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Luiz Tadeu Viapiana - Economia do crime - uma explicação para a formação do criminoso

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ECONOMIA 
DO CRIME 
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ 
V672e Viapiana, Luiz Tadeu 
Economia do crime : uma explicação para a formação do cri­
minoso / Luiz Tadeu Viapiana. - Porco Alegre, RS : AGE, 2006. 
Apêndice 
Inclui bibliografia 
ISBN 85-7497-322-X 
1. Crime e criminosos - Aspeccos sociais - Brasil. 2. Crime e 
criminosos - Aspeccos sociais - Modelos economérricos. 3. Vio­
lência - Brasil. 4. S egurança pública - Aspeccos sociais - Brasil. 1. 
Tlrulo. 
06-3176. coo 364.981 
CDU 343.97(81) 
Luiz Tadeu Viapiana 
ECONOMIA 
DO CRIME 
UMA EXPLICAÇÃO PARA A 
FORMAÇÃO DO CRIMINOSO 
-
EDITORA 
PORTO ALEGRE 2006 
© Luiz Tadeu Viapiana, 2006 
Capa: 
EDUARDO CARDILLO 
Diagramação: 
LAURI HERMÓGENES CARDOSO 
Supervisão editorial: 
PAULO FLAVIO LEDUR 
Editoração eletrônica: 
AGE-ASSESSORIA GRAFICA E EDITORIAL LTDA. 
Reservados todos os direitos de publicação à 
EDITORA AGE LTDA. 
editoraage@editoraage.com.br 
Rua São Manoel, 1 787 - Bairro Rio Branco 
90620- 1 1 O - Porto Alegre, RS, Brasil 
Fone/Fax: (5 1 ) 3223-9385 - (5 1 ) 306 1 -9385 
vendas@editoraage.com.br 
www.editoraage.com.br 
Impresso no Brasil / Printed in Brazil 
AGRADECIMENTOS 
Em 1 997, a empresa da qual sou sócio foi convidada a cuidar da conta de comunicação social da Forjas Taurus, a maior fabricante de armas curtas 
da América Latina e terceira do mundo. Entre nossas tarefas, teríamos de 
elaborar e desenvolver a comunicação institucional da empresa, que, à época, 
já estava sendo convocada pela imprensa para participar do debate sobre a 
necessidade ou não de maior rigor no controle da comercialização e uso de 
armas por civis, debate que culminaria, em 2005 , num plebiscito nacional, 
vencido pela posição que defendia a venda de armas para civis. Como 
responsável pelo planejamento desse trabalho, me vi obrigado a estudar, 
com maior profundidade, o tema da conexão entre armas e crimes e, de 
uma forma mais ampla, o próprio fenômeno da criminalidade. 
Minha primeira constatação foi que, no Brasil, havia poucos estudos 
amplos e detalhados sobre o tema da criminalidade, quase todos realizados 
nos âmbitos da sociologia e da antropologia. Procurando superar essa 
limitação, ampliei o escopo da pesquisa para a literatura internacional, 
principalmente a norte-americana, e encontrei grande quantidade de estudos 
e pesquisas que exploram o tema sob os mais variados ângulos e perspectivas 
teóricas. 
Os Estados Unidos haviam enfrentado grande aumento em suas taxas 
de crimes nos anos de 1 960, o que motivou as instituições de pesquisas e 
universidades a enfrentarem o desafio de compreender as causas desse 
fenômeno e desenhar novas políticas sociais e estatais anticrime. O resultado 
desse esforço foi o extraordinário crescimento, tanto em qualidade como 
em quantidade, das pesquisas empíricas e teóricas sobre o tema da 
criminalidade urbana. Desde essa época, por mais de seis anos, li e reli uma 
centena de estudos, muitos deles concebidos com o suporte da Economia. 
Infelizmente, quase todos esses trabalhos aguardam tradução para o 
português. 
