Peculiar Economics of ProfessionalSports, publicado em 1964, o poder da incerteza do resultado. O interesse dos simpatizantes é diretamente proporcional a intensidade da concorrência. Por isso, sugeria não confundir rivalidade esportiva com rivalidade econômica. No esporte, não há produto sem concorrentes: os clubes se ocupam de vencê-los; as ligas, de manter seu equilíbrio. Segundo seu critério, a liga é a verdadeira empresa no sentido econômico. Ideia interessante e sugestiva, mesmo depois de passados tantos anos. O terceiro do trio de antecipadores (alem de Szymanski e Neale) estava em desacordo com essa ideia, contudo. P.J. Sloane, em seu trabalho de 1971 intitulado The Economics of Professional Football: the Football Club as a Utility Maximiser, afirmou que os times são unidades independentes e livres, e focou o que seria o objetivo de um clube profissional. Em geral, os presidentes e dirigentes que controlam os clubes de futebol já alcançaram o sucesso como empresários em outro setor e, portanto, sua motivação central não é maximizar a renda, como nos Estados Unidos. Pode ser status, poder, prestígio ou o mero amor pelo esporte. Para Sloane, o objetivo é a conjunção, condicionada pela solvência financeira, de cinco fatores: 1) êxito esportivo, ponto no qual coincidem os interesses de proprietários, dirigentes, jogadores e espectadores; 2) público máximo no espetáculo; 3) continuidade do clube; 4) integridade da liga; e 5) renda final. Em voga nos anos 1970, os três enfoques racionalizam o encanto do negócio do futebol. Mas ainda não o explicam. MODELO DE NEGÓCIO Depois da transição do futebol profissional europeu do modelo de negócio tradicional (baseado nos ingressos de estádio e patrocínios locais) para o centrado em receita de merchandising e direitos de transmissão, na década de 1990, o Manchester United se tornou o modelo de comercialização e globalização a ser seguido. Sua estratégia é promover o reconhecimento da marca nos diferentes nichos de fãs segmentados por idade e desenvolver submarcas e produtos para cada nicho, o que Ihe conferiu receita de US$ 455 milhões na temporada 2008-2009. E o Real Madrid encampou o modelo. "Adotamos essa linha apesar de sermos um clube sem fins lucrativos, um dos quatro - com Barcelona, Atlético de Bilbao e Osasuna de Navarra - que permanecem clubes no futebol espanhol, enquanto os outros são sociedades anônimas", assinala Jorge Valdano, diretor-geral e adjunto & presidência do Real Madrid. O presidente do clube, Florentino Perez, levou adiante, desde seu primeiro ano no cargo, um processo de mudança nesse sentido é de profissionalização. Separou a direção em duas: uma corporativa, "a que arrecada dinheiro", e outra esportiva. "A reputação de um clube de futebol depende de seus jogos, de seus jogadores, dos campeonatos que ganha. Sua força depende de sua direção e de suas finanças; a saúde da marca depende do conjunto", explica José Luis Nueno, professor do Iese, a respeito do Real Madrid. Ou seja, os clubes devem compatibilizar as necessidades e expectativas dos simpatizantes da camisa, da marca e do negócio. "Mas a promessa central continua sendo a vitória e o bom espetáculo. Sua utilidade esta na paixão, na excitação, no senso de pertencimento, na adrenalina de competir", acrescenta. O ranking da Deloitte demonstram que o jogo, a gestão e os resultados andam de mãos dadas de fato. Os três primeiros lugares dos últimos anos cabem aos mesmos clubes: Real Madrid, Manchester United e Barcelona. E, não a toa, o Manchester City é o ultimo da lista de 20 clubes. "Nosso estudo baseia-se nos resultados das operações do clube, não na fortuna dos proprietários", diz Jones, responsável por isso na Deloitte. "Alguns times pertencem a empresários com grandes fortunas, capazes de suportar perdas milionárias a cada temporada. Outros estão na bolsa de valores; suas contas são públicas e eles colocam em destaque a administração estrita do orçamento. Em nosso caso, mesmo não sendo sociedade anônima, levamos adiante uma gestão muito profissionalizada. Cada clube é um mundo", explica Valdano. Um estilo de gestão profissional que também Jesús Martinez Patino considerou como premissa quando, em 1995, assumiu o Pachuca, o primeiro time da história do futebol do México, cujos integrantes são apelidados de "tuzos" (do idioma náhuatl "tozan", que significa "topo"), porque foram os mineiros ingleses que Ihes ensinaram o jogo no estado de Hidalgo, no início do século passado. Como para qualquer empresa, ele desejava que a viabilidade econômica determinasse a sobrevivência do clube no longo prazo. Um exemplo do princípio: o Pachuca acabara de perder a possibilidade de subir para a primeira divisão e a rede Televisa tinha decidido não transmitir as partidas do time. Como empresário, Patino sabia que, sem a transmissão televisiva, seria impossível fechar patrocínios. Então, aceitou o acordo menos vantajoso que Ihe ofereceu a TV Azteca. QUASE TODAS AS BOAS IDEIAS DE NEGÓCIOS VIERAM DE FORA PARA O FUTEBOL; OS CLUBES NÃO TINHAM NOÇÃO DO VALOR DO ESPETÁCULO OFERECIAM MODELO DE GESTÃO Como defendem Kuper e Szymanski, quase todas as boas ideias de negócios "chegaram ao futebol vindas de fora". Não foram os clubes a perceber que, em vez de pagar pelo uniforme, poderiam vendê-lo como vitrine para os grandes fabricantes. Tampouco foram eles que levaram os jogos a televisão, pois temiam que os torcedores deixassem os estádios. Até mesmo algo tão básico como a renovação dos estádios, os clubes fizeram apenas porque foram obrigados, na década de 1990. Não tinham consciência do valor do espetáculo que ofereciam. Clubes de futebol são adeptos tardios do novo, inclusive das novas fontes de renda. Talvez entre em jogo, aqui, como já se disse, uma história centenária que renega o lucro. Hoje, contudo, ninguém discute que as principais fontes de renda dos clubes de futebol são os direitos de transmissão, a venda de ingressos e cadeiras cativas, patrocínios e demais acordos comerciais. O que parece estar mais próximo de intriga que do encanto do negócio são as transferências de jogadores. "No Real Madrid, por volta de um terço dos lucros vem dos ingressos, cadeiras cativas, camarotes e áreas VIP; outro terço, dos direitos de transmissão televisiva; e a terceira parte, do marketing, da venda de produtos e serviços, área que viveu uma verdadeira revolução. Há dez anos, quando este clube tinha receita de US$ 218 milhões em vez dos US$ 558 milhões de 2008-2009, só 10% correspondiam ao marketing", resume Valdano. E as transferências? "Nossa capacidade de compra de jogadores deu o que falar em 2009. Mas, todos os anos, o Real Madrid tem a possibilidade de gastar o superávit que e capaz de gerar." É uma aspiração da Fifa (Federação Internacional de Associações de Futebol) e da Uefa (União das Federações Européias de Futebol) que os clubes gastem somente aquilo que são capazes de gerar, a fim de eliminar o mecenato e o "doping financeiro". Ao que parece, esse termo foi cunhado pelo francês Arsene Wenger, treinador do Arsenal, quando, em 2009, questionou as práticas