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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA GUARULHOS – SP SUMÁRIO 1 A HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA: UMA BREVE REFERÊNCIA .................................................................................................................. 2 1.1 A História, a Educação Física e suas múltiplas possibilidades........................ 6 2 PANORAMA HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES .......................................................................................................... 12 2.1 A Educação Física no Brasil .......................................................................... 12 3 A HISTÓRIA DAS MANIFESTAÇÕES FÍSICO-ESPORTIVAS: DOS JOGOS DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA AO ESPORTE MODERNO .......................................... 20 3.1 A história dos jogos da antiguidade clássica ................................................. 20 3.2 A história dos esportes modernos ................................................................. 26 4 O ESPORTE NO BRASIl ............................................................................... 34 5 A EDUCAÇÃO DO CORPO E A ESCOLARIZAÇÃO DAS PRÁTICAS CORPORAIS .................................................................................................................. 39 5.1 O Corpo na Escola ........................................................................................ 41 5.2 O Corpo no processo de escolarização ......................................................... 44 6 BIBLIOGRAFIA BÁSICA .................................................................................. 2 50 1 A HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA: UMA BREVE REFERÊNCIA No Brasil o conhecimento histórico compõe a grade curricular dos cursos de graduação em Educação Física desde os anos trinta do século XX, quando surgiram as primeiras iniciativas destinadas à formação de profissionais para atuarem nesse campo de trabalho, dominado até então, por médicos e militares. Desde esse período, diferentes matrizes epistemológicas e teóricas têm orientado não apenas as pesquisas históricas realizadas por autores brasileiros como também o trato com o conhecimento no interior das instituições escolares e universitárias. De uma maneira bastante geral, é possível afirmar que de seus primórdios até aproximadamente os anos de 1980 as disciplinas relacionadas à História seja da Educação Física, seja do Esporte, estavam muito mais direcionadas para o estudo da memória esportiva nacional e internacional do que propriamente fundamentada em pesquisas historiográficas. Mais do que analisar os contextos onde emergiram as diferentes atividades corporais e esportivas vivenciadas por brasileiros e brasileiras, a centralidade desses estudos situava-se em descrever e memorizar datas, eventos, heróis e acontecimentos considerados significativos a estas práticas. Com relação à Historiografia da Educação Física brasileira é possível destacar, como fez Victor Andrade de Melo (1999), três fases iniciais no que respeita à produção do conhecimento histórico. A primeira delas, de caráter embrionário, se desenvolveu através da adoção de livros de autores estrangeiros cujas obras mencionavam as origens e a evolução da Educação Física e do Esporte desde a Antiguidade Clássica. Nesse período, ou seja, desde o início do século XX até meados deste, existiam poucas iniciativas no Brasil de escrever sobre sua história, em especial, sobre os esportes ou mesmo sobre a Educação Física. Vale lembrar que é a partir dos anos 1930 que o Estado instituído se empenha em concretizar várias ações no campo específico das práticas corporais e esportivas, identificando a Educação Física e o esporte como espaços de intervenção na educação dos cidadãos, no sentido da valorização do corpo esteticamente belo e do 3 aperfeiçoamento físico de corpos saudáveis e aptos, capazes de enfrentar os desafios da vida modernizada. Nessa primeira fase, a concepção que orientava os estudos históricos direcionava- se, grosso modo, para: A utilização bem restrita de fontes; um caráter “militante”, a história servindo para provar e legitimar algo já previamente estabelecido irreversivelmente; a preocupação central exacerbada com o levantamento de datas, nomes e fatos; uma história pautada única e exclusivamente na aparência de grandes expoentes; uma história que não busca uma periodização interna, preferindo se vincular a periodização política geral. Uma história traçada superficialmente em longos períodos (MELO, 1999, p. 15). Mesmo percebendo diversas lacunas nessa produção é necessário reconhecer o esforço de diferentes autores que, na intenção de escrever e ensinar a história da Educação Física e do Esporte, produziram conhecimentos, mesmo que a partir de uma perspectiva ainda muito marcada pelo enaltecimento de heróis, eventos, instituições reforçando, assim o registro do passado a partir de uma narrativa descritiva e factual. Vele registrar, e é necessário ter essa compreensão, que muitos dos autores que nesse período escrevem sobre a Educação Física e o Esporte considerando seus aspectos históricos não tem formação no campo específico. Em sua maioria são militares, cronistas esportivos, torcedores de um clube ou aficionados por essa prática cultural. Uma segunda fase na produção do conhecimento histórico na Educação Física brasileira pode ser identificada a partir da obra de Inezil Penna Marinho (1915-1987), indiscutivelmente, um dos maiores estudiosos da História da Educação Física e do Esporte desse país. Mesmo que seus escritos não tenham rompido com a perspectiva da História factual-descritiva, celebrada também no período anterior, é considerada como um marco na Educação Física brasileira, tanto porque era muita bem referenciada teoricamente quanto porque resultava de um árduo trabalho de busca e utilização de fontes primárias. A importância da obra de Inezil Penna Marinho também foi destacada por Janice Mazo ao afirmar que “professores de todo Brasil foram formados, durante muitos anos, tendo na obra de Inezil o único eixo de ligação ao seu passado profissional” (GOELLNER ET ALL, p. 389). 4 Inezil Penna Marinho escreveu várias obras sobre História da Educação Física e do Esporte brasileiros, um fato inédito, visto que no período anterior os autores reportavam-se basicamente a reproduzir estudos produzidos por autores estrangeiros cujas temáticas desenvolvidas referiam-se, sobretudo, a história do Esporte e da Educação Física em outros contextos como, por exemplo, na Grécia Antiga, e na Idade Média ou, então, na França, na Alemanha, nos Estados Unidos, entre outros. Inezil marcou a diferença pois escreveu sobre a Educação Física e o Esporte no Brasil incluindo ainda a capoeira. Fonte: grupoescolar.com Para além de Inezil, outros autores também se farão presentes nessa segunda fase, que se diferencia da anterior exatamente pelo desenvolvimento de pesquisas relacionadas ao contexto nacional. A concepção historiográfica que sustenta essas pesquisas é marcada, como na fase anterior, pela descrição e memorização de fatos, data se nomes sem haver uma análise do material pesquisado compondo, o que Peter 5 Burke (1991) denominou como história episódica. Na análise desenvolvida por Janice Mazo, Esta forma de fazer História, então dominante no campo da Educação Física e dos esportes no Brasil, encontraria fortes reações por parte das novas abordagens historiográficas que a sucederam, sobretudo aquelas encampadas por autores da década de 1980. Numa visão que se pretende evolucionista, a velha história da Educação Física foi duramente acusada de privilegiar a mera descrição dos acontecimentos e datas, na longa duração, ignorando uma análise mais aguçada de seus aspectosparticulares de tempo e espaço. Soma-se a isto, a indefinição e indiferenciação de um conceito claro para a Educação Física como objeto de estudo e, sobretudo, de apoiar suas reflexões em padrões corporais e culturais de movimento que remetiam as práticas atuais às cristalizações de representações gregas e romanas (GOELLNER ET AL, 2010, p, 390). A partir dos anos 1980 outras concepções historiográficas adquirem visibilidade na pesquisa brasileira e está influenciará significativamente o trabalho com a disciplina de História da Educação Física e do Esporte nos cursos de graduação, marcando o início da terceira fase apontada por Melo (1999). Esse período é bastante fecundo para o Brasil. Período no qual a Ditadura Militar chegava a seus últimos suspiros e aquilo que se convencionou chamar de “Abertura Política” mostrava-se diante de nossos olhos. Em agosto de 1979 o General Figueiredo, sancionou a Lei da Anistia e no seu rastro, despontaram várias outras conquistas: o retorno dos exilados políticos, o fortalecimento dos movimentos sociais, as greves, a legalização do Partido Comunista e a construção do Partido dos Trabalhadores, o Movimento Diretas Já, o Movimento de Mulheres, enfim, ideias e ações que integravam nosso cotidiano. No campo da Historiografia brasileira é possível identificar que a História episódica perde sua hegemonia e as análises críticas, politizadas e contextualizadas invadem a produção acadêmica brasileira. Fundamentadas no marxismo despontam várias produções cujo fazer historiográfico privilegia não apenas a descrição dos fatos, mas, sobretudo, análises que objetivam entender a constituição da Educação Física e dos Esportes a partir de um viés crítico. Nessa perspectiva, para além de destacar datas, acontecimentos, eventos e personagens, torna-se imperante analisá-los e interpretá-los à luz do contexto social, político, econômico e cultural no qual foram produzidos. 