Em suma, depois de encará-lo como desafio profissional, acabei me 
tornando um estudioso do tema da criminalidade. Para suprir a carência 
entre nós de um trabalho de maior fôlego sobre a criminalidade na 
perspectiva teórica da economia é que decidi escrever este livro. 
Diversas pessoas e amigos me ajudaram na pesquisa que deu origem a 
este trabalho. Evito citá-las nominalmente para não cometer injustiças. 
Agradeço a todos, de coração, principalmente ao meu editor, Paulo Flávio 
Ledur, que dispensou especial atenção à revisão e à preparação dos originais. 
Gostaria por fim de externar minha gratidão à Simone, à Victória, à Bruna 
e ao João Victor, esposa e filhos, amores da minha vida, que sempre me 
apoiaram. 
LUIZ TADEU VIAPIANA 
s , U MARI C 
Introdução . . . . . . . . . . .... . . . ..... . . . ..... . . . . . . . .. . . . . . . . .... . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . . . . . . .. . . . . . ............. 9 
p ARTE 1 - CONTEXTO 
O crime violento 21 
Conglomerados de homicídios . . ......... ....... ... ............................................ 24 
Homicídio entre jovens 26 
Crime atinge metade da população 29 
O crime oculto 30 
PARTE II - A EcoNOMIA DO CRIME 
Um modelo de decisão 37 
Efeitos da punição ........................... ........ . . ...... . . ....... . . . . . ..... . . . . . . . . . . . . . . ...... . . 40 
Drogas, álcool e crimes ......................................... . ............... . . . . ...... . . . . ... . . . 44 
Trabalho, renda e crimes ...... .... . . ..... . . ..... . . .... . . . . .... . . . . ... . . ...... ...................... 60 
Educação: a chave ..... . . .. . .. . . . ....... . . ...... . . ........................ .......... ................ . . . 69 
Brasil: uma aproximação 71 
p ARTE III - TEORIA DO CONTROLE E DECISÃO DOS INDIVfDUOS 
Anomia, a visão clássica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 5 
Anomia em Robert Merton ..................................................... . . . . .... . . . . ..... 88 
A subcultura delinqüente . . ... . . . ...... . . . . . . . . . . .... . . . . . .... . . . ....... . . ................. . ....... 9 1 
Família, escola e comunidade: fontes de controle ................ . ................. . 102 
A teoria do autocontrole ...................... ............. . ............... . ..................... 104 
PARTE IV - D1ssuAsÃo E PoLfCIA 
Teoria da dissuasão .............................................................................. ... 120 
Punição e controle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126 
Armas de fogo 131 
Polícia, um modelo em crise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 7 
Aspectos institucionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 
Gasto e eficiência ............... ......... ....... ........ ...... ...... . . ....... . ...... ................. 1 50 
Conclusão ............................................................................................ ... 1 55 
Notas ...................................................................................................... 161 
Bibliografia . . ... .. . . ....... . ....... ......... ............................... .................. ......... . . 169 
1 NTRO D U ÇÃD 
M e u propósito neste livro é apresentar e debater a teoria econômi­ca do crime. A abordagem econômica do crime é relativamente nova, 
tendo sido fortemente influenciada pelo estudo seminal de Gary Becker, 
Crime and Punishment: An Economic Aproach, de 1 968. Desde a contribui­
ção original dos estudos de Becker sobre a análise econômica do comporta­
mento humano, que lhe daria o Prêmio Nobel de Economia, em 1 992, 
inúmeros estudos e pesquisas produzidos por economistas em diversos paí­
ses resultaram na formação de um corpo teórico rico e diversificado, abri­
gado sob a expressão Teoria Econômica do Crime. 