financeiras dos clubes Chelsea, Manchester City e Liverpool, entre outros, e garantiu que "o estado das finanças dos times ingleses é o pior em meus 15 anos no país". Criticado por não usar os fundos disponíveis no clube para contratar reforços, ele está convencido de que os jogadores devem ser pagos segundo seu real potencial e o tamanho do clube. "No futebol profissional, não basta ganhar; é preciso manter o orçamento equilibrado. Entretanto, os clubes se endividam e esperam que um milionário os compre", argumenta. Também a Deloitte mencionou o assunto em seus relatórios, reclamando medidas drásticas para melhorar a gestão financeira do futebol. Não punir a má administração poderia transformar-se em uma espécie de doping financeiro, afinal. Um clube conseguiria "comprar", irresponsavelmente, sucessos de curto prazo, a custa da estabilidadefinanceira de longo prazo. Há quem fale em bolha. No entanto, os saudosistas contam que, quando, nos anos 1990, Gianluigi Lentini foi do Torino ao Milan por US$ 50 milhões, tomando-se o jogador mais caro do mundo, também se comentou a obscenidade da cifra. Os pregos, então, baixaram, mas, em pouco tempo, voltaram a subir. Enquanto houver investidores interessados, a bolha não explodirá. O futebol é um negócio de resultados - e o esporte favorito do mundo. BRAINSTORMING DE GESTÃO Misto de ironia e poder de síntese, estes insights são uma cortesia de Kupere Szymanski: • Os treinadores novos - com ou sem a ajuda dos dirigentes - gastam mal o dinheiro com reforços. • Algumas nacionalidades estão supervalorizadas no mercado. • Algumas posições estão supervalorizadas. Por exemplo, os atacantes - o melhor é evitar comprá-los (a alternativa é formá-los, mas se faz isso melhor nos times sul-americanos do que nos europeus). Os zagueiros são subvalorizados; duram mais tempo nos times. • O momento de vender um jogador é aquele em que outro clube oferece mais do que ele vale. • O clube que não consegue se equiparar com a concorrência fica para trás. E sobrevive em um nível (ou divisão) mais baixo. • Em geral, contrata-se um novo treinador não por competência exatamente, mas porque está em condições de assumir de imediato (com frequência, porque outro clube acabou de demiti-lo) ou porque se espera que seu nome, aparência ou alto perfil para relações públicas impressionem bem os torcedores, os jogadores e a imprensa. • No futebol, não existe dumping. Os rivais estrangeiros não podem entrar no mercado e oferecer futebol abaixo do custo. GLOBALIZAÇÃO Se, de um lado, pode existir uma bolha irresponsável com instabilidade financeira, de outro, os clubes de futebol continuam avançando as fronteiras e ganhando participação em novos mercados. E o que mostra um Airbus A520, da Air-Asia, que, em ambos os lados da cauda, tem o emblema do Manchester United. A aeronave foi apelidada de "Diabo Vermelho", como é chamado o clube inglês, e é fruto de um acordo com a maior compahia aérea de baixo custo da Ásia. É também uma prova de que alguns times de futebol, como muitas marcas, já estão globalizados. Os mais famosos excursionam e vendem roupas e acessórios a torcedores das regiões mais distantes da Terra. "O Manchester United tem um grande grupo de torcedores na Ásia", comentou Tony Fernandes, presidente-executivo da companhia aérea, no início de 2006, quando o avião foi apresentado. O diretor de marketing do Manchester United à epoca, Peter Draper, acrescentou: "Gostamos de ser o primeiro clube de futebol do mundo a ter avião com a insignia". O departamento de marketing do Manchester United lançou, além dessa excursão pela Ásia no avião "Diabo Vermelho", um programa de fidelização e associação internacional, similar ao que possui no Reino Unido, cuja pedra angular é o fornecimento de toda informação possível aos torcedores. Como o Manchester United, o Real Madrid focou a expansão internacional: excursões, licenciamento de produtos e, sobretudo, comunicação com os torcedores por diferentes caminhos, como o site e a telefonia celular. Na página oficial do clube, há entrevistas com os jogadores, vídeos em tempo real, notícias do clube e um espaço dedicado à venda dos uniformes oficiais. "Metade das pessoas que visitam nosso site é do exterior. Temos acordos com empresas de outros países que licenciam nossa pagina da web e fortalecem o tráfego com traduções mais próximas da realidade de seus mercados. Também estamos presentes em redes sociais como Facebook, YouTube e Twitter", afirma Begona Sanz Orea, subdiretora comercial do Real Madrid. FIDELIDADE (E OS CINCO SEGMENTOS DE TORCEDORES) Fato e que marketing e futebol estão cada vez mais proóximos um do outro. Mas o marketing futebolístico é diferenciado e a razão é clara, como explica a especialista Sue Bridgewater, diretora do centro de gestão esportiva da University of Warwick, do Reino Unido: "A maioria dos clubes tende a falar de si como marcas. Os torcedores são seus clientes e se envolvem com a marca de maneira muito parecida com a que fazem os clientes de qualquer empresa. Entre uns e outros, no entanto, há profunda diferença. É muito provável que o cliente habitual de uma marca de café escolha outra se perceber que a qualidade não o satisfaz. O torcedor de um time de futebol, ao contrário, caracteriza-se por fidelidade e comprometimento extremos e continuará apoiando seu time, mesmo quando não obtiver bons resultados". Fidelidade é sua diferenciação. Então, a pergunta que vale US$ 1 milhão para aqueles que trabalham em marketing é: em que se baseia a lealdade extrema? É possível recriar as condições desse compromisso incondicional para qualquer tipo de marca? Bridgewater esclarece que, no futebol, há vários elementos que cimentam uma poderosa relação emocional entre consumidor e clube: jogadores, treinadores, região de nascimento, lagos familiares com o clube e desempenho bem-sucedido do time. Apesar de o perfil dos torcedores de um clube ter suas especificidades, a especialista detectou cinco segmentos que compartilham atitudes e comportamentos: • Os "tenazes", que defendem o time contra ventos e marés e vão ao estádio mesmo quando ele não joga bem. • Os "críticos", que também o apóiam ativamente, mas criticam os jogadores, o treinador, a diretoria e o arbitro, porque assim expressam seu interesse pelo clube. • Os "jovens torcedores", que tem uma conexão mais social do que emocional com o time, além de forte interesse pelos símbolos de identidade, manifestado no uso das cores oficiais do clube de seu coração. • Os "profissionais", que, por alguma razão, não vivem mais na região onde o clube se situa, de maneira que não vão ao estádio ou o fazem ocasionalmente, mas assistem aos jogos pela televisão ou internet e buscam, com avidez, informações nos jornais e na web. • Os "e-fiéis", que nasceram e vivem em zonas distantes do clube, mas tem comportamento parecido com o do grupo anterior. Os dois primeiros grupos são, na certa, os mais ativos no apoio ao time: vão aos estádios e costumam participar dos eventos sociais. Os três restantes também estabeleceram vínculos emocionais com o time e se identificam