6 Tanto quanto a vertente marxista, outras abordagens teóricas e metodológicas começaram a frutificar na área cujas pesquisas foram e ainda são frequentemente citadas, nas ementas que constituem a disciplina de História da Educação Física e/ou Esporte em vários cursos de formação. Aportes teóricos advindos da Escola dos Analles, Micro História, História Oral, História Cultural, Nova História, História Social, História do Cotidiano, História Pós Estruturalista, História das Mulheres, tornam-se visíveis nos estudos e pesquisas desenvolvidos na Educação Física brasileira indicando um movimento de “renovação historiográfica” quando comparadas às etapas anteriores nas quais a História factual e descritiva mantinha certa dominância no campo. Renovação essa que pode ser creditada, segundo Janice Mazo, a expansão dos cursos de Pós-Graduação em Educação Física nas universidades brasileiras a partir da década de 1990 possibilitando a ampliação de estudos historiográficos. “Percebe-se, a partir deste movimento, uma atitude mais cuidadosa dos pesquisadores com relação ao campo da produção historiográfica no que tange aos pressupostos teóricos eleitos, à produção discursiva e à construção de novas narrativas através das fontes (GOELLNER ET AL, 2010, p. 390). Feita essa breve referência à inserção do conhecimento e da pesquisa historiográfica na Educação Física brasileira, considero importante registrar que esse caminhar não se deu de modo contínuo e linear. Se olharmos as ementas das disciplinas e as investigações em desenvolvimento nos dias atuais é possível identificar todas as abordagens aqui mencionadas, inclusive, a da História Episódica com ênfase nos seus aspectos descritivos e factuais. Isso se dá porque, como já mencionei anteriormente, a História não é sinônimo de história. Ou seja, aquilo que se registra do passado não necessariamente é aquilo que aconteceu no passado ou ainda não é o próprio passado. 1.1 A História, a Educação Física e suas múltiplas possibilidades A compreensão da História, como a ciência que estuda o passado há muito vem construindo representações acerca do fazer historiográfico assinalando ser a necessidade de fazer lembrar uma preocupação humana. 7 Fazer lembrar, mas também fazer esquecer, na medida em que, ao contar sobre um tempo que já não é mais, a História tanto pode “celebrar” o que deve ser lembrado quanto “invisibilizar” o que deve ser esquecido. Afinal, como tenho mencionado desde o início do texto, a História não é sinônimo de passado, mas uma narrativa sobre o passado (PESAVENTO, 2003; JENKINS, 2004). Nesse sentido é necessário pensar que a narrativa histórica é resultante de um entrelaçamento de objetividades e subjetividades, de percepções, de olhares, de possibilidades de análises e estas são sempre datadas. Em última instância, a História é, ela própria, historicamente datada, está ancorada no tempo e tem narrado o mundo de acordo com interesses, pessoais, políticos, sociais, econômicos, culturais, étnicos, etc, evidenciando, sobretudo, a impossibilidade de descrever o real como ele é. Nas palavras de Michel de Certeau “Toda a pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção socioeconômico, político e cultural e está submetido a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade” (1982, p. 66). Em outras palavras: a História não é neutra e traduz-se em um dos muitos discursos que existem acerca do mundo, do real e da humanidade tendo sua territorialidade atrelada ao que já aconteceu, ao passado. Ainda que sejam palavras próximas, vale ressaltar, que História e passado (história) são coisas absolutamente diferentes visto que o passado e a História não estão unidos um ao outro de tal maneira que se possa ter apenas uma leitura histórica do passado. O passado e a História existem livres um do outro; estão muito distantes entre si no tempo e no espaço. Isto porque o mesmo objeto de investigação pode ser interpretado por diferentes práticas discursivas ao mesmo tempo em que, em cada uma destas práticas, há diferentes leituras interpretativas no tempo e no espaço. A partir dessa explicitação podemos indagar: O que é, afinal, estudar e pesquisar a Educação Física e do Esporte considerando seus aspectos históricos? 8 Fonte: hoje.unisul.br Seria, por exemplo, encontrar a verdade do passado, narrar seus acontecimentos mais importantes, enaltecer os nomes de homens e mulheres que figuram como personalidades heroicas? Não seria, quem sabe, trazer para o tempo presente alguns ideais da Civilização Clássica cujas representações estéticas ainda hoje se vinculam ao universo iconográfico da Educação Física e Esportes? Pensemos: não é, ainda, o Discóbolo, famosa escultura do artista grego Miron a imagem que seguidamente aparece ilustrando convites de formatura de diferentes Escolas de Educação Física, muitas das quais a disciplina História da Educação Física e/ou Esporte se não é designada como menor, nem existe? E os Jogos Olímpicos não são, ainda hoje, estudados como referências de ações voltadas à celebração da paz mundial e a confraternização de diferentes nações, etnias e culturas mesmo num tempo onde a corrupção, os interesses econômicos, o doping, o terrorismo, a exacerbação da performance são elementos que também constituem esses Jogos? Cabe aqui uma pergunta: É possível falar em História da Educação Física e/ou Esporte no singular? 9 Se a História é uma narrativa que tanto pode dizer do passado como também ocultá-lo não há possibilidade alguma de pensar que exista uma História da Educação Física e/ou Esporte senão em Histórias. Lembremos que aquilo que nos chega do passado não é o passado em si, mas o registro que alguém fez dele. Nas palavras de Jenkins “o passado que “conhecemos” é sempre condicionado por nossas próprias visões, nosso próprio “presente“. Assim como somos produtos do passado, assim também o passado conhecido(a história) é um artefato nosso. Ninguém, não importando quão imerso esteja no passado, consegue despojar-se de seu conhecimento e de suas pressuposições” (2004, p. 33). Pensando especificamente no campo da História da Educação Física e/ou Esporte é possível vislumbrar um horizonte pleno de multiplicidades, de interpretações, de olhares, de formas de narrar vários acontecimentos como, por exemplo, história de diferentes modalidades esportivas, de instituições 45 (clubes, associações esportivas, comitês olímpicos, federações e confederações), pessoas (atletas, técnicos, dirigentes, professores, etc), eventos, competições de nível internacional, nacional, regional e local. A história de um clube, por exemplo, pode ser narrada apenas ressaltando seus dirigentes, suas conquistas e glórias, seus méritos. Como também, dependendo de quem registra essa história, pode evidenciar as disputas de poder, os fracassos e insucessos, ou seja, àquilo que está nas zonas de sombra da trajetória dessa instituição. Jenkins, outra vez, nos ajuda a pensar sobre esse aspecto quando afirma que: Não é possível relatar mais que uma fração do que já ocorreu, e o relato de um historiador nunca corresponde exatamente ao passado: o simples volume desse último inviabiliza a História total. A maior parte das informações sobre o passado nunca foi registrada, e a maior parte do que permaneceu é fugaz. (...) A História depende dos olhos e da voz de outrem; vemos por intermédio de um intérprete que se interpõe entre os acontecimentos passados e a leitura que dele fazemos (2004, p.30-32). A participação das mulheres no esporte ilustra muito bem essa afirmação. Basta ler muitos documentos que se propõem a contar a história de várias modalidades esportivas e o que encontramos é a narrativa histórica dos homens! Pouca ou nenhuma menção se faz as mulheres, como se elas não tivessem participação alguma na estruturação do esporte brasileiro. Com isso quero afirmar que a falta de registro sobre 10 as mulheres no esporte não significa a sua ausência, mas a ausência de registros sobre essa participação. Um bom exemplo para refletir sobre essa questão é o Museu do Futebol, localizado no Estádio do Pacaembu, em São Paulo cuja missão é “investigar, divulgar e preservar o futebol como manifestação da cultura brasileira”10. O que se vê ao percorrer seus acervos e exposições é que esse museu tematiza o futebol praticado por homens11. A participação das mulheres é silenciada como se elas não estivessem, há muito tempo, atuando na modalidade, seja como jogadoras, treinadoras, espectadoras, torcedoras, gestoras, árbitras, enfim, como se não fizessem parte dessa História. Dado esse exemplo, quero enfatizar que é impossível tomar a História da Educação Física e/ou Esportes no singular pois são muitos os seus temas, objetos, problemas, instrumentos analíticos e fontes. A tarefa de registrar a história, grosso modo atribuída aos historiadores, possibilita múltiplas interpretações de um mesmo acontecimento cujo resultado (ou seja, a narrativa) vai depender “das fontes existentes, dos recursos teórico-metodológicos escolhidos e de um olhar, dentre vários outros possíveis, marcado por nossa atualidade, vale dizer, por nossa inserção cultural e social, enfim, por nossa própria subjetividade” (RAGO, 2004, p. 10). Nas palavras de Sandra Pesavento “tudo o que foi um dia poderá vir a ser contado de outra forma, cabendo ao historiador elaborar uma versão plausível, verossímil de como foi. Mesmo admitindo uma certa invariabilidade no ter sido, as formas de narrar o como foi são múltiplas e isso implica colocar em xeque a veracidade dos fatos” (2003, p. 51). Nesse sentido é possível afirmar que o trabalho historiográfico busca se aproximar o máximo possível do que aconteceu um dia e que o historiador pode relatar um tempo transcorrido mesmo que esse mesmo tempo ou