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TT: 048 Emissão: 29/02/2011 Revisão: 00 Data da Revisão: 27/02/2011 Aprovação: 1530200110 DOSSIÊ EXECUÇÃO: REVISTA E AMPLIADA (publicada originalmente em Novembro / Dezembro de 2010 pela HSM Management) Dez entre dez CEOs, nas mais variadas pesquisas, afirmam; a execução da estratégia traçada e sua maior dificuldade, sua principal preocupação, seu desafio número um. Mas por que é tão difícil a organização fazer o que foi combinado? A explicação de Ram Charan pode não ser a mais agradável de um gestor ouvir. Segundo a maior autoridade no assunto, reconhecida mundialmente como tal, a execução compete ao líder. Como é necessária a compreensão profunda da empresa, de suas pessoas e do ambiente, é o líder que está em condições de garanti- la e ele não pode se omitir. Então, Charan diz que o segredo para executar é a soma de liderança, disciplina e cultura organizacional, enquanto o expert em estratégias competitivas Lawrence Hrebiniak afirma que tudo depende dos processos. Já Tom Peters afirma que tudo depende das pessoas. Este Dossiê traz ao leitor as múltiplas visões de execução, além de entrevistar um especialista em execução de inovação, algo mais desafiador ainda para as empresas - Chris Trimble -, e de apresentar um estudo de caso de mudança pró-execução em uma companhia por vezes considerada lenta e burocrática: a Unilever. Fazer o que precisa ser feito Sobram exemplos de organizações de alto potencial lideradas por executivos inteligentes que fracassaram porque falharam na implementação da estratégia. Antes elas tivessem ouvido Ram Charan e Lawrence Hrebiniak. Reportagem HSM Management. Implementar inovações: o lado menos conhecido A chave do sucesso de um novo produto, serviço ou modelo de negócio é a solução dos conflitos que emperram a implementação da inovação. Entrevista com Chris Trimble. O segredo são as pessoas A ferramenta mais eficaz para implementar uma estratégia são as pessoas. Podem ser as de dentro da organização ou mesmo as que estão fora dela. Entrevista com Tom Peters. Unilever executa Um plano de execução radical, lançado em 2005, veio corrigir os problemas de implementação da estratégia de 2000, sob o comando de Patrick Cescau. Por W. Steve Smith. A reportagem é de Florencia Lafuente, colaboradora de HSM MANAGEMENT. FAZER O QUE PRECISA SER FEITO NA HISTÓRIA DA GESTÃO, SOBRAM EXEMPLOS DE ORGANIZAÇÕES DE ALTO POTENCIAL LIDERADAS POR EXECUTIVOS INTELIGENTES QUE FRACASSARAM PORQUE FALHARAM NA IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA. NESTA REPORTAGEM, DOIS DOS MAIORES ESPECIALISTAS MUNDIAIS EM EXECUÇÃO, RAM CHARAN E LAWRENCE HREBINIAK, COMPARTILHAM SEUS ENFOQUES A RESPEITO. No final dos anos 1990, Ram Charan e Geoffrey Colvin, editor da revista Fortune, fizeram uma descoberta que sacudiu as bases da gestão empresarial. Em artigo publicado em junho de 1999, analisaram a razão pela qual grande parte dos CEOs mais poderosos dos Estados Unidos estava sendo afastada do cargo. “Por que Eckhard Pfeiffer, da Compaq, foi demitido? Em que errou Bob Alien quando a frente da AT&T? Que mal fizeram Bob Stempel, CEO da GM, e Gil Amelio, número um da Apple?" A resposta dos autores foi conclusiva: “O fracasso dos líderes raramente se deve a sua falta de visão ou inteligência. O problema é que falham na execução”. Desde então, a execução é apontada como o principal desafio dos negócios. Entra ano, sai ano, diversas pesquisas com CEOs e outros gestores seniores confirmam que essa é sua preocupação número um. Eles ilustram na prática o que Ram Charan, consultor de altos executivos e autor, com Larry Bossidy, do celebre Execução: a disciplina para atingir resultados (ed. Campus/Elsevier), vive afirmando a quem quiser ouvir: “Criar uma estratégia brilhante é fácil; o difícil é colocá-la em prática”. Mas como ser eficaz na execução? Para alguns, que vão na linha de Ram Charan, é a soma de liderança, disciplina e cultura organizacional que faz diferença. Para outros, a exemplo do expert em estratégias competitivas Lawrence Hrebiniak, autor do aclamado livro Fazendo a estratégia funcionar: o caminho para uma execução bem-sucedida (ed. Bookman), tudo depende dos processos. Em paralelo, aumenta o número dos que atribuem o êxito nessa área fundamentalmente as pessoas, seja dentro da organização - como insiste Tom Peters -, seja fora de suas fronteiras, na forma de organizações estendidas em redes. Essa ousada visão, que em um primeiro momento parece próxima a uma abstração, vem sendo advogada principalmente por especialistas em inovação e em gestão de tecnologia da informação (TI), como o brasileiro Silvio Meira. [O enfoque de execução baseada em pessoas étratado na entrevista exclusiva que Tom Peters concedeu a HSM Management, na página 84 deste Dossiê.] O insucesso como regra na execução não é gratuito. Interpõem-se em seu caminho motivos diversos, entre eles a política interna, a inércia, a resistência a mudança e, não menos importante, o desconhecimento sobre execução. Nos ambientes corporativos, sabe-se muito sobre planejamento, mas nem tanto sobre realização, ou seja, sobre o funcionamento da estratégia na prática. Para Hrebiniak, isso ocorre porque treinamos gestores para ser inteligentes, e não necessariamente para executar. A ESSÊNCIA Não é exagero afirmar que Charan e Hrebiniak estão entre as vozes mais ouvidas em execução de estratégia, se não forem as autoridades supremas mesmo. E, embora seus pensamentos sobre o assunto sejam um pouco distintos - e ainda que seus estilos pessoais também difiram, pois Charan é pragmático e persuasivo, enquanto seu colega tem perfil mais acadêmico -, seus enfoques coincidem e se complementam nos aspectos mais relevantes. Na verdade, Hrebiniak fez aprofundar a pesquisa de Charan para oferecer a base para um modelo de execução eficaz. Definição e condições “O que esta mudando no mundo? Conheço as pessoas de minha equipe? Quais são as diretrizes?” Charan insiste: todo líder deve formular essas três perguntas “diariamente, semanalmente, mensalmente”. Trata-se do treinamento básico dos estrategistas e executores que alcançam o sucesso. “O ritmo nos dá velocidade, nos dá perspicácia, nos dá flexibilidade”, assinala. Quando uma empresa esquadrinha sistematicamente o horizonte para vislumbrar o futuro e trabalha com o propósito de criar a mudança, poderá fazer dela algo significativo para sua organização e seus funcionários. “Encorajar a equipe a se perguntar o que esta mudando fará da transformação uma experiência amigável.” A segunda pergunta ajudará os executivos a entender o que inspira seus funcionários, que habilidades e perspectivas construtivas oferece cada um deles, para compreender qual poderia ser sua melhor contribuição para o plano estratégico. “O poder maior de um líder é o poder de suas pessoas”, pontifica Charan. Finalmente, para criar um mapa que guie a equipe na execução e concentre sua energia em objetivos concretos, é necessário muito discernimento. “Esse mapa deve ser claro e específico, para que possa ser executado; deve ser simples, para que possa ser comunicado.” A Apple, segundo exemplifica Charan, é o melhor caso de empresa cuja diferenciação competitiva está na execução. “Quando Steve Jobs decidiu lançar o iPad, estabeleceu um objetivo muito simples, claro e específico: uma bateria que durasse dez horas. Estava convencido de que era o que os consumidores queriam.” Ainda que conseguir isso tenha exigido colaboração intensa entre diferentes equipes com culturas muito distintas - projetistas de baterias, fabricantes de chips e designers industriais -, a precisão do plano permitiu ao grupo vencer o desafio sem perder outros atributos da marca, como o design e a facilidade de uso, e, sobretudo, sem perder tempo. Os líderes devem compreender que a execução é parte da estratégia, alerta Charan. Segundo sua definição do conceito, descrito em Execução: a disciplinapara atingir resultados, a execução compõe-se de três ingredientes: • disciplina, • liderança e • cultura. “A maioria das pessoas associa execução a táticas. Apesar de as táticas serem elemento central nos processos de execução, não há correspondência direta entre os conceitos. A execução é uma disciplina e faz parte da estratégia, que não pode ser planejada sem levarmos em conta a habilidade da organização para colocá-la em prática. Basicamente, execução consiste em realizar de maneira sistemática os seguintes processos: planejar hipóteses sobre o contexto da empresa, avaliar as capacidades da organização, vincular a estratégia com as operações e as pessoas encarregadas de implementá-la, sincronizar o trabalho, associar as recompensas aos resultados obtidos e modificar as hipóteses iniciais para refletir mudanças no contexto.” Portanto, a execução compete ao líder, conforme acrescenta Charan. Ele esclarece que, geralmente, as pessoas pensam que a tarefa