No entanto, embora já importante, a contribuição teórica da Eco­
nomia ao estudo do crime ainda está longe de ser comparável à vasta 
produção gerada no campo da Criminologia, que, ao longo dos dois 
últimos séculos, incorporou conceitos e descobertas provenientes da 
Sociologia, da Psicologia e da Antropologia. Só muito recentemente, 
na década de 1 980, a noção de que os indivíduos fazem suas escolhas 
ponderando custos e benefícios foi utilizada por algumas escolas de pen­
samento da criminologia, a Teoria das Oportunidades, a Teoria da Dis­
suasão e a Teoria da Escolha Racional. 1 Éo que se pode constatar, por 
exemplo, no exame da classificação das escolas criminológicas proposta 
por Francis Cullen e Robert Agnew no livro Criminological Theory -
Past to Present. Desde a Escola Clássica criada por Cesare Secaria, no 
século XVIII , até a moderna abordagem multidisciplinar do Curso de 
Vida (Life Course) , desenvolvida por John Laub e Robert Sampson,2 a 
contribuição da economia aparece em apenas três delas. Nas demais 
predomina, principalmente, a abordagem sociológica. 
É claro que antes da publicação do texto de Gary Becker houve outros 
estudos que procuraram estabelecer algum tipo de correlação entre variá­
veis econômicas e índices de crimes. O The Oxford Handbook of Criminolo-
E c:: O N O M I A DO C R I M E 9 
gy cita escudo pioneiro de Michel Guerry e Adolphe Quecelec, publicado 
em 1 835 , contendo uma espécie de mapa estatístico da França, no qual as 
taxas de crimes eram relacionadas com a posição geográfica, o clima, níveis 
de educação, ocupação e emprego. Os autores chegaram à conclusão de 
que havia uma constância entre crime e determinadas condições econômi­
cas. Outro escudo, elaborado por Whicwort Russel no século XIX, procu­
rou estabelecer uma conexão entre o ciclo econômico e os crimes. Ele cons­
tatou que nos anos seguintes à crise comercial e industrial de 1 842, na 
Inglaterra, ocorreu um aumento do número de prisioneiros. O Oxford cita 
outra pesquisa, de autoria de John Clay, que apresenta conclusões no mes­
mo sentido, mais ou menos na mesma época. Finalmente, um quarto escu­
do, que teve maior repercussão, é de autoria de Georg von Mayr e foi pu­
blicado em 1 867. Após comparar a evolução dos preços do centeio e o 
número de ofensas contra as pessoas no período 1 835- 1 86 1 , na Alemanha, 
Mayr chegou à conclusão de que havia uma correlação positiva entre o 
aumento do preço do cereal e os índices de crimes. Da constatação, retirou 
a conclusão de que os níveis de crimes expressam, mais ou menos, direta ou 
indiretamente, o nível de economic distress, algo como pressão econômica, 
na sociedade, particularmente entre os segmentos mais pobres. Nesse escu­
do, aparecia, pioneiramente, uma proposição teórica mais abrangente, 
embora genérica, da conexão entre as condições econômicas e o crime. No 
século XX, Georg Rusche e Orca Kirchheimer expandiram a abrangência 
da análise, comparando as variáveis de desemprego e taxas de prisão com 
dados da Inglaterra, França, Alemanha e Itália, entre 1 9 1 1 e 1928. 
O traço comum presente em todos esses escudos é o de que eles apenas 
constataram a existência de correlações entre determinadas variáveis eco­
nômicas e crimes, algo ainda muito discante da formulação de uma teoria 
ou um modelo capaz de explicar quais as condições e fatores que incenti­
vam a conduta criminal. Apenas nas décadas finais do século XX viria à luz 
uma teoria com esse propósito, a partir da contribuição original de Becker 
em seus modelos de análise econômica do comportamento humano. 