com os símbolos do clube. Ainda que o apoio in loco seja fundamental, o compromisso dos torcedores a distância tem papel central no resultado financeiro dos clubes. As declarações de Peter Draper antes da segunda temporada do Manchester United nos Estados Unidos reafirmam as conclusões de Bridgewater. Ao revelar sua estratégia, confessou: "Noventa por cento de nossos negócios são gerados no Reino Unido, mas 80% de nossos torcedores estão no exterior. Portanto, do ponto de vista comercial, é valioso desenvolver nossa base de torcedores nos EUA e na Ásia". PARADIGMA E SEGUIDOR A linha Fred the Red, do Manchester United, por exemplo, foi criada para as crianças que acompanham os pais aos estádios e inclui bolas, relógios, roupas de cama, camisetas e acessórios. Por sua vez, a marca MUFC dirige-se aos adolescentes, com a oferta de gorros, mochilas, carteiras e relógios com cronômetro. Por último, há a linha Red Devil, dirigida aos adultos, composta de indumentária elegante e com grande variedade. "Além disso, em 1998, inaugurou-se a subsidiária Manchester United International, com o objetivo de desenvolver o negócio na Ásia e nos Estados Unidos", continua Nueno. "Entre as atividades, constavam excursões de pré-temporada, abertura de uma rede de cafeterias no Sudeste Asiático e restaurantes com a marca Theater of Dreams no Oriente Médio. Naquele mesmo ano, abriu-se uma loja no aeroporto de Dublin para atender os numerosos torcedores irlandeses e, em 1999, outra em Gatwick, na Inglaterra." O Real Madrid imitou abertamente esse modelo do Manchester United, segundo Nueno. "Algumas pesquisas indicam que temos mais de 300 milhõesde torcedores, mas estimo que, em escala mundial, é muito mais do que isso, devido ao fato de que não medimos todos os países em nossas pesquisas. Limitamo-nos aos que se mostram atraentes por seu potencial de torcedores ou seu alto nível econômico", explica Begona Sanz Orea, subdiretora comercial do clube. Ela adiciona: "Na Espanha, os dados indicam que mais da metade da população 'futebolística' torce para o Real Madrid". A exploração comercial, segundo a executiva, representa um terço dos US$ 544 milhões de faturamento. Advém de produtos e serviços que aproveitam o valor da marca Real Madrid, direitos de imagem, apoios publicitários, instalações e atividades ligadas aos torcedores. Os produtos mais vendidos são as réplicas de camisetas, fabricadas pela Adidas graças ao acordo que tem com o clube. "Em outras categorias, como produtos infantis, acessórios e produtos para o lar, fornecedores diferentes, em muitos casos empresas multinacionais, encarregam-se de produzir o que nossos torcedores demandam", destaca Sanz Orea. Algumas cifras? Em 2002, o ano seguinte a chegada de Zinedine Zidane, foram vendidas 480 mil camisetas do meio-campo francês. Em apenas um fim de semana, quando foi oficializada a aquisição de David Beckham, os ingleses compraram 550 mil camisetas do Real Madrid na Grã-bretanha. Um mês depois, em uma série de quatro partidas na Ásia, venderam-se cerca de US$ 10,8 milhões em camisetas com o numero do jogador. O REAL MADRID EXPLORA VÁRIAS VIAS PARA MAXIMIZAR A RECEITA GERADA POR SEU CONTEÚDO. RETER JOGADORES ESTRELAS FOI A CHAVE DESSA ESTRATÉGIA GERAÇÃO DE CONTEÚDO Para muitos especialistas, isso significa que os clubes esportivos estão se convertendo em geradores de conteúdo sobretudo. Por isso, não é de surpreender que o Real Madrid tenha estudado o caso do filme O Rei Leão, da Disney, cuja produção custou US$ 50 milhões e vendeu mais de US$ 766 milhões em ingressos durante o primeiro ano, mas gerou mais de US$ 1,5 bilhão em merchandising nos 18 meses seguintes a seu lançamento. "O Real Madrid explora várias vias para maximizar a receita de seu conteúdo. Atrair e reter os jogadores estrelas foi a chave dessa estratégia", explica Nueno. Ou, como expressou um dos executivos de marketing do clube: "O filme que vendemos vale mais quando, como no cinema, Tom Cruise e o protagonista". O conteúdo se materializa na revista Hala Madrid, em jogos eletrônicos, em programas interativos e, desde 1999, nos programas do canal Television Real Madrid. Considerado um dos canais temáticos mais importantes da Europa, transmite partidas de futebol e basquete, entrevista jogadores, veicula destaques históricos e realiza cobertura diária a partir dos centros de treinamento. "Os jogadores estrelas deixam o diretor de marketing tão feliz quanto o treinador", admite Jorge Valdano, diretor-geral do Real Madrid. Porque, além da contribuição aos estádios e ao conteúdo, o usufruto da imagem constitui outra fonte de renda. "Participamos de todos os contratos de exploração de imagem dos jogadores. Além disso, gerimos e desenvolvemos sua imagem ao convertê-los em embaixadores de poucas, mas grandes, marcas. Não queremos que se dispersem em atividades menores, que lhes demandem muito tempo e gerem pouco retorno para sua imagem e sua renda. De maneira que preferimos vinculá-los a grandes marcas, que tornam essa exploração mais eficaz e repercutem melhor em sua imagem global", comenta Sanz Orea. Como dito, o Real Madrid também oferece seu conteúdo internacionalmente, o que inclui até contratos com fornecedores de conteúdo móvel em vários países, como Japão, China, Índia, Inglaterra e alguns da América Latina. Times latino-americanos, como o São Paulo Futebol Clube, presidido por Juvenal Juvêncio, tentam seguir essa linha. MARKETING DE CRIAR TORCIDA Outro clube que sabe como ampliar a quantidade de torcedores e o Pachuca, do México. Inicialmente, não contava com uma base grande de simpatizantes: a população da cidade de Pachuca é pequena – cerca de 500 mil habitantes -, as condições econômicas da região não são favoráveis e está muito próxima a Cidade do México, sede de três times que tem relevante número de torcedores - América, Cruz Azul e UNAM. Então, o presidente Jesús Martínez Patiño teve acesso a um estudo que garantiu que 70% das mulheres mexicanas não sabiam para que time torcer. Os pontos-chave para aumentar o número de torcedores - os tuzos, como foi dito -, além dos êxitos em campo, foram as iniciativas estratégicas de marketing em segmentos tradicionalmente não atendidos pelos times de futebol mexicanos, como os de mulheres e crianças, o que ajudaria a romper com a herança familiar de fidelidade a outros clubes. Para conseguir isso, foram criadas as escolas de futebol tuzas, que agrupam cerca de 100 mil jovens. O clube também formou a maior liga de futebol infantil do México (a TuzoChamps) e estabeleceu um acampamento de verão. No conjunto, os projetos desportivos do grupo atendem mais de 250 mil crianças. Para Jesús Martínez Murguía, diretor-comercial do grupo, o Pachuca caminha para tornar-se uma marca global. "Uma das estratégias para obtermos esse posicionamento é a instalação de lojas especializadas, chamadas Tuzomania, onde se podem encontrar produtos para bebês, mulheres e animais domésticos." O grupo tem, além disso, uma loja virtual que comercializa seus produtos no país e que logo atenderá também os mercados norte- americano e da América