principal do número um da empresa e criar uma visão inspiradora e deixar nas mãos dos executivos colocar a estratégia em ação. “Mas a execução exige profunda compreensão da empresa, de suas pessoas e do ambiente, e o líder é quem esta em melhores condições de adquirir tal conhecimento.” Além disso, ele é responsável por criar um ambiente apto à execução. “Se fosse uma simples iniciativa do CEO, ela não atracaria em bom porto. Para que de resultado, a execução deve ser parte da cultura da empresa e refletir-se nos sistemas de remuneração, nas normas de comportamento da empresa e no perfil dos funcionários.” Tarefa de todos O carisma de Jobs permitiu a Apple criar um núcleo sólido e alinhar as pessoas à visão da empresa. “O compromisso do líder e o clima gerado por ele na companhia influem diretamente no sucesso da execução”, afirma Hrebiniak. Ele acrescenta que “os planos de implementação no nível corporativo vão a pique, se não recebem apoio da alta administração”. Quando a cúpula planeja e vê a execução como algo menor, que diminuiu sua dignidade como condição de poder, qualquer iniciativa está fadada ao fracasso. Hrebiniak define execução como um processo, produto de uma série de decisões ou ações integradas e coerentes ao longo do tempo. “A solidez da execução cria vantagem competitiva. Imitá-la pode ser extremamente difícil. Analisemos a Southwest Airlines”, convida ele. “Essa empresa faz muitas coisas diferentemente das grandes companhias aéreas: não transfere bagagens, não oferece alimentação, não expede cartões de embarque e usa somente um tipo de avião para reduzir custos. Desenvolveu capacidades e criou atividades para apoiar sua estratégia de custos baixos. Copiar a execução da Southwest pressupõe sacrifícios duros, grandes mudanças, outra cultura.” De acordo com Hrebiniak, qualquer que seja a estratégia - baixo custo, diferenciação por produto, serviços inovadores -, ela somente funcionará se tiver sido perfeitamente definida, transmitida com clareza e bem compreendida por funcionários, clientes, sócios e investidores. RAM CHARAN O PRECURSOR A revista Fortune o nomeou “o consultor vivo mais influente do mundo” e, segundo a Forbes, é um dos 50 especialistas em gestão mais destacados de 2009. Ram Charan escreveu, com Larry Bossidy, o best-seller Execução: a disciplina para atingir resultados (ed. Campus/Elsevier). Sua obra mais recente publicada no Brasil é Reinventando a governança corporativa: por que as estratégias de atuação dos conselheiros podem determinar o sucesso ou o fracasso de uma empresa. Entre seus outros livros estão Liderança na era da turbulência econômica e O jogo da liderança: metas e estratégias de inovação para o sucesso de sua empresa (todos, ed. Campus/Elsevier). Charan adiantou a HSM Management, na edição julho-agosto, seus próximos dois livros: Talent masters um, ainda sem título, sobre ansiedade. Engenheiro formado na Índia, tem MBA e doutorado pela Harvard Business School, onde também foi docente. Será um dos palestrantes da HSM ExpoManagement 2011, no Brasil. “Um bom planejamento ajuda o processo de execução”, escreve o especialista em Fazendo a estratégia funcionar. No livro, desenvolve exaustivamente o capítulo relacionado ao planejamento e ensina, como Charan, como as estratégias corporativa e de negócios influem uma na outra e afetam a execução. No nível do negócio, a estratégia se relaciona com os produtos e serviços das unidades e com o modo de concorrer em dado setor para extrair vantagem. Na esfera corporativa, a estratégia faz referenda a organização em seu conjunto, define áreas em que a empresa participará e designa recursos entre as unidades corporativas. Nas palavras de Hrebiniak: “A estratégia de negócios é essencial para a execução bem-sucedida da estratégia corporativa, que atribui funções e metas às unidades. Se não cumprem o planejado, reduzem a capacidade de alcançar seus objetivos estratégicos”. Para atingir tais objetivos, toda empresa tem de desenvolver metas mensuráveis de curto prazo que sejam coerentes com as estratégias de negócios. Aqui entra em jogo um fator fundamental da execução, cuja relevância ambos os autores destacam: a comunicação. “O diálogo efetivo entre os níveis organizacionais, assim como o design de processos que permitam aos responsáveis pelas decisões chegar a um consenso sobre estratégias, metas e indicadores de desempenho, é essencial na hora de executar a estratégia”, sustenta Hrebiniak. Para chegar ao consenso, Charan sugere estimular o diálogo aberto entre todos os integrantes da organização. “As empresas que se caracterizam por execução destacada seguem um caminho específico: os líderes de todos os departamentos se reúnem para discutir o plano operacional e, dele, surge o orçamento. Em outras palavras, o orçamento é a expressão financeira do plano operacional”, assinala. SAIBA MAIS SOBRE LAWRENCE HREBINIAK Lawrence Hrebiniak é consultor de grandes empresas em formulação de estratégia, execução e design organizacional. Alguns de seus clientes são: Johnson & Johnson, AT&T, Chemical Bank, Isuzu, Dun & Bradstreet, DuPont e GE. É professor da Wharton Business School, da University of Pennsylvania. Recebeu vários prêmios de excelência no ensino. Foi presidente da Organization Theory Division of the Academy of Management, especializada em pesquisa de gestão e teoria da empresa. Atualmente, dedica-se a pesquisar a implementação da estratégia, a relação entre ela, estrutura e desempenho organizacional e a mudança corporativa. Escreveu seis livros. O mais famoso é Fazendo a estratégia funcionar: o caminho para uma execução bem-sucedida (ed. Bookman). Sua publicação mais recente é The mismanagement of America, Inc. (ed. iUniverse). É doutor pela The State University of New York. Enfoque prático Um modelo lógico de execução e um método disciplinado ajudam a realizar a estratégia e a entender o que deve ser feito, quando, por que e em que ordem. Hrebiniak aponta que a execução implica tomar decisões sobre planejamento, estrutura, coordenação, intercâmbio de informações, incentivos e controles em um contexto organizacional, cultural, de poder, liderança e gestão da mudança. O design de um modelo eficaz apresenta oito desafios: 1. Desenvolvimento de um enfoque ou conjunto de diretrizes que apresentem o processo e guiem as decisões ou ações de execução. “Sem diretrizes, a execução torna-se uma questão confusa e desordenada.” 2. Compreensão de como a criação de uma estratégia afeta sua execução. A estratégia define o terreno (clientes, mercados, tecnologias, produtos, logística) onde se desenrolara o jogo da execução. Ela, porém, será um esforço inútil sem a orientação da estratégia e dos objetivos de curto prazo a ela relacionados. Que aspectos da estratégia e do planejamento têm mais impacto sobre os resultados da execução e uma pergunta crucial a ser feita. Outra questão essencial é sobre a relação entre a estratégiacorporativa e a de negócios e como sua interação afeta resultados da execução. 3. Gestão da mudança. A implementação da estratégia costuma exigir uma mudança. Porém a gestão dessa mudança significa muito mais do que manter as pessoas felizes e reduzir a resistência aos novos métodos. Implica conhecer os passes necessários para gerir o processo de execução ao longo do tempo. Os gestores viabilizam a mudança de maneira sequencial ou a implantam de uma só vez, lançando-se no vazio? “A resposta incorreta pode matar os esforços de execução.” 4. Compreensão da estrutura de poder é influência. Os programas de execução que contradizem a estrutura de poder estão condenados ao fracasso. O poder reflete o domínio crítico sobre capacidades e recursos escassos. Os que estão no poder decidem sobre a designação de recursos para indivíduos e unidades organizacionais que afetam esforços de execução. Se a alta administração se opõe a um plano de execução, ou não o apóia, o sucesso esta comprometido. 5. Design de estruturas organizacionais que promovam intercambio de informações, coordenação e accountability. Derrubar as fronteiras e fomentar a comunicação lateral dentro da empresa é essencial para aumentar a flexibilidade que a correta execução demanda, bem como a transferência de conhecimento e a coordenação do funcionamento das unidades operacionais. “Os gestores devem saber quem faz o que, quando e por que, assim como quem é responsável por todos os objetivos-chave da execução.” 6. Estabelecimento de incentivos, controles e mecanismos de feedback. Os incentivos estimulam o comportamento adequado para conseguir os resultados desejados da execução. Por sua vez, os controles oferecem feedback sobre o desempenho, bem como os mecanismos de correção, e facilitam a mudança. Ambos são centrais para o funcionamento da estratégia. Os bons incentivos apóiam aspectos-chave do modelo de execução e estão ligados a metas estratégicas ou de curto prazo e recompensam o correto: premiam quem faz. Assim, aumentam a motivação, ainda que não dêem origem a ela. “É preciso que os controles enfrentem os problemas de maneira sincera quando o desempenho e baixo. Sem análise das situações negativas, não haverá lugar para o aprendizado e, a mudança ou a adaptação organizacional estarão em perigo.” 