É necessário sublinhar, desde já, que a relação entre economia e crime 
não é direta e mecânica. Desde os primeiros escudos, acima citados, sabe­
mos que o crime é um fenômeno inversamente relacionado com o desen­
volvimento econômico e social. Tal constatação pode ser, também, facil­
mente comprovada na atualidade. Basca observarmos que os países desen­
volvidos, com renda per capita mais elevada, apresentam níveis menores de 
crimes - canto contra o patrimônio como os contra a vida - do que os 
1 D L u i z TAD E U V 1 A P I A N A 
países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Mesmo quando, no pas­
sado recente, os países desenvolvidos enfrentaram movimentos de elevação 
em suas curvas de crimes, como ocorreu nas décadas de 1 970 e 1 980 nos 
Estados Unidos e alguns países da Europa, seus índices criminais mantive­
ram-se em patamares muito abaixo dos existentes nos países subdesenvolvi­
dos e em desenvolvimento. 
Para se compreender as conexões entre as condições econômicas e a 
criminalidade, portanto, é preciso considerar não apenas o comportamen­
to das variáveis econômicas frente aos níveis de crimes - embora elas sejam 
evidentemente importantes e decisivas -, mas também o papel fundamen­
tal desempenhado pelas instituições públicas (Polícia, Justiça e Sistema Pri­
sional) e privadas (Família, Escola e Comunidade). Além disso, é preciso 
considerar o papel da cultura e dos valores morais como forças condicio­
nantes que incentivam ou restringem as decisões dos indivíduos no sentido 
do crime ou do não-crime. 
Isso significa reconhecer que os indivíduos não decidem apenas moti­
vados por circunstâncias econômicas ou sociais, mas também influencia­
dos por valores culturais e morais aprendidos na convivência social; as pres­
sões oriundas do ambiente externo sofrem a mediação da consciência e dos 
seus valores morais. A teoria econômica do crime procura integrar todos 
esses elementos num modelo explicativo das decisões dos indivíduos pelo 
crime e pelo não-crime. 
A pertinência do tema para nós, brasileiros, dispensa maiores justifica­
tivas. Basta lembrar que, entre os países em desenvolvimento, o Brasil é um 
dos que apresenta níveis mais altos de crimes. De 1 1 homicídios por 1 00 
mil habitantes em 1 980 passamos para 28,4, em 2002, e 26,9, em 2004, 
último indicador disponível. O mesmo comportamento ascendente ocorre 
com os furtos e roubos, a tal ponto que a taxa de roubos nas capitais brasi­
leiras atingiu, em 2002, um patamar cinco vezes mais alto do que nos Esta­
dos Unidos e na Inglaterra. As pesquisas de vitimização - que medem o 
impacto da criminalidade na população - feitas nos anos recentes indicam 
que um terço da população das capitais brasileiras é, anualmente, vítima de 
algum tipo de crime. Quando o período pesquisado é ampliado para um 
prazo maior, de 5 anos, por exemplo, os dados mostram que a metade da 
população brasileira foi vítima de algum tipo de crime. 
Além do drama das vítimas e da insegurança da população, as estatís­
ticas criminais evidenciam também que a polícia brasileira vive uma grave 
crise de desempenho. Carente de séries estatísticas confiáveis e sistemas de 
E c a N C M I A DO C R I M E 1 1 
planejamento, equipamentos modernos, recursos humanos qualificados e 
efetivos em número suficiente, a polícia pouco pode fazer tanto para preve­
nir quanto para apurar os crimes cometidos. Algumas estimativas indicam 
que a polícia brasileira não consegue apurar mais do que 5% de todos os 
crimes violentos cometidos no país. É um desempenho pífio se comparado 
com qualquer país desenvolvido: nos Estados Unidos, 67% são apurados; 
na Inglaterra, 35%; no Canadá, 45%; e na Austrália, 30%. 
Fechando o cenário, a Justiça brasileira tem sido classificada, quase 
unanimemente, como lenta, burocrática e que pouco condena. E nossas 
prisões, na ponta do sistema de justiça criminal, carecem de vagas e de 
condições mínimas de controle e segurança. Ao invés de território seguro 
para o cumprimento das penas e ressocialização de presos, as prisões são 
territórios controlados pelo crime organizado. 
