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Josué Comentário expositivo James Montgomery Boice Copyright © 1989, de James Montgomery Boice Publicado originalmente em inglês sob o título Joshua pela Baker Books, uma divisão da Baker Publishing House, Grand Rapids, MI, 49516, EUA. Todos os direitos em língua portuguesa reservados por EDITORA MONERGISMO SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato Brasília, DF, Brasil — CEP 70.760-620 www.editoramonergismo.com.br 1ª edição, 2020 Tradução: Lidiane Cecílio e Thiago McHertt Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto e Rogério Portella PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE. Todas as citações bíblicas foram extraídas da Versão Almeida Revista e Atualizada (ARA), salvo indicação em contrário. Para o Príncipe do exército do SENHOR. Índice Prefácio 1. O comissionamento do soldado (Josué 1.1-9) 2. No comando (Josué 1.10-18) 3. Raabe contra mundum (Josué 2.1-24) 4. A travessia do Jordão e o fim da jornada (Josué 3.1-5.12) 5. O Comandante do comandante (Josué 5.13-15) 6. Hora de gritar (Josué 6.1-27) 7. Pecado no acampamento (Josué 7.1-8.29) 8. Monte Ebal e monte Gerizim (Josué 8.30-35) 9. O erro de andar pelo que vê (Josué 9.1-27) 10. O dia mais longo (Josué 10.1-5) 11. As campanhas militares do sul e do norte (Josué 10.16-12.24) 12. Repartição da terra (Josué 13.1-19.51) 13. O Ancião magnífico (Josué 14.6-15) 14. As cidades especiais (Josué 20.1-21.45) 15. Adeus às armas (Josué 22.1-34) 16. Passando a tocha (Josué 23.1-16) 17. O último sermão do capitão (Josué 24.1-33) Prefácio Há muitas pessoas influentes de épocas passadas que, por um motivo ou outro, foram ignoradas por seus sucessores. Isso seria verdade sobre Josué, sucessor de Moisés, não fosse o livro do Antigo Testamento (AT) que leva seu nome. Josué é a história desse importante comandante militar, o líder da conquista judaica de Canaã, e a inclusão do livro de Josué em nossa Bíblia é, sem dúvida, o modo divino de chamar a atenção para quem, sem essa inclusão, teria sido ofuscado por completo pelo antecessor. No entanto, a ironia é esta: apesar de termos o livro de Josué na Bíblia — o primeiro livro após o Pentateuco — muitos cristãos são lamentavelmente ignorantes sobre esse homem e sobre o que foi realizado por meio dele nessa importante etapa da história de Israel. Josué era um soldado. Ele era um soldado brilhante, um dos comandantes militares mais extraordinários de todos os tempos. Mas ele não era uma pessoa contagiante, até onde sabemos. É provável que ele fosse apenas um trabalhador, um homem bastante direto cuja principal preocupação era realizar a comissão divina à risca. Não foi marcado por grandes pecados, e cometeu pouquíssimos erros. Em suma, não era o tipo de pessoa que se tornaria o bom herói de um romance. No entanto, Josué era um homem de Deus. Deus disse a ele no começo da conquista: “Tão somente sê forte e mui corajoso para teres o cuidado de fazer segundo toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que sejas bem-sucedido por onde quer que andares” (Js 1.7). Josué fez exatamente isso! E foi bem-sucedido! Ele dirigiu a conquista judaica de Canaã durante sete longos anos, e subjugou todas as grandes fortalezas e cidades da terra. Ele liderou o povo na renovação da aliança com Deus. E no final, quando contava pelo menos 90 anos, desafiou a nova geração a permanecer fiel: Agora, pois, temei ao SENHOR e servi-o com integridade e com fidelidade; deitai fora os deuses aos quais serviram vossos pais dalém do Eufrates e no Egito e servi ao SENHOR. Porém, se vos parece mal servir ao SENHOR, escolhei, hoje, a quem sirvais: se aos deuses a quem serviram vossos pais que estavam dalém do Eufrates ou aos deuses dos amorreus em cuja terra habitais. Eu e a minha casa serviremos ao SENHOR. (Js 24.14, 15) Esse foi um grande desafio, alicerçado pela vida de serviço fiel ao Senhor. O livro de Josué é importante por outras coisas além da história de sua vida. Ele é o que Francis Schaeffer chamou livro-ponte — algo como o livro de Atos. Atos é a ponte entre os Evangelhos, que contam a história de Jesus, e as Epístolas, que lidam com a fé, a vida e os problemas da igreja. Josué é a ponte entre os anos da peregrinação desordenada de Israel no deserto e seu estabelecimento na terra. Isso significa que Josué também é um livro de continuidades, e o principal veículo dessas continuidades é a Palavra de Deus. É verdade que não havia muito da Bíblia naquele tempo — apenas os livros que Deus dera ao povo por meio de Moisés — os primeiros livros do Pentateuco. Mas essas foram revelações suficientes para a época. Elas disseram ao povo escolhido como Deus era e o que esperava deles. Por isso Josué foi instruído a obedecer tudo que eles ensinavam e a não se desviar nem para a direita nem para a esquerda. À medida que tenho estudado Josué, convenci-me da necessidade de sua mensagem para os nossos dias. Existem muitos cristãos professos hoje: cerca de 50 milhões apenas nos Estados Unidos, segundo algumas estimativas. Todavia, parece que não temos muitos Josués. Não são muitos os que, sem tentar ser originais ou espetaculares, decidem obedecer à lei divina em todos os aspectos e, na verdade, obedecem a ela durante uma vida longa de serviço fiel. Não é esse o principal motivo da fraqueza da igreja em nosso país atualmente? E a principal razão do fracasso não é causada pela falta de leitura, estudo, digestão e obediência à Palavra de Deus? Vivemos na era da alfabetização, mas milhares de cristãos são analfabetos bíblicos. Nosso tempo valoriza a liderança, mas muitos se curvam ao vento do secularismo ou são levados pela maré. Ao publicar esses estudos neste importante e fascinante livro desejo expressar meu profundo agradecimento à minha igreja, a Tenth Presbyterian Church, a quem apresentei originariamente o material no inverno entre 1985 e 1986, e The Above Bar Church em Southampton, Inglaterra, a quem os estudos também foram apresentados (em versão abreviada) no verão seguinte. Cada grupo me ajudou com muitos comentários úteis. Em especial, sou grato aos irmãos da congregação da Filadélfia por me permitirem investir grande parte do meu tempo a pesquisar e escrever. Como sempre, minha fiel secretária e assistente editorial Caecilie M. Foelster conferiu o livro e orientou comigo sua produção. Sou sempre muito grato a ela. 1. O comissionamento do soldado (Josué 1.1-9) Sê forte e corajoso, porque tu farás este pov o herdar a terra que, sob juramento, prometi dar a seus pais. Tão somente sê forte e mui corajoso para teres o cuidado de fazer segundo toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que sejas bem-sucedido por onde quer que andares. Não cesses de falar deste Livro da lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido. Não to mandei eu? Sê forte e corajoso; não temas, nem te espantes, porque o SENHOR, teu Deus, é contigo por onde quer que andares. (Jo 1.6-9) O livro de Josué pertence à classe especial de livros bíblicos que recebem o nome da personagem principal. De fato, ele é o primeiro livro desse tipo. Nenhum dos cinco primeiros livros da Bíblia têm nome próprio, embora lide com alguns dos maiores personagens da história: Adão, Noé, Abraão, José, Moisés e outros. O livro de Josué narra a conquista de Canaã pelas tribos de Israel sob o comando do sucessor de Moisés, e recebe dele o nome. Nesse aspecto, ele pertence à classe de livros bíblicos como Rute, 1 e 2 Samuel, Esdras, Neemias, Ester e Jó. É apropriado que o livro seja designado Josué. Embora lide comoutros assuntos, com certeza ele nos mostra o caráter e registra as realizações desse homem extraordinário. Muitas vezes Josué é esquecido, como costuma acontecer com quem sucede um indivíduo de importância especial. Quem se lembra do presidente que sucedeu Abraham Lincoln? Ou do primeiro-ministro depois de Winston Churchill? Como costuma ocorrer, os sucessores geralmente são obscurecidos pelos antecessores. Isso aconteceu com Josué. Pode ser por isso que o livro tenha recebido seu nome. Talvez seja a maneira de Deus dizer: “Você já considerou meu servo Josué? Ele foi extraordinário, fiel e trabalhador. Totalmente dedicado a meu serviço. Você deveria aprender com a história dele”. Suponho que W. Phillip Keller pensava nesse sentido quando escreveu: “[Josué] raras vezes recebe todo o crédito merecido como, talvez, o maior homem de fé que já pisou no palco da história humana. De fato, toda a sua brilhante carreira consistiu no relato simples de apenas dar passos sucessivos em obediência silenciosa aos mandamentos divinos”.