7. Criação da cultura adequada. As organizações devem fomentar a cultura de apoio à execução. “A execução exige um ambiente de conquista e disciplina e um sentido de propriedade.” 8. Desenvolvimento de liderança orientada a execução. A equipe de direção deve impulsionar a organização ao sucesso e gerar compromisso com o processo de execução. A análise dos passos e decisões de execução define o que e a boa liderança e como influencia a implantação da estratégia, direta ou indiretamente. Qualidades do líder Conquistar uma cultura de alto desempenho que apóie a execução não é simples, porque, geralmente, exige mudança profunda da cultura corporativa. “Os líderes eficazes mudam as pessoas. Tanto a transformação da estrutura corporativa como a do comportamento, em resposta a novos incentivos e controles, podem afetar a mudança cultural, assim como a incorporação de funcionários com ideias frescas e novas capacidades pode fazê-lo”, comenta Hrebiniak. Ele recorda alguns exemplos de empresas que, graças à gestão da mudança cultural, alcançaram níveis extraordinários de desempenho. O caso mais representativo é o do Walmart, que se converteu na maior rede varejista do mundo, a partir de uma grande intervenção em sua estrutura liderada por seu fundador, Sam Walton. A empresa descentralizou suas operações para criar uma cultura baseada em autonomia local, responsabilidade e estrutura de recompensas que reconhece o desempenho superior. “Os grandes departamentos se converteram em lojas dentro de lojas e em centros de lucros sob o comando das gerencias locais. Histórias sobre funcionários que ascenderam na organização ou que se aposentaram após ter feito fortuna criaram um folclore e uma cultura que conduziram ao atual desempenho extraordinário da rede.” Os líderes que se destacam no terreno da execução melhoram suas habilidades metodicamente. “Oitenta por cento do que alguém faz em vida é executar. Proponho que se modifiquem certos aspectos de comportamento para que o líder se aperfeiçoe nesse sentido”, recomenda Charan. Tais aspectos de conduta são cinco: • Adotar uma atitude vencedora. O líder deve cultivar qualidades de conquistador. “A fome de vencer tem de contagiar as pessoas.” • Mostrar interesse pelas pessoas. Antes de se ater aos números, o líder deve interessar-se por seus funcionários. Diante deles, deve perguntar-se quais são as três coisas que cada um faz bem. Depois, redistribuir tarefas, se necessário. Automaticamente, as pessoas se sentirão cheias de energia. “Há que se adaptar o dom do indivíduo a seu trabalho. As pessoas querem sentir que contribuem.” • Expressar-se com clareza. Cada vez que o líder designar uma atividade a alguém, deve dedicar tempo a explicar do que ela se trata. “As palavras-chave em execução são ‘clareza' e ‘especificidade'” • Concentrar-se em objetivos concretos. O líder deve perguntar-se em que questões fundamentais têm de se concentrar. “As prioridades não podem mudar todos os dias.” • Impor disciplina. Para isso, é preciso estabelecer processos de atribuição de responsabilidades e acompanhamento. Cada reunião da equipe de trabalho deve concluir com um “fechamento”, isto é, um resumo que especifique o que deve ser feito, por quem e quando. “Assim serão delimitadas as responsabilidades, algo central para a execução. Também é essencial que não fiquem dúvidas sobre como será o acompanhamento da tarefa, pois ele gera disciplina.” Um líder hábil poderá determinar se a empresa dispõe de pessoas adequadas para executar o plano e, caso contrário, pensar em como remediar a situação. Hrebiniak opina: “É fundamental que somente permaneçam no ônibus os indivíduos adequados e que os demais desçam imediatamente. Porém, em primeiro lugar, há que se saber exatamente aonde vai o ônibus”. Como disse Charan: “Não se pode esquecer que execução é sinônimo de ganhar. Ganhar vantagem competitiva e dinheiro”. A entrevista foi concedida a Adriana Salles Gomes, editora-executiva de HSM MANAGEMENT. O SEGREDO SÃO AS PESSOAS ANTES DA DISCIPLINA, DA LIDERANÇA E DOS PROCESSOS, HÁ ALGO MAIS URGENTE PARA IMPLEMENTAR UMA ESTRATÉGIA: SÃO AS PESSOAS, TANTO AS DE DENTRO DA EMPRESA COMO AS DE FORA. QUEM AFIRMA ISSO É O CONSAGRADO ESPECIALISTA EM GESTÃO TOM PETERS, EM ENTREVISTA EXCLUSIVA. Pode-se dizer que um dos primeiros registros de execução benfeita de uma estratégia de que se tem noticia na história da humanidade aparece no livro As mil e uma noites. Nele, a bela Sherazade consegue evitar - e, por fim, reverter - a própria pena de morte e a das mulheres de seu reino em geral, contando uma história atrás da outra para o rei, criando suspense em relação ao final de cada uma e passando lições subliminares. Para fazer isso, tem liderança, disciplina, cultura organizacional e processo, mas também algo mais - na verdade, algo antes: pessoas suficientemente capacitadas para executar e comprometidas com isso. No caso, ela mesma - alguém de dentro da organização Sherazade, para manter a analogia - e sua irmã, Duniazade, encarregada de pedir as histórias, ouvi-las como destinatária principal e aplaudi-las - o equivalente a uma pessoa de fora das fronteiras corporativas. Em entrevista exclusiva a Adriana Salles Gomes, editora-executiva de HSM Management, um dos maiores especialistas da gestão mundial, Tom Peters garante que 98% do sucesso de um negócio tem a ver com execução e 99% disso depende de pessoas e explica por quê. Em seu mais recente livro, The little big things, o Sr. coloca a execução como a segunda prioridade da agenda executiva. Por quê? Qual a primeira? A prioridade número um são as pessoas.Minha mensagem nos últimos 30 anos tem sido: pessoas, pessoas e pessoas. Em primeiro, em segundo e em terceiro lugar. Uma boa estratégia é uma boa idéia, mas, sem mão de obra fabulosa para executá-la, é quase uma piada. Costumo dizer que 98% do sucesso de um negócio têm a ver com execução, e 99% da execução têm a ver com pessoas. Costuma-se pensar em mão de obra fabulosa apenas para empresas inovadoras e sofisticadas, como as high-tech. Em empresas mais simples, a diferença também são as pessoas? O que aprendi é que mão de obra fabulosa não importa apenas para empresas inovadoras, como as de alta tecnologia; o talento é sempre o gerador de lucro por definição. Tive o grande prazer, em um evento em São Paulo, de conhecer a empresária Luiza Helena, por exemplo. O que o Magazine Luiza mostra, e se encontra isso também nos Estados Unidos, é que mão de obra fabulosa faz toda a diferença tanto no setor do varejo que atende o extrato mais baixo do mercado como em um negócio "supersexy" de alta tecnologia, como o Google. Nas escolas de negócios ainda ensinam que os números são a parte hard [dura e sólida] da gestão e as pessoas são a parte soft [suave e, portanto, menos impactante]. Está absolutamente errado. Se você quer ótimos números, primeiro precisa ter ótimas pessoas, o que é mais difícil e sólido. O conceito de excelência é sua marca registrada. No entanto, o Sr. não acha que os gestores o misturam com a ideia de perfeição e que, como as pessoas não são perfeitas, eles acabam separando pessoas e excelência? Sim, isso acontece - e muito. É uma inversão de valores, porque excelência tem a ver com imperfeição. Quer um exemplo? Quando vê o desempenho de um esportista ou de um músico, você reconhece a excelência imediatamente; ninguém precisa explicá-la. Um computador que executa perfeitamente uma música não contém excelência. Eu me lembro de ter visto, em um estúdio de gravação de música, um cartaz que dizia: “Não esqueça que sua melhor performance não é a mais perfeita. É a performance com mais energia, paixão e emoção”. Acho que isso é absolutamente certo. Muitos músicos pop estão a milhares de quilômetros de distância da perfeição, mas fazem você sair do show com a sensação de que sua vida mudou. Não tem nada a ver com marketing também. Tem a ver com algo humano, com detalhes de execução que são intrinsecamente humanos. Deus está nos detalhes é o que dizia [o arquiteto] Mies van der Rohe. A execução também está nos detalhes? Com certeza. Eles são as pequenas grandes coisas sobre as quais escrevi ["the little big things", o título do livro]. Voltando aos números: essa excelência que vem de pessoas envolvidas se mede? Sim, excelência é desempenho e, se há excelência, ela aparecerá em parâmetros mensuráveis, como o da qualidade e o do lucro. Entretanto, desempenho tem a ver sobretudo com envolvimento e entusiasmo. Isso é o que vai aparecer. O Sr. acha que as empresas podem parecer um tanto falsas por conta desse discurso da