Central. A iniciativa deu bons resultados: a Tuzomania já representa 2,5% das receitas totais do Pachuca, que giram em torno dos US$ 100 milhões. É um case de negócios para ninguém pôr defeito. A reportagem é de Viviana Alonso, colaboradora de HSM MANAGEMENT. Também contribuiram Leticia Gasca Serrano, do México, e Alexsandro Biaggi, do Brasil. REPORTAGEM MOSTRA AS EMPRESAS DE VÁRIOS SETORES DE ATIVIDADE QUE INVESTEM SOMAS CADA VEZ MAIS ALTAS PARA ASSOCIAR SEU NOME AO FUTEBOL ELAS QUEREM CAPITALIZAR A CAPACIDADE DO ESPORTE DE ATRAIR UM TIPO MUITO ESPECIAL DE CONSUMIDOR: O CONSUMIDOR-TORCEDOR De uma população total de 6,75 bilhões de pessoas na Terra, há mais de 5,5 bilhões que assistem habitualmente a partidas de futebol, como parecem concordar diferentes estimativas. A cobertura da última Copa do Mundo da Fifa, na Alemanha, chegou a 214 países durante 75 mil horas de transmissão (76,4% mais horas do que em 2002, quando a Copa foi no Japão/Coréia). A final entre Itália e França, a partida de maior audiência, teve 715,1 milhões de espectadores. "Em um ambiente de mudanças vertiginosas, o futebol continua chegando a umn número imenso de pessoas, reunindo e entretendo platéias locais, regionais e globais", afirma Sean Jefferson, executivo sênior da firma de consultoria Mindshare, especializada em patrocínio e publicidade nas indústrias do esporte e do entretenimento. UM UNIFICADOR NA FRAGMENTAÇÃO "Quando as audiências se fragmentam em muitas opções, desde canais de televisão até sites, fica cada vez mais difícil para as marcas alcançar públicos diversos. O atalho são os grandes eventos esportivos e, em especial, o futebol. Eles se transformam numa espécie de outdoor, todo o mundo os vê e comenta", explica Jefferson. Se alguém quer falar com homens de 50 a 55 anos interessados em uma marca de carro, por exemplo, tem duas opções, portanto: publicar anúncios em milhares de meios diferentes, ou patrocinar uma partida da Liga dos Campeões da Europa na quarta-feira a noite. Os números confirmam a tendência: segundo o GroupM, pertencente ao conglomerado WPP, em 1997 havia 180 programas de televisão no Reino Unido com mais de 15 milhões de espectadores; em 2006, somente três eram capazes de reunir tanta gente, e os três eram de esportes. EMPRESAS DE TV Patrocínios de empresas e direitos de transmissão pela TV estão entre as principais fontesde faturamento dos clubes de futebol europeus e, em muitos casos, superam a venda de ingressos para o estádio. Segundo consta no relatório Money League 2009, da divisão especializada no negócio de esporte da firma de consultoria Deloitte, só os direitos de transmissão representam cerca de 41% do faturamento dos 20 maiores clubes da Europa; em números, isso representa US$ 2,17 bilhões de um total de US$ 5,5 bilhões na temporada 2007-2008. A Premier League inglesa encabeça o ranking de faturamento: pela transmissão ao vivo das partidas no período entre 2007 e 2010 recebeu mais de US$ 2,029 bilhões da BSkyB e US$ 612 milhões da Setanta. Além disso, conseguiu US$ 270 milhões da BBC pelo direito de mostrar os melhores momentos da partida do dia, e US$ 975 milhões pela transmissão para o exterior. O preço do direito de transmissão mostra franco crescimento: o valor do primeiro contrato de televisão assinado pela Premier League para o período 1992--1997 foi de US$ 298 milhões por 60 partidas na temporada; o valor do acordo para 2010-2015 chegou a US$ 2,78 bilhões por 158 partidas. Três das cinco grandes ligas européias negociam os direitos de transmissão e repartem o faturamento entre os clubes que as integram. Na Espanha, por sua vez, os clubes vendem os direitos de transmissão diretamente. E o caso do Real Madrid, que assinou contrato por sete anos (até a temporada 2012-15) com a produtora Mediapro por mais de US$ 1,497 bilhão. Em dois clubes latino-americanos analisados aqui, os direitos de transmissão também ocupam lugar importante no faturamento, mas não tanto como na Europa. Em 2009, o São Paulo arrecadou cerca de US$ 15 milhões e o mexicano Pachuca, US$ 8 milhões. Segundo José Luis Nueno, especialista em marketing e professor do lese: "um grupo menor e mais seleto de atletas e clubes se apropria de uma cota maior do faturamento. Acontece o mesmo que com os filmes de grande sucesso, os best-sellers editoriais e os hits musicais". E ele acrescenta: "o futebol é o conteúdo mais valorizado pelas empresas de televisão, que desde o final da década de 1990 enfrentam a revolução digital. A digitalização permite a transmissão simultânea de todos os jogos que acontecem em dado momento e transforma um conteúdo de vida curta, gratuito e de interesse fundamentalmente local, em outro, com uma vida um pouco mais longa, pelo qual se tem de pagar para ver, e com alcance global". OUTRAS EMPRESAS O fato é que a digitalização e a globalização transformam o futebol em um veículo essencial para o desenvolvimento das marcas (de esportes ou não): as empresas, com seus patrocínios, buscam associar o nome aos valores representados pelas equipes, já os clubes tentam comercializar sua marca em produtos de todo tipo. Se a transmissão televisiva é uma das portas por onde entra forte fluxo de faturamento, os patrocínios e os produtos com o logotipo, as cores e as insígnias dosclubes constituem outra, comumente chamada de "faturamento comercial". Em muitos casos, representa mais de um terço do total. Em outros, como no Real Madrid, é a área que mais tem crescido nos últimos dez anos, superando os US$ 217 milhões. Além de lucrativos, os patrocínios parecem resistentes aos vaivens financeiros. Segundo pesquisa da consultoria especializada em esportes Sport+Markt, publicada no final de 2009, os clubes mais importantes da Europa praticamente não sofreram danos em seu faturamento proveniente do patrocínio na camisa do time durante a última crise; pelo contrário: alguns tiveram crescimento em relação à temporada anterior. As seis ligas mais importantes - Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha, França e Holanda - acumularam US$ 557 milhões em contratos com patrocinadores para a temporada 2009-2010. Um pouco menos que o ápice anterior a crise (2007-2008), quando essa cifra chegou a US$ 551 milhões, porém mais do que uma temporada antes (US$ 554 milhões). Na temporada atual, os clubes da Bundesliga, a principal liga alemã, geraram as maiores receitas com patrocínios (US$ 147 milhões), e dois dos maiores clubes ingleses, Manchester United e Liverpool, conseguiram novos patrocinadores dispostos a pagar US$ 51 milhões ao ano para estar na camisa do time. Outro dado interessante da Sport+MarkI é a lista dos setores que mais investem em patrocinar camisas: bancos, serviços financeiros e seguradoras; loterias e apostas; energia; viagens e turismo, e telecomunicações. O que os países buscam Se um evento se distingue no mundo do futebol, este é sem duvida, a Copa do Mundo da Fifa. Em 2010, é realizada, pela primeira vez, em solo africano; a África do Sul recebe as 32 seleções nacionais que se classificaram para participar e as centenas de milhares de torcedores que