[1] Josué não era perfeito, e a façanha de “dar passos sucessivos em obediência silenciosa aos mandamentos divinos” não é o modo de chamar a atenç ão e admiração do mundo. No entanto, a obediência é a chave para a vitória a serviço de Deus, e Josué é um exemplo notável desse ponto. PONTE NA HISTÓRIA O livro de Josué, porém, não é apenas a história de um homem. É também a história de uma conquista — a conquista de Canaã pelas tribos que Moisés tirou do Egito. Isso significa tratar-se de um livro de transição: a mudança da era patriarcal, em que a nação de Israel estava sendo chamada, formada, libertada e treinada, para a era da ocupação estabelecida da terra. Até Josué, não vimos o cumprimento da promessa feita originariamente a Abraão: “Darei à tua descendência esta terra” (Gn 12.7). Haviam se passado mais de 500 anos desde o anúncio da promessa e, finalmente chegou o tempo designado por Deus e o povo avançou para tomar posse dos seus bens. Francis A. Schaeffer ficou impressionado com o elemento da transição e chamou Josué de um livro-ponte. [2] Percebi três abordagens principais do livro de Josué ao pesquisar os comentários básicos. Primeira, existe a abordagem liberal: o livro é considerado principalmente um quebra-cabeça. Ao rejei tar suas alegações históricas, os liberais se esforçam para tentar decidir quem de fato escreveu o livro, quando ele foi escrito e o que aconteceu de verdade. Ao agir assim, os estudiosos podem produzir centenas de páginas de especulações inúteis. Segunda, há a abordagem conservadora ou fundamentalista: Josué é considerado principalmente uma alegoria da vida cristã. Os conservadores não duvidam da historicidade factual de Josué; no entanto, para eles, a história contida ali é muito menos interessante que os paralelos percebidos entre a era antiga e a experiência “espiritual” contemporânea. A terceira abordagem, representada por Schaeffer, considera Josué a ponte histórica em que se enfatiza a continuidade na forma de Deus lidar com seu povo. Arthur W. Pink observa, acho que com alguma justificativa, que essa abordagem pode muito bem ser sugerida pela primeira palavra do texto hebraico, a conjunção hebraica waw, traduzida de modo geral por e. Sim, sei que se trata muitas vezes só de uma questão de estilo literário hebraico. Diversas frases hebraicas começam com e. Mas não é apenas algo casual. Pense comigo. Gênesis não começa com e. Isso já é esperado, pois se trata do livro dos começos e, como resultado, não há nada a que possa estar vinculado antes. Gênesis começa com “Bere’shit bara’ ’Elohim” (“No princípio criou Deus”). O livro seguinte da Bíblia, Êxodo, começa com a conjunção e, bem como Levítico e Números.[3] Isso indica — corretamente — que os livros pertencem um ao outro. Gênesis, Êxodo, Levítico e Números formam uma unidade e são a primeira divisão natural da nossa Bíblia. À primeira vista, pode-se pensar que Deuteronômio, o quinto livro da Bíblia, apresenta um problema para a nossa teoria. O livro não começa com a letra “e”, embora seja o livro culminante do Pentateuco, a pedra angular da lei. No entanto, refletindo, vemos por que isso é razoável. Deuteronômio significa literalmente “a segunda lei”.[4] Trata-se da reafirmação da lei, fato evidenciado pela repetição dos Dez Mandamentos, apresentados pela primeira vez em Êxodo 20, e depois repetidos em Deuteronômio 5. Como lei, os cinco primeiros livros estão conectados. Mas, como história, Deuteronômio marca um novo começo, e o livro de Josué se inicia de acordo com ele. De Josué em diante , cada livro começa com a conjunção e, conectando assim cada novo livro ao anterior, até chegar a 1 Crônicas. Logo, os livros de Deuteronômio até o final de 2 Reis se reúnem e formam a segunda maior divisão histórica da nossa Bíblia. Também por isso Josué é uma ponte. Em Deuteronômio, Moisés é o líder do povo. O livro de Josué começa assim: “Sucedeu, depois da morte de Moisés” (Js 1.1). A partir daí, Josué, o assessor de Moisés, é o líder. Deuteronômio contém instruções sobre o que o povo deve fazer quando conquistar a terra. Josué cita o Senhor dizendo: “Dispõe-te, agora, passa este Jordão, tu e todo este povo, à terra que eu dou — aos filhos de Israel. Todo lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho dado, como eu prometi a Moisés” (Js 1.2, 3). O livro de Josué registra essa conquista, bem como a divisão da terra após a conquista — tudo de acordo com as promessas e o plano de Deus, estabelecido em detalhes específicos em Deuteronômio. Portanto, o primeiro ponto importante de Josué é que os propósitos de Deus não mudam. As pessoas mudam: todos os que contavam 20 anos ou mais e que saíram do Egito com Moisés morreram no deserto. Só a nova geração entrou na terra. Os líderes mudam: Josué substituiu Moisés. Mas Deus não muda. Deus é o mesmo, e os propósitos estabelecidos por ele para seu povo redimido também são os mesmos. PALAVRA ESCRITA A continuidade entre o período patriarcal e o período do assentamento judaico, baseada no caráter e na vontade divina, está focada na Palavra de Deus escrita — constituída nesse período pelo Pentateuco, os cinco primeiros livros da nossa Bíblia. Este é o segundo ponto principal de Josué. Em Josué 1.1-9, existem dois parágrafos. O primeiro (v. 1-5) articula a natureza do registro como um livro-ponte: Moisés está morto e agora Josué deve assumir, sabendo que Deus estaria com ele como esteve com Moisés (v. 5). O segundo parágrafo (v. 6-9) destaca a Palavra de Deus escrita que Josué deveria obedecer enquanto tomava seu lugar na sucessão. De certa forma, esses versículos são os mais importantes de todo o livro; Josué é uma grande figura bíblica pelo fato de ter obedecido a eles. Sê forte e corajoso, porque tu farás este povo herdar a terra que, sob juramento, prometi dar a seus pais. Tão somente sê forte e mui corajoso para teres o cuidado de fazer segundo toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que sejas bem-sucedido por onde quer que andares. Não cesses de falar deste Livro da lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido. Não to mandei eu? Sê forte e corajoso; não temas, nem te espantes, porque o SENHOR, teu Deus, é contigo por onde quer que andares. (Js 1.6-9) Os versículos detalham o relacionamento especial que Josué teria com a lei escrita de Moisés. Algo fundamental aqui é o fato de haver a lei escrita de Moisés e que era essa lei, em vez de alguma intuição natural ou experiência esotérica, que deveria ser o guia e a fonte de bênção de Josué. De todos os muitos comentaristasque conheço sobre o livro de Josué, Francis Schaeffer é o único que enfatiza isso de forma adequada, ao mostrar que a Palavra de Deus escrita é o primeiro e o maior dos muitos fatores imutáveis da história. Os liberais não lhe dão destaque; de fato, nem creem nisso, pois para o liberalismo é fundamental supor que os livros do Antigo Testamento tenham sido escritos muito depois dos acontecimentos descritos neles. Esses livros têm a intenção de apresentar os pontos teológicos de uma era posterior, em vez de relatar a obra de Deus real na história. Segundo a maioria dos estudiosos liberais, o Pentateuco não foi escrito nem mesmo na época da conquista, e Deuteronômio, o último dos cinco livros, chegou muito tarde nesse longo período de desenvolvimento. O entendimento liberal do Pentateuco está envolto no que é chamado teoria JEPD.[5] Cada uma dessas letras representa uma fonte ou período no desenvolvimento do Pentateuco. A letra J representa a “fonte javista”, as partes mais antigas da lei, que usam o nome Javé para Deus. A letra E significa “fonte eloísta”. Esse material usava a designação Elohim para Deus. Em seguida vem a letra P para designar os documentos sacerdotais[6] e, por último, a letra D que repres enta as compilações da escola deuteronomista ou deuteronômica. Julius Wellhausen, que publicou essa teoria em 1878, datou os escritos da lei no século 5 a.C., após o exílio na Babilônia. Essa não é a imagem em Josué. De acordo com os primeiros parágrafos deste livro, Josué tinha a lei de Moisés. Além disso, a lei de Moisés já contava com o status elevado de revelação divina. Isso é algo realmente extraordinário e terrivelmente importante. Aqui está como Francis A. Schaeffer expõe isso: Josué conhecia Moisés, o escritor do Pentateuco, pessoalmente; ele conhecia as forças e fraquezas dele como um homem; ele sabia que Moisés era pecador, que Moisés cometia enganos, que Moisés era apenas um homem. Apesar de tudo, imediatamente depois da morte de Moisés, Josué aceitou o Pentateuco como algo mais que os escritos de Moisés. Ele o aceitou como escritos de Deus. Não foram necessários duzentos ou trezentos anos para que o livro se tornasse sagrado. Para Josué, o Pentateuco era o cânon, e o cânon era a Palavra de Deus. A concepção bíblica sobre a ampliação e a aceitação do cânon é simples assim: quando ele foi dado, o povo de Deus compreendeu que ele era a Palavra. No mesmo instante ele teve autoridade.[7] Isso torna Josué o primeiro dos livros bíblicos modernos, no sentido de refletir uma situação realmente paralela à nossa. A Bíblia apresenta uma verdade atemporal; o Deus de Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio é o Deus imutável — e também o nosso Deus. Mas nos livros anteriores a situação era diferente. Deus falou diretamente a Abraão. Deus se encontrou com Moisés no monte. Embora Josué seja pessoalmente confrontado pelo “príncipe do exército do SENHOR” no capítulo 5, e revelações específicas lhe sejam dadas para a condução da guerra pelo sumo sacerdote, a situação é diferente. Como nós, Josué deveria viver em obediência à Palavra divina escrita e não na esperança de revelações especiais. Mais ainda: é a Palavra escrita que nos liga a Josué — assim ela consistiu no vínculo com Moisés, seu ilustre predecessor. De fato, a Bíblia nos liga a Deus, pois Deus decretou que ele se tornará conhecido só por meio de sua Palavra. COMISSÃO DO COMANDANTE Por mais importante que fosse possuir a Palavra de Deus por escrito, como também a possuímos, isso não foi suficiente para garantir o sucesso de Josué como o novo comandante de Israel. Ele não devia apenas possuir a Bíblia em sentido técnico; deveria possuí-la de modo pessoal. Esse é o cerne do comissionamento divino. Existem quatro partes nele. Josué deveria: 1. Conhecer a Palavra de Deus. Ou seja, ele deveria lê-la e estudá-la. As palavras saber e estudar não são usadas na seção, mas outras palavras as pressupõem. Se a lei de Moisés era o guia de Josué, como esses versículos indicam claramente ser, então