execução perfeita? Nas redes sociais online - ambos participamos do Twitter, por exemplo -, às vezes noto rejeição a certo artificialismo... Concordo plenamente com você. É por isso que as pessoas de uma empresa precisam aparecer. Então, excelência e execução são a mesma coisa? Eu diria que execução é a diferença entre vencer e perder e que há execuções – vitórias - que não são excelentes. O trabalho é feito e gera êxito, mas não abala estruturas. “MUITOS MÚSICOS POP ESTÃO A QUILÔMETROS DE DISTÂNCIA DA PERFEIÇÃO, MAS LHE DÃO A SENSAÇÃO DE QUE SUA VIDA MUDOU” Cheguei à conclusão, com toda minha experiência, de que são três as palavras que fazem uma empresa realmente valer à pena: “execução”, “pessoas” e “excelência”. Porque fazer é o que conta (execução), porque o começo e o fim de tudo são as pessoas e porque é preciso ter qualidade e emoção no que se faz (excelência). Se esse fosse um exercício de livre associação de palavras, acho que a primeira que me viria à mente ao falar de pessoas seria “diversidade”, bandeira sua há pelo menos 15 anos. Neste mundo da terceirização e pela inovação aberta, atribuem-se a diversidade de parceiros muitos problemas de execução. Como minimizar os problemas? Bem, como você sabe, sempre que o assunto é diversidade, começo falando das mulheres como forca de trabalho. Para ser franco, a América Latina, o Brasil incluído, está um pouco atrasada no pleno uso do talento das mulheres nos negócios, o que significa que a região joga no lixo metade do potencial da sociedade. Quando se jogam 50% dos ativos no lixo, automaticamente não se faz boa execução. Executar com diversidade também diz respeito a inovação, que vem da mistura de diferentes tipos de pessoas: jovens, idosos, de negócios pequenos e grandes, indivíduos com muita formação escolar e os que se formaram nas ruas. Você só consegue boas ideias realmente quando mistura as pessoas. Ponto final. Se você me oferecer duas equipes de trabalho, uma com os sete profissionais mais inteligentes de sua empresa e outra com os sete mais interessantes, vou escolher a segunda, porque ela vai obrigatoriamente bater a primeira. Isso já foi comprovado em vários experimentos, não é demagogia. Sou a favor das pessoas inteligentes, não me entenda mal. No entanto, o que conta mesmo, para executar bem a inovação ou qualquer projeto que seja, é a diversidade de pessoas, com sua diversidade de conhecimentos. Não estou falando de cidadania corporativa, de fazer inclusão social. Sou um homem de negócios e vejo o lado prático disso, não moral. Independentemente de fazer um Brasil melhor no que se refere à justiça social, com o que concordo, é importante ter negócios melhores, e eles o serão quando as equipes forem mais diversificadas, refletindo os diferentes segmentos de consumidores. SAIBA MAIS SOBRE TOM PETERS Já se disse de Tom Peters que, se Peter Drucker inventou a gestão moderna, ele a pintou em tecnicolor. Outros o chamam de pop star da administração e alguns até o identificam com o que seria um militante de esquerda nessa área. O fato indiscutível é que Peters é um dos benchmarks do pensamento de gestão contemporâneo. Foi dele o primeiro e até hoje o maior best-seller da área, o livro In search of excellence, que escreveu com Robert Waterman (no Brasil, traduzido como Vencendo a crise). O início desse livro, publicado em 1982, revela quem é Peters: “Não existem empresas excelentes”. Ele não tem pruridos em mudar de ideia e se contradizer, quando é o caso, porque, como diz, a realidade é cheia de contradições e paradoxos. O pensador tem experiência diversificada. Antes de ser consultor da prestigiosa McKinsey & Co., em 1974, trabalhou no Pentágono, o centro militar dos Estados Unidos, por dois anos. Fez mestrado em engenharia civil na Cornell University e MBA em Stanford. Hoje lidera o The Tom Peters Group, sediado em Palo Alto, Califórnia. Escreveu vários outros livros, entre os quais o recente The little big things - 163 ways to pursue excellence (ed. HarperCollins). Esse princípio de misturar pessoas diversas faz com que as pessoas de fora da organização também pesem para a boa execução. Não é isso? Certamente. Há quem alegue que o discurso é bonito, mas a prática não, pelos riscos e impossibilidade de gerenciar a diversidade... É uma desculpa absolutamente imoral dizer que e impossível gerenciar a diversidade. Isso me deixa doente. É o gestor que é incapaz. Sabe por quê? Pessoas são pessoas, mesmo quando são diferentes. Sei que a cultura hispânica não é igual a do Oriente Médio, mas tanto espanhóis como árabes querem estar com outras pessoas, gostam de ouvi-las. Quanto ao risco do fracasso da execução, sinceramente, ele existe sempre, com ou sem gente diferente. O risco do fracasso e algo sobre o qual o Sr. escreveu muito. Entretanto, os gestores continuam tendo pavor do erro. Só quem ainda não entendeu que avançar é cometer erros. No mundode hoje, você tem de fazer coisas novas o tempo todo, certo? Essa é a premissa. O mundo está se movendo muito rápido, por conta da tecnologia, da globalização e assim por diante. Sempre que você tenta coisas novas, comete erros. Não se iluda! Isso acontece quando está aprendendo a cozinhar, quando está treinando um esporte ou quando esta fazendo negócios! Acho chato quando as pessoas contra-argumentam com a frase “Você não pode recompensar pessoas que são descuidadas”. É claro que não. No entanto, se essas pessoas se esforçam muito, erram e aprendem alguma coisa, são heróis. Quero recompensá-las por tentar algo novo, porque é delas que deve vir a boa execução e a excelência também! Isso vale para empresas com três funcionários e com 50 mil. Que empresas aplicam isso de verdade na rotina diária - fora a Apple ou o Google? Adoro dar exemplos do varejo, porque é o setor geralmente tido como o menos avançado em gestão. Temos um punhado de varejistas nos Estados Unidos que merecem destaque no quesito “incentivo aos bons erros”. Algumas delas não são conhecidas aqui no Brasil, como a Container Store, que vende produtos que ajudam as pessoas a organizar as coisas em seu apartamento; outras, como a BestBuy, rede de lojas de eletrônicos, já são mundialmente famosas. O Sr. escreveu, em seu livro, sobre “eudaimonia”, que é uma sensação de bem viver como definida por Aristóteles e que é importante para a capacidade de executar das pessoas. No entanto, os gestores se dizem cada vez mais infelizes, conforme algumas pesquisas aqui no Brasil. Como reverter isso? Sua afirmação é interessante, porque, olhando de fora, sempre me pareceu que, no Brasil, os gestores tinham eudaimonia - essa esperança, vontade de fazer, propósito mais elevado -, mesmo quando a economia estava péssima. Agora que o Brasil está no topo do mundo e é o centro das atenções, eles resolvem ficar frustrados? Deveriam estar mais felizes! Eu diria para os executivos de empresas que eles devem acordar e desfrutar a vida, não para executar melhor, embora isso tenha, como efeito colateral, melhor execução - sempre que as pessoas se envolvem em atividades e serviços em favor dos outros seres humanos, isso leva a felicidade no melhor sentido da palavra, mas para viver melhor. Sou a favor de ter um fim de semana fabuloso e passar tempo com a família, mas também a favor de passar bem o tempo que em que estou trabalhando - que costuma ser 70% do tempo de qualquer um. “A MELHOR RECEITA É COMPREENDER QUE VOCÊ NÃO PODE FAZER TUDO SOZINHO; PRECISA DE ALGUÉM QUE O AJUDE. PARECE ÓBVIO, MAS NÃO É” Diversidade e eudaimonia devem ser aspectos importantes na hora de recrutar e promover pessoas? Sim. Fico muito atento a pessoas que sorriem, sabem servir, tem amigos. Por exemplo, outro dia me ocorreu que uma boa ideia e contratar jovens que, enquanto faziam faculdade, trabalhavam como garçons, por essa experiência de servir os outros. E sorrir é o segredo número um de Nelson Mandela; ninguém consegue ficar igual diante de um sorriso como o desse homem. Vai além da eudaimonia; tem a ver com habilidade social e com saber ouvir o outro com atenção. Algo que o Sr. tem também... antes das redes sociais... Isso é porque você não conheceu minha mãe. Ela fazia amigos para a vida inteira em uma subida de elevador. [risos] Isso e bom aproveitamento do tempo, inclusive. [risos] Uma pergunta indiscreta: o Sr. achou uma receita para ter tempo? A melhor receita é compreender que você não pode fazer tudo sozinho; precisa de alguém que o ajude. Parece óbvio. mas não é. É e a única resposta... Há um pequeno numero de pessoas, em qualquer país, que tem perfeita autodisciplina e não precisam de ninguém para arrumar tempo, mas eu não sou uma delas: preciso de minha esposa e de alguns bons amigos, que pegam pesado comigo se eu saio da linha e tomo a direção errada; preciso de parceiros no trabalho. Nem trabalhar nem viver são atividades solo. Dizem que os fundamentos do management estão sendo revirados de ponta-cabeça com a internet. Vemos diversos gestores em busca de um novo modelo de negócio para chamar de seu e angustiados por não encontrá-lo... Tudo muda mesmo? Sim, com certeza. Tem a ver com psicologia, não com economia. As pessoas não são lógicas, não existe o mundo racional e lógico que os economistas sempre tentaram nos vender. Ninguém está pronto para essa mudança, daí a angústia. Nem as pessoas, nem os sistemas educacionais - tudo precisa ser redefinido para esse novo mundo. A mudança acontece agora e aconteceu quando inventamos o avião ou o telefone. É preciso ter isso em mente e saber rir e aproveitar essa bagunça toda, em vez de temer. Quanto a desenhar um novo modelo de negócio, sugiro prestar bastante atenção a sua volta. Em qualquer grupo de pessoas, há algumas fazendo, como exceção, o que será regra amanhã. Ache tempo para localizá-las. Para encerrar: seu livro contém uma e-lista de 19 conceitos importantes de gestão que começam com “e”, como execução, excelência, experiência, expectativas, emoções, envolvimento, erros, empatia, exuberância, entusiasmo, eudaimonia... 