fato relatado possa ser objeto de outras tantas versões. A História, portanto, não trabalha com “a verdade”, mas com a verossimilhança. A impossibilidade de uma História no singular é uma boa justificativa para o incentivo ao estudo e à pesquisa nos cursos de formação em Educação Física na medida em que poderá fomentar a emergência de outras versões sobre algum tema já investigado ou ainda de novos temas como, por exemplo, investigações sobre contextos 11 locais e regionais, sobre diferentes etnias, sobre pequenos clubes e associações esportivas, entre outras possibilidades. Fonte: blogeducacaofisica.com.br Outra justificativa para a sua presença é que ao estudarmos a Educação Física e/ou Esportes considerando sua historicidade compreendemos que aquilo que hoje conhecemos, vivenciamos e valorizamos nem sempre foi assim. A exigência, por exemplo, de um corpo magro e moldado pela exercitação física é recente e decorre do movimento fitness surgido no contexto americano nos anos 70 do século XX. Isto é, nem sempre as imposições foram essas e nem sempre esse foi considerado um corpo belo e saudável como o é na atualidade. Ao agir assim estamos desnaturalizando o que parece ser natural e, assim, a História mostra-se necessária porque contribui para entender e enfrentar os problemas humanos (BLOCH, 2001), inclusive, os específicos da nossa área de conhecimento. Estudar e pesquisar as Histórias da Educação Física e/ou Esporte é, portanto, estabelecer nexos entre diferentes épocas estando ciente de que o passado é algo que 12 não se pode modificar, apenas compreender. O presente, no entanto, é algo em construção cuja história depende também de nossa ação1. 2 PANORAMA HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES O estudo da Educação Física constitui-se em uma atividade prazerosa e motivante já que no seu bojo estão preocupações que vão muito além de si mesmas. Seja nos espaços formais ou não formais, que estão ganhando visibilidade nos últimos anos, considera-se a um complexo conjunto de conhecimentos que pode proporcionar a elaboração de diversos olhares nos diferentes campos de trabalho sob variados saberes. Logo para o seu entendimento faz-se necessário à análise do ser humano nas relações assimétricas que estabelece com a natureza, com os outros indivíduos e o que daí emerge. Sob o nome de Educação Física estão campos de estudos e intervenção bastante diferenciados como o lazer, a saúde, o esporte, a estética, educação física escolar. Diante disso, Lovisolo (1995, p.19) afirma que a Educação Física é uma área “[...] claramente mosaico, fragmentaria, multidisciplinar e não dominante disciplinar. Mas Rocha Junior (2000) nos lembra que mesmo não havendo uma identidade e unidade nos meios e objetivos, são os atores sociais (crianças e homem comum) que dão significado a Educação Física. 2.1 A Educação Física no Brasil As mudanças ocorridas na Europa aos poucos vão chegando aos países periféricos. Tão logo o Brasil inicia-se a industrializar começa a sofrer pelos mesmos problemas enfrentados pelos Estados europeus, ou seja, a urbanização acelerada, as 1 GOELLNER, Silvana Vilodre.. In: VILODREGOELLNE, Silvana. A Importância do conhecimento histórico na formação de professores de educação física e a desconstrução da história no singular. [S. l.], 2012. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/kinesis/article/download/5721/3935. Acesso em: 12 ago. 2019. 13 epidemias devido à ausência de condições básicas de sobrevivência, além de uma quantidade enorme de mão de obra sem qualificação, analfabeta, para manusear as máquinas nas fábricas e posteriormente as pressões dos operários por direitos a cidadania. A Educação Física segundo Herold Junior (2005, p.5) aparece nos documentos escritos na época como uma solução para curar as mazelas sociais e acelerar o processo de transformação. No ambiente escolar a Educação Física surgea partir da metade do século XIX sob forte influência da Instituição médica, militar e posteriormente também do movimento pedagógico escolanovista, que estava sendo importado pelos intelectuais brasileiros na preocupação de uma educação que acabasse com as mazelas sociais, valorizando o processo de ensino focado nas necessidades e nos interesses dos alunos. A escola nova bastante difundida entre os educadores acabou segundo Saviani [...] provocando o afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos, acabou por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares as quais muito frequentemente tem na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado. Em contrapartida, “a escola nova” aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites. (1993, p. 22). O movimento escolanovista aparece para contribuir com o dito desenvolvimento do Brasil. Nesse período os intelectuais e os políticos acreditavam que dependeria de instruir e educar o povo, tido e havido por analfabeto, doente e despreparado para as novas formas de trabalho industrial, organizado sob a lógica capitalista de produção (VAGO, 1999, p. 31). Para tanto precisariam que as escolas consideradas inoperantes atingissem a tríade educação intelectual, moral e física. Esse era o espaço que iria ditar o que seria importante para os estudantes e consequentemente para a sociedade. 14 Fonte: acervo.oglobo.globo.com A Educação Física até o final da década de 40 do séc. XX no sistema educacional do país foi baseada nos métodos ginásticos europeus inicialmente o sueco e o alemão e posteriormente o francês. Sobre esse momento da Educação Física o Coletivo de Autores diz que ela: [...] era entendida como atividade exclusivamente prática, fato este que contribuiu para não diferenciá-la da instrução física militar. Certamente, também não houve uma ação teórica-prática de crítica ao quadro apontado, no sentido de desenvolver um corpo de conhecimento científico que pudesse imprimir uma identidade pedagógica à Educação Física no Física no currículo escolar. (1992, p.53). A Educação Física foi se legitimando no interior da escola brasileira sob forte influência das ciências médicas, as quais não avançavam na análise do ser humano e da sociedade para além de um organismo em pleno funcionamento, como uma máquina. Reproduzia os interesses políticos do Estado, mascarando e construindo valores de normalidade nas desigualdades vigentes, ensinando hábitos saudáveis para uma população que não tinha condições de tê-los, ao invés mostrar as possibilidades de superá-las. Isso feito através de aulas dentro de uma proposta pedagógica não-crítica. 15 A grande aceitação dos esportes pela população culmina com o surgimento de novas tendências e possibilidades para as aulas de Educação Física a partir do final do Estado Novo, superando o método oficial- francês. Segundo Coletivo de autores (1992, p.54) destaca como concorrentes o método Austríaco e principalmente a Desportiva Generalizada, sistematizado na Inglaterra e divulgado no Brasil por Auguste Listello. As aulas de Educação Física deixam de ser desenvolvidas sob a rigidez alienante dos militares, e passa a ser confundida com simples práticas esportivas desprovidas de significados sociais para os alunos, já que as aulas tornaram um prolongamento da instituição esporte. O professor que na verdade era instrutor pelas influências militares e o aluno recruta agora a relação é professor treinador e aluno atleta (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.54). Com a promulgação em 1961 da lei de Diretrizes e Bases da Educação, tornando- a obrigatório no ensino primário e médio, as crises políticas e econômicas que ocorreram no país e a diminuição do investimento estatal em políticas sociais, fortaleceram o esporte como conteúdo único das aulas de Educação Física. Durante a ditadura militar grande foi à repressão às mobilizações dos setores organizados da sociedade, mas contraditoriamente, de incentivo as práticas corporais inclusive as coletivas, como a criação do programa Esporte Para todos. Nesse momento histórico a educação institucionalizada, passa sob fortes influências tecnicista. A escola possuía o papel de ensinar a fazer, sendo uma das formas de contribuir com a qualidade da mão de obra do mercado de trabalho brasileiro. Isso veio a fortalecer o esporte nas escolas, contribuindo com muita eficiência como afirma Linczuk (2000) para com os interesses dominantes, em formar jovens “dóceis e saudáveis” e preparados para uma sociedade competitiva. O desporto usado como ferramenta política pelo Estado possui plena aceitação dos professores de educação física, no qual Carvalho (1994, p. 24) diz que “não é o desporto que é alienante e servil à classe dominante, mas os professores que trabalham as práticas desportivas sob a égide de uma ideologia voltada para a alienação dos indivíduos” quase sempre é usado para escamotear a realidade dos “chutadores de bola”, estudando o não como um fenômeno social construído historicamente com significados diferentes nesta sociedade de classes, mas simplesmente como atividade biológica que 16 proporciona divertimento e descanso com nenhum desenvolvimento humano efetivo nas suas vivencias seja elas passivas ou ativas. Surge então com esse pensamento, vindos dos questionamentos ao modelo opressor vigente no país, uma necessidade por uma formação profissional que contribua para a necessária transformação social clamada pela população, tendo o desporto como um dos elementos para essa mudança. Logo, surge o movimento renovador da Educação Física que comunga com o esse processo de mudança social do país. A educação física que ocorria na escola não podia ser aquela com características militares, e este profissional precisava mostrar que, para além do gesto, existia um movimento diante de um tempo e de um