Josué deveria saber o que essa lei dizia. Os cinco primeiros livros — a Bíblia da época — não seriam colocados na arca da aliança como relíquia reverenciada para ser vista com admiração de tempos em tempos e nunca tocada. Ao contrário, Josué teria de pegar o livro regularmente ou fazer uma cópia que pudesse manter consigo e, então, ler e estudar enquanto procurava adequar seu pensamento à mente de Deus, o autor do livro. Este é um ponto muito importante. É verdade que no período antigo, antes de Gutenberg ou antes dos escribas conseguirem fazer um número razoável de cópias do texto de Moisés, o povo não possuía exemplares próprios da Bíblia. Mas isso não significa que a Bíblia era inacessível ou que eles tinham uma desculpa para não conhecê-la. Josué deveria ler o livro. Mais tarde, como na cerimônia realizada nos montes Ebal e Gerizim, a lei deveria ser lida na íntegra diante de todo o povo (v. Dt 31.11-13). Também não acho que essa fosse uma ideia nova para Josué, pois não duvido que ele tivesse captado a importância da lei de Moisés nos anos de convívio. Se Moisés passou grande parte dos 38 anos anteriores trabalhando nesses documentos escritos (como ele sem dúvida fez), Josué deve ter sido testemunha do trabalho, tendo chegado a valorizar a lei e conhecê-la até certo ponto. Em outras palavras, ele já deveria ser um estudante da Palavra, mesmo antes de Deus tê-lo comissionado para assumir suas novas responsabilidades. Você procura ser líder em círculos cristãos? Está desejoso de servir a Deus? Um desejo como esse não é ruim; é bom. Mas se seu desejo é servir a Deus como Josué, então você deve se preparar para isso. A melhor maneira possível de se preparar é estudar e conhecer a Palavra de Deus. 2. Falar sobre a Palavra de Deus. O texto diz: “Não cesses de falar deste Livro da lei” (Js 1.8). Claramente, Josué deveria conversar sobre a Bíblia em seu convívio diário habitual com a família, soldados, amigos e outras pessoas que faziam parte da nação. Como isso é contrário ao que acontece com o cristianismo em muitos lugares hoje em dia. Nossos contemporâneos são bastante tolerantes com as pessoas religiosas em alguns aspectos. Considera-se esclarecido respeitar a prática religiosa alheia — desde que ela esteja no devido lugar (na igreja ou sinagoga, no domingo ou no sábado) e não afete o restante da vida. Mas deixe um discípulo de Deus começar a falar sobre a Palavra divina no trabalho ou enquanto janta com amigos ou joga golfe no clube e, de repente, a tolerância começa a desaparecer. “Este não é o lugar para conversarmos sobre religião”, dizem. Se a prática continuar, é provável que o crente tenha de procurar novos amigos. 3. Meditar na Palavra de Deus. A meditação é um passo além do mero conhecimento da Escritura ou de apenas falar sobre ela. Ela abarca o raciocínio sobre a Palavra e a dedução de coisas a partir dela. A meditação objetiva a aplicação. Infelizmente, essa é uma disciplina conhecida por poucos cristãos hoje. Vivemos em uma época de superficialidade e papinha na boca. Como consequência, muitos cristãos pensam que o necessário a ser feito para alguém alcançar o sucesso na vida cristã consiste em ir à igreja, prestar atenção ao sermão, ter alguns amigos cristãos e continuar seus negócios como qualquer um faria. Por isso os cristãos fazem tão pouca diferença na sociedade. Eles pensam como o mundo e, como resultado, agem como ele. Sua conduta e a conduta dos pagãos, com exceção dos pecados mais grosseiros, são indistinguíveis. O que está faltando? O elemento ausente é meditação profunda, genuínae persistente na Palavra de Deus. Só quando a Palavra divina entra na mente e começa a se tornar parte do raciocínio e pensamento cotidiano habitual que começamos a agir de maneira diferente e, assim, fazer a diferença. 4. Obedecer à totalidade da Palavra de Deus. O último elemento na lista de requisitos é o mais importante. Josué não deveria apenas conhecer, falar e meditar sobre a lei de Moisés, mas devia principalmente obedecê-la. Deus disse: “[Tenhas] o cuidado de fazer segundo toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda [...] tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito” (Js 1.7-8). Penso que aqui fracassa grande parte do cristianismo atual. É verdade que muitas vezes não conhecemos a Palavra de Deus como deveríamos. Não falamos disso com tanta frequência nem meditamos com persistência e proveito o quanto deveríamos. Mas na era de erudição amplamente difundida e com muitas igrejas biblicamente orientadas (embora muitas vezes superficiais), a maioria de nós conhece o suficiente da lei de Deus para se sair muito melhor na vida cristã. Sabemos o que é certo; apenas não praticamos o que sabemos. Não somos como o homem justo do salmo 1: “É como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem- sucedido” (v. 3). Somos como os iníquos cujas obras, mesmo que (no caso de crentes genuínos) não sejam eles mesmos, são “como a palha que o vento dispersa” (v. 4). HOMEM PRÓSPERO Quase todos querem ser prósperos no que fazem, mas a maioria falha. Qual é o problema? O problema é que não seguimos a fórmula divina para o sucesso dada a Josué. Segundo a Bíblia, o segredo do sucesso consiste em conhecer a Palavra de Deus, falar sobre ela, meditar nela e, acima de tudo, vivê-la. No mundo de Deus não há substituição para a obediência total. Por isso Josué foi tão bem-sucedido. Ele era um bom soldado, mas não era mais brilhante como comandante que vários outros que percorreram os campos de batalha da história do mundo. Josué era um líder de homens, mas não era mais talentoso que muitos outros. O grande segredo de Josué consistiu transformar em sua função conhecer a lei de Deus e vivê-la. Em Deuteronômio 27, há instruções sobre como a lei deveria ser lida no monte Ebal e no monte Gerizim depois que o povo entrasse e começasse a se apossar da terra. Quando Josué chegou a esse ponto no desenrolar do plano divino, ele agiu exatamente assim — nos mínimos detalhes. Josué não tentou dar palpites sobre as instruções de Deus ou melhorá-las. Além disso, quando chegou ao fim da vida, essa ainda era sua principal preocupação, pois instruiu o povo com quase as mesmas palavras pronunciadas a ele por Deus: “Esforçai-vos, pois, muito para guardardes e cumprirdes tudo quanto está escrito no Livro da lei de Moisés, para que dela não vos aparteis, nem para a direita nem para a esquerda” (Js 23.6). Precisamos disso hoje, não de métodos cada vez mais engenhosos, menos ainda de pessoas cada vez mais inteligentes, mas de obediência inteligente e motivada pela Palavra viva e permanente de Deus. 2. No comando (Josué 1.10-18) Então, deu ordem Josué aos príncipes do povo, dizendo: Passai pelo meio do arraial e ordenai ao povo, dizendo: Provede-vos de comida, porque, dentro de três dias, passareis este Jordão, para que entreis na terra que vos dá o SENHOR, vosso Deus, para a possuirdes. (Jo 1.10, 11) O primeiro capítulo de Josué contém duas partes principais: a que relata o chamado e comissionamento de Josué e a que conta como Josué assumiu o comando da nação e começou a dar instruções para a entrada na Terra Prometida. A ascensão de Josué ao comando ocorreu logo após seu comissionamento. O mais notável é que Josué parecia temer essa responsabilidade. Digo isso pois as palavras mais repetidas no capítulo são as que lhe ordenam não ter medo. Deus diz a Josué que seja forte e cora joso três vezes (v. 6, 7, 9) e acrescenta: “Não temas; nem te espante” (v. 9). No final do capítulo, o povo diz a Josué a mesma coisa: “Sê forte e corajoso” (v. 18). Portanto, apesar do que deve ter sido um senso muito agudo de inadequação, Josué assumiu de fato o comando. Desde o início, ele mostrou ser o homem de Deus para o momento. Onde Josué obteve essa coragem? Como ele se tornou líder? As respostas para essas perguntas são importantes quando procuramos líderes cristãos nos dias atuais. PASSADO FIEL O primeiro ingrediente para a boa liderança é o que Frederick B. Meyer, no seu comentário de Josué, designa passado fiel.[8] Josué é a personagem principal do livro que leva seu nome, mas sua história não começa em Josué. Na verdade, começa em Êxodo e continua nos livros de Números e Deuteronômio. De fato, Josué aparece 27 vezes nessas narrativas, cada vez exemplificando uma imagem de fidelidade exemplar. Primeira batalha A primeira aparição de Josué na Bíblia ocorre em Êxodo 17.8-16, que conta a primeira batalha travada pelas tribos de Israel depois de terem sido guiadas para fora do Egito por Moisés e terem atravessado o deserto até Refidim. A batalha foi contra os amalequitas, uma tribo semissemita que ocupava a vasta região desértica entre as fronteiras do sul da Palestina e o monte Sinai. Moisés entregou o comando das tropas judaicas na batalha a Josué. Isso significa que desde o início, Josué era o principal soldado de Israel sob o comando geral de Moisés. A parte significativa da história é a descrição de como a batalha foi vencida e o fato de seu registro no livro da lei como recordação posterior e para beneficiar Josué. Afirma-se que enquanto Josué liderava os exércitos do Senhor contra os amalequitas, Moisés subiu em uma colina com vista para o campo de batalha e levantou as mãos como sinal da bênção divina. Enquanto suas mãos estavam levantadas, os israelitas venciam. No entanto, quando ele se cansou e abaixou as mãos, os amalequitas começaram a derrotar Israel. Isso ficou claro para Arão e Hur, que estavam com Moisés, de modo que eles fizeram Moisés se sentar sobre uma grande pedra enquanto se postaram cada um ao lado dele apoiando