0 Sr. incluiria “emergente” como um 20º “e” nessa relação, por conta dos países emergentes? Sim, incluiria! G.K. Prahalad esteve à frente do resto de nós na compreensão do poder das economias emergentes. Já há US$ 5 trilhões em comercio direto entre emergentes, sem nenhuma relação com os países de economia desenvolvida, e isso tende a crescer. Deve estar no radar de todos. Só não consigo gostar do conceito BRIC, do Goldman Sachs, porque há muitas diferenças entre esses quatro países e colocá-los “no mesmo saco” como unidade de análise pode ser perigoso... Não há uma “atitude” BRIC. A abordagem em relação a vida e aos negócios nesses países é diferente. Mas os mercados emergentes estão moldando o futuro e qualquer estratégia/execução deve levar isso em conta. A entrevista é de Viviana Alonso, colaboradora de HSM MANAGEMENT. IMPLEMENTAR INOVAÇÕES - O LADO MENOS CONHECIDO EM ENTREVISTA EXCLUSIVA, O ESPECIALISTA CHRIS TRIMBLE APRESENTA UMA DAS EXECUÇÕES MAIS ESTRATÉGICAS DE UMA EMPRESA NOS DIAS ATUAIS: A EXECUÇÃO EM INOVAÇÃO. SEGUNDO ELE, UMA DAS CHAVES DO SUCESSO DE UM NOVO PRODUTO, SERVIÇO OU MODELO DE NEGÓCIO É A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS QUE, INEVITAVELMENTE, SURGEM ENTREAS PESSOAS RESPONSÁVEIS PELA OPERAÇÃO DO DIA A DIA E PELA INOVAÇÃO - E QUE EMPERRAM A IMPLEMENTAÇÃO DESTA. É comum pensarmos em conceitos inéditos, novos produtos ou slogans revolucionários, mas não é nada usual associarmos inovação a execução. Isso explica por que tantas boas ideias permanecem no papel e não conseguem vingar na prática, argumenta o especialista Chris Trimble. Segundo ele, a execução é peça fundamental da inovação. “Thomas Edison fez a mesma observação há mais de um século: o gênio é composto de 1% de inspiração e 99% de transpiração. O processo típico de inovação foca gerar ideias, aperfeiçoá-las, escolher as melhores e, por fim, implementá-las”, assinala. “Como resultado, as empresas tem mais idéias do que capacidade de implementá-las, e muitas nunca chegam a se concretizar.” Seu ultimo livro, The other side of innovation: solving the execution challenge (ed. Harvard Business Review Press), baseia-se em estudos sobre as melhores práticas de execução de inovação, tarefa que exigiu dez anos de Trimble e de seu colega Vijay Govindarajan, consultor de inovação da General Electric. Nesta entrevista exclusiva a HSM Management, Trimble explica as principais conclusões dessa ampla análise, como os papéis da liderança e dos funcionários, que ele chama de “motor de desempenho”, e descreve um método para resolver os conflitos que surgem quando se tenta concretizar as propostas que rompem com o modelo estabelecido. Por que o Sr. dedicou, com Vijay Govindarajan, dez anos de sua vida ao estudo da execução das inovações? Qual é o problema central? As empresas não foram criadaspara a inovação, mas para a eficiência. Quando nascem, tudo é inovação, mas, quando alcançam seu primeiro sucesso comercial, surge a exigência de maximizar a rentabilidade. E essa demanda aumenta, conforme a organização cresce e amadurece. É uma evolução natural e inexorável: no início, os investidores querem inovação e crescimento; mais tarde, buscam lucros e, para satisfazer os sócios, as empresas se concentram em produtividade e eficiência. A pressão por resultados é a força que impulsiona as companhias maduras, que se transformam em “motores de desempenho”. Premidas pela busca de lucros, desvalorizam qualquer projeto que não traga contribuição imediata. A maior força a favor do desempenho é a repetição e a previsibilidade das tarefas, mas essa também é sua maior limitação. As inovações são, por definição, incertas e extraordinárias; saem da rotina. Isso gera conflitos entre os funcionários que se ocupam das operações - que eu chamo de motor de desempenho - e os que levam adiante as inovações. Quais são as principais causas do conflito? Há razões práticas e emocionais. As práticas são relacionadas a concorrência por recursos, tanto dinheiro quanto de acesso a ativos fundamentais, como uma fábrica ou o uso de uma marca. As pessoas que administram a operação do dia a dia costumam inquietar-se com a possibilidade de as inovações trazerem danos a marca ou ao negócio central. Mas também há conflitos emocionais. Amiúde, as que estão envolvidas em novos projetos pensam que representam o futuro e são arrogantes, o que irrita as demais. Às vezes, o oposto ocorre: os responsáveis pela inovação se sentem marginalizados e desvalorizados pelos outros. Qualquer que seja a origem dos desentendimentos, é fundamental superá-los. A solução é forjar uma associação entre as pessoas dedicadas exclusivamente a inovação e as que se ocupam do dia a dia da empresa. Como se consegue tal associação? Há três passos básicos. Primeiro, é preciso determinar as respectivas responsabilidades daqueles que são o motor de desempenho e da equipe que se encarregara da inovação. Segundo, deve-se constituir a equipe de inovação. Terceiro, o líder da inovação deve fomentar a colaboração entre todas as áreas da empresa. SAIBA MAIS SOBRE CHRIS TRIMBLE Especialista na execução das inovações. Chris Trimble mescla pesquisa acadêmica e experiência. É docente, palestrante e assessor de grandes empresas. Leciona na Tuck School of Business, de Darmouth College, dos Estados Unidos, e costuma dar conferencias na Carnegie-Mellon University e na University of Dayton; no México, no Tecnológico de Monterrey, e, na Dinamarca, na Danmarks Tekniske Universitet. Escreveu, corn Vijay Govindarajan, The other side of innovation: solving the execution challenge (ed. Harvard Business Review Press) e Os 70 mandamentos da inovação estratégica (ed. Campus/Elsevier). Presta serviços a General Electric, IBM, Microsoft, Fidelity, Sears, Dow Chemical, Reuters, Mars, Guidant, Gaylord Enterntainment, Computer Sciences Corporation, entre outras, e é consultor sênior da Booz & Company. Como se estabelecem as responsabilidades? O primeiro impulso é agregar tarefas as pessoas que estão no dia a dia, mas há duas limitações a isso. Uma é óbvia: algumas inovações exigem capacidades que a maioria das pessoas não possui. A outra tem a ver com as relações de trabalho e a dificuldade para mudar a maneira com que as pessoas costumam interagir. É difícil conseguir que duas pessoas que costumeiramente não mantenham contato comecem a colaborar de maneira estreita em um novo projeto enquanto uma delas continuar responsável pelo dia a dia. Se não estão acostumadas a trabalhar juntas e suas tarefas diárias não Ihes exigem comunicar-se, é quase impossível que estabeleçam vínculo. Quando a BMW desenvolveu seu carro hibrido, por exemplo, teve de formar um grupo dedicado a criação do freio regenerativo. Esse freio capta parte da energia produzida pelo movimento e um gerador elétrico no freio recarrega as baterias do automóvel quando se diminui a velocidade. A rotina de trabalho não exigia dos especialistas em baterias que tivessem contato com os especialistas em freios e não havia comunicação entre eles. Para incentivar a colaboração entre as partes, a BMW criou um grupo dedicado exclusivamente ao desenvolvimento do freio regenerativo. Em troca, outras tarefas relacionadas ao lançamento do automóvel híbrido, como design, engenharia, vendas, marketing e distribuição, foram delegadas ao motor de desempenho. Como são selecionados os membros de uma equipe de inovação? Buscam-se novas habilidades fora da empresa ou talentos internos? Algumas qualidades das pessoas, como criatividade, capacidade de perceber soluções incomuns e o fato de se sentirem confortáveis diante da ambiguidade e da mudança, as tornam mais indicadas para a inovação. Porém, muitas vezes, são exigidas capacidades que não estão disponíveis internamente. Por exemplo, quando alguns fabricantes de automóveis