espaço onde: o corpo (ser humano) que realizava o movimento precisava ser conscientizado sobre o grupo (classe social), que fazia parte de um espaço (contexto sociohistorico político) que precisava ser transformado em busca de uma necessária justiça e igualdade para todos”. (MORAES E ALMEIDA, 2004, p.159). Essa preocupação com a Educação Física como prática social começa a emergir na década de 70 e início dos anos 80, reflexos das mudanças clamadas pela população no período, da ascensão do pensamento pedagógico de esquerda no país. Movimentos progressistas intensificam o debate para a superação da Educação Física enquanto disciplina meramente prática. Logo na Educação Física instaura-se uma crise de identidade pela “[...] constatação de dependência de outras disciplinas cientificas e do desejo de torna-se ciência” (BRACHT, 1999, p. 30). Os anos 80 são considerados férteis para a Educação Física brasileira, com um aumento significativo na produção cientifica, possibilitando o seu entendimento para além dos aspectos biológicos do ser humano. Ela que até então se prestava para a adaptação do ser humano a ordem oficial, adquirindo um caráter reprodutivista, começa a fornecer elementos para criticar-la e então vislumbrar a superação do estado de exploração das camadas populares. No entanto, esse mesmo movimento que serviu como suporte para a elaboração da proposta do coletivo de autores- Critico Superadora na década de 90, não avançou muito nesse período, já que apesar da abertura para o conflito na qual a análise da Educação Física desenvolve-se não somente para sustentabilidade do status quo da 17 burguesia, mas com um olhar para o ser humano, predominou segundo Caparroz (1997, p. 10), “[...] denuncia do estabelecido, sem que houvesse um mergulho mais intenso na análise das práticas pedagógicas efetivas [...]”. Muitos foram às discussões sobre a importância da Educação Física, mas poucas foram às ações efetivas que se concretizaram em açõesreais nas escolas durante a década de 80. Apesar dos discursos desvinculados do modelo hegemônico, a sistematização de uma proposta que rompesse com o modelo tradicional de Educação Física se encontra distante da realidade de muitos professores. Aquele grupo de autores que buscou na cultura corporal avançar na fundamentação da Educação Física na escola a favor do desenvolvimento dos estudantes como ser autônomo e capaz de transformar a realidade, ainda não se materializou no interior da escola. Rocha Junior (2000, p. 15) ao analisar a proposta do coletivo de autores diz que [...] na tarefa de apresentar um modelo diferente os autores acabam por também cair na relação funcionalista que criticam, pois entendem que a educação, e no caso a educação física, devem estar a serviço da mudança social numa perspectiva transformadora. A proposta do coletivo de autores foi elaborada a partir da perspectiva pedagógica histórico- critica “[...] que se diferencia da visão crítica reprodutivista, uma vez que procura articular um tipo de orientação pedagógica que seja crítica, sem ser reprodutivista”. (SAVIANI, 1995, p. 77). A teoria critico reprodutivista, limita-se a criticar a realidade, a constatar que esta é imutável, pois não consegue avançar como proposta de intervenção. 18 Fonte: revistahcsm.coc.fiocruz.br A escola e a Educação física como espaço de formação de cidadãos necessita está dialogando com os acontecimentos ao seu redor. É de extrema importância os professores de Educação Física atuarem como interventores na realidade social da maioria da população excluída pelo sistema capitalista, seja no espaço formal ou não formal. Percebe-se no mesmo período de denúncia da Educação Física atrelada aos interesses do Estado pelos ditos de esquerda, surge segundo Almeida e Moraes (2004, p. 159) “[...] os modismos ligados às academias de ginástica [...]”, as empresas do bem- estar e da saúde que conquistam os professores de Educação Física que não se identificavam com a área da educação institucionalizada. Nasce nesse mesmo momento fruto do processo histórico uma cisão teórica- filosófica na produção da Educação Física e na atuação profissional. A ideia da atividade física como promotora de saúde, com uma suposta melhoria da qualidade de vida, continua a sendo divulgado por um grupo satisfeito com status quo da burguesia, que viam “[...] saúde, na maioria das vezes, restringe –se à ausência da 19 doença; a atividade física entendida como a execução de práticas físicas por meio de modalidades esportivas” (CARVALHO, 2000, p. 32). A saúde é vista como algo estático, de responsabilidade dos indivíduos que através da pratica da atividade física terá uma melhoria na qualidade de vida, mesmo sendo o indivíduo explorado como mão de obra, mesmo continuando sem ter uma educação de qualidade, sem saneamento básico, mesmo sendo desempregado ou sem teto. A percepção restrita da Educação Física produtora de saúde, existe pela segregação da profissão existente na década de 80 deste séc. Ou pelas condições de existência dos seres humanos do séc. XVIII, XIX, XX e também XXI. A divisão criada é um fenômeno que contribui para legitimar a ação “despolitizada” dos professores de Educação Física, mas tal necessita ser superada, pois são indivíduos de uma mesma classe que independente do espaço de atuação, escola, clubes, academias lutam pelos mesmos objetivos, a transformação da nossa realidade. As preocupações mais abrangentes com as questões sociais discutidas e desenvolvidas pelos professores e pesquisadores da educação institucionalizada necessitam avançar e serem incorporados pelos agentes de outros ambientes e estes atuantes nas escolas precisam prosseguir com propostas metodológicas concretas na sistematização dos conteúdos da Educação Física escolar (ALMEIDA E MORAES, 2003). Desde a gênese da Educação Física na Europa percebemos que a maioria da população é explorada por uma minoria, sendo poucos os momentos de construção de alternativas ao modelo opressor. O canto da sereia é bastante forte tanto que vários não resistiram e preferiram não enxergar tanta diferença existente entre os seres humanos desde a origem dessa história. A Educação Física constitui numa disciplina importante para a formação do ser humano e precisa ser aprofundados os estudos, tanto nos espaços formais de atuação como não formais. Por mais forte que seja os interesses precisa se encontrar possibilidades de trabalhar com o Lazer como mecanismo de intervenção pedagógica, contribuindo para os cidadãos conseguirem seus direitos. Perceber que a saúde está diretamente relacionada com as condições materiais de vida dos agentes históricos, que a educação física escolar faz parte de uma instituição de responsabilidade em formar 20 sujeitos e não marionetes do sistema capitalista e para isso necessita buscar aproximar da realidade da população, romper com as perspectivas de fragmentação e especialização do conhecimento produzido por ela e vislumbrar a integração e a interação das multidimensões possibilitadas para a formação humana2. 3 A HISTÓRIA DAS MANIFESTAÇÕES FÍSICO-ESPORTIVAS: DOS JOGOS DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA AO ESPORTE MODERNO 3.1 A história dos jogos da antiguidade clássica Os Jogos Olímpicos originais duraram mais de mil anos, de 776 antes de Cristo a 395 depois de Cristo. Mesmo antes disso já existiam competições parecidas, mas só a partir de 776 a.C. há registo oficial dos jogos. Assim como a imitação moderna, as Olimpíadas, os jogos eram realizados de quatro em quatro anos. Uma diferença com os jogos de hoje é que antigamente o local era sempre o mesmo: a cidade de Olímpia, na Grécia. 2 MATIAS, Wagner Barbosa. Panorama histórico da Educação Física no Brasil: primeiras aproximações. EFDeportes.com: [s. n.], 2012. Disponível em: https://www.efdeportes.com/efd164/panorama-historico-da-educacao-fisica.htm. Acesso em: 19 ago. 2019. 21 Fonte: turismogrecia.info.com.br Desde os tempos pré-históricos, esse local era considerado sagrado, e quem passava deixava uma oferenda para os deuses. Aos poucos começou a predominar ali a adoração a Zeus, que era o principal deus grego, e alguns altares foram sendo construídos. Existem lendas que explicam porque os jogos foram iniciados e porque aconteceram em Olímpia, mas não se conhece as razões reais. Os desportos, na sua origem, eram parte do treino para soldados. Corridas, saltos, lutas, arremesso de dardo ou martelo, tudo isso tem a ver com a guerra. Mesmo a ginástica olímpica tem origem militar. Não é por acaso que uma das modalidades, aquela em que o ginasta fica a girar sobre as mãos em cima de um cavalete, chama-se "cavalo". Era treino para soldados de cavalaria adquirirem mais agilidade em cima dos seus animais. Ao mesmo tempo, havia um lado religioso nos jogos. Existe uma crença grega que diz que o corpo tem tanta importância quanto o intelecto e o espírito, e que a melhor maneira de honrar a Zeus é cuidar dos dois aspectos, o físico e o espiritual. 