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Carlos H. Dacoregio Perin MEDICINA XLII Fisiologia Cardíaca Fisiologia do Músculo Cardíaco O coração é composto por três tipos principais de músculo: o músculo atrial, o músculo ventricular e as fibras especializadas excitatórias e condutoras. Os tipos atrial e ventricular de músculo contraem-se quase como os músculos esqueléticos, mas com duração muito maior da contração. Já as fibras excitatórias contraem fracamente por conterem poucas fibras contráteis, mas apresentam descargas elétricas rítmicas automáticas, na forma de potenciais de ação, ou fazem a condução desses potenciais de ação pelo coração, representando sistema excitatório que controla os batimentos rítmicos. O Miocárdio é um Sincício. As áreas escuras são os discos intercalados, os quais são membranas celulares que separam as células miocárdicas umas das outras. Ou seja as fibras do músculo cardíaco são feitas de muitas células individuais, conectadas com as outras. Em cada discos intercalar as membranas se fundem formando junções comunicantes, que permitem rápida difusão, quase totalmente livre, dos íons. Dessa forma o miocárdio forma um sincício de muitas células, que estão interconectadas, assim quando uma célula é excitada, o potencial de ação se espalha rapidamente para todas. O coração é composto por dois Sincícios: Atrial forma as paredes dos dois átrios Ventricular que forma as paredes dos ventrículos Os átrios são separados dos ventrículos por tecido fibroso que circunda as aberturas das valvas atrioventriculares. Normalmente, os potenciais não atravessam essa barreira fibrosa para atingir diretamente os ventrículos a partir do sincício atrial. Em vez disso, eles são conduzidos por meio de sistema especializado de condução, chamado feixe A-V, o feixe de fibras condutoras. POTENCIAIS DE AÇÃO NO MÚSCULO CARDÍACO O potencial de ação, registrado na fibra ventricular cardíaca tem, em média, 105 milivolts, significando que o potencial intracelular passa de valor muito negativo, por volta de -85 milivolts entre os batimentos, para valor ligeiramente positivo, em torno de +20 milivolts, durante cada batimento. Após o potencial em ponta (spike) inicial, a membrana permanece despolarizada durante cerca de 0,2 segundo, exibindo um platô, a presença desse platô no potencial de ação faz a contração muscular ventricular durar até 15 vezes mais que as contrações observadas no músculo esquelético. Após esse processo segue a repolarização abrupta. Duas grandes diferenças nas características das membranas dos músculos cardíaco e esquelético explicam o potencial de ação prolongado e o platô encontrado no miocárdio: 1° No músculo cardíaco, o potencial de ação é originado pela abertura de canais de dois tipos: os canais rápidos de sódio ativados por voltagem; e (2) o grupo de cálcio do tipo L (canais lentos de cálcio), que também são referidos como canais de cálcio-sódio. Essa população de canais difere dos canais de sódio rápidos por serem mais lentos para se abrir e, mais importante, por continuarem abertos por vários décimos de segundo. Nesse tempo, uma grande quantidade de íons cálcio e sódio penetra nas fibras miocárdicas por esses canais e essa atividade mantém o prolongado período de despolarização, causando o platô do potencial de ação. 2° Imediatamente após o início do potencial de ação a permeabilidade da membrana celular miocárdica aos íons potássio diminui. Assim a redução da permeabilidade ao potássio diminui a saída dos íons potássio com carga positiva durante o platô do potencial de ação e, assim, impede o retorno rápido do potencial de ação para seu nível basal Carlos H. Dacoregio Perin MEDICINA XLII Fases de Potencial de ação do Miocárdio Fase 0 Despolarização, os canais rápidos de sódio abrem. O potencial de membrana alcança cerca de +20 milivolts antes dos canais de sódio encerrarem. Fase 1 Despolarização inicial, os canais rápidos de sódio encerram, a célula começa a repolarizar e os íons potássio saem da célula através dos canais de potássio abertos. Fase 2 Platô, os canais de cálcio abrem e os canais rápidos de potássio encerram. Ocorre uma breve repolarização inicial e o potencial de ação alcança um platô em consequência de (1) maior permeabilidade dos íons cálcio; e (2) diminuição da permeabilidade dos íons potássio. Fase 3 Polarização rápida, os canais de cálcio encerram e os canais lentos de potássio abrem, permitindo que os íons potássio saiam rapidamente da célula. Isso põe fim ao platô e retorna o potencial de membrana da célula ao seu nível de repouso. Fase 4 Potencial de membrana de