tentaram implementar sistemas de entretenimento, telecomunicações e emergência nos veículos, necessitaram de conhecimentos alheios a indústria automobilística e tiveram de buscá-los em outros setores para conseguir o que desejavam. As empresas tendem a buscar dentro de seus quadros os integrantes das equipes de inovação. No entanto, as que agem como se estivessem criando uma empresa e decidem procurar fora os especialistas indicados obtém resultados melhores. Qual é a combinação adequada? Em geral, a equipe de inovação precisa incorporar gente de fora, que traga conhecimentos, percepções e hipóteses novos, e gente de dentro, que conheça a organização, seus ativos e capacidades. Se a equipe de inovadores é composta somente por pessoas externas, ficará isolada e perdida, não saberá como se movimentar. Qual é a chave para a criação de uma equipe inovadora e eficaz? Romper as relações de trabalho existentes e estabelecer novas. A inclusão de pessoas de fora, ainda que se trate de apenas uma em três, ajuda. Como as recém-chegadas não têm relação com os funcionários antigos, novos vínculos se estabelecem necessariamente. Além disso, elas questionam as hipóteses implícitas com base em sua experiência em outras empresas. Como aqueles que fazem parte do motor de desempenho vêem a criação de grupos dedicados a inovação? Os funcionários de todos os níveis devem entender e aceitar que uma equipe dedicada plenamente à inovação tem outro estilo de trabalho. Além disso, ainda que Ihes pareça estranho, terão de encontrar uma maneira de se associar. Por outro lado, é fundamental que os altos executivos tenham em mente que o motor de desempenho estará sobrecarregado, pois, além de realizar suas operações rotineiras, terá de apoiar a iniciativa de inovação. É difícil incrementar o trabalho mantendo a mesma quantidade de recursos. Às vezes, basta dar incentivos adicionais ao pessoal; outras, é necessário contratar mais funcionários. Com frequência, os executivos não percebem tal necessidade e pensam que as pessoas colaborarão em seu tempo livre. Muitas vezes, constato que as empresas querem inovar com pouco dinheiro, mas, se realmente querem dar a iniciativa uma oportunidade de sucesso real, devem investir recursos. Em que momento começa a colaboração entre ambos os grupos? A equipe de inovação não pode trabalhar separadamente nas primeiras etapas de pesquisa e desenvolvimento? Quando as ideias ainda estão no papel, às vezes faz sentido que as pessoas da equipe de inovação trabalhem isoladas, mas, em algum momento, devem começar a interagir com as demais, por exemplo, antes de lançar o novo produto. Toda inovação deve calcar- se no que a empresa tem, desde os vendedores até a marca ou o conhecimento. Não fosse assim, seria preciso perguntar para que se investe nessa inovação. Darei um exemplo. Vimos estudando o setor editorial, sobretudo o The New York Times e o The Wall Street JournalImagine que um deles decida começar um negócio online, sem se valer de suas marcas e de seus jornalistas. Não teria sentido ignorar marcas tão reconhecidas e uma equipe de jornalistas talentosos, teria? É raro investir em uma inovação que não esteja relacionada a algo que a empresa faça. Como superar os conflitos que o Sr. mencionou no princípio, tanto os de origem prática como os emocionais? O primeiro passo é que os altos executivos deixem claro o seguinte: o sucesso de longo prazo só e possível se há bom desempenho nas operações cotidianas e, ao mesmo tempo, se se produzem inovações. É preciso conseguir que as duas partes sintam que estão do mesmo lado e que é fundamental o sucesso de ambas para que a empresa perdure. O passo seguinte é que os altos gestores se envolvam nos conflitos que surjam. Às vezes, são problemas que ocorrem em níveis muito baixos da organização. Ainda assim, só podem ser resolvidos pela cúpula. O Sr. poderia nos dar um exemplo? Sim. Há o conflito que surge como consequência de mudar os incentivos a equipe de vendas, para que se esforce em vender novos produtos. Os vendedores, contudo, podem preferir continuar ocupando-se dos itens tradicionais. Que estratégias são eficazes para superar conflitos? Além dos incentivos adicionais, há algumas questões práticas. É preciso ser cuidadoso ao medir o desempenho da operação diária e a maneira como uma iniciativa de inovação impacta essa mesma operação. Por exemplo, quando se lança um novo produto que tem grande potencial de vendas, seria bom cobrir antecipadamente certo número de postos de trabalho no atendimento ao cliente, de modo a adiantar-se a demanda de serviço que será gerada com o lançamento. Mas o que acontece se superestimarmos essa demanda? Isso pode levar a queda do desempenho percebido do atendimento ao cliente, medido por indicadores tradicionais (“clientes atendidos por funcionário”), porém não como um sinal de fraqueza própria, e sim por influência da iniciativa de inovação. Outra questão está relacionada aos recursos. Se será pedido ao motor de desempenho que faça duas coisas de uma só vez, devem ser proporcionados os recursos. Às vezes, a sobrecarga do motor de desempenho, a exigência de cumprir muitas atividades corn recursos limitados, é a causa primária do conflito. Como se avalia a equipe de inovação? É difícil, porque as iniciativas de inovação são incertas. Não se pode avaliar o líder de inovação estritamente com base em resultados. É importante que o líder saiba que o que será avaliado e a execução de uma experimentação disciplinada. Se for bem executada, aprende-se mais rapidamente, fazem- se melhores provisões, tomam-se melhores decisões e conseguem-se resultados em menos tempo. A boa experimentação conduz a aprendizagem e a aprendizagem, a resultados. O Sr. poderia dar um exemplo de experimentação disciplinada? O ideal é realizar experiências que não sejam muito onerosas e que eliminem a incerteza mais crítica. Faz alguns anos, a IBM se propôs criar o computador mais rápido do mundo e, para isso, seguiu um caminho diferente do habitual nesse momento. Em vez de produzir uma máquina com um chip ultrarrápido, decidiu desenvolvê-la com milhares de chips que funcionavam em rede. Uma maneira de evoluir teria sido criar uma máquina e testá-la, mas a IBM optou por um modo mais lógico e gradual de testar sua ideia, sem gastar muito dinheiro. Primeiro, desenvolveu uma máquina com dois chips, depois com oito, 16, e assim sucessivamente. Cada vez aprendia mais sobre as limitações desse enfoque, sem gastar uma enormidade de dinheiro. As hipóteses sobre o mercado podem ser comprovadas da mesma maneira. Os fracassos são parte da inovação. Como são gerenciados? São uma parte desafortunada do processo de inovação. Se fracassar, é melhor que seja logo, antes que tenha gastado dinheiro demais. A experimentação disciplinada facilita as coisas: se há um fracasso, será rápido e não muito oneroso. Como avaliar se a execução da estratégia de inovação esta funcionando? Deve haver um líder com dedicação completa a inovação e com a responsabilidade de julgar se a iniciativa percorre o caminho correto ou se deve mudar de rumo. Mas há um problema aí: o líder costuma estar muito envolvido emocionalmente no projeto e, às vezes, precisa de alguém que o ajude a emitir julgamento objetivo. Para contornar isso, convém que o líder em questão trabalhe em conjunto com alguém que possua experiência previa em inovação, tenha sólidos antecedentes em relatórios financeiros, conheça a dificuldade de conduzir experiências novas e assegure, como sócio do líder que é, que a interpretação do líder seja correta. Então, um papel importante cabe ao que o Sr. denomina “sócio do líder”... Isso mesmo. Quem é o mediador dos conflitos que naturalmente surgem entre o líder da inovação e o motor de desempenho? O CEO é a resposta rápida e pode ser a adequada, ainda que isso dependa do tamanho da empresa. Em uma organização de US$ 5 bilhões, o CEO não se envolve em todas as iniciativas de inovação, mas algum executivo sênior deve ser o responsável por mediar esses conflitos, preferencialmente o mesmo que avalia os líderes da inovação e do desempenho e decide se o trabalho realizado foi bom ou ruim. Que empresas implantaram as ideias que o Sr. sugere? Muitas. Uma delas é a Infosys, a fornecedora indiana de serviços de TI. É uma lenda em seu país e muito conhecida em outros lugares. Seu negócio central e o desenvolvimento de softwares sob medida para as corporações. Faz alguns anos, decidiu criar uma firma de consultoria que não desenvolveria softwares, mas prestaria serviços de assessoria em estrutura de TI. O modelo de negócio de uma firma de consultoria é muito diversa do de um desenvolvedor de programas. Tem estrutura diferente, outro perfil de funcionários e contatos em vários níveis nas empresas clientes. Era absolutamente necessário que os consultores trabalhassem com o motor de desempenho, que seria encarregado de implementar