22 Olímpia tornou-se uma cidade sagrada, assim como hoje Jerusalém, ou Meca, e a ida aos jogos era tanto um divertimento quanto uma peregrinação religiosa. É um pouco difícil de entender, porque na nossa cultura, desporto e religião são totalmente separados. No entanto, para o grego daquele tempo, Olímpia seria uma espécie de Vaticano, onde também estivesse o estádio do Maracanã. Existem ruínas de Olímpia, e descrições antigas, que dão uma ideia do que era esse complexo desportivo-religioso, com vários estádios e templos. No principal templo, o de Zeus, havia uma estátua de marfim e ouro representando esse deus, estátua essa que media 13 metros de altura e era considerada uma das sete maravilhas do mundo antigo. Embora viajar, naquele tempo, fosse tãomais difícil do que hoje, vinham milhares de pessoas, por terra e por mar, para assistir aos jogos. Até de colónias gregas distantes, como a África ou a Espanha, vinham viajantes. Um contemporâneo disse que "você vai a Olímpia e morre de calor, é amassado pela multidão, passa fome e sede, toma chuva e morre de frio, mas apesar disso vale a pena ir para ver espetáculos tão bonitos." A Grécia não existia como país - era apenas uma região com cultura comum, mas com cidades independentes entre si. Essas cidades viviam em guerra entre si, mas durante o período dos Jogos havia uma trégua, respeitada por todos. A cada quatro anos, assim que se determinava a data do início dos jogos (que era baseada na lua cheia), emissários saiam de cidade em cidade, a divulgar a data. Inicialmente a trégua era de um mês, mas depois foi aumentada para dois meses, e mais tarde três, para proteger os viajantes que tinham de vir de longe. Só homens podiam competir nos Jogos antigos. Para evitar que alguma mulher se fingisse de homem para competir - o que podia acontecer, pois nalgumas das cidades gregas mulheres eram soldados - deu-se uma solução simples: todo mundo nu. Todos competiam nus, em todas as modalidades de competição. Mulher podia, no máximo, assistir aos jogos. E isso se fosse solteira. Mulher casada não podia nem assistir. Houve um caso de uma mulher, viúva de um antigo campeão, que trouxe o seu filho para competir, fingindo-se de treinador. O filho ganhou e a mãe, entusiasmada, pulou acerca da pista para abraçar o seu filho. 23 Foi reconhecida como mulher, mas não foi castigada em homenagem ao falecido marido. Para evitar novos acontecimentos desse tipo, a partir desse dia também os treinadores tinham de estar nus. Aparentemente, a razão para essa discriminação contra as mulheres casadas era ligada ao aspecto dos jogos como ritual religioso de fertilidade. Só as virgens eram consideradas suficientemente puras para estar presentes. OS JOGOS Embora os jogos durassem só cinco dias, os preparativos começavam um ano antes. As pistas tinham de ser niveladas, os templos e estádios tinham sempre pequenas reparações a ser feitas. Os juízes eram escolhidos dez meses antes e começavam a planear tudo. Os candidatos a atletas assumiam o compromisso de dez meses antes, começar a treinar intensivamente. Um mês antes do início dos jogos, juízes e atletas tinham de ir para a cidade de Elis, que dominava os jogos. Ali os atletas tinham de treinar sob a supervisão dos juízes, que desclassificavam os que não estivessem em boa forma física. Poucos dias antes do início, começava a chegar a multidão. Príncipes italianos vinham em lindos barcos, subindo o rio que passava perto. Viajantes em carruagens ou a cavalo, os pobres em carroças, jumentos, ou mesmo a pé. Vendedores ambulantes, vendedores de comida e bebida, comerciantes em geral, todos vinham aproveitar a oportunidade de vender os seus produtos. Os jogos eram abertos com desfiles dos atletas e juramentos aos deuses. Havia festas e bebedeiras todas as noites. No terceiro dia, que coincidia com a lua cheia, era feito o grande sacrifício a Zeus. Cem bois, doados pela cidade de Elis, eram sacrificados. As suas pernas eram cortadas e queimadas em homenagem ao deus, que se alimentava com o fumo. A carne era usada para um grande churrasco no final do dia. No fim do quinto dia, os prémios eram entregues, e havia mais festas e comemorações. 24 AS MODALIDADES Nas primeiras vezes em que se realizaram os jogos, havia uma única competição, que era a corrida curta. Este seria o equivalente aos 100m de hoje, só que naquele tempo a distância era de 192 metros. A pista tinha esse comprimento e era reta. Quando mais tarde se adicionaram corridas maiores, corria-se ida e volta nessa mesma pista. A lenda diz que essa distância foi determinada por Hércules, fundador mítico dos jogos, e que essa era a distância que ele conseguia correr de um só fôlego, prendendo a respiração. Fonte: static.significados.com.br Depois da corrida curta foi criada a dupla, ida e volta, e depois a de 24 vezes a pista. Mais tarde veio a corrida com armadura, em que os atletas corriam usando capacete, protetor metálico nas pernas, e carregavam um escudo redondo. Escritores da época dizem que era muito engraçado ver aqueles homenzarrões a correr com toda essa parafernália... e nus. 25 Muito mais tarde criou-se uma corrida de revezamento em que cada corredor, ao acabar o seu trecho, passava ao seu companheiro de equipe uma tocha acesa. O vencedor tinha a honra de acender a fogueira do altar de sacrifícios. Essa ideia foi usada para a abertura dos jogos de hoje, em que um corredor chega no estádio com uma tocha e acende uma chama simbólica. O pentatlo era outra competição importante, introduzida em 708 a.C. Os cinco eventos eram arremesso de disco, salto, arremesso de dardo, corrida e luta. Todos se realizavam numa mesma tarde. Os dois últimos também aconteciam separadamente, mas os três primeiros só existiam dentro do pentatlo. O salto era em distância, o único salto que os gregos praticavam. Esse salto era dado de uma posição parada, sem corrida para tomar impulso. Em vez disso usavam dois pesos, um em cada mão, que eram jogados para frente para dar impulso. Esses pesos se chamavam "halteres". Um pouco mais tarde foram introduzidas as corridas de carros puxados por dois e quatro cavalos e logo, também, a corrida de cavalos como a conhecemos hoje, com o cavaleiro cavalgando o cavalo. FIM DOS JOGOS ANTIGOS Com o passar dos séculos, os jogos perderam gradualmente o seu significado religioso, e com a conquista da Grécia pelos romanos esse processo continuou. Os romanos chegaram a saquear alguns dos templos para financiar as suas guerras, e o imperador Calígula tentou levar a estátua de Zeus para Roma. Em 267 d.C. uma tribo de bárbaros vindos de onde é hoje a Rússia invadiu Olímpia e destruiu parte dos edifícios. Em 393 d.C., o imperador romano Teodósio, o primeiro imperador cristão de Roma, proibiu todos os ritos pagãos. Em 426 d.C., o templo de Zeus foi destruído por um incêndio, possivelmente por ordem de Roma. Novas invasões, dos Visigodos, vândalos e outras tribos bárbaras, foram acontecendo e a cada uma mais um pouco era destruído. No século V, um terremoto, seguido de uma inundação, destruiu o que restava e cobriu as ruínas com uma camada de vários metros de lama. A localização do santuário, com o tempo, foi esquecida. Só mais de mil anos depois, em 1766, depois de séculos de 26 esquecimento, o local foi descoberto. A partir de 1875 foi empreendida uma escavação em grande escala. Até os dias de hoje os trabalhos de pesquisa continuam tentando descobrir mais e mais sobre Olímpia. 3.2 A história dos esportes modernos Com o declínio dos jogos populares na Europa do século XVII e XVIII em decorrência da industrialização e da urbanização, fato que levou os indivíduos a novos padrões de vida, tornando-se incompatíveis essas práticas, os jogos tradicionais foram perdendo suas principais funções, que estavam relacionadas às festas comemorativas ou religiosas (DUNNING, 1979 apud BRACHT, 2011). Segundo Da Costa (1988), muitas atividades rurais com cunho de esporte espontâneo e ritualista foram extintas após o êxodo da população para as cidades. Após serem reprimidos pelo poder público, Bracht (2011) afirma que o único lugar onde os jogos populares sobreviveram foi no interior das escolas, onde não eram vistos como ameaça a propriedade e a ordem pública. Dentro desse ambiente escolar os jogos tradicionais foram sendo regulamentados e se tornando próximos ao que chamamos atualmente de esporte moderno (BRACHT, 2011). Os estudantes formularam seus próprios jogos, como o futebol e a caça, mesmo reprimidos pelas autoridades escolares por considerá-los violentose perigosos (BETTI, 1991). O termo “esporte moderno” tem origem segundo Martins e Altmann (2007), em 1986 com Norbert Elias e Eric Dunning com o intuito de diferenciá-lo do esporte antigo. A divisão entre esporte moderno e jogos tradicionais ocorre a partir da autonomização do campo esportivo em comparação aos outros campos sociais como o religioso, e essa ruptura se mostra na formulação de tempo e locais específicos determinados à prática do esporte, em oposição aos jogos tradicionais, que aconteciam em espaços ordinários durante as atividades do dia a dia nos momentos de lazer (MARTINS; ALTMANN, 2007). Conforme Martins e Altmann (2007), as principais características do esporte moderno são: Vislumbrar a igualdade entre os jogadores, onde durante a prática desconsidera-se a condição social do praticante. 