seus braços. Eles fizeram isso até o pôr do sol, quando o exército amalequita foi derrotado. Não duvido que isso tenha sido uma lição para Josué, e que ele a aprendeu de forma definitiva e bem. Deus poderia ter lhes dado a vitória sem os braços erguidos de Moisés, como ele fez em várias outras ocasiões. Mas nesta, a primeira batalha de Israel, os braços erguidos de Moisés foram, sem dúvida, o modo de Deus mostrar que a batalha não pertence aos ágeis nem aos poderosos, mas ao Senhor. Deus concede a vitória. Josué deve ter aprendido — e a história foi registrada de forma explícita para seu benefício posterior nessa área (Êx 17.14-16) — que embora ele sempre fizesse o possível para ser um general notável, ele teria sucesso apenas na medida exata da bênção do Senhor. Ele teria de buscá-la. Monte Sinai A segunda vez que vemos Josué é no monte Sinai, onde Moisés foi chamado por Deus para receber a lei. Quando Moisés subiu ao monte, Josué foi com ele, parando no meio do caminho. Ele permaneceu em seu posto no monte durante os 40 dias nos quais Moisés se reuniu com Deus: de Êxodo 24.13, onde é mencionado pela primeira vez, a Êxodo 32, quando Moisés desce o monte, junta-se a Josué e volta para o arraial a fim de reprimir a rebelião que surgiu. Este deve ter sido um período extremamente formativo na vida de Josué. Êxodo 24.13, que o menciona especificamente, é precedido por versículos que contam como Moisés, Arão, Nadabe, Abiú e os 70 anciãos de Israel (incluindo Josué) “subiram [o monte] e viram o Deus de Israel, sob cujos pés havia uma como pavimentaçãode pedra de safira, que se parecia com o céu na sua claridade. Ele não estendeu a mão sobre os escolhidos dos filhos de Israel; porém eles viram a Deus, e comeram, e beberam” (Êx 24.9-11). Essa passagem surpreendente parece descrever uma antecipação de algo similar ao que chamamos as grandes bodas do Cordeiro. Eles viram Deus e realmente comeram e beberam em sua presença. Se essa experiência foi de alguma forma parecida com a experiência de Isaías ao ver o Senhor elevado nas alturas, que ele descreve no sexto capítulo da sua profecia, Josué e os outros devem ter sido afetados por essa revelação inescapável da santidade divina. Isso aumentaria o pavor de Josué em relação ao pecado desenfreado, mais tarde descoberto no arraial, quando os israelitas se entregaram à orgia ao redor do bezerro de ouro. Josué teria aprendido que o pecado é uma abominação que não pode ser tolerada entre quem professa constituir o povo de Deus. Espias A mais reveladora das muitas referências a Josué em Êxodo, Números e Deuteronômio é a história do envio dos doze espias à Terra Prometida em Números 13 e 14. No que diz respeito à terra, o relato dos doze espias concordavam: era uma terra que mana leite e mel, uma boa terra. Eles até trouxeram de volta um imenso cacho de uvas, romãs e figos como prova da fertilidade da terra. Mas é aí que a semelhança termina. Dez dos doze espias acrescentaram: O povo, porém, que habita nessa terra é poderoso, e as cidades, mui grandes e fortificadas; também vimos ali os filhos de Anaque. Os amalequitas habitam na terra do Neguebe; os heteus, os jebuseus e os amorreus habitam na montanha; os cananeus habitam ao pé do mar e pela ribeira do Jordão [...] Não poderemos subir contra aquele povo, porque é mais forte do que nós. A terra pelo meio da qual passamos a espiar é terra que devora os seus moradores; e todo o povo que vimos nela são homens de grande estatura. Também vimos ali gigantes (os filhos de Anaque são descendentes de gigantes), e éramos, aos nossos próprios olhos, como gafanhotos e assim também o éramos aos seus olhos. (Nm 13.28, 29, 31-33) De todos os espias, somente dois, Josué e Calebe, pensaram diferente. Calebe disse, “Eia! Subamos e possuamos a terra, porque, certamente, prevaleceremos contra ela” (Nm 13.30). As pessoas da terra eram as mesmas, independente de quem estivesse olhando. A diferença no relato se devia apenas ao fato de os espias estarem ou com os olhos em Deus, como ocorreu com Josué e Calebe, ou terem se esquecido de Deus, como aconteceu com os outros dez. Algumas pessoas eram gigantes; Calebe mais tarde pediu para conquistar alguns deles. Mas quando os espias mantiveram seus olhos em Deus, os gigantes encolheram-se em proporções razoáveis. Os dois espias estavam certos em dizer: “Certamente, prevaleceremos contra ela”. Mais adiante na história, acrescentam: “A terra pelo meio da qual passamos a espiar é terra muitíssimo boa. Se o SENHOR se agradar de nós, então, nos fará entrar nessa terra e no-la dará, terra que mana leite e mel” (Nm 14.7, 8). Quando os dez se esqueceram de Deus, os gigantes pareciam enormes e eles, como gafanhotos aos seus próprios olhos. Sabemos, é claro, que o povo de Israel decidiu seguir o relato da maioria, esquecendo-se de Deus e desprezando sua promessa. Por isso, tiveram de perambular pelo deserto pelos próximos 38 anos, até que todas as pessoas com mais de 20 anos de idade tivessem morrido. Esse foi um momento decisivo e trágico. No entanto, foi um grande momento para Calebe e Josué. Os dois defenderam Deus e suas promessas, e ainda agiam dessa maneira quase 40 anos depois, quando chegaram de novo à fronteira da terra. Josué aprendeu que nem sempre a maioria está correta. Ele aprendeu que a descrença é fatal. Ele aprendeu que, no fim, a única coisa que realmente importa é confiar e obedecer a Deus. Ele de fato obedeceu, foi fiel até o fim. Comissionamento de Josué O quarto incidente importante na carreira de Josué, anterior aos dos acontecimentos descritos no livro que leva seu nome, foi o comissionamento humano para suceder Moisés. A história se encontra em Números 27.18-23, mas seus ecos ressoam muitas vezes depois. Lê-se no relato: Disse o SENHOR a Moisés: Toma Josué, filho de Num, homem em quem há o Espírito, e impõe-lhe as mãos; apresenta-o perante Eleazar, o sacerdote, e perante toda a congregação; e dá-lhe, à vista deles, as tuas ordens. Põe sobre ele da tua autoridade, para que lhe obedeça toda a congregação dos filhos de Israel. Apresentar-se-á perante Eleazar, o sacerdote, o qual por ele consultará, segundo o juízo do Urim, perante o SENHOR; segundo a sua palavra, sairão e, segundo a sua palavra, entrarão, ele, e todos os filhos de Israel com ele, e toda a congregação. Fez Moisés como lhe ordenara o SENHOR, porque tomou a Josué e apresentou-o perante Eleazar, o sacerdote, e perante toda a congregação; e lhe impôs as mãos e lhe deu as suas ordens, como o SENHOR falara por intermédio de Moisés. (Nm 27.18-23) Mais tarde o SENHOR ordenou a Josué dizendo: “Sê forte e corajoso, porque tu introduzirás os filhos de Israel na terra que, sob juramento, lhes prometi; e eu serei contigo” (Dt 31.23). Suponho que o comissionamento tenha ocorrido alguns anos antes da morte de Moisés. Portanto, houve um período em que Josué havia sido apontado como sucessor de Moisés, mas ainda era o segundo na cadeia de comando — como Davi que foi ungido rei, enquanto Saul ocupava o trono. Em casos como esse o sucessor poderia se comportar mal. Poderia se vangloriar dizendo: “Eu sou o sucessor de Moisés”. Ou poderia tentar acelerar a transição: “Não dê ouvidos a Moisés; ele está ficando velho. Ouçam-me”. Josué não fez nada disso. Ele continuou a se comportar de maneira modesta e leal até que, no tempo perfeito de Deus, a transição ocorreu de fato. No final de Deuteronômio, no mesmo capítulo que relata a morte de Moisés, diz-se de Josué: “Josué, filho de Num, estava cheio do espírito de sabedoria, porquanto Moisés impôs sobre ele as mãos; assim, os filhos de Israel lhe deram ouvidos e fizeram como o SENHOR ordenara a Moisés” (Dt 34.9). Frederick B. Meyer escreveu a respeito dos anos de preparação de Josué para a liderança: “No caso dele, como sempre, a regra eterna se manteve válida: a fidelidade em algumas coisas é a condição para reinar sobre muitas; e a lealdade do servo é o trampolim para a realeza do trono”.[9] CHAMADO ESPECÍFICO O segundo ingrediente necessário para a liderança cristã forte é o chamado. Há um sentido importante em que todos somos chamados a servir a Deus. Devemos ser discípulos de Jesus Cristo e realizar boas obras (v. Lc 9.23; Ef 2.10). Entretanto, estou me referindo a algo que vai além disso. É o chamado para uma tarefa específica, e dá ao líder força na execução dela — força de que ele não disporia se não a tivesse recebido. Josué recebeu o chamado de duas maneiras: primeira, no comissionamento por Moisés, registrado em Números 27; segunda, na ordem detalhada de Deus logo antes da conquista. Por causa de Deus ter dito: “Dispõe-te, agora, passa este Jordão, tu e todo este povo, à terra que eu dou — aos filhos de Israel” (Js 1.2), que Josué declarou: “Provede-vos de comida, porque, dentro de três dias, passareis este Jordão, para que entreis na terra que vos dá o SENHOR, vosso Deus, para a possuirdes” (Js 1.11). No momento da chegada do chamado, Josué era um dos dois únicos homens em Israel qu e realmente sabia o que estava por vir. Josué e Calebe haviam entrado em Canaã com os 12 espias 38 anos antes. Assim, ele conhecia a força do inimigo. Vira as cidades muradas. Olhara para os gigantes com reverência. Humanamente falando, o relato da maioria estava certo: as pessoas daquela terra eram invencíveis. Se Deus não estivesse com os judeusna conquista eles seriam derrotados e destruídos por completo. Mas Josué não enxergava as coisas apenas do ponto de vista humano. Ele nunca elaborou uma equação militar sem Deus como fator determinante. Quando Deus o chamou, a possibilidade de conquistar a terra — que