Apesar desse quadro dramático, paradoxalmente, ainda sabemos mui­
to pouco sobre o fenômeno da criminalidade no Brasil. O déficit de infor­
mação qualificada, indicadores e conhecimentos mais amplos e detalhados 
é justamente uma das causas que explicam as dificuldades e a inoperância 
das políticas de segurança pública. Três exemplos apenas são suficientes 
para comprovar essa realidade: 
Não possuímos ainda um cadastro nacional de registros criminais. Os 
registros dos crimes são feitos pelos governos estaduais, de acordo com 
critérios muitas vezes diferentes de organização dos dados, dificultan­
do a estruturação de séries estatísticas confiáveis e comparáveis. Com 
isso, a análise dos padrões e tendências dos crimes fica gravemente 
prejudicada, afetando a qualidade do planejamento da estratégia e da 
ação policial. Tal situação torna-se ainda mais problemática devido à 
carência de recursoshumanos capacitados - analistas, estatísticos, so­
ciólogos, economistas, etc. - e à falta de prioridade para as áreas de 
planejamento no âmbito das Secretarias de Segurança Pública. Em 
alguns Estados, existe, ainda, duplicidade de sistemas de informações, 
com competências superpostas nas instituições - polícia civil e militar 
-, o que gera ineficiência e dispersão pe recursos. 
Não existe no Brasil um programa nacional de pesquisas criminais, 
nos moldes do National Crime Victimization Survey (EUA) ou Bri­
tish Crime Survey (Inglaterra). Tais programas realizam pesquisas anuais 
de impacto da criminalidade, de aferição dos eventos não captados 
nos registros policiais - as chamadas cifras negras - e de mapeamento 
1 2 L u i z TAD E U V I A P I A N A 
das características socioeconômicas e demográficas de vítimas. Com 
indicadores provenientes dessas pesquisas, são elaborados estudos e 
análises detalhadas sobre as tendências dos crimes, o perfil das vítimas 
e as características ambientais prevalentes nos delitos. Tais indicadores 
são também amplamente usados no planejamento da ação policial e 
no desenho de programas públicos voltados para a prevenção e con­
trole do crime. 
Inexistem em nosso país programas de policiamento comunitário, pro­
gramas de prevenção orientados por problemas (Problem Oriented Po­
licing) ou programas de prevenção situacional do crime, abordagens já 
consagradas e largamente utilizadas nos países desenvolvidos. Entre 
nós, onde existem, são iniciativas esporádicas e isoladas, não resultan­
tes de políticas ou programas estruturados duradouros, algo essencial 
para a produção de bons resultados. Também são raros os programas, 
e experiências mais elementares de controle social sobre fatores de ris­
co focados em drogas e álcool. Dentre tais programas podemos citar, 
por exemplo, o mais comum deles, que é o controle mais rígido do 
horário de funcionamento de bares em áreas de risco e venda de dro­
gas em escolas e imediações. Mesmo medidas simples e óbvias como 
essas não são adotadas na maioria das cidades e regiões com altos índi­
ces de crimes. 
O mais dramático é que as deficiências apresentadas pelo sistema de 
segurança pública e de justiça em prevenir, apurar e punir os crimes acabam 
se tornando, objetivamente, num poderoso incentivo à criminalidade. É 
um círculo vicioso que começa na falta de ações preventivas, continua na 
baixa apuração dos crimes cometidos, alimenta-se da ausência de condena­
ção e, por fim, quando esta acontece, em prisões de onde é fácil fugir ou 
delinqüir. O mais importante, termina com a sinalização clara de que o 
crime compensa. 