repouso, com valor médio aproximado de –90 milivolts. Velocidade de Condução do Sinal no Miocárdio A velocidade de condução do sinal excitatório do potencial de ação, tanto nas fibras musculares atriais quanto nas ventriculares, é em torno de 0,3 a 0,5 m/s. Período Refratário do Miocárdio O período refratário do coração é o intervalo de tempo durante o qual o impulso cardíaco normal não pode reexcitar área já excitada do miocárdio. Existe ainda o período refratário relativo durante o qual é mais difícil excitar o músculo do que nas condições normais, mas que pode ser excitado por impulso excitatório mais intenso. ACOPLAMENTO EXCITAÇÃO-CONTRAÇÃO– A FUNÇÃO DOS ÍONS CÁLCIO E DOS TÚBULOS TRANSVERSOS O termo “acoplamento excitação-contração” refere-se ao mecanismo pelo qual o potencial de ação provoca a contração das miofibrilas. No miocárdio assim como no músculo esquelético, quando o potencial de ação cursa pela membrana do miocárdio, o potencial de ação se difunde para o interior da fibra muscular, passando ao longo das membranas dos túbulos transversos (T). Assim o potencial dos túbulos T age nas membranas dos túbulos sarcoplasmáticos longitudinais para causar a liberação de íons cálcio pelo retículo sarcoplasmático no sarcoplasma muscular Grande quantidade de íons cálcio adicionais também se difunde para o sarcoplasma, partindo dos próprios túbulos T no momento do potencial de ação por canais dependentes de voltagem na membrana de túbulos T. Esses íons de cálcio interagem com a troponina para iniciar a formação de pontes cruzadas (contração). O retículo sarcoplasmático do miocárdio é menos desenvolvido que o do músculo esquelético e não armazena cálcio suficiente para produzir a contração completa, sendo portanto fundamental esse cálcio adicional dos túbulos T. Ao final do platô do potencial de ação cardíaco os íons cálcio no sarcoplasma são rapidamente bombeados de volta para fora das fibras musculares, tanto para o retículo sarcoplasmático (Bomba de Cálcio) quanto para o líquido extracelular dos túbulos T (Bomba sódio-Calcio), o sódio vindouro dessa bomba é expelido pela bomba de Na+/K+. Carlos H. Dacoregio Perin MEDICINA XLII Ciclo Cardíaco O conjunto dos eventos cardíacos, que ocorre entre o início de um batimento e o início do próximo, é denominado ciclo cardíaco Diástole e Sístole A duração total do ciclo cardíaco, incluindo a sístole e a diástole, é a recíproca da frequência cardíaca. As três curvas superiores exibem as variações da pressão na aorta no ventrículo esquerdo e no átrio esquerdo, respectivamente. A quarta curva representa as variações do volume ventricular esquerdo; a quinta, o eletrocardiograma; e a sexta, um fonocardiograma, que é o registro dos sons produzidos pelo coração sobretudo pelas válvulas cardíacas durante o bombeamento Relação do Eletrocardiograma com o Ciclo Cardíaco O eletrocardiograma é composto pelas ondas P, Q, R, S e T. Elas são voltagens elétricas geradaspelo coração e registradas pelo eletrocardiógrafo na superfície do corpo. Onda P Causada pela disseminação da despolarização pelos átrios, isso é seguido pela contração atrial. Ondas QRS Surgem como resultado da despolarização elétrica dos ventrículos, o que inicia a contração ventricular e faz com que a pressão ventricular comece a aumentar. Portanto, o complexo QRS se inicia pouco antes do início da sístole ventricular. Onda T ventricular Representa o estágio de repolarização dos ventrículos quando suas fibras musculares começam a relaxar, surgindo pouco antes do término da contração ventricular. Os Átrios Funcionam como Pré-bombas para os Ventrículos Cerca de 80% do sangue fluem diretamente dos átrios para os ventrículos, os 20% adicionais para acabar de encher os ventrículos é proveniente da contração atrial. O coração pode continuar operando, na maioria das circunstâncias, mesmo sem esses 20% a mais de eficiência, devido ao alto suprimento percentual sanguíneo em uma contração ventricular. Assim, quando os átrios deixam de funcionar a diferença dificilmente será notada, a menos que a pessoa se exercite; sinais agudos de insuficiência cardíaca podem, por vezes, aparecer, principalmente falta de ar. No gráfico anterior ao analisar-se a curva de pressão atrial, nota-se três pequenas elevações de pressão, chamadas de ondas a, c e v: Onda a É causada pela contração atrial Onda c Ocorre quando os ventrículos começam a se contrair, é provocada pelo ligeiro refluxo de sangue para os átrios, mas principalmente pelo abaulamento para trás das valvas A-V. Onda v Ocorre perto do final da contração ventricular; ela resulta do lento fluxo de sangue