sempre existiu para ele, pois com Deus todas as coisas são possíveis — agora se tornou uma certeza, e ele avançou com vigor. Nenhuma pessoa é tão invencível quanto quem tem certeza de que Deus a chamou para uma tarefa. Ninguém é tão ousado quanto quem sabe que Deus já lhe concedeu a vitória. O chamado específico de Deus vem de maneiras diferentes, e é importante aguardá-lo ou buscá-lo, se ainda não tiver chegado. Muitas pessoas receberam o chamado específico de Deus enquanto estudavam as Escrituras, reconhecendo que o que liam continha uma aplicação específica para sua vida. Alguns receberam o chamado específico por meio das circunstâncias, alguns por intermédio da ação divina em outras pessoas. Calvino foi chamado para sua grande obra em Genebra por William Farel, que o ameaçou com o juízo divino se ele não permanecesse e ajudasse na Reforma. Recebi meu chamado para o ministério de maneira subjetiva quando era bem jovem. Eu sabia que Deus me havia chamado para fazer isso. Como digo, chamados específicos chegam ao povo de Deus de maneiras diferentes; mas sem levar em consideração como eles vêm, são um ingrediente importante na liderança. Quem foi chamado para uma obra por Deus não pode ter outra prioridade. REVELAÇÃO OBJETIVA O terceiro ingrediente para a liderança cristã forte é a revelação objetiva. A Bíblia não deve ser apenas algo que nos pertence, como se pode ter outro livro e colocá-lo em uma prateleira para fins decorativos ou como referência. Ao contrário, devemos tomar posse dela internamente à medida que estudamos, falamos, meditamos e obedecemos às palavras dessa revelação. Como vimos no último estudo, nada é tão essencial para o sucesso no serviço a Deus quanto o conhecimento e a fundamentação na Bíblia. O importante aqui é reconhecer a necessidade desse padrão objetivo para controlar nossas sugestões subjetivas sobre a direção divina. Se somos chamados para um trabalho específico é inevitável que uma medida desse chamado seja subjetivo. A Bíblia não diz de forma específica o que você deve fazer em termos de vocação para a vida. Se Deus o chamou para ser diplomata, você não encontrará a Bíblia dizendo: “João, eu quero que você trabalhe no ‘ministério de relações exteriores’”. Deus pode chamá-lo para essa responsabilidade, mas se o fizer, terá de ser de maneira subjetiva, mediante o senso de chamado pessoal, por meio de outras pessoas (talvez da igreja) ou das circunstâncias. Mas, se for esse o caso, como uma pessoa pode evitar ser levada pela subjetividade? Como você pode se proteger de responder de modo subjetivo a toda multidão conflitante de circunstâncias? A resposta é por meio do conhecimento das Escrituras, colocando-a no coração para que as categorias da Bíblia comecem a formar o padrão do seu pensamento e você comece a avaliar as circunstâncias e os conselhos dos outros como o próprio Jesus faria se estivesse no seu lugar. Sugiro que a condução específica de Deus ocorre 99% das vezes por meio das Escrituras e, na melhor hipótese, apenas 1% das vezes por intermédio de algo subjetivo. Mesmo assim, os elementos subjetivos devem ser avaliados e corrigidos pelas Escrituras. Vemos um exemplo em Josué 1. Deus disse a Josué que havia chegado a hora de o povo de Israel tomar posse da Terra Prometida. Isso pode ter sugerido vários planos específicos para Josué, planos que ele pode ter validado com base no chamado pessoal para ser o líder do povo. Embora seu chamado fosse real, e parte do sucesso de Josué como líder, ainda assim ele formou os planos de acordo com a revelação escrita. Em Números 32 e Deuteronômio 3.18-20 estava registrado que as duas tribos de Rúben e Gade e a meia tribo de Manassés deveriam receber a terra a leste do Jordão, mas seus homens deveriam lutar ao lado dos guerreiros das outras tribos, a oeste do Jordão, até que a Terra Prometida fosse tomada. Josué lembrou-se desse trecho das Escrituras e fez isso se tornar parte das ordens para essas tribos desde o início (v. Js 1.13-15). FÉ EM DEUS O último ingrediente para a liderança cristã eficiente é a fé em Deus. Isso é tão necessário hoje quanto nos dias de Josué. Na primeira parte de Josué 1, há um versículo citado no Novo Testamento (NT) e aplicado a nós que diz respeito ao assunto. No versículo 5, Deus diz ao grande comandante militar: “Assim serei contigo; não te deixarei, nem te desampararei”. (A mesma coisa é dita a Israel por Moisés em Dt 31.6.) O texto é citado pelo autor de Hebreus em 13.5: “De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei”, ao que o escritor acrescenta: “Assim, afirmemos confiantemente: O Senhor é o meu auxílio, não temerei; que me poderá fazer o homem?” (v. 6). Foi exatamente isso que Josué experimentou e o que deve ter dito a si mesmo centenas de vezes. Deus era por ele. Deus o havia chamado. Ele confiava em Deus. Portanto, Josué levaria o povo à batalha sabendo que seria invencível enquanto Deus continuasse a seu lado. As pessoas seguem um líder assim porque segui-lo é o mesmo que seguir a Deus. Por isso encontramos o encerramento desse capítulo com as palavras: “Então, responderam a Josué, dizendo: Tudo quanto nos ordenaste faremos e aonde quer que nos enviares iremos. Como em tudo obedecemos a Moisés, assim obedeceremos a ti; tão somente seja o SENHOR, teu Deus, contigo, como foi com Moisés. Todo homem que se rebelar contra as tuas ordens e não obedecer às tuas palavras em tudo quanto lhe ordenares será morto; tão somente sê forte e corajoso” (Js 1.16-18). O povo não havia “obedecido em tudo” a Moisés, é claro, e não obedeceria a Josué em tudo. Mas isso não perturbou Josué. Ele se manteve firme e cumpriu seu dever até o fim. 3. Raabe contra mundum (Josué 2.1-24) Bem sei que o SENHOR vos deu esta terra, e que o pavor que infundis caiu sobre nós, e que todos os moradores da terra estão desmaiados. Porque temos ouvido que o SENHOR secou as águas do mar Vermelho diante de vós, quando saíeis do Egito; e também o que fizestes aos dois reis dos amorreus, Seom e Ogue, que estavam além do Jordão, os quais destruístes. Ouvindo isto, desmaiou-nos o coração, e em ninguém mais há ânimo algum, por causa da vossa presença; porque o SENHOR, vosso Deus, é Deus em cima nos céus e embaixo na terra. Agora, pois, jurai-me, vos peço, pelo SENHOR que, assim como usei de misericórdia para convosco, também dela usareis para com a casa de meu pai; e que me dareis um sinal certo de que conservareis a vida a meu pai e a minha mãe, como também a meus irmãos e a minhas irmãs, com tudo o que têm, e de que livrareis a nossa vida da morte. (Jo 2.9-13) Seria um milagre tão grande quanto a travessia do Jordão ou a destruição dos muros de Jericó se Raabe, a meretriz amorreia, conhecesse latim. O latim só chegou à Palestina na ocupação romana mais de mil anos depois de seu tempo. Ainda assim, se ela soubesse latim, Raabe poderia ter descrito s ua situação em Jericó, na época da conquista judaica como, Raabe contra mundum: Raabe “contra o mundo”. Estudantes da história da igreja conhecem a expressão contra mundum, pois ela foi usada por Atanásio, Pai da Igreja Primitiva, para descrever sua situação no século IV. Atanásio nasceu em Alexandria (Egito), por volta de 295 d.C., e morreu em 373 d.C., cheio de dias e honras. Sua vida não foi fácil. Esses foram os anos das grandes controvérsias trinitárias e, durante grande parte do período, Atanásio foi quase o único defensor do que reconhecemos hoje como cristianismo ortodoxo. Em suma, Atanásio defendeu a divindade de Jesus ao reconhecer que a salvação dependede ele ser totalmente Deus. Ele sofreu oposição de todos os lados. Imperadores o denunciaram e o enviaram ao exílio. Foi exilado do bispado cinco vezes. A igreja se voltou contra ele. Durante décadas, foi realmente Atanásio contra todos. No entanto, apesar de sua posição ter sido dura e dolorosa, ele defendia a causa do verdadeiro Deus, e Deus o preservou e deu-lhe a vitória total no final. Imagino assim Raabe e seu posicionamento contra o mundo de Canaã. De fato, de certa forma, a história dela é maior que a de Atanásio, pois Raabe não conhecia Jesus Cristo. Ela não dispunha da Bíblia. Nenhum pregador proclamou a verdade de Deus para ela. No entanto, Raabe ouviu sobre Deus e decidiu segui-lo, sem levar em consideração o que a decisão lhe custaria. RAABE E OS ESPIAS A história de Raabe se passa no contexto da conquista de Canaã. Ela está entrelaçada com a história do envio de dois espias por Josué a Jericó, como Moisés havia enviado 12 espias para relatar o que viram na terra anos antes. É interessante Josué ter enviado dois espias. Quando Moisés enviou os 12 judeus infiltrados, 38 anos antes, apenas dois retornaram com o relatório fiel de que Deus daria a terra ao povo. Josué era um deles, e seu bom amigo Calebe o outro. Na ocasião, Josué não quis repetir o desastre anterior e, talvez de maneira simbólica, escolheu dois homens que, sem dúvida, foram selecionados com cuidado e de quem se esperava um relatório de fé, não de descrença. Além disso, creio que ele foi dirigido por Deus na ação. O texto não diz isso diretamente, e alguns supõem que Josué tenha errado ao enviar espias, dizendo que ele deveria apenas confiar no Senhor e seguir em frente. Mas Deus dissera a Moisés para enviar os 12 espias antes, apesar do resultado (Nm 13.1-2), e é razoável supor que Deus havia instruído Josué a fazer o mesmo. Os espias deveriam se dirigir a Jericó e então reportar o que viram para servir de preparação para o ataque que ocorreria uns dias depois. Se os espias foram enviados em obediência ao mandamento divino, como temos todos os