27 A autonomização com a criação de tempo e espaços próprios: estádios, velódromos, pista, quadras, etc. Sua prática passa a ter uma cronologia determinada específica, um calendário próprio. Código universal das regras e das atividades, a favor de uma prática padronizada onde quer que ele aconteça. A primeira atividade com as características do esporte moderno foi à caça à raposa, na Inglaterra do século XVIII e início do século XIX, onde essa prática tornou-se altamente especializada, com organizações e convenções próprias (MARTINS; ALTMANN, 2007). Segundo Bracht (2011), o esporte moderno tem como referência uma atividade corporal de movimento competitiva, que surgiu na Europa no século XVIII e expandiu-se para o resto do mundo. Foi fundamentada em meados do Século XIX nas escolas da Inglaterra e pedagogicamente não restringia a competição (TUBINO, 1987). Fonte: media.istockphoto.com 28 Pode-se dizer que o desporto moderno, foi resultado de uma mudança dos elementos da cultura corporal do movimento das classes populares e burguesas da Inglaterra, como os jogos populares, que contava com diversos jogos com bola (BRACHT, 2011). Conforme Sigoli e De Rose Jr. (2004): O esporte moderno se desenvolveu paralelamente ao processo de industrialização herdando dele a racionalização, sistematização e a orientação ao resultado. A origem do esporte na Inglaterra está em jogos e recreações populares, assim como em algumas atividades lúdicas da nobreza britânica. As modalidades esportivas foram concebidas pela regulamentação destas práticas (SIGOLI; DE ROSE JR, 2004, p.114). Thomas Arnold, pedagogo inglês e diretor do colégio Rúgbi, implementou as atividades físicas da burguesia na educação, deixando que os alunos formulassem as regras e os códigos próprios, baseado numa concepção de jogo honesto que tinha como meta a formação moral e o prazer dos jogadores (TUBINO, 1987; 1993). Sua proposta era diminuir o tradicionalismo pedagógico britânico e incentivar a prática dos jogos populares nas escolas públicas, dando início a chamada “revolução esportiva” (PEREIRA, 1980). As características determinantes eram; ser um jogo; ser uma competição; ser uma atividade formadora (TUBINO, 1987). Tubino (1993) afirma que mais tarde com a popularização dessas atividades, houve a necessidade de algum órgão que coordenasse as disputas, surgindo assim às federações, clubes e também o associacionismo. A iniciativa de Thomas Arnold obteve sucesso, e disseminou rapidamente a prática esportiva pela Europa e por todo Mundo, com a devida ajuda da Marinha Inglesa e sua expansão territorial e comercial (PEREIRA, 1980; SIGOLI; DE ROSE JR, 2004). Sigoli e De Rose Jr. (2004) afirmam que: O esporte atingiu na Inglaterra todos os segmentos da sociedade e teve a igreja e as escolas estatais como agentes propagadores de grande importância. As igrejas, com o objetivo de atraírem fiéis, construíram ao lado de seus templos campos de futebol, onde eram disputadas partidas após as cerimônias nos finais de semana (SIGOLI; DE ROSE JR, 2004, p.114). 29 No decorrer do século XIX, diversas práticas de lazer que exigiam esforços físicos tomaram para si características do esporte moderno, com suas regras, especialmente aquelas pautadas pelas idéias de “justiça” e na igualdade de êxito para todos, passando a serem mais rigorosas, explícitas e diferenciadas (MARTINS; ALTMANN, 2007). Betti (1991) afirma que as classes média e trabalhadora tiveram acesso à prática esportiva a partir das conquistam trabalhistas, destacando-se a diminuição da jornada de trabalho, o que acarretou em mais tempo de ócio. A partir de então ocorreu à proliferação em massa dos clubes esportivos e organizações regionais (MCINTOSH, 1975 APUD BETTI, 1991). Assim, a racionalização extremada, característica marcante do esporte atual, teve início a partir da entrada da classe trabalhadora no campo esportivo e nas competições (DA COSTA, 1988). Segundo Da Costa (1988), a burguesia sedentária, instrumentou regras, para competir em igualdade de condições com os operários, muito mais aptos e ativos fisicamente. Conforme o autor foi neste momento que despontaram as primeiras noções da divisão entre profissionalismo e amadorismo na prática esportiva, com o objetivo de segregar a classe trabalhadora, que tinha o esporte como meio de vida, diferente da burguesia, que tinha no desporto uma oportunidade de convívio social e prazer. Betti (1991, p.45) afirma que em meados do século XIX o modelo esportivo predominante era o da classe média, que deu aos vários jogos esportivos, alguns descobertos em estado embrionário, organização, regras, técnicas e padrões de conduta para os praticantes, em grande parte vigentes até hoje. A partir de 1857 e até o final do século fundaram-se dezenas de associações esportivas nacionais na Inglaterra. Para a classe empresarial na época, o esporte como alternativa nos momentos de lazer da classe operária, se mostrou uma garantia de mão de obra produtiva e alienada, mantendo o físico do empregado apto a suportar as longas jornadas laborais; dando continuidade às ideias de produtividade, rendimento, respeito às regras pré- determinadas e tempo, conceitos esses presentes nas fábricas e bases do capitalismo moderno; como também, fomentando um “campo livre” para o trabalhador extravasar a tensão do dia a dia, acalmando o sentimento de indignação contra as condições de vida e trabalho, evitando assim revoltas populares (BRACHT, 2011). 30 Segundo Tubino (1993, p.19): Outra contribuição importante para o movimento esportivo moderno, que até o final do século XIX apresentava apenas as modalidades atletismo, o remo, o futebol, e timidamente a natação, foi à participação da Associação Cristã de Moços, que apresentou nos Estados Unidos os principais esportes coletivos, como o Basquetebol e o Voleibol. Após discorrermos sobre a origem do movimento esportivo moderno, direcionaremos nossa pesquisa no capítulo seguinte, ao início dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, por considerarmos o evento como fator culminante para o desenvolvimento do esporte quanto “fenômeno social”. OS JOGOS OLÍMPICOS DA ERA MODERNA Segundo Betti (1991), os fatores determinantes para globalização da entidade esportiva foram o renascimento dos Jogos Olímpicos e a constituição do Movimento Olímpico Internacional a partir do Comitê Olímpico Internacional (COI), em 1896. Ao Final do século XIX, o Humanista e Aristocrata francês Pierre de Coubertain, percebendo a dificuldade de se preservar a paz no mundo, vislumbrou a possibilidade de promover a paz através do esporte, tal qual ocorria na trégua sagrada dos jogos Olímpicos da Grécia antiga (BETTI, 1991; TUBINO, 1993). 31 Fonte: s.glbimg.com Assim, pautado na filosofia educativa do esporte disseminada pelo pedagogo inglês Arnold Thomas, Coubertain idealizou a realização dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna (BETTI, 1991; TUBINO, 1993). Conforme Tubino (1993, p.18-19): Nessesentido, acreditando no poder do esporte para estimular a convivência humana, Coubertain iniciou em 1892, o movimento de restauração dos Jogos Olímpicos, com base nas Olimpíadas da antiguidade, que chegaram até mesmo interromper as guerras durante o período de sua realização. Segundo Sigoli e De Rose Jr (2004): Em 1894, ocorreu na Universidade de Sorbonne um grande congresso esportivo reunindo dois mil delegados de 12 países. Sob a organização do Barão de Coubertain, o congresso abordou diversos temas do Esporte, entre os quais tiveram destaque o anúncio oficial da restauração dos Jogos Olímpicos, a discussão sobre amadorismo e profissionalismo e a nomeação de um Comitê Internacional encarregado da restauração dos Jogos (Comitê Olímpico Internacional) (SIGOLI; DE ROSE JR, 2004, p.115). Assim, no ano de 1896 em Atenas foram realizados os primeiros Jogos Olímpicos Modernos, com uma participação de 285 competidores representando 13 países, e já constando todo o ritual Olímpico (PEREIRA, 1980; TUBINO, 1993). O projeto de 32 Coubertain almejava instituir um ideal Olímpico, formado por um grupo de ideias nobres, que todos os participantes eram obrigados a respeitar (SIGOLI; DE ROSE JR, 2004). Segundo Betti (1991, p. 48): A ideologia Olímpica defendida através dos tempos pelo COI revela a profunda influência do espírito cavalheiresco e nobre do esporte inglês do século XIX, que Coubertain tentou universalizar através dos Jogos Olímpicos, e que hoje se traduz no conceito de Fair-Play. [...] O princípio básico do ideal olímpico é o amadorismo, onde se teorizava uma prática descompromissada das atividades esportivas, sendo proibida a remuneração aos atletas (CARDOSO, 2000 APUD SIGOLI; DE ROSE JR, 2004). Segundo Tubino (1992) não se admitia profissionalismo entre os participantes, e os casos descobertos eram punidos severamente. As principais modalidades eram o atletismo, ciclismo e o remo, e curiosamente, o evento não apresentava grande relevância social na época, perdendo em prestigio e público para a “Feira Mundial” (TUBINO, 1992). O Comitê Olímpico lançou a Carta Olímpica, que tinha como prioridades: o aprimoramento físico e moral, que são bases do esporte; educar os jovens numa perspectiva de amizade entre os povos no intuito de construir um mundo pacífico; espalhar o espírito olímpico pelo mundo, originando a amizade internacional e unir de quatro em quatro anos atletas de todo o mundo (BINDER, 2001 APUD SIGOLI; DE ROSE JR, 2004). Coubertain idealizava que o Comitê Olímpico Internacional e o Movimento Olímpico deveriam ser: “[...] instituições apolíticas e independentes que visavam promover o esporte pelo mundo [...]” (SIGOLI; DE ROSE JR, 2004, p. 115). A participação feminina só teve início a partir de 1920, mesmo sob a desaprovação do idealizador Pierre de Coubertain que considerava a mulher frágil e responsável por cuidar do lar (TUBINO, 1992). Segundo Tubino (1992) eram disputadas modalidades exclusivas para o gênero, como o nado sincronizado e a ginástica rítmica. Com o aumento da popularidade das Olimpíadas, devido ao espaço conquistado na mídia que noticiava os feitos esportivos dos atletas, o evento passou a gerar um sentimento patriótico tanto nos participantes, como na população dos países, enaltecendo símbolos nacionais como bandeiras e hinos que eram exibidos a todo o momento nas cerimônias de abertura e premiação (SIGOLI; DE ROSE JR, 2004). 