viajam de todo o mundo para apoiá-las. E, em 2014, será a vez de o Brasil sediá-la. O país anfitrião é responsável por investir na infraestrutura necessária para garantir que o campeonato seja um sucesso - e são gastos de envergadura. Somente em estádios, por exemplo, o Japão e a Coréia do Sul gastaram, juntos, US$ 4,5 bilhões nos anos que antecederam a Copa de 2002. Também nesse setor, a Alemanha investiu US$ 1,9 bilhão para a competição de 2006. O comitê organizador da Copa da África do Sul informou que a construção de cinco novos estádios e a reforma de mais cinco exigiu mais de US$ 1 bilhão. No Brasil, a previsão inicial e de US$ 5 bilhões em investimentos - e o valor tende a ser maior. Por que tanta disputa entre paises para sediar a Copa diante desses custos? Três motivos a justificam: • Motor econômico. Um relatório da firma de consultoria Grant Thonrton previu que poderão ser injetados em torno de US$ 7,6 bilhões na economia sul-africana, com os cerca de 490 mil turistas e a criação de 415 mil postos de trabalho. (Mas diga-se que a Alemanha pensava em criar 100 mil empregos e criou 50 mil, e a Coréia do Sul esperava 500 mil turistas em 2002 e só metade apareceu.) O Brasil também calcula receber cerca de 500 mil turistas em um mês por conta da Copa, o equivalente a 10% do movimento total de turismo no ano inteiro. Isso estimula negócios e a revitalização urbana, alem de deixar um legado de infraestrutura esportiva. Se há crescimento do PIB? Depende. Em 2002, o PIB da Coréia avançou 3,1%, mas o do Japão recuou 0,3%. • Marketing global. Ao por o país no mapa, a Copa impulsionaria fortemente a marca- país, atraindo investimentos. Mas há cidades cuja imagem ficou prejudicada, por exemplo, pelos Jogos Olímpicos, como Munique, Montreal e Atlanta. • Índice de felicidade. As pesquisas demonstram que os níveis de felicidade dos habitantes de países que sediaram um grande evento são muito mais altos do que eram no ano anterior a sua realização. E, quando se trata da Copa do Mundo, esse benefício permanece por ainda mais tempo. ESTRATÉGIAS DISTINTAS Michael Stirling, fundador da Global Sponsors, firma de consultoria que oferece assessoria a clubes de futebol da Liga dos Campeões é a empresas listadas no ranking Fortune 500 interessadas em desenvolver estratégias de patrocínio, explica as duas estratégias empresariais básicas: • Algumas organizações acreditam que associar a marca a um clube de futebol não é conveniente, porque afasta os torcedores de outras equipes, e por isso preferem patrocinar competições. • Outras tem bons resultados com estratégia ligada a um clube (ou até a um jogador), porque conseguem chegar ao público regional ou global que lhes interessava. "Um caso de sucesso é o patrocínio da Samsung ao Chelsea, que melhorou o posicionamento de sua marca ao patrocinar o time inglês. Ela assinara um acordo por três anos, que renovou há alguns meses. Só no Reino Unido, duplicou as vendas de televisores e também aumentou as de telefones celulares. A Vodafone, pelo contrário, historicamente associada ao Manchester United, mudou sua estratégia e preferiu buscar um público mais amplo: largou o time e passou a patrocinar a Liga dosCampeões da Uefa", explica Stirling. Segundo a revista The Economist, patrocinar a Liga dos Campeões custa cerca de US$ 204,4 milhões por três anos. Com essa soma, é possível comprar os direitos do uso da "propriedade" (no caso, o nome do evento), mas não inclui o que o patrocinador deve gastar na "ativação", ou seja, as promoções e campanhas publicitárias. Stirling destaca vários fatores-chave que as empresas deveriam levar em conta antes de fechar um contrato de patrocínio: 1. "Entender quais são os direitos disponíveis no mercado. Os mais atraentes, em geral saturados, não mais a venda". 2. "Não patrocinar algo com o qual já esteve vinculado um concorrente, porque isso somente gerara confusão no mercado. É preciso buscar elementos distintivos e identificáveis, para que as pessoas estabeleçam uma associação clara com a empresa". 3. "Contar com um orçamento de ativação, pois não basta comprar os direitos, e necessário pensar em como conseguir que sejam relevantes para o negócio, como se comunicar com o público para aumentar as vendas e os lucros. Normalmente há uma relação de um para um: se uma empresa destina US$ 25 milhões a compra de direitos, deverá dispor de outros US$ 25 milhões para ativá-los". 4. "Fazer com que a estratégia de comunicação corresponda ao que a empresa patrocina, que acentue os valores que ela quer destacar". Ao tratar das particularidades do setor, Stirling destaca que é fundamental considerar as diferenças regionais e exemplifica isso com o caso do futebol sul-americano: "O mercado do patrocínio na América do Sul está fragmentado e mal gerenciado. As pessoas esperam resultados rápidos e não possuem estratégias de longo prazo. Tende-se a assinar contratos de um ano em vez de três, como é comum na Europa e nos Estados Unidos. Além disso, as propostas dos donos dos direitos não são suficientemente criativas nem bem comunicadas as empresas. Os direitos digitais móveis, o nome do estádio, os serviços corporativos e as entradas VIP não estão muito explorados. Outra área que deveria melhorar é a de transmissão. Se querem aumentar o faturamento, os donos dos direitos devem ter mais imaginação". COMUNICAÇÃO E IMAGEM Muitas empresas têm procurado ter uma estratégia de comunicação de marca vinculada com o futebol. Entre as que se associaram a Fifa recentemente esta a Visa. Andrew Woodward, encarregado da área de marketing e patrocínio, explica que a empresa costumava patrocinar o Campeonato Mundial de Rugby, mas em 2007 voltou seus esforços para o futebol. "Associar-se a Fifa cria valor de marca, porque seus campeonatos possuem alcance planetário e porque as pessoas de todo o mundo amam o futebol. Além disso, nos permite dar benefícios as instituições financeiras que emitem o cartão de crédito. Algumas aproveitam a relação Visa-Copa do Mundo em prêmios para clientes e funcionários viagens a África do Sul e ingressos para as partidas", explica. A Adidas, por sua vez, faz tempo que associou sua imagem a Copa. "Parte da história de sucesso da marca reside no fato de que ela sempre teve forte compromisso com os eventos esportivos mais importantes: os Jogos Olímpicos e a Copa", explica Jan Runau, diretor de comunicação corporativa do grupo. "Na Copa de 1954, na Suíça, a equipe alemã, que usava nossas chuteiras, foi campeã pela primeira vez, e Adi Dassler, fundador de Adidas, ganhou fama global." Runau descreve sua estratégia de patrocínio da seguinte forma: "Como marca, queremos estar presentes nos três níveis de patrocínio dos quais é possível participar. Primeiro, como patrocinador oficial da Fifa e da Copa, teremos muitos direitos exclusivos; por exemplo, podemos fazer promoções de nossos produtos com o logotipo da Copa, fabricar merchandising oficial, incluir o logo e a imagem da Copa em nossos produtos. Também forneceremos a bola oficial do campeonato, que apresentamos em dezembro de 2009 na África do Sul, com o nome