as estratégias criadas pela atividade de consultoria. Ela teve sucesso porque, desde o começo, a alta gerência fomentou relações e a colaboração entre os consultores e os responsáveis pela operação do negócio central. W. Steve Smith é presidente da Quest Worldwide, empresa de pesquisa sediada em Godaiming, Reino Unido. O artigo contou com a colaboração de Patrick Cescau, CEO da Unilever desde 2006. UNILEVER EXECUTA A ESTRATÉGIA FORMULADA EM 2000 NÃO PRODUZIU OS RESULTADOS ESPERADOS. ENTÃO, EM 2005, FOI LANCADO UM PLANO DE EXECUÇÃO RADICAL, COMO CONTA OPESQUISADOR W. STEVE SMITH, QUE TEVE ACESSO DIRETO AO PRESIDENTE DA CORPORAÇÃO, PATRICK CESCAU. Na virada do milênio, os concorrentes mundiais levaram a Unilever a reforçar o foco em sua competência central: produzir e comercializar bens de consumo em grandes volumes. Foi lançada, então, uma estratégia de cinco anos, chamada “Caminho para o Crescimento”, com o objetivo de crescer acelerando a transformação de um grupo baseado em empresas locais em um grupo com forcas competitivas regionais e reduzindo o número de marcas do portfólio de 1.900 para 400. Apesar de ter atingido a maioria de suas metas intermediarias, essa estratégia não a fez alcançar, no entanto, o objetivo principal. Em 2004, o crescimento da Unilever estava estagnado e, em 2005, a empresa anunciava um alerta sobre lucratividade, já que a queda em participantes no mercado já se traduzia em resultados financeiros. Concorrentes mundiais, regionais e locais, que se especializaram em diferentes categorias, tinham abalado as vantagens da Unilever como gigante multinacional. Seus gestores trataram, então, de analisar com frieza a forma como a estratégia “Caminho para o Crescimento” e o negócio como um todo eram administrados e passaram a buscar uma abordagem nova. A estratégia lançada em 2000 havia servido para quebrar um dogma da Unilever: pela primeira vez,um único presidente foi indicado, o frances Patrick Cescau. Até então, desde a fusão de 1950, sempre houve um equilíbrio anglo-holandês na gestão, com a copresidência no topo e britânicos e holandeses influenciando os conselhos de administração locais. Mas ela mostrou que reduzir o portfólio e aumentar a eficiência operacional não bastavam; algo mais fundamental se fazia necessário. E, nessa análise, os gestores ainda detectaram um problema de execução. “Caminho para o Crescimento” havia sido a estratégia certa para aquele momento, mas não fora executada bem o suficiente. O CONTEXTO Em 2005, foram estabelecidos, portanto, três objetivos essenciais: • uma nova mentalidade para desafiar a ampla população da Unilever e, ao mesmo tempo, promover sua união; • obter uma estrutura organizacional ajustada a uma nova estratégia melhor; e • um robusto processo de execução estratégica para garantir que a estratégia fosse implantada e sustentada de forma bem-sucedida. SAIBA MAIS SOBRE A UNILEVER Companhia de atuação mundial, a Unilever teve faturamento de aproximadamente US$ 52 bilhões em 2009, divididos de forma praticamente equânime entre as Américas, a Europa e Ásia/África. Atende 160 milhões de consumidores por dia com ampla gama de produtos para casa, cuidados pessoais e alimentação. A extensão da atuação da Unilever no mercado consumidor é única, com 14 diferentes categorias e 400 marcas, inclusive algumas famosas e líderes em seu setor, como Lipton, Knorr, Dove, Omo e Lux. Os 179 mil funcionários da empresa estão espalhados por cem países. Os 5 mil que trabalham na unidade da Indonésia, por exemplo, geram cerca de 300 mil empregos indiretos, na distribuição e no varejo, contribuindo de forma significativa para a economia local. Nascida em 1930 a partir da fusão de duas empresas européias pioneiras - Lever Brothers e Van den Berghs -, a Unilever se expandiu rapidamente pelo mundo. Durante a expansão global, adotou um estilo descentralizado, com o poder concentrado em cada país. Mas, embora as equipes locais pudessem criar suas marcas e desenvolver as próprias campanhas de marketing, isso não as tornou “donas do negócio”. Mentalidade = vitalidade Uma nova mentalidade, numa empresa vista por muitos como próxima a uma burocracia estatal, precisava surgir. Para atender a tendência de consumo de alimentação e estilo de vida saudáveis no mundo desenvolvido, os bens de consume foram radicalmente modificados com o objetivo de reduzir-lhes o colesterol, o sal e a gordura. Soluções inovadoras eram necessárias para enfrentar a demanda por artigos saudáveis e de preço acessível. Para atender a tais necessidades, e de maneira sustentável, a Unilever criou um novo conceito: “vitalidade”. Surgiu inicialmente como promessa de marca de produtos saudáveis para o consumidor, mas, depois, evoluiu como desafio para a forma como a Unilever trabalhava: vitalidade no negócio e vitalidade nas pessoas que trabalham na empresa. A vitalidade se tornou a nova missão da Unilever, impondo a nova mentalidade necessária ao negócio. Estrutura: uma única Unilever O segundo ponto fraco da Unilever era sua organização. Apesar da regionalização, ela ainda era fragmentada. A estrutura era construída em torno de duas divisões: alimentos e higiene & limpeza. Isso havia reunido com sucesso equipes até então separadas, como as de sorvetes, margarinas e molhos, na divisão de alimentação, e detergentes e sabonetes, na de higiene e limpeza. Por outro lado, criou dois campos distintos em todos os países, como dois serviços de suporte e serviços sobrepostos e às vezes conflitantes de atendimento a grandes varejistas. Um passo importante foi tornado para reverter essa separação e criar “uma única Unilever” em cada região e em cada país. O enquadramento operacional detalhado foi elaborado para definir papéis, responsabilidades e dependências. Execução, o “xis” da questão A terceira e grande fragilidade estava no processo de execução. A Unilever emprega pessoas brilhantes, confiantes e articuladas de muitas nacionalidades. Assim, todo mundo tem um ponto de vista e consegue expressá-lo muito. Isso, aliado a uma estrutura complexa, levou o que foi muitas vezes caracterizado como um estilo de gestão intelectual demais e com ação de menos. Era necessário um robusto processo de execução para eliminar esse estilo e mudar a tendência para a ação disciplinada. Por uma década, muitos líderes em diferentes partes do negócio experimentaram formas de lidar com esse problema. Gradualmente, eles deram corpo a uma metodologia que se espalhou pelo grupo a medida que sua eficácia ficou evidente. Na verdade, tratava-se de um conjunto de metodologias que ficou conhecido como “Estratégia em Ação”. O PLANO PRÓ-EXECUÇÃO: “ESTRATÉGIA EM AÇÃO” “Estratégia em Ação” se tornou o novo processo de execução estratégica da Unilever e foi desenvolvido para ser aplicado em toda a empresa (veja esquema nesta página). Embora tenha consumido meses de trabalho, todo o conteúdo estratégico foi apresentado em uma única página. Os líderes seniores trabalharam em duplas para expressar os objetivos estratégicos de forma sucinta, com determinação, que não deixasse margem para dúvidas, e relacioná-los com métricas precisas. O plano estratégico, escrito em uma página, tornou-se documento-chave para descrever, comunicar e analisar a nova estratégia. Muita interação foi necessária para aperfeiçoar as escolhas estratégicas de modo coletivo. Crandes eventos foram pensados para reunir as equipes de forma que elas pudessem esmiuçar opções estratégicas adicionais e vislumbrar ações estratégicas interdependentes. Tais atividades se mostrariam uma experiência empolgante o nível de participação foi alto. A preocupação inicial de que os executivos em diversas áreas da empresa reagiriam contra os objetivos estratégicos preestabelecidos se revelou infundada. Esses gestores apreciaram o fato de a empresa ter feito escolhas estratégicas claras e das quais eles participaram, agora cabia a eles levar esses objetivos adiante e convertê-los em execução. Antes, eles sentiam que tinham de avaliar opções demais, tarefas demais e estilos variados demais de se reportar a matriz. Para chegar a 20 mil gestores em centenas de unidades de negócio de forma coordenada, um livreto foi produzido e distribuído a todos eles, explicando a prática da “Estratégia em Ação”. Para dar apoio aos executivos da linha de frente, líderes da iniciativa foram selecionados em todas as unidades de negócio ao redor do mundo e treinados como facilitadores para dar suporte a workshops e eventos usados para implantar tanto o conteúdo estratégico como o processo da "Estratégia em Ação". As áreas de finanças e recursos humanos foram responsabilizadas conjuntamente pela gestão e integridade desse processo, embora a “propriedade” tanto do conteúdo estratégico como de sua aplicação local tenha permanecido sempre com os executivos da linha de frente. Em cinco meses, todas as unidades de negócios haviam criado seu plano