33 Assim, percebendo o potencial político que o esporte tinha de mobilizar o povo, os governos passaram a investir na especialização e treinamento de atletas como jamais visto, levando a criação das políticas públicas para o desporto e das “Ciências do Esporte” (BETTI, 1991; GONZÁLEZ, 1993 APUD SIGOLI; DE ROSE JR, 2004). Dessa forma o esporte foi crescendo, junto com o número de modalidades e praticantes, paralelamente à intervenção e controle do estado na maioria das nações (TUBINO, 1993). Conforme Tubino (1993) o desporto passou a ignorar a perspectiva pedagógica idealizada por Coubertain, e foi aos poucos se apropriando do princípio do rendimento, que conforme Bracht (2011) associou-se assim cada vez mais o esporte aos pressupostos do capitalismo moderno na busca por rendimento. Segundo Da Costa (1988), o próprio Barão de Coubertain não estava satisfeito com os rumos do esporte, e tentou amenizar os exageros em 1930, publicando a “Carta da Reforma Esportiva”, onde para o idealizador das Olimpíadas: “[...] o esporte estaria sendo acusado na época, de contribuir para a ‘fadiga física’, regressão intelectual e difusão do espírito mercantil [...]” (DA COSTA, 1988, p. 102). Na carta, Coubertain culpa os educadores, o poder público, as federações e a mídia pelos rumos do esporte e determina que fossem claras as definições de esporte para desenvolver a cultura física e para competição; também incentiva o desporto individual para adultos e a ludicidade no esporte da juventude (DA COSTA, 1988). Com certeza, os Jogos Olímpicos foram os principais responsáveis pela universalização da Instituição Esportiva, visto que propagaram um modelo esportivo com padrões de funcionamento, regras e normas de conduta, mas também acarretaram conflitos internos entre países (BETTI, 1991). 34 Fonte: viajento.files.wordpress.com Durante a evolução esportiva, conforme Sigoli e De Rose Jr. (2004), as nobres ideias de Coubertain foram usadas para objetivos que não aqueles previstos na Carta Olímpica, onde os governos passaram a se utilizar do esporte em benefício próprio na luta por prestígio mundial para continuarem com os regimes políticos impostos, transformando as Olimpíadas e os Campeonatos Mundiais em uma disputa de interesses políticos e econômicos entre nações e corporações3. 4 O ESPORTE NO BRASIL No Brasil, podemos dividir em cinco fases os estudos relacionados à História do Esporte. A primeira engloba as pioneiras produções, publicadas na virada dos séculos XIX e XX. Um dos autores que primeiro escreveu sobre os aspectos históricos do turfe, no ano de 1893, curiosamente observava: “Mais vale tarde do que nunca. Já não é cedo 3 ESTEVES, Bruno Botti. A trajetória do esporte moderno: dos primórdios ao fenômeno social. [S. l.: s. n.], 2014. Disponível em: https://www.efdeportes.com/efd199/a-trajetoria-do-esporte-moderno.htm. Acesso em: 21 ago. 2019. 35 para se escrever a história do turfe nacional, história que, na falta de testemunhas oculares e de documentos já hoje raríssimos, poderá ser para o futuro adulterada” (Pacheco, 1893, p.7). No caso do remo, também se pode perceber preocupação semelhante em 1909, no livro de Alberto Mendonça, que junto com Ernesto Curvello Júnior foi um dos primeiros a sistematizar observações sobre sua história: Evidentemente sabido é que dificuldades de monta teríamos de encontrar na compilação de fatos históricos sobre a vida deste esporte, assim como na coleção de documentos a ele referente; porquanto, até a presente data é conhecida de sobejo a deficiência das publicações sobre o nosso movimento esportivo, hoje, felizmente, em grau de desenvolvimento notório (MENDONÇA, 1909, s.p.). Embora de grande importância, tais trabalhos são, na verdade, esforços de preservação da memória, sem a preocupação de uma discussão mais ampla e crítica, escritos por antigos praticantes e/ou apaixonados pelo esporte que acompanharam de perto o desenvolvimento das modalidades. A segunda fase (décadas de 1920-1930) é marcada por uma preocupação maior com a história da educação física e da ginástica, ainda que com caráter embrionário: a produção nacional era pequena, era comum a utilização de livros importados. Destacam- se o livro de Laurentino Lopes Bonorino e colaboradores (1931), primeira publicação específica do gênero escrita no Brasil, e as contribuições de Fernando de Azevedo. Ambosenfatizavam abordagens mundiais, promovendo uma leitura da Antiguidade Clássica e da história europeia. Essas obras, a despeito da importância, lançam as bases de uma abordagem que marcou durantes anos nossos estudos: a utilização restrita de fontes; um caráter “militante”, a história servindo para provar e legitimar posições previamente estabelecidas; a preocupação exacerbada com o levantamento de datas, nomes e fatos; uma abordagem centrada fundamentalmente na experiência de grandes expoentes; o uso de uma periodização política geral em detrimento de uma periodização interna. A terceira fase (décadas de 1940-1980) é marcada pelo aumento da produção. Desse período temos que ressaltar a obra de Inezil Penna Marinho, um dos maiores estudiosos da história da educação física e do esporte no Brasil: se suas iniciativas não significaram uma completa ruptura com as características da fase anterior, possuem uma 36 sensível diferença, principalmente no que se refere à compreensão teórica e metodológica. A obra de Inezil é um exemplo de estudo histórico bem desenvolvido nos padrões de uma abordagem factual. As diferenças começam nos seus investimentos na história brasileira, até então pouco abordada, e passam por sua erudição e pela utilização de fontes diversificadas. Na verdade, nos seus últimos artigos já se pode identificar mudanças, que apontam para uma perspectiva mais crítica e interpretativa da história. É também dessa fase a importante obra de Mário Filho, na qual se destaca O negro no futebol brasileiro (a primeira edição é de 1947). Dialogando com as considerações de Gilberto Freyre acerca de uma possível originalidade brasileira na forma de jogar, o jornalista envolvia claramente o velho esporte bretão na construção de discursos acerca da identidade nacional. A despeito das muitas polêmicas que a cercam, trata-se inegavelmente de leitura obrigatória. A quarta fase (década de 1980) é marcada pela crítica e pelo anúncio de redimensionamento dos estudos anteriores, a partir fundamentalmente de uma inspiração teórica marxista. Embora as obras desse momento tenham significado uma importante mudança de enfoque, problemas anteriores persistem, além de um novo ter emergido (ou reaparecido): Metodologicamente as obras são mais confusas e incompletas. Como exemplos, podemos citar os estudos de Castellani Filho (1988) e Ghiraldelli Junior (1988). 37 Fonte: br.freepik.com A periodização continua a se submeter a especificidades exteriores ao objeto, referendando uma impressão de linearidade tão presente nas fases anteriores. A história é entendida como responsável por explicar linearmente o presente, fato agravado por uma compreensão que parte para o passado com hipóteses confirmadas a priori. A exasperação da crítica ao caráter factual que marcou a fase anterior resultou no dispensar de datas, fatos e nomes, em uma deficiente operação das fontes. Em momento semelhante, mas fora desse cenário anterior, já nos anos finais da década de 1970 e no decorrer da seguinte, percebe-se a realização com maior frequência de investigações sociológicas e antropológicas ligadas ao esporte, entre as quais se destacam as fundamentais contribuições pioneiras de José Sérgio Leite Lopes, Simoni Lahud Guedes, Roberto DaMatta e Maurício Murad. Nessa esteira, desde a década de 1990, em diversas áreas de conhecimento (História, Educação Física, Educação, Economia, Comunicação Social, Antropologia, Sociologia, entre outras) identifica-se a proliferação de estudos do esporte na interface com o arcabouço das ciências humanas e sociais. É notável o aperfeiçoamento das 38 iniciativas de pesquisa: busca-se discutir com maior profundidade a presença e o papel da prática nos diversos quadros socioculturais. A quinta e atual fase (a partir da década de 1990), portanto, é marcada por uma maior sistematização e institucionalização dos estudos e pela configuração mais clara da História do Esporte como um campo de investigação. Curiosamente, esse movimento de conformação do campo teve início não no âmbito da disciplina História, mas sim na área de Educação Física, tendo como marcos a criação de um grupo dedicado ao tema, na Universidade Estadual de Campinas, e a realização dos Encontros Nacionais de História da Educação Física e do Esporte. Um fato importante, pelo aspecto pioneiro, merece ainda ser lembrado: a realização do I Congresso de Filosofia, História, Sociologia e Educação Física Comparada, em agosto de 1990, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro; provavelmente a primeira experiência especificamente organizada para discutir o assunto no país. Na área de História, durante mais tempo persistiram as ressalvas ou pouca consideração da importância do tema. Patrícia Falco Genovez (1998) abordou com propriedade tal questão. A autora demonstra como obras importantes, que apontam para a necessidade da construção de uma história social e/ou cultural mais ampla, sequer citam o esporte como objeto de estudo. Mais ainda, constata que até o final da década de 1990, no interior das reuniões científicas importantes na área, como nos eventos promovidos pela Associação Nacional de História (Anpuh), raros foram os trabalhos sobre o assunto. Para Genovez (1998, p.9), não se percebia que: [...] o esporte como um objeto de estudo capaz de mostrar as mais tênues nuances das relações sociais que, fora da lógica esportiva, parecem excludentes, como a competição e a cooperação ou o conflito e a harmonia. É, justamente, por abrir esta possibilidade de análise que podemos pensar no esporte como um objeto da história social ou da história cultural. Há que se celebrar a paulatina superação desse distanciamento: cada vez mais a História do Esporte parece menos estranha e tem sido aceita nos fóruns da disciplina História. Isso certamente tem relação com mudanças no campo geral (a História se abre mais para novas possibilidades de investigação), no campo específico (a própria consolidação da História do Esporte, inclusive com a melhora da qualidade das pesquisas realizadas), na própria universidade brasileira (menos preconceituosa com temas 39 relacionados à cultura popular), mas também com a incrível força do fenômeno esportivo no cenário contemporâneo, algo denotado no Brasil, inclusive porque o país mais frequentemente faz parte do circuito internacional de grandes eventos esportivos, o que vai culminar com a realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e com os Jogos Olímpicos de 2016. Enfim, embora estejamos nos momentos iniciais, e ainda tenhamos uma longa trajetória a ser trilhada, há alvissareiros sinais de que caminhamos para a consolidação da História do Esporte no Brasil4. 