motivos para crer, provavelmente também estamos certos em pensar no seu envio para salvar Raabe e não apenas para trazer informações de volta. Josué não precisava de informações sobre Jericó. Eram necessários os arranjos pelos quais Raabe e sua família seriam salvos quando Jericó fosse tomada. A situação aqui é semelhante à de João 4.4, passagem que nos informa sobre Jesus: “Era-lhe necessário atravessar a província de Samaria”. A estrada samaritana não era a única via para a Galileia. De modo geral, tomava-se outro caminho. Contudo, Deus tinha um de seus filhos eleitos residindo na cidade e, como Jesus ensinou, nenhuma ovelha eleita perecerá. Jesus entrou em Samaria para salvar a mulher samaritana. Da mesma forma, os dois espias foram enviados a Jericó para salvar Raabe. Eles não sabiam disso, é claro, como não sabemos o resultado quando somos enviados por Deus em alguma missão. Todavia, na visão divina das coisas, esse era o motivo. Deus atuava no coração de Raabe, levando-a à verdadeira fé, e agora ele enviava seus mensageiros para lhe confirmar a fé e salvá-la fisicamente. É interessante que a primeira personagem do grande livro de Josué, além do próprio Josué, seja essa mulher, e a primeira história real seja a dela. GRAÇA ABUNDANTE Outra maneira de dizer o mesmo é afirmar que a primeira história de Josué é um relato da misericórdia divina, não da ira. Josué é um livro de conquistas duras, e a premissa da natureza particularmente destrutiva da conquista é que “a iniquidade dos amorreus” havia atingido a medida plena (v. Gn 15.16). Ou seja, estava na hora do juízo do povo. Por todo o livro de Josué, vemos Deus ordenar aos judeus a destruição total das nações que ocupavam a terra, um julgamento com o paralelo mais próximo na destruição do povo da terra (exceto Noé e sua família) no momento do grande Dilúvio. No entanto, mesmo neste livro de juízo severo e absoluto, a primeira história é sobre a salvação da meretriz de Jericó. Esta é uma história de grande misericórdia, pois, humanamente falando, não acontecia nada na vida de Raabe. Isso é tão impressionante que vale a pena listar as desvantagens de Raabe. Ela era: 1. Gentia. É verdade que, ao longo da longa história do povo judeu, Deus demonstrara a tendência maravilhosa de alcançar e salvar certos representantes gentios. Pensamos em Rute, a moabita, ou Naamã, o sírio. Ainda assim, como Jesus disse mais tarde: “A salvação vem dos judeus” (Jo 4.22), e as únicas vantagens reais em relação à verdadeira religião estavam no judaísmo. Paulo perguntou retoricamente: “Qual é, pois, a vantagem do judeu?”. E respondeu: “Muita, sob todos os aspectos. Principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus” (Rm 3.1,2); “Pertence-lhes a adoção e também a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas; deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo” (Rm 9.4, 5). Nem todas as vantagens foram totalmente possuídas por Israel no momento da conquista, mas a maioria delas era, e — eis o ponto — Israel as possuía. Raabe não contava com nada disso. Ela era gentia e, portanto, como Paulo disse mais tarde aos efésios, os estrangeiros naquele tempo eram “estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2.12). 2. Amorreia. Os amorreus eram apenas um dos muitos povos que ocupavam Canaã nesse tempo. A lista padrão inclui: “O queneu, o quenezeu, o cadmoneu, o heteu, o ferezeu, os refains, o amorreu, o cananeu, o girgaseu e o jebuseu” (Gn 15.19-21; v. Nm 13.29). Mas entre esses muitos povos, que deveriam ser destruídos pela iniquidade, os amorreus foram escolhidos para uma condenação particular por seus pecados. Eles eram um povo corrupto e vil, até as crianças eram sacrificadas em suas práticas religiosas depravadas. 3. Prostituta. Foram feitas tentativas diferentes de isentar Raabe da plena implicação da palavra, e alguns sugeriram que, pelo fato de ela aparentemente haver crido no Deus verdadeiro antes da visita dos espias, ela já não vivia a vida pecaminosa de antes. Argumenta-se que os espias não teriam ido à casa de uma mulher imoral. Arthur W. Pink ainda afirma, pela presença de linho no telhado de sua casa (Js 2.6), que ela se ocupava com um trabalho moral — e cita Provérbios 31, onde se diz que a mulher virtuosa busca lã e linho e de bom grado trabalha com as mãos.[10] Bem, Raabe pode muito bem ter sido convertida antes da chegada dos dois espias — acho que a linguagem sugere isso — mas ela é identificada como prostituta, e os espias foram até ela pelo fato de ser quem ela era. Não sugiro que eles a procuraram para propósitos imorais. Mas, diga-me, aonde dois estranhos poderiam ir com a menor probabilidade de responder perguntas comprometedoras? Dirigir-se para lá foi genial. Além disso, quando o rei soube que os espias haviam ido a Raabe e mandou colocá-los para fora, ele pareceu aceitar com normalidade o fato de homens visitarem Raabe e aceitou o relato dela de que os homens haviam saído quase tão rapidamente quanto entraram. Não, não há dúvida de que ela era prostituta, como a samaritana também era sexualmente imoral. É apenas outro caso da grande e inexplicável graça divina que estende a mão para salvar essa pessoa. Francis A. Schaeffer pergunta se é “apropriado” Deus salvar uma pessoa assim, e responde corretamente: “Completamente!”.[11] Raabe não era pior que nós; no entanto, Deus nos salvou. Cristo redime os pecadores, não os justos. A FÉ VEM PELO OUVIR Apesar da lista sombria de desvantagens — gentia, amorreia e prostituta —, essa mulher pagã tinha pelo menos uma grande coisa a seu favor: ouvira falar do Deus de Israel. Comoresultado disso, ela creu no Deus verdadeiro, pois: “A fé vem por ouvir a mensagem” (Rm 10.17, NVI). Aqui e ntra a grande confissão de Raabe: Antes que os espias se deitassem, foi ela ter com eles ao eirado e lhes disse: Bem sei que o SENHOR vos deu esta terra, e que o pavor que infundis caiu sobre nós, e que todos os moradores da terra estão desmaiados. Porque temos ouvido que o SENHOR secou as águas do mar Vermelho diante de vós, quando saíeis do Egito; e também o que fizestes aos dois reis dos amorreus, Seom e Ogue, que estavam além do Jordão, os quais destruístes. Ouvindo isto, desmaiou-nos o coração, e em ninguém mais há ânimo algum, por causa da vossa presença; porque o SENHOR, vosso Deus, é Deus em cima nos céus e embaixo na terra. (Js 2.8-11) Sem dúvida, havia muitos aspectos da fé e da história de Israel desconhecidos por Raabe. Ela só ouviu falar dos atos de Deus para libertar os judeus do Egito e a respeito da vitória que ele lhes dera sobre os dois grupos amorreus a leste do Jordão. Entretanto, isso bastou! Ela desconhecia a adoção, as alianças, a lei, a adoração e as promessas. Mas tinha ouvidos e ouviu sobre o que Deus fez; como resultado, ela creu nele. Um pensamento interessante me ocorre aqui, pois se perguntarmos: “De quem Raabe ouviu essas histórias sobre o Deus de Israel?”. A resposta provavelmente é dos homens que frequentavam seu estabelecimento. Sua casa teria sido um lugar de grandes fofocas quando estranhos da região e de longe relatavam histórias das maravilhas do exterior. “Você já ouviu sobre o que aconteceu no Egito?”, um deles poderia ter perguntado. E teria contado como Deus enviou as pragas aos egípcios, pragas que transformaram a água do rio Nilo em sangue, trouxeram moscas e rãs sobre a terra, destruíram o gado e escureceu o sol. E por último, matou os primogênitos. “Você ouviu o que aconteceu no mar Vermelho?”, outro continuaria. “O Deus judeu separou as águas para que o povo atravessasse em terra seca. Então permitiu que as águas voltassem e afogassem os soldados egípcios que os seguiam”. “Essas pessoas ainda estão por aí”, poderia dizer um terceiro cliente. “Não faz muito tempo, eles derrotaram e mataram Seom e Ogue, os dois reis amorreus a leste do rio Jordão”. Acho isso interessante pois, embora a Bíblia não escuse a prostituição de Raabe, foi em certa medida devido ao fato de ser prostituta que ela recebeu os relatos de tudo isso em primeira mão. Afirmei antes que uma coisa favorável a Raabe era o fato de ela ter ouvido falar do Deus de Israel, mas acrescento que a coisa maravilhosa (e salvadora) é ouvir a respeito de Deus não só com os ouvidos, mas também com o coração. Ali estava uma mulher pagã imoral que, no meio da prática da prostituição, ouviu falar do verdadeiro Deus de Israel e acreditou que o Deus de quem ela ouviu falar era o Deus verdadeiro. Uma vez que isso pode acontecer — e acontece — nunca podemos nos desesperar quanto a ninguém e não precisamos nos desesperar quanto a nós mesmos. PELA FÉ, RAABE... Quando dizemos que Raabe ouviu com o coração e com os ouvidos, referimo-nos ao fato de ela ter crido em Deus, ou ter fé. Por isso ela é elogiada no NT. Você sabia que Raabe é declarada modelo de fé duas vezes no NT? Primeira, ela aparece na lista dos heróis da fé em Hebreus 11.31: “Pela fé, Raabe, a meretriz, não foi destruída com os desobedientes, porque acolheu com paz aos espias”. Segunda, o livro de Tiago diz: “De igual modo, não foi também justificada por obras a meretriz Raabe, quando acolheu os emissários e os fez partir por outro caminho” (Tg 2.25). Aqui está a verdadeira fé, pois é fé em ação. Devemos nos maravilhar com os atos dessa mulher. É verdade que ela demonstrou fé em Deus ao acolher e esconder os espias — representantes de Deus. É o que dizem os textos de Hebreus e Tiago. Mas Raabe fez mais que isso, ela: 1. Colocou sua vida em perigo. Ela arriscou a própria vida e a vida de seus familiares por causa dos espias. Jericó não era um lugar agradável. Na verdade, era uma espécie de posto militar avançado, e não estamos errados em pensar que a vida de Raabe não valeria um tostão da época se seu erro fosse descoberto. Se os mensageiros do rei não tivessem aceitado a declaração de que os espias haviam saído antes do pôr do sol e tivessem entrado em sua casa e descoberto os homens no telhado, ela seria arrastada de imediato até o rei e, é provável que teria sido terrivelmente torturada antes de ser morta. Sua família provavelmente teria sido levada e morta com ela. Raabe deveria saber o risco que assumia, mas arriscou tudo com base na descoberta espiritual e nova vida. 2. Rejeitou seu passado e o próprio povo. Era uma situação militar, e Raabe sabia, como os outros moradores da cidade, que quando os judeus os atacassem, não haveria escapatória. Se os judeus conseguissem invadir a cidade, todos seriam mortos, como os habitantes de Canaã matariam os judeus se tivessem oportunidade. Raabe morava em Jericó. Humanamente falando, ela deveria ter sido leal à própria cidade e povo. Mas ela rejeitou o passado por causa da nova fé no Deus de Israel. 