estratégico no mesmo formato e com objetivos alinhados com a direção corporativa para todas as regiões, categorias e funções, inclusive as unidades localizadas em outros países. O CICLO COMPLETO: DA CRIAÇÃO DA ESTRATÉGIA A AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO A abordagem “Estratégia em Ação” da Unilever se baseou no princípio japonês hoshin kanri, modificado para ser aplicado em qualquer cultura e combinado com outras técnicas. Sua essência era a implementação em cascata do plano estratégico, de modo a manter integral a ambição estratégica da empresa e, ao mesmo tempo, envolver as equipes de liderança de todos os níveis. Cada equipe de liderança recebeu o desafio de criar e expressar suas contribuições para o plano estratégico dentro de uma estrutura comum e em alinhamento colaborativo com outras equipes. A escala e a complexidade da organização Unilever determinavamque as “regras” e as linhas mestras tinham de ser estabelecidas, ou seja, era preciso haver apenas uma missão e um conjunto de padrões de liderança ao longo de toda a organização e cada equipe tinha de trabalhar com o que isso significava para o dia a dia da gestão. Não fazia sentido mudar ou tentar aperfeiçoar os objetivos estratégicos. Cada equipe tinha o desafio de criar as próprias ações estratégicas para contribuir para esses objetivos, de acordo com opções que pudessem ser eficazes competitivamente. Entrega e avaliação Os planos estratégicos rapidamente se tornaram os meios pelos quais se dava a comunicação de negócios dentro e ao longo de toda a Unilever, formal e informalmente. Cada equipe de liderança agora tinha de entregar o primeiro ano de seu plano. As planilhas haviam sido elaboradas de forma a focar a atenção nos detalhes de execução: ações específicas, líder responsável, metas intermediárias e atividades a serem geridas. Quando necessário, os projetos eram fixados dessa mesma forma disciplinada. O progresso era relatado mensalmente e indicado por cores (vermelho, amarelo e verde). As métricas foram completamente revisadas para se encaixar na metodologia da “Estratégia em Ação”. Apenas 20 indicadores-chave de desempenho corporativo eram monitorados e relatados; antes, as unidades acompanhavam ampla gama de diferentes parâmetros e uma divisão chegou a dispor 192 métricas no balanced scorecard. No final do ano, revisões completas tanto dos resultados como do processo foram realizadas e o processo de entrega do ano seguinte começou. De acordo com a disciplina vigente, esse processo havia sido plenamente planejado e estava alinhado de forma adequada para uma execução focada. Dois ciclos anuais haviam se seguido a introdução da nova estratégia e seu processo de execução, em 2006, e um próximo ciclo, o de 2009, começava. Cada ano registrara um refinamento do conteúdo e do processo estratégico. Uma consequência importante foi a integração gradual de processos-chave do negócio no processo de execução estratégica. Isso incluiu todo o planejamento financeiro, orçamentário e de fixação de metas - o que anteriormente envolvia muitos anos-homem de preparação e negociação -, avaliação de risco e gestão de desempenho. Todos os executivos agora tinham ganhos substanciais de remuneração ao alcançar seus planos estratégicos. Outra consequência fundamental foi o aprofundamento do processo para chegar aos 180 mil funcionários. Agora, todos tinham uma compreensão detalhada da ambição estratégica da Unilever e planos de trabalho individual construídos em torno de sua contribuição para essa ambição. Mudança comportamental As mudanças estruturais conseguiram o que a maioria das grandes empresas tem esperado alcançar nos tempos atuais: uma organização simplificada e mais rápida no processo de tomada de decisão. Ainda assim, as mudanças cruciais iam além desses passos importantes. A experiência com as percepções dos consumidores de todos os mercados e todas as categorias foi reunida sob a mesma equipe de management mundial, responsável por tudo o que tem impacto sobre o consumidor: excelência em mixes de marcas, pesquisa e desenvolvimento, inovação, publicidade, alocação de recursos e desenvolvimento do marketing de classe mundial. Esse é um modelo de negócio deliberadamente global. Paradoxalmente, equipes de marketing regionais lidam com as necessidades de varejistas, mercado por mercado. Isso significa que os líderes nos países, uma vez observadas as capacidades de marketing e gestão, devem agora ser “diretores de cliente” em seus mercados, concentrando 80% de seu tempo nos canais de varejo, seus consumidores, em oposição aos 80% do tempo que era dedicado ao usuário final. O estilo de liderança também evoluiu. Executivos fizeram uma autocrítica sobre a tendência de intelectualizar demais, de preferir o debate a ação e de valorizar a sofisticação do marketing em vez da intimidade com o cliente. A forma como a nova estratégia foi implementada mostrou a preferência por uma abordagem “mão na massa”. Isso foi prontamente adotado por toda a empresa, com uma redução na preparação detalhada de reuniões e relatórios analíticos de apoio. O plano estratégico é usado como documento-chave na maioria das reuniões e isso reduziu significativamente as necessidades de informação, permitindo consensos mais rápidos e estimulando a ação imediata. Um resultado positivo, e surpreendente, foi o aumento da colaboração, notado durante o primeiro cicio de implementação da estratégia é mais evidente em cada ano subsequênte. Os processos de previsão e orçamento costumavam envolver uma sequência de negociações elaborada, que consumia muito tempo, para produzir um plano anual de consenso. Agora, as equipes de liderança estão familiarizadas com os objetivos estratégicos e com as ações estratégicas relacionadas e a necessidade de negociação desapareceu. O próprio plano anual se tornou redundante. UM RESULTADO SURPREENDENTE FOI O AUMENTO DA COLABORAÇÃO, SEGUNDO A EMPRESA. E AS ÁREAS TEM MAIS CLAROS SEUS PAPÉIS. As áreas tem muito mais claros seus papéis, sua contribuição e a forma como interagem com regiões e em categorias de produtos. Elas são pensadas como áreas de capacidades. Isso levou a mudanças substanciais em suas responsabilidades e práticas. Pesquisa e desenvolvimento, parte importante da diferenciação da Unilever, chegou a ser caracterizada como laboratórios isolados em que os cientistas trabalhavam de forma solitária, sem ligação com o negócio. Agora, toda a pesquisa é dedicada a uma categoria em particular, com centros de inovação estabelecidos em locações centrais de consumo para permitir que novas ideias fluam rapidamente para o mercado. A mudança estrutural que levou a “uma única Unilever” desafiou as áreas de recursos humanos, finanças e TI a consolidar o expertise em cada localidade. Um desafio adicional foi separar os serviços de suporte estratégico ao negócio dos transacionais, e muitos deles acabaram sendo terceirizados. Centenas de cadeias de fornecimento independentes foram trazidas para baixo de uma mesma gestão, permitindo benefícios substanciais de compra regionais e globais, alem de transferência de expertise. Como símbolo visível do rompimento com o passado, a equipe executiva da Unilever, tradicionalmente dominada por anglo-holandeses, agora inclui três profissionais dos Estados Unidos, dois da Índia, dois da França e um do Zimbábue. CONQUISTAS ESTRATÉGICAS Durante o período de três anos, mudanças estratégicas substanciais foram realizadas e ganhos significativos para o negócio foram obtidos: • O foco em grandes marcas mundiais, por exemplo, fez com que 75% do faturamento passasse a vir de 12 marcas, avaliadas em mais de US$ 1,5 bilhão. (A renomada capacidade de marketing da Unilever não se perdeu na nova cultura: foram 18 prêmios no festival de publicidade de Cannes em 2008.) • A ênfase em mercados em desenvolvimento e emergentes fez com que 44% do faturamento passasse a ser originado nessas regiões, com muitas inovações para impulsionar o crescimento futuro. • A taxa de inovação passou a se situar em 50%, garantindo novos produtos em todos os mercados. • A produtividade foi transformada. Obteve-se 1 bilhão de euros em redução de custos e o faturamento por funcionário cresceu 10%. A produtividade do management melhorou particularmente, com redução de 40% na quantidade de executivos em níveis médio e sênior. • As margens operacionais passaram de 8,6% para 16%. • Acima de tudo, a estagnação no crescimento das vendas foi revertida, com 15 trimestres de aumento continuo nas vendas a partir da implementação da nova estratégia. A execução da estratégia de vitalidade já gerou um significativo salto de desempenho para a gigantesca empresa e a perspectiva e de que seja, sim, sustentável ao longo do tempo. Vale acompanhar. © Journal of Business Strategy.Reproduzido com autorizaição. Todos os direitos reservados.
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