de Jabulani. Como patrocinadores do evento alcançamos certa visibilidade, mas, dado que somos uma marca de esportes, queremos a maior visibilidade possível. Por isso, fechamos contratos com as federações nacionais de futebol para fornecer camisas. Doze seleções vão vestir camisas da Adidas na próxima Copa, entre elas Argentina, Alemanha, França, México, Japão e África do Sul. Um terceiro nível é o patrocínio de jogadores. Cem jogadores usarão chuteiras Adidas na África do Sul. Raka, Lionel Messi e David Beckham são protagonistas de nossas campanhas de marketing". Runau afirma que a prioridade deste ano será a campanha publicitária relacionada a Copa. O objetivo? "Queremos dominar o campeonato. Para mostrar novamente ao mundo que Adidas e a marca líder e também porque queremos alcançar volumes de vendas sem precedentes na categoria de futebol", afirma. O passado da margem ao otimismo. Segundo consta do balanço da empresa, no ano 2006, as vendas na categoria futebol cresceram 50%, superando US$ 1,652 bilhão. Ainda que não revele o montante exato de investimentos em patrocínio, Runau admite que entre 12% e 15% das vendas mundiais (US$ 14,696 bilhões) se destinam ao marketing, o que significa algo entre US$ 1,7 bilhão e US$ 1,9 bilhão, boa parte do qual destinada a patrocínio. Os cases de patrocínio de campeonatos, equipes e jogadores mostram a complexidade (e o risco) contido nesse universo. Um caso que chamou a atenção foi o de Cristiano Ronaldo, estrela da Nike que joga no Real Madrid, clube patrocinado pela Adidas. Mas há relações sólidas e estáveis também. O Manchester United possui contrato com a Nike desde 2002, e por 13 anos. A reportagem é de Florencia Lafuente (Argentina), Leticia Gasca Serrano (México) e Alexsandro Biaggi (Brasil), colaboradores de HSM MANAGEMENT. O TREINADOR IDEAL É AQUELE QUE CONSEGUE RESULTADOS IMEDIATOS EM CAMPO, PORQUE DESTES DEPENDEM OS RESULTADOS DO NEGÓCIO. POR ISSO O TREINADOR IDEAL TEM UM CICLO DE VIDA CADA VEZ MENOR NO FUTEBOL MUNDIAL, COMO MOSTRA ESTA REPORTAGEM. Em liderança, o controle é fundamental. Se perco o controle desses multimilionários no vestiário, estou encrencado. Mas, se algum jogador falta com a disciplina, é um homem morto." Faz duas décadas que Sir Alex Ferguson, treinador e manager do Manchester United, domina todos os aspectos do jogo e do treinamento, além da compra e venda de jogadores, do clube de futebol mais rico do mundo, segundo o ranking 2009 da revista Forbes - fato extraordinário em um ambiente em que os treinadores podem durar menos de uma temporada a frente de uma equipe se não conseguem os resultados esperados. Em 2009, o jornal The Times escolheu Ferguson como o homem mais influente do esporte britanico. Aos 67 anos de idade, já venceu mais campeonatos que qualquer outro treinador do futebol inglês. "O sucesso do controle é o que se busca como gestor. É muito difícil controlar se você não é bem sucedido; em geral, isso significa o fim de nosso trabalho." O controle é, para Ferguson, uma das três qualidades mais importantes da liderança. As outras duas são saber administrar a mudança e ser observador para detectar perigos e oportunidades. David Gill, presidente do Manchester United, afirma que o clube é "muito dependente de Sir Alex" e que quem for sucedê- lo saberá "que poderá não ser tão bem-sucedido como ele. COLECIONADORES DE TÍTULOS "Só com sucessos absolutos um clube mantém seus treinadores por mais tempo", afirma Jorge Valdano, diretor-geral do Real Madrid, que teve 11 técnicos nos últimos 10 anos. “Na Espanha, e principalmente no Real Madrid os técnicos são somente treinadores. Apenas são levados em consideração na hora das contratações. Na Inglaterra, o conceito de técnico está vinculado ao de manager. Sua figura é muito valorizada e respeitada. Os projetos são de longo prazo, e é dessa forma que são avaliados." O chileno Manuel Pellegrini, treinador do Real Madrid, é um homem discreto, prudente, que se limita a fazer seutrabalho. E isso acaba sendo muito conveniente para o desenvolvimento de seu trabalho", explica Valdano. No futebol, a posição dos treinadores é estressante e turbulenta. Ninguém tem paciência com eles - nem os torcedores, nem os meios de comunicação, nem o próprio clube. Exigem-se deles resultados desde o primeiro dia. Geralmente, um técnico não dura mais de dois anos no cargo, apenas o suficiente para ser um excelente gerente de um negócio complexo. O clube inglês Arsenal é um dos dez melhores da Europa, mas faz cinco temporadas que não ganha um campeonato. Arsene Wenger começou como treinador em 1986 e foi o técnico que mais títulos conseguiu para o clube em toda sua história. Por isso, apesar dos reveses, a direção do clube apóia, e "continuará apoiando", sua decisão de investir nas divisões de base, em vez de gastar milhões na compra de estrelas, para reverter a má fase. Um verdadeiro líder é capaz de descobrir o talento oculto em cada jogador. "A maioria das pessoas nota os bons jogadores", explica o argentino Marcelo Bielsa, atual técnico da seleção chilena e ex-treinador da Argentina em 2004. "O mesmo acontece com os ruins. O mérito esta em perceber o jogador normal que será bom", acrescenta. Perfeccionista e metódico, Bielsa estudou fisiologia para entender o funcionamento do corpo e se tornar um "treinador de alto nível". Em 2001, foi eleito o melhor técnico de seleções pela Federação Internacional de História e Estatística do Futebol (IFFHS). Sixto Vizuete, atual técnico da seleção do Equador, Erwin Sanchez, da Bolívia, Eduardo Lara, da Colômbia, Gerardo Martino, do Paraguai, e Oscar Tabarez, do Uruguai, votaram em Bielsa como o melhor técnico sul-americano em pesquisa realizada pela Fifa depois das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Suas credenciais também o transformaram em uma figura muito requisitada para fazer palestras sobre liderança, gestão do sucesso e motivação. Quando os jogadores ficam deprimidos ou eufóricos demais, o papel do gestor, explica Valdano, é o de motivar, acompanhar e chamar para a prudência. "Não se pode esquecer que este é um território essencialmente emocional, e é importante saber lidar com as paixões." Valdano define a tarefa do líder como "a arte de administrar vontades". E cada técnico tem um estilo próprio para isso. "Aqui eu quero todo mundo estressado. Quem esta tranquilo mando para casa dormir. Quero todos comprometidos e preocupados. Essa é minha rotina; estou nervoso todo dia." Famoso por sua personalidade difícil, ainda que eficiente na hora de conseguir resultados, o ex-técnico do São Paulo Muricy Ramalho ocupou o cargo entre 2006 e 2009, uma eternidade pelos parâmetros do futebol brasileiro, muito pouco tolerante com o fracasso de seus treinadores. Conquistou o Prêmio Craque do Brasileirão na categoria de melhor treinador do País por quatro anos seguidos, de 2005 a 2008 (em 2005 ele comandava o Internacional de Porto Alegre). No entanto, depois da terceira eliminação consecutiva da Copa Libertadores da América, a direção do São Paulo deu por encerrada a lua de mel com ele. Ramalho foi demitido e