3. Identificou-se com o povo judeu. Ela não era judia. Por ter crido no Deus judeu, agora ela instintivamente entendeu que seu lugar era com o novo povo, e não com o dela. Em outras palavras, ao deixar o reino das trevas para o reino da luz, ela também passou da cidadania natural de Jericó para a cidadania dos filhos de Deus. De fato, como nem todos os judeus acreditavam de forma tão genuína como ela, na verdade ela se tornou mais judia, espiritualmente falando, que muitos dos novos concidadãos. Deus aceitou sua nova lealdade. Podemos imaginar como, por misericórdia, Deus a receberia sob a proteção da nação escolhida e permitiria que ela habitasse no meio das pessoas favorecidas em um plano inferior — à semelhança dos gibeonitas, autorizados a viver entre os judeus como “rachadores de lenha e tiradores de água para a congregação” (Js 9.27). Mas não foi isso o que aconteceu. Embora gentia, amorreia e prostituta, ela foi aceita de imediato como membro pleno da nação favorecida. Ela se casou com um judeu e tornou-se ancestral do Senhor Jesus Cristo. Ela se casou com um homem da tribo de Judá chamado Salmom. O filho deles era Boaz, que se casou com Rute, a moabita. O filho deles era Obede, pai de Jessé, o pai do rei Davi (v. Mt 1.5, 6). Isso não é tremendo? Raabe não recebeu um tipo de salvação de segunda classe; desde o início, ela recebeu o pacote completo. Sua posição era igual à de qualquer cidadão de Israel, e como prova disso, ela foi trazida para a nobre linhagem da tribo de Judá e tornou-se ancestral de nosso Senhor. CORDÃO DE FIO DE ESCARLATA A experiência de Raabe é paralela a de quem vai a Deus pela fé em Jesus Cristo hoje. Josué nos diz que depois de Raabe ter ajudado os espias, eles concordaram em poupá-la, e também sua família, quando a cidade fosse tomada. Disseram: “Desobrigados seremos deste teu juramento que nos fizeste jurar, se, vindo nós à terra, não atares este cordão de fio de escarlata à janela por onde nos fizeste descer; e se não recolheres em casa contigo teu pai, e tua mãe, e teus irmãos, e a toda a família de teu pai” (Js 2.17,18). Raabe concordou e amarrou o cordão de fio de escarlata na janela. Existe uma tradição na igreja, desde Clemente de Roma e, possivelmente, mais cedo, de que o cordão de fio de escarlata representa o sangue de Jesus Cristo, e professores falam sobre o cordão ao longo de toda a Bíblia, desde o sacrifício de Abel até o Calvário. Não sei se o cordão de fio de escarlata de Raabe representava isso especificamente, embora exista um paralelo notável entre o cordão que identificou sua casa e o sangue dos cordeiros espalhados nos batentesdas portas e nas vergas das casas judaicas no Egito quando o anjo da morte preteriu o lar e a família dos judeus. Sei que, explícito ou não, o caminho da salvação sempre foi o mesmo e a experiência dos salvos por Deus é paralela. Somos como Raabe, se de fato entendemos sua história. Não fazíamos parte da família de Deus ou de dentro do escopo do que Deus faz de maneira salvadora na história humana. O pior: éramos parte da sociedade corrupta e degenerada; cada um de nós tinha pecados repreensíveis próprios. Mas Deus colocou sua mão sobre nós. Ele nos fez conhecer seus grandes atos salvadores na história e depois nos colocou em contato com seus mensageiros e representantes. Ele suscitou a fé em nós, pela qual, por sua graça, também colocamos a vida em risco. Em sentido espiritual, fomos chamados a rejeitar o próprio povo e nos identificar com o povo de Deus. Como sinal disso, o sangue de Cristo, como um cordão de fio de escarlata, foi espalhado por nossa casa e vida. E agora? Agora vivemos em uma terra estrangeira entre o momento do nosso compromisso de fé e o momento do juízo final, que será o dia de nossa libertação. Nesse importante ínterim, devemos permanecer firmes em Deus como Raabe fez: Contra mundum! Devemos ser o povo de Deus em oposição à cultura sem Deus que nos rodeia. E se você não fizer isso? Então sua situação é a mesma dos cidadãos de Jericó. Você olha as muralhas ao redor da grande cidade secular e diz a si mesmo: “Certamente estou seguro aqui. As paredes são fortes. Esta cidade existe há milhares de anos”. Mas por dentro, o coração está enfraquecido pelo medo, e sabe que o dia do acerto de contas é inevitável e o juízo se aproxima. Por que não ser como Raabe? Ela não contava com nada além do relato verbal — seletivo e limitado — dos poderosos atos de Jeová. Você dispõe da lei e do evangelho, a lei que o condena seu pecado e o evangelho que mostra a solução para o pecado pela morte e pelo sangue vertido de Jesus Cristo. Por que você deveria viver mais sob a justa ira e condenação de Deus? Por que não crer em Cristo, deixar seu passado pecaminoso e tomar o lugar com o povo de Deus? 4. A travessia do Jordão e o fim da jornada (Josué 3.1-5.12) E, quando os que levavam a arca chegaram até ao Jordão, e os seus pés se molharam na borda das águas (porque o Jordão transbordava sobre todas as suas ribanceiras, todos os dias da sega), pararam-se as águas que vinham de cima; levantaram-se num montão, mui longe da cidade de Adã, que fica ao lado de Sartã; e as que desciam ao mar da Arabá, que é o mar Salgado, foram de todo cortadas; então, passou o povo defronte de Jericó. (Js 3.15-17) Você pode pensar no passado distante de sua vida, talvez quando era criança, mas tenho certeza de que consegue se lembrar da emoção de um dia pelo qual esperou muito tempo e que, por fim, chegou. Talvez tenha sido um aniversário especial. Talvez fosse o natal ou o dia em que você e sua família saíram de férias. Pode ter sido o nascimento do primeiro filho. Por semanas, talvez meses, você esperou, ansiava esse dia. Então, de repente, ele chegou. Deve ter sido um dia como esse quando os israelitas passaram pelo deserto através do rio Jordão para entrar em Canaã. Eles esperaram por esse momento por muito, muito tempo. A maioria havia nascido no deserto como parte da nova geração que substituiu a que se recusou a confiar em Deus em relação à conquista da terra anos antes. Josué e Calebe haviam esperado ainda mais. Esses homens contavam cerca de 80 anos e aguardaram a conquista a maior parte da vida. Ainda assim, isso não esgota o tamanho da antecipação do momento. Deus prometera a conquista a Abraão mais de 500 anos antes (v. Gn 15.18-21). A promessa foi repetida aos patriarcas por séculos. Considerado de forma adequada, houve meio milênio de fervorosa antecipação e, agora, o momento chegou. Josué disse ao povo: “Santificai-vos, porque amanhã o SENHOR fará maravilhas no meio de vós” (Js 3.5). NARRATIVA COMPLETA Em nossas versões bíblicas, o relato da travessia do rio Jordão está espalhado por três capítulos, Josué 3- 5. Mas, na verdade, trata-se de uma só história, e os capítulos devem ser considerados juntos para se obter o efeito completo. Percebe-se a unidade dos capítulos de várias maneiras. No capítulo 3, Deus diz a Josué: “Hoje, começarei a engrandecer-te perante os olhos de todo o Israel, para que saibam que, como fui com Moisés, assim serei contigo” (v. 7). No capítulo 4, repete-se o tema: “Naquele dia, o SENHOR engrandeceu a Josué na presença de todo o Israel; e respeitaram-no todos os dias da sua vida, como haviam respeitado a Moisés” (v. 14). Da mesma forma, no capítulo 3, Josué diz aos israelitas: “Tomai, pois, agora, doze homens das tribos de Israel, um de cada tribo” (v. 12). Não somos informados aqui do motivo da escolha deles, mas no capítulo seguinte a ordem é repetida e explicada: “Tomai do povo doze homens, um de cada tribo, e ordenai-lhes, dizendo: Daqui do meio do Jordão, tomai doze pedras” (Js 4.2, 3). As pedras escolhidas pelos doze homens deveriam ser um memorial. Os três capítulos estão ligados pela ênfase na aliança. Nos capítulos, há três acontecimentos intimamente relacionados: 1) A travessia do Jordão; 2) A construção do memorial da travessia; e 3) A renovação da aliança e a efetivação do sinal da aliança em Gilgal após a travessia do Jordão e antes do início da conquista da terra. ARCA DA ALIANÇA O aspecto mais importante da travessia do rio Jordão, além do modo que ocorreu — paralelo exato da travessia do mar Vermelho na época da saída do Egito sob Moisés — é o destaque da arca da aliança na travessia. Isso é proeminente até mesmo na narrativa, uma vez que a arca é mencionada 9 vezes no capítulo 3, 7 vezes no capítulo 4, e mais quatro referências indiretas pelo uso de pronomes. O que há de tão importante na arca? Ela simboliza a