5 A EDUCAÇÃO DO CORPO E A ESCOLARIZAÇÃO DAS PRÁTICAS CORPORAIS O corpo é a base de percepção e organização da vida humana nos sentidos biológico, antropológico, psicológico e social. Dessa forma, o nosso falar, olhar, andar, sentir e pensar representam modos de vida, podendo-se dizer que o corpo é um corpo no mundo. Embora o corpo se constitua num universo de vida e para a vida, na escola tem sido desconsiderada a atividade motora das crianças desde os primeiros dias de aula, com restrições ao seu modo de ser e agir. Portanto, resgatar a motricidade humana nos parece ser o primeiro passo para a (re) integração do “corpo” na escola, pois não se passa da atividade simbólica (representações mentais), do mundo concreto, com o qual o sujeito se relaciona, sem a atividade corporal – o elo de ligação. “(...) o corpo não é, pois um objeto. Pela mesma razão, a consciência que tenho não é um pensamento, quer dizer que não posso decompô-lo e recompô-lo para formar dele uma ideia clara. Sua unidade é sempre implícita e confusa. Ele é sempre outra coisa além do que é, sempre sexualidade ao mesmo tempo que liberdade, enraizado na natureza no momentomesmo em que se transforma pela cultura, nunca fechado sobre si mesmo, e nunca ultrapassado. Se se trata do corpo de outro ou de meu próprio corpo, não tenho outro meio de conhecer o corpo humano senão vivendo-o, quer dizer, retomar por minha conta o drama que o atravessa e me confundir com ele. Sou, pois meu corpo (...)” (CAVALARI, 1996, p. 47-8) 4 MELO, Victor Andrade de; FORTES, Rafael. . In: MELO, Victor Andrade de; FORTES, Rafael. História do Esporte: PANORAMA E PERSPECTIVAS. [S. l.: s. n.], 2010. Disponível em: http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/FRONTEIRAS/article/download/1180/724. Acesso em: 21 ago. 2019. 40 Propomos o conceito de corporeidade como o nosso ponto de partida para trabalhar os componentes motores que estão ligados ao processo de escolarização, pois esta integra tudo o que o homem é e pode manifestar neste mundo: espírito, alma, sangue, ossos, nervos, cérebro, etc. Com o paradigma da corporeidade rompe-se com o modelo cartesiano, não havendo mais distinção “entre essência e existência, ou a razão e o sentimento. O cérebro não é o órgão da inteligência, mas o corpo todo é inteligente; nem o coração, a sede dos sentimentos, pois o corpo inteiro é sensível. O homem deixou de ter um corpo e passou a ser um corpo”. (FREITAS, 1999, 62) Fonte: segs.com.br Na visão desta autora, a corporeidade implica a inserção de um corpo humano em um mundo significativo, a relação dialética do corpo consigo mesmo, com outros corpos expressivos e com os objetos do seu mundo, significando dizer que se torna o espaço expressivo por demarcar o início e o fim de toda ação criadora, o início e fim de nossa condição humana. De forma que o nosso corpo, como corporeidade, como corpo vivenciado, não é o início e nem o fim, é sempre o meio, no qual e por meio do qual o processo da vida se perpetua. O corpo deixa de ser análise para se tornar síntese, bem como o conceito de corporeidade situa o homem como um “corpo no mundo”, uma totalidade que age movida por intenções. 41 Resgatar a motricidade humana nos parece ser o primeiro passo para a (re) integração do “corpo” na escola, pois não se passa da atividade simbólica (representações 783 mentais), do mundo concreto, com o qual o sujeito se relaciona, sem a atividade corporal – o elo de ligação. Portanto, propomos a corporeidade como um novo paradigma capaz de romper com o modelo cartesiano por não apresentar mais a distinção entre a essência e a existência, ou seja, a razão e o sentimento. 5.1 O Corpo na Escola “O corpo é um dos mais fortes vetores de construção de identidade no mundo contemporâneo, expressão de diferentes linguagens que encontram lugar, entre outros, nas ciências, nas artes e nos esportes”. (VAZ, 2002, p. 91) No âmbito das atividades corporais, o corpo, presente nas escolas, tem sido estudado tanto na esfera da Educação Física quanto em outras disciplinas. Na Educação Física, enquanto objeto de investigação, vislumbra no movimento corporal, motricidade humana, a sua área de estudo e os indicativos de uma cultura corporal de movimento ou, simplesmente, cultura de movimento. Na escola, o corpo, como objeto de disciplina escolar, será caracterizado sob o enfoque da infância, da pré-adolescência e adolescência, das relações sociais, do desenvolvimento humano, da “linha de montagem do homem do sistema” – o que caracterizaria a instituição escolar apenas como uma “fabrica” e não como um centro de formação humana do qual todos nós somos corresponsáveis. Em se tratando de Educação Física cabe ressaltar que... “A Educação Física escolar que temos hoje é tributária da tradição ocidental, da matriz europeia, dos projetos políticos-pedagógicos da Grécia e do iluminismo, da Paidéia e da Bilding. (...) Essa tradição humanista, herdeira também do Renascimento, conjuga formação intelectual, ética, estética e corporal, todas imbricadas no mesmo projeto”. Na tradição do Aufklärung, das luzes e da autonomia, os métodos ginásticos e também os jogos e esportes desempenharam um importante papel na formação dos corpos e espíritos. Eles não foram tema exclusivo da escola, é certo, mas nela encontraram um importante espaço, também “científico”, de realização”. (VAZ, 2002, p.. 88-89) 42 Nesta trajetória, das práticas corporais, a ginástica surgiu ou foi resgatada na sociedade ocidental, moderna, como um movimento de natureza popular sem qualquer relação com a instituição escolar, tendo sido identificada por seus métodos, escolas e país de origem de seus estudiosos. Por exemplo, no Brasil, os métodos mais conhecidos foram o francês, alemão e sueco. Porém, o mais divulgado e adotado foi o método francês. Embora estes métodos não tenham sido pensados inicialmente para a escola foram adaptados em princípios e fins para esta realidade. De forma que esta ginástica “compreendia exercícios individuais, em duplas, quartetos; o ato de levantar e transportar pessoas e objetos; esgrima; danças; jogos e posteriormente, já no final do século XIX, os jogos esportivos; a música; o canto e os exercícios militares” (SOARES, 1996, p.8). Porém, o que mais chama atenção, apesar da abrangência e diversidade de conteúdos de ensino, é que se tem claro a sua especificidade, pois as “ciências que dão suporte aos estudos e pesquisas deste conteúdo são aquelas de natureza física e biológica” e, aqueles que pensaram a atividade física, “a partir de parâmetros científicos, (...), o fizeram com os instrumentos de seu tempo“ (p. 8-9). A partir do século XX o termo Ginástica foi substituído pelo de Educação Física, dando lugar à educação do gesto e a um conteúdo de natureza esportiva. “A abrangência anterior perde terreno para a aula como o lugar do treino esportivo e do jogo esportivo como conteúdo senão único, certamente predominante. As partes constitutivas de uma aula são ditadas pela Fisiologia, agora já acrescida do item ‘esforço’, do que pela Pedagogia” (SOARES, 1996, p. 9). Todavia, apesar de haver predominância do esporte nas aulas de Educação Física, esta mantinha uma especificidade, sendo o seu conteúdo de domínio daquele que ensina. Mas esta situação será alterada no final dos anos 70, quando cede lugar para a Psicomotricidade, sendo considerada esta mudança “um dos momentos mais ricos e mais contraditórios de sua história recente. ” (p. 9) “Com o advento da psicomotricidade - enfatizando-se as qualidades perceptivas, neuromotoras, neuromusculares, o domínio corporal e, por extensão, o domínio de si mesmo - a Educação Física ganhou um conteúdo próprio para a área escolar, tendo no corpo a sua referência máxima (como estudo e área de conhecimento). Mergulha-se num outro universo teórico, metodológico e linguístico. Descobre-se que se está na escola para algo maior que é a formação integral da criança, tornando a Educação Física um meio para aprender as diferentes matérias” (p. 9). 43 Dessa forma, com a psicomotricidade, vislumbra-se o perfil de um professor voltado para a aprendizagem, cabendo lembrar que esta estuda o homem na sua unidade como pessoa, pois “a intervenção psicomotora então se situa em âmbito global, numa tentativa de modificar toda uma atitude em relação ao seu corpo, como lugar de sensação, expressão e criação” (NICOLA, 2004, p. 5). Porém, os pressupostos teóricos que fundamentaram a Educação Física na Educação Infantil, e evidenciaram a psicomotricidade como referencial capaz de dar conta da especificidade do trabalho pedagógico junto às crianças, também indicaram que o assunto merece ser aprofundado. Fonte: facebook.com/profdeeducacaofisica O conhecimento produzido pela educação psicomotora vem sendo, há algum tempo, “o conteúdo” das aulas ministradas tanto às crianças da educação infantil quanto das primeiras séries do ensino fundamental. Mas este procedimento também tem suscitado críticas à psicomotricidade
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