substituído por Ricardo Gomes, ex-zagueiro e ex-técnico do Mônaco francês e da seleção olímpica brasileira, que optou pelo estilo oposto ao de Ramalho, marcado por muita conversa e tranquilidade. O São Paulo é um dos clubes de maior prestígio do mundo devido a suas conquistas [veja artigo na página 96]. Também é um lugar em que se venera a disciplina. Mais de um atleta teve problemas com a direção por externar opiniões que não coincidiam com a do clube. COMO LIDERAR ESTRELAS Entre 2000 e 2006, o presidente do Real Madrid, Florentino Perez, adotou a política de comprar os melhores jogadores do mundo para valorizar sua imagem, vender melhor seus "produtos" e poder enfrentar as dividas. "Com os jogadores que tem, treinar o Real Madrid deve ser muito fácil. É possível até pôr para jogar como titulares os 11 que chegarem primeiro", disse então o atual treinador do Inter de Milão, o português José Mourinho. Luis Figo, Zinedine Zidane, Ronaldo e David Beckham eram, entre outras figuras, parte do elenco dos chamados "galácticos", um time de estrelas em que a imagem era mais importante que qualquer resultado esportivo. No entanto, liderar estrelas é, na verdade, o aspecto mais complexo do trabalho do treinador. Ainda mais sob as críticas dos meios de comunicação, que costumam ser lapidares e tendem a contribuir muito para a demissão de um treinador. Um dos técnicos do Real Madrid naqueles anos, Vicente Del Bosque - atual responsável pela seleção espanhola -, demonstrou grande energia para gerenciar esse vestiário de elite. Mas nem todos conseguem. "É preciso fazer com que as estrelas entendam que são parte de um projeto", explica Marcello Lippi, atual treinador da seleção italiana e artífice do sucesso na Copa de 2006, quando conquistou o quarto título para a esquadra azzurra e a tomou uma das mais vencedoras da história. "Os craques devem compreender que não é o time que deve se colocar a sua disposição, mas sim eles a disposição do time." Quem tem demonstrado enorme capacidade de lidar com vestiários repletos de estrelas, unir vontades e administrar egos e Josep "Pep" Guardiola, técnico do Barcelona. Metódico, participa de todos os aspectos do treinamento, supervisionando até a alimentação dos jogadores. Ele já foi descrito em livro como um líder cujo grande valor é a humildade. Em 2007, quando Guardiola assumiu como técnico, nunca havia dirigido um time da primeira divisão. Em 2009, o "Barça" ganhou todas as competições que disputou e passou a história por ser a primeira equipe do mundo a conquistar seis títulos oficiais em um ano. A reportagem é de Alexsandro Biaggi, colaborador de HSM MANAGEMENT. TRICAMPEÃO MUNDIAL E HEXA BRASILEIRO, O SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE É O QUE MAIS ÊXITOS ACUMULAM NA TERRA DO FUTEBOL-ARTE – E É BENCHMARK (A CONTRAGOSTO) DOS RIVAIS. A EXPLICAÇÃO? GESTÃO CONTINUADA O cenário é Assunção, Paraguai, no final de novembro último. O presidente do Corin- thians, Andres Sanchez, presente ao sorteio dos grupos da Copa Libertadores da América, distribuiu broches com o símbolo do clube para autoridades e convidados. Minutos mais tarde, chegaram os dirigentes do arquirrival São Paulo. Entregaram pacotes personalizados com diversos produtos licenciados da equipe. "É... em matéria de marketing, eu realmente tenho muito a aprender com eles", admirou-se Sanchez. As palavras do dirigente alvinegro traduzem um sentimento comum aos times brasileiros. Até os adversários mais ferrenhos reconhecem que, em matéria de organização, divulgação da própria imagem e marketing, e difícil superar o São Paulo Futebol Clube. Dentro de campo, a agremiação fundada em 1955, resultado da fusão do São Paulo da Floresta e do Tiete, está entre as mais vencedoras do futebol sul-americano, tricampeã mundial, hexa-campeã brasileira. Mesmo que observemos só os últimos seis anos, a trajetória é um sucesso: foi campeã continental (em 2005), mundial (2005), estadual (2005) e três vezes vencedora do Campeonato Brasileiro (2006, 2007 e 2008). Seu estádio, o Morumbi, com capacidade para 75 mil pessoas, é forte candidato a sediar jogos da Copa do Mundo de 2014, embora seu projeto de reforma ainda não tivesse sido aprovado pela Fifa ate a data de fechamento desta revista. "Temos um projeto avançado de modernização para o estádio", afirma o presidente Juvenal Juvêncio, que é assessorado pelo experiente escritório de arquitetura alemão GMP. Dentro do São Paulo (ou Tricolor, como é conhecido, pelo vermelho, preto e branco do uniforme), e a palavra de Juvêncio que vale. Como na quase totalidade dos rivais brasileiros, o regime é presidencialista. Isso quer dizer que Juvêncio decide tudo. Contratação de treinador, salário dos jogadores, novos atletas para o elenco... Qualquer coisa que envolva o futebolprecisa da canetada do mandatário para ser realizada. "O São Paulo é diferenciado pela estrutura que tem e pela estabilidade que proporciona a seus profissionais", completa o presidente, orgulhoso. Orgulho é elemento distintivo dos dirigentes são-paulinos, zelosos da tradicional visão de "clube da elite", mesmo que seus torcedores, hoje em dia, englobem milhões de pessoas de todas as camadas sociais do Brasil: 8% dos torcedores do País, que equivalem a 16 milhões de indivíduos, declaram-se são-paulinos, o que só é superado por Flamengo e Corinthians. É a ambição acompanha o orgulho. Em 2010, o SPFC demorou para negociar o patrocínio para o uniforme (nada estava definido até o fechamento desta edição), porque buscava um valor elevado, entre R$ 40 milhões e R$ 45 milhões - ele foi fechando contratos de curta duração para ganhar tempo. Mas seu traço principal é a estabilidade, face mais aparente de sua estratégia de longo prazo. Tele Santana comandou o time profissional por cinco anos (1990-1995). Muricy Ramalho ficou três anos e meio (2006-2009), tempo incomum nas equipes nacionais, conhecidas pela impaciência com treinadores, e nas internacionais também. Desde a segunda metade do ano passado, o comandante e Ricardo Gomes, ex-zagueiro e técnico mais prestigiado no exterior (com passagem por Mônaco e Bordeaux, da França) que no Brasil (onde ainda não teve resultados tão significativos). "A estrutura do São Paulo resolveu dar uma chance para esse moço e até agora esta dando certo", observa Juvêncio, em declaração que aparenta arrogância para os adversários e significa autoconfiança para os simpatizantes. Outra evidência do pensamento de longo prazo que vigora no clube esta nos esforços continuados para revelar novos talentos. O Centro de Treinamento para as categorias de base na cidade de Cotia, construído a apenas 55 quilômetros da capital paulista, é hoje copiado pelos outros times. Um dos resultados mais recentes desse investimento foi a conquista do título da Copa São Paulo de 2010, competição realizada nos últimos 40 anos entre equipes sub-18 (de jogadores com menos de 18 anos de idade). GLOBALIZAÇÃO PLANEJADA O São Paulo virou um exportador de talentos para a Europa, em geral em preços melhores que os obtidos por seus concorrentes nacionais. Mas os analistas costumam