das veias para os átrios FUNÇÃO DOS VENTRÍCULOS COMO BOMBAS Os Ventrículos se Enchem de Sangue durante a Diástole. Assim que a sístole termina e as pressões ventriculares retornam aos baixos valores diastólicos, as pressões moderadamente altas que se desenvolveram nos átrios durante a sístole ventricular forçam de imediato as valvas A-V a se abrirem. É o chamado período de enchimento rápido ventricular, que ocorre aproximadamente durante o primeiro terço da diástole. Durante o último terço da diástole, os átrios se contraem, dando impulso adicional ao fluxo sanguíneo para os ventrículos, o que corresponde aos 20% do volume já mencionado. Carlos H. Dacoregio Perin MEDICINA XLII Ejeção de Sangue dos Ventrículos Durante a Sístole Período de Contração Isovolumétrica (Isométrica) É o período em que a tensão aumenta no músculo cardíaco, mas ocorre pouco ou nenhum encurtamento das fibras musculares, sem ocorrência de esvaziamento. Acontece imediatamente após o início da contração ventricular, a pressão ventricular sobe, de modo abrupto, fazendo com que as valvas A-V se fechem. É também delimitada entre o fechamento da valva atrioventricular e a abertura das semilunares. Período de Ejeção No momento em que a pressão do ventrículo esquerdo passa levemente de 80 mmHg e 8mmHg no direito, a pressão ventricular força a abertura das valvas semilunares. Imediatamente, o sangue começa a ser lançado para diante, para as artérias. Período de Relaxamento Isovolumétrico (Isométrico) Ao final da sístole o relaxamento ventricular provoca uma queda abrupta da pressão intraventricular, a qual diminui rapidamente retornando a valores diastólicos. Para que não haja um refluxo de sangue para o ventrículo as valvas semilunares são fechadas. É então que as valvas A-V se abrem para iniciar novo ciclo de bombeamento ventricular. É também delimitada entre o fechamento das semilunares e a abertura das valvas atrioventriculares. Volume Diastólico Final Volume de sangue que se encontra em cada câmara ventricular ao final de uma diástole, 110 a 120 mL. Volume Sistólico Final A quantidade restante de sangue em cada ventrículo, é chamada volume sistólico final, de 40 a 50 mL. Débito Sistólico Volume de sangue ejetado durante a sístole, o volume diminui por aproximadamente 70 mL. Relação entre os Sons Cardíacos e o Bombeamento Cardíaco Ao auscultar o coração não se ouve a abertura das valvas. Porém, quando essas valvas se fecham, os folhetos valvares e os líquidos que as banham vibram sob a influência da variação abrupta da pressão, originando sons que se disseminam em todas as direções do tórax. Na contração ventricular, ouve-se primeiro o som causado pelo fechamento das valvas A-V. O timbre da vibração é baixo (grave) e com duração relativamente longa, e é chamada primeiro som cardíaco (ou primeira bulha), seu barulho é o ‘TUM’. Quando as valvas aórtica e pulmonar se fecham, ao final da sístole, ouve-se rápido estalido por elas se fecharem rapidamente e os tecidos circundantes vibrarem por curto período. Esse é então o segundo som cardíaco (segunda bulha), seu barulho o tá. ANÁLISE GRÁFICA DO BOMBEAMENTO VENTRICULAR O diagrama a seguir é utilizado para explicar, principalmente, a mecânica do bombeamento do ventrículo esquerdo. Os componentes mais importantes desse diagrama são as duas curvas denominadas “pressão diastólica” e “pressão sistólica”. A curva de pressão diastólica é determinada pelo enchimento do coração com volumes progressivamente crescentes de sangue. Já a curva de pressão sistólica é determinada pela medida da pressão sistólica, durante a contração ventricular, para cada volume de enchimento. Durante a contração ventricular, a pressão “sistólica” se eleva, mesmo com volumes ventriculares baixos, e atinge o máximo com volumes entre 150 e 170 mL A energia potencial (PE) representa o trabalho adicional que poderia ser realizado pela contração do ventrículo se o ventrículo devesse esvaziar completamente todo o sangue na sua câmara, a cada contração. Produção de Trabalho pelo Coração O trabalho sistólico do coração é a quantidade de energia que o coração converte em trabalho a cada batimento, ao bombear o sangue para as artérias. Carlos H. Dacoregio Perin MEDICINA XLII Diagrama Volume-Pressão durante o Ciclo Cardíaco; O Trabalho Cardíaco. As linhas vermelhas formam a alça denominada diagrama volume-pressão do ciclo cardíaco para o funcionamento normal do ventrículo esquerdo (Usado como referência nessas analises). (EW Trabalho externo efetivo). Essa alça é dividida em quatro fases: Fase 1 Período de enchimento. O volume que já estava no coração (No gráfico 50ml) no período de enchimento é chamado de volume sistólico final, chegando ao volume diastólico final de cerca de 120ml. Fase 2 Período de contração isovolumétrica, na qual o volume ventricular não se altera pois todas as valvas estão fechadas. No entanto, a pressão no interior do ventrículo aumenta até igualar a pressão na aorta, no valor em torno de 80 mmHg. Fase 3 Período de ejeção, momento em que a pressão ventricular aumentar ainda mais, para que o sangue posso ser expelido e o volume ventricular reduzido. Fase 4 Período de relaxamento isovolumétrico, ao final do período de ejeção a válvula aórtica se fecha e a pressão ventricular retorna ao valor da pressão diastólica. Conceitos Pré-carga e Pós-Carga Pré-Carga Grau de tensão do músculo quando ele começa a se contrair. Para a contração cardíaca, a pré-carga é geralmente considerada como a pressão diastólica final quando o ventrículo está cheio. Pós-Carga Carga contra a qual o músculo exerce sua força contrátil, é a pressão na aorta à saída do ventrículo. REGULAÇÃO INTRÍNSECA DO BOMBEAMENTO CARDÍACO — O MECANISMO DE FRANK-STARLING A capacidade intrínseca do coração de seadaptar a volumes crescentes de afluxo sanguíneo (retorno venoso) é conhecida como mecanismo cardíaco de FrankStarling. Esse mecanismo afirma que quanto mais o miocárdio for distendido durante o enchimento, maior será a força da contração e maior será a quantidade de sangue bombeada para a aorta. Curvas de Função Ventricular Essas curvas expressam a capacidade funcional dos ventrículos para bombear o sangue. O diagrama ao lado apresenta um tipo de curva denominada curva do trabalho sistólico. Repare que, à medida que a pressão atrial aumenta em qualquer dos lados do coração, o trabalho sistólico desse mesmo lado também aumenta, até alcançar seu limite de capacidade de bombeamento ventricular. O outro diagrama ao lado mostra outro tipo de curva de função ventricular, chamada curva do volume ventricular. Quando se elevam as pressões atriais esquerda e direita, o volume ventricular por minuto respectivo também aumenta. Assim, as curvas de função ventricular são outra maneira de representar o mecanismo de Frank-Starling cardíaco. Carlos H. Dacoregio Perin MEDICINA XLII Controle do Coração pela Inervação Simpática e Parassimpática A eficácia do bombeamento cardíaco é também controlada pelos nervos simpáticos e parassimpáticos (vagos) que inervam de forma abundante o coração. O débito cardíaco, que é a quantidade de sangue bombeada a cada minuto, pode ser aumentada por mais de 100% pelo estímulo simpático. E, por outro lado, o débito pode ser diminuído até zero, ou quase zero, por estímulo vagal (parassimpático). Mecanismos de Excitação Cardíaca pelos Nervos Simpáticos Estímulos simpáticos potentes podem aumentar a frequência cardíaca em pessoas adultas jovens. Além disso, estímulos simpáticos aumentam a força da contração cardíaca até o dobro da normal, aumentando, desse modo, o volume bombeado de sangue e elevando sua pressão de ejeção. A Estimulação Parassimpática (Vagal) Reduz a Frequência Cardíaca e a Força de Contração A forte estimulação das fibras nervosas parassimpáticas dos nervos vagos do coração pode chegar a parar os batimentos por alguns segundos. As fibras vagais estão dispersas, em grande parte, pelos átrios e muito pouco nos ventrículos, onde realmente ocorre a geração da força de contração. Essa distribuição explica o porquê do fato da estimulação vagal ocorrer principalmente sobre a redução da frequência cardíaca e não diminuir de modo acentuado a força de contração. As curvas ao lado demonstram que, para qualquer pressão atrial inicial, o débito cardíaco sobe durante os maiores estímulos simpáticos e cai durante estímulos parassimpáticos intensos. Essas variações do débito, resultantes da estimulação do sistema nervoso autônomo, resultam tanto das variações da frequência cardíaca quanto das variações da força contrátil do coração. EFEITO DOS ÍONS POTÁSSIO E CÁLCIO NO FUNCIONAMENTO CARDÍACO Efeitos dos Íons Potássio O excesso de potássio nos líquidos extracelulares pode fazer com que o coração se dilate e fique flácido, além de diminuir a frequência dos batimentos. Isso ocorre pois o potássio diminui o potencial de repouso das membranas das fibras miocárdicas. Efeito dos Íons Cálcio O excesso de íons cálcio causa efeitos quase opostos aos dos íons potássio, induzindo o coração a produzir contrações espásticas. Por outro lado, a deficiência dos íons cálcio causa fraqueza cardíaca, semelhante à causada pelo aumento do potássio.
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