presença de Deus no meio do povo. As instruções para a construção da arca são encontradas em Êxodo 25, o primeiro capítulo na Bíblia em que ela é mencionada. A partir de lá, aprende-se que a arca não era muito grande. Tratava-se de uma caixa de cerca de 110 centímetros de comprimento, e 70 centímetros de altura e de largura. Ela era revestida de ouro por dentro e por fora, com uma tampa de ouro puro. Nela havia dois querubins, ou anjos, de frente um para o outro nas extremidades. As asas dos querubins estavam abertas e postadas para cima, próximas uma da outra logo acima da tampa. Entendia-se que Deus habitava de forma simbólica no espaço acima da tampa da arca, entre as asas dos querubins. A arca era carregada por varas passadas por argolas anexas a cada lado da arca. Quando a arca era movida, carregada pelos sacerdotes, “Moisés dizia: Levanta-te, SENHOR, e dissipados sejam os teus inimigos, e fujam diante de ti os que te odeiam”. Quando parava, ele dizia: “Volta, ó SENHOR, para os milhares de milhares de Israel” (Nm 10.35- 36). Então eis a primeira coisa importante. Quando o povo de Israel partiu para atravessar o rio Jordão no início da invasão da Terra Prometida, o próprio Deus seguiu adiante deles, como sempre deve ser o caso em qualquer iniciativa espiritual bem-sucedida. Antes, quando Deus estava pronto para liderar, eles se recusaram a segui-lo. Então, tentaram avançar mesmo que Deus não liderasse. Em cada caso, o resultado foi um desastre. A única maneira adequada de avançar em qualquer lugar ou a qualquer momento é seguir a liderança de Deus. Só ele pode conceder a vitória. Ou seja, o significado da arca da aliança senso transportadas na frente de todos no Jordão não consiste só em demonstrar que Deus deve liderar toda iniciativa bem-sucedida, e sim que o próprio Deus deve tomar a frente e ser seguido. O Deus que liderouJosué era o mesmo que liderou Moisés e agiu por meio dele. O Deus da conquista era o mesmo da saída do Egito — e assim por diante, no tempo de Abraão e da criação. Deus é eterno; é sempre o mesmo em seu eterno ser. A arca simbolizava isso. Ela era o símbolo da soberania, do poder ou governo de Deus. O aspecto principal destacado pela travessia do Jordão orientada pela arca era o mesmo poder divino em ação nesse momento — como ocorrera antes quando o povo atravessou o mar Vermelho sob a liderança de Moisés. Os dois milagres foram intencionalmente paralelos. Deus não era menos soberano nessa ocasião que 40 anos antes. A arca era símbolo da santidade de Deus. Na caixa, ou baú, que era a própria arca, havia as tábuas de pedra da lei que haviam sido dadas a Moisés no monte Sinai. A arca era a fonte da expressão escrita do caráter moral de Deus, o lembrete constante da santidade divina. A violação da sua lei era uma afronta à sua natureza e uma rebelião contra seu governo legítimo. A arca também simbolizava a justiça de Deus. Não foi apenas o fato de a justiça ter sido executada na presença da arca, embora isso fosse verdade. (Quando Arão e Miriã falaram contra a autoridade de Moisés, os três foram convocados à tenda da congregação, que continha a arca, e Miriã foi julgada ali [Nm 12.1-15].) Antes, a arca era a imagem do juízo de divino. Dentro dela estava a lei que o povo de Israel havia transgredido. Acima, entre as asas dos querubins, a presença do Deus três vezes santo. Quando olhava para baixo, Deus via a transgressão da lei. Assim, a arca era o lembrete constante da necessidade do Juiz de toda a terra fazer o que era certo. O juízo deve sobrevir ao pecado. Mas isso não era tudo que a arca simbolizava. Se isso fosse tudo, seria de fato uma imagem terrível. A arca também simbolizava a misericórdia de Deus. A cobertura da arca era chamada “propiciatório”, porque ali — uma vez por ano, no Dia da Expiação —, o sumo sacerdote aspergia o sangue vertido momentos antes pelo pecado do povo. O pecado do povo era confessado sobre a cabeça do animal, o animal era morto no lugar das pessoas cujo pecado merecia a morte (“o salário do pecado é a morte” [Rm 6.23]). Então o sangue era levado para a parte mais sagrada do tabernáculo e aspergido sobre o propiciatório — entre a santa presença de Deus e a lei transgredida pelo povo. Desse modo, a arca testemunhava o princípio da expiação substitutiva, o fato de que uma vítima inocente poderia morrer pelos culpados. Esse princípio pode ser rastreado até o jardim do Éden, quando o próprio Deus matou animais para Adão e Eva e os vestiu com a pele deles. Isso culmina na morte de Jesus Cristo no Calvário. Assim, a arca apontava para o caráter imutável de Deus. Ao nos ensinar que Deus é sempre o mesmo em sua soberania, santidade, justiça, misericórdia e demais atributos. NÃO NOS ESQUEÇAMOS O segundo acontecimento relacionado à travessia do rio Jordão foi o estabelecimento de um memorial de pedras retiradas do rio. O texto diz: Chamou, pois, Josué os doze homens que escolhera dos filhos de Israel, um de cada tribo, e disselhes: Passai adiante da arca do SENHOR, vosso Deus, ao meio do Jordão; e cada um levante sobre o ombro uma pedra, segundo o número das tribos dos filhos de Israel, para que isto seja por sinal entre vós; e, quando vossos filhos, no futuro, perguntarem, dizendo: Que vos significam estas pedras?, então, lhes direis que as águas do Jordão foram cortadas diante da arca da Aliança do SENHOR; em passando ela, foram as águas do Jordão cortadas. Estas pedras serão, para sempre, por memorial aos filhos de Israel. (Js 4.4-7) Há um problema técnico que deve chamar a atenção de qualquer pessoa que leia atentamente o relato da colocação dessas pedras. Claramente, os doze homens selecionados por Josué deveriam pegar doze pedras do leito do rio Jordão e montá-las como um memorial na margem oeste do rio. Esse não é o problema. A dificuldade vem do fato de Josué no 4.9 dizer, literalmente, que Josué colocou doze pedras no meio do Jordão no local onde estavam os sacerdotes que carregavam a arca da aliança. Isso parece sugerir que havia de fato dois memoriais: um feito de pedras retiradas do meio do Jordão e erguidas na margem oeste de Gilgal e outra de pedras retiradas da margem, mas erguidas no Jordão. É assim que as versões mais antigas lidam com a passagem e, como resultado, a maioria dos comentaristas (Meyer, Redpath, Schaeffer, Woudstra e outros) fala de dois memoriais. Havia dois memoriais? Poderia ser, é claro. Mas, em meu julgamento, a New International Version [Nova Versão Internacional] está certa em sua tradução ao pensar que o termo estavam deveria ser presumido no versículo 9. Se sim, a frase diz respeito à colocação das “doze pedras que que estiveram no meio do Jordão”, onde os sacerdotes haviam ficado, em vez de colocar doze pedras adicionais no rio. Em outras palavras, havia apenas um memorial. Creio no acerto disso por duas razões. Primeira, o mandamento de Deus a Josué e, por meio dele, ao povo diz respeito a apenas um memorial. Josué poderia ter decidido adicionar o segundo por conta própria, é claro, mas isso não está de acordo com seu caráter ou com as instruções divinas para que ele obedecesse ao Senhor de maneira implícita em todas as coisas, não se afastando da lei de Deus nem para a direita ou para a esquerda. Seria mais comum Josué obedecer ao mandamento específico de Deus e não acrescentar nada. Segunda, ao contar a história, o versículo 9 parece explicar o que aconteceu com as pedras retiradas do Jordão, não explicar como um conjunto adicional de pedras foi colocado. Na sequência, somos informados primeiro que os doze homens apanharam as pedras do Jordão e as levaram ao acampamento (v. 8). Então nos dizem que o próprio Josué as ergueu como memorial (v. 9). Também é significativo que, no final do capítulo, quando as pedras são mencionadas de novo, nada se diga sobre o segundo memorial no Jordão. Os versículos mencionam apenas as pedras colocadas por Josué em Gilgal (v. 20). Obviamente, se havia um memorial ou dois, o objetivo da ação era o mesmo. As pessoas precisavam do memorial pois, como nós, tendiam a se esquecer da bondade e dos poderosos atos divinos. A história apresenta três razões específicas para este memorial. Primeira, a geração que estava entrando na terra para conquistá-la precisava de um memorial, pois o caminho a seguir seria difícil e haveria momentos em que as pessoas ficariam desencorajadas. O texto se refere a essa geração quando diz: “Cada um levante sobre o ombro uma pedra, segundo o número das tribos dos filhos de Israel, para que isto seja por sinal entre vós” (Js 4.5, 6). Ao retornar regularmente a Gilgal, como o faziam, já que Gilgal era sua base de operações, veriam as pedras e se lembrariam do poder e da fidelidade do grande Deus que estava com eles, liderando-os na conquista. Segunda, as gerações futuras precisariam do memorial, pois os filhos se esquecem com facilidade da fé e as instruções dos pais. Essa razão é destacada na história, no início e no fim do capítulo 4. Quando vossos filhos, no futuro, perguntarem, dizendo: Que vos significam estas pedras?, então, lhes direis que as águas do Jordão foram cortadas diante da arca da Aliança do SENHOR; em passando ela, foram as águas do Jordão cortadas. Estas pedras serão, para sempre, por memorial aos filhos de Israel. [...] Quando, no futuro, vossos filhos perguntarem a seus pais, dizendo: Que significam estas pedras?, fareis saber a vossos filhos, dizendo: Israel passou em seco este Jordão. Porque o SENHOR, vosso Deus, fez secar as águas do Jordão diante de vós, até que passásseis, como o SENHOR, vosso
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