apontar uma vantagem competitiva do Tricolor sobre os outros: como o SPFC prepara os jogadores para serem exportados, com treinamentos que vão de aulas de inglês a assessoria psicológica para o jogador e a família, as chances de sucesso da transação aumentam bastante. Alguns exemplos dos últimos anos são: Grafite (negociado com o Wolfsburg por 7,5 milhões de euros), Alex Silva (no Hamburgo, por 6 milhões de euros, e emprestado para o próprio time do Morumbi), Josué (em final de contrato, negociado com o Wollsburg por US$ 2 milhões), Breno (no Bayern de Munique, por US$ 19 milhões) e Cicinho (no Real Madrid, por 9 milhões de euros). Nenhum chegou perto dos US$ 52 milhões arrecadados quando o Real Betis, da Espanha, comprou Denilson em 1998. Mas a venda recente de Breno, por exemplo, representou mais do que o clube recebeu em badaladas negociações, como a de Serginho, que se transferiu para o Milan por US$ 10 milhões, em 1999. Hoje a diretoria reluta em se desfazer de alguns dos principais jogadores do elenco, como o meia Hernanes e o zagueiro Miranda. Este ultimo é um dos cotados para disputar a Copa do Mundo da África do Sul pela Seleção Brasileira. E, com isso, os valoriza. Não há desespero para vender porque o clube, com sua estrutura financeira, passou quase incólume pela crise global (assim como o esporte, em geral, e o Brasil). A venda média de ingressos do último Campeonato Brasileiro manteve o patamar dos anos anteriores (20 mil pagantes). "Toda equipe acaba negociando jogadores, mas isso só é fechado no São Paulo quando a proposta chega aos valores que queremos. Não há desespero", garante Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, vice-presidente de futebol do Tricolor. É o velho e bom princípio gerencial de controlar a oferta para aumentar a demanda e, assim, valorizá-la. RECEITAS DE ESTÁDIO E TV O estádio próprio é um dos grandes diferenciais do SPFC, contribuindo para que sua segurança financeira seja superior a da maioria dos clubes. Mas o clube não descansou ao criar uma estrutura e inaugurá-la, ainda incompleta, em 1960. Desenvolveu diversas outras estruturas de apoio, citadas nesta reportagem, e criou um programa de fidelização, em 1999, também em caráter pioneiro, que garante uma renda fixa (não revelada) para a agremiação - o programa do "sócio-torcedor". No final do ano passado, eram 42 mil associados à iniciativa. O SPFC foi o primeiro em uma estratégia desse tipo no futebol nacional. Isso sem mencionar a Copa Libertadores, torneio que rende mais público ao Tricolor e cuja conquista é obsessão maior da torcida. No ano passado, a média de público nos jogos do Morumbi foi superior a 50 mil pessoas, contabilizando as partidas da fase de grupos, sempre menos atraentes. A partir das oitavas de final, em sistema eliminatório, o estádio recebeu mais de 50 mil pagantes. O Morumbi também é vantagem do clube sobre a concorrência, porque virou disputado palco de shows no País. Já recebeu U2, Jonas Brothers e Madonna em anos recentes. Em 2010, apresentações de Beyoncé, Coldplay e Metallica renderam R$ 5 milhões para os cofres do clube. "É uma lucrativa maneira de uso do estádio, porque não gastamos nada para receber os eventos e as empresas se responsabilizam por qualquer dano que aconteça", explica o diretor de marketing do São Paulo, Adalberto Batista. E o ótimo público se mantém apesar da transmissão na TV. O pacote dos direitos permaneceu no mesmo patamar pré-crise. Em 2008, a Rede Globo havia concordado em investir R$ 400 milhões, a serem rateados entre os 20 clubes que compõem a Série A do Campeonato Brasileiro ate 2011. DISCIPLINA E LIDERANÇA O Tricolor se orgulha da estabilidade e harmonia, mas a relação dirigentes-técnico- jogadores nem sempre é afetuosa. Mais de um atleta já entrou em rota de colisão com a diretoria por externar opiniões que nem sempre condiziam com as do clube. E, pela filosofia do São Paulo, uma simples reclamação por não estar jogando pode ser suficiente para a intervenção da diretoria de futebol. Qualquer possível falta de disciplina do jogador é ainda menos tolerada no São Paulo por causa de Rogério Ceni. Maior goleiro da história do clube, é o capitão e líder inconteste do time. Querido da torcida, tem assento certo na diretoria quando pendurar as chuteiras. "Está se aproximando, mas não quero pensar nisso", descarta o camisa 1, 57 anos, quase cem gols na carreira. Um dos pioneiros nas cobranças de falta e pênalti no futebol brasileiro em sua posição, chegou ao clube em 1990 e virou titular do time profissional em 1997. No período, o time venceu três brasileiros, dois paulistas, um Torneio Rio-São Paulo, uma Libertadores e um Mundial Interclubes. Serviu para aumentar ainda mais a mística em tomo de Ceni o fato de, na decisão em Tóquio contra o Liverpool, o goleiro ter feito a melhor partida de sua vida. "E um privileégio para o São Paulo ter um jogador como ele na equipe", elogia o técnico Ricardo Gomes. O SPFC é hábil em propiciar o surgimento de líderes dentro de campo. Ceni é sucessor de outro líder, Raí, meia do bicampeonato mundial (1992 e 1993), no coração dos são- paulinos. Além da liderança propriamente dita, eles constituem uma espécie de patrimônio cultural, o foco da gestão do conhecimento e da disseminação da cultura do time lá dentro, garotos-propaganda da "causa tricolor" aqui fora. Caso raro na América do Sul das últimas décadas, Ceni muito provavelmente encerrara a carreira tendo defendido principalmente uma equipe. Se é crucial dentro de campo, também se mostra relevante fora dele. Trata-se do pára-raios do São Paulo.Quando qualquer coisa não vai bem, ele assume a responsabilidade e apazigua os ânimos. "A liderança do Rogério toma as coisas bem mais fáceis para os outros jogadores", lembra Washington, uma das contratações da diretoria no ano passado e que continua no Morumbi na atual temporada. GESTÃO COMO MARKETING O clube não apenas se vangloria da fama de organizado, como lança mão desse senso comum para conseguir vantagens, especialmente reforços. No Centro de Treinamento da Barra Funda, montou o Reffis, departamento de prevenção de lesões, fisioterapia e fisiologia, o mais avançado do continente, atualmente sob o comando do fisioterapeuta da Seleção Brasileira, Luis Alberto Rosan. Jogadores lesionados de grandes equipes européias são autorizados a realizar tratamento no Reffis. Isso já rendeu empréstimos de atletas famosos para o Tricolor e, consequentemente, aumentou a visibilidade para o time do Morumbi. O último exemplo foi o atacante Adriano, então no Intemazionale, da Itália. Conquistar mais um título da Libertadores, no final do primeiro semestre deste ano, seria o catalisador perfeito para seu marketing. Nos gramados, o Tricolor levaria os torcedores ao delírio com a vitória do torneio e a possibilidade de um quarto título mundial; nos negócios, reforçaria a imagem de organização vencedora, dona das melhores práticas. Por isso, mesmo nas derrotas, a ordem é não baixar a guarda. O São Paulo é o clube que os rivals odeiam admirar.
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