Este livro é diferente dos demais textos produzidos sobre a criminalidade 
no Brasil, que abordam o tema utilizando as contribuições teóricas da Sociolo­
gia e da Criminologia. Em nossa exposição, adotamos a perspectiva teórica de 
Gary Becker, segundo a qual os indivíduos optam pelo delito caso o retorno 
esperado seja maior do que o custo associado à escolha. A decisão pelo crime, 
assim, seria semelhante a outras deliberações que são tomadas no cotidiano 
pelos indivíduos, como comprar uma casa, mudar de emprego, adquirir um 
carro, casar, ter filhos e outras que definem seu curso de vida. 
E c a N C M I A oa C R I M E 1 3 
Nessa medida, o crime não é um evento que resulta de "anormalida­
des" ou "traços biológicas", no sentido de insuficiência ou defeitos, como 
acreditava Cesare Lombroso; da mesma forma, não pode ser visto como 
um fenômeno determinado imperativamente pelas condições sociais e eco­
nômicas, visão abrigada por muitas escolas criminológicas, entre as quais 
podemos citar a Escola de Chicago e ramificações, como a influente Teoria 
da Desorganização Social.3 Na perspectiva da teoria econômica do crime, 
em sua esmagadora maioria, o criminoso é uma pessoa normal que ponde­
ra e decide dentro de uma determinada estrutura de incentivos ou condi­
cionantes. Os indivíduos, evidentemente, não decidem no vácuo; eles so­
frem as influências do meio, desde a sua formação inicial na família e na 
escola, mas, ainda assim, são eles que em última análise decidem. A dife­
rença entre influenciar e determinar é sutil, mas é fundamental. 
Desde o nascimento, o indivíduo está submetido a diversos condicio­
namentos biológicos ditados pelo seu metabolismo. Porém, é preciso subli­
nhar que, além do ciclo biológico, que independe da vontade dos indiví­
duos, eles são influenciados, a inda, pelos condicionantes decorrentes da 
vida em sociedade, sobre os quais pode agir a consciência humana. Por 
exemplo, estudar, trabalhar, formar família, enfim, são opções que se apre­
sentam ao longo da vida e que dependem tanto das decisões dos indivíduos 
como também de fatores externos, nem sempre sob seu controle. Não é 
porque um indivíduo decidiu estudar que ele irá fazê-lo; o êxito de tal 
opção depende de sua força de vontade, persistência e esforço, como tam­
bém de sua capacidade de arcar com os custos dela decorrentes, que são 
determinados externamente. O fato é que as opções dos indivíduos ao lon­
go da vida implicam custos e benefícios, sendo influenciadas por circuns­
tâncias que, muitas vezes, extrapolam o indivíduo. 
Junto com as circunstâncias sociais, deve-se considerar também a im­
plicação óbvia de que as diferenças entre os indivíduos, decorrentes de fato­
res biológicos (inteligência), da cultura e da moral, abrem possibilidades de 
decisões diversas e múltiplas. Cada indivíduo pode reagir de forma diferen­
ciada aos condicionantes naturais e sociais. 
Existe ainda um outro dado importante, assinalado por Gianetti da 
Fonseca , no livro O Calor do Amanhã: "O jogo da vida - sobreviver e repro­
duzir - se desenrola no tempo" Isso implica que as decisões que ditam a 
vida no presente têm um custo futuro. Logo, o comportamento no presen­
te e as escolhas feitas hoje ditam o curso da vida no futuro. Daí a idéia de 
que a vida envolve trocas intertemporais, nas quais sempre está presente o 
1 4 L u i z TA D E U V I A P I A N A 
dilema entre o benefício ou custo no presente em troca do benefício ou 
custo no futuro. 
Essas trocas são comandadas não apenas por um cálculo matemático 
de vantagens e desvantagens, mas também por um fator sobre o qual os 
indivíduos nem sempre têm total controle, a impulsividade. É ela, em bus­
ca do prazer imediato, que imputa custos para o futuro. Aquele que come 
gorduras, fuma e bebe em excesso, está trocando prazer no presente por um 
custo cerco no futuro, que virá na forma de perda de saúde e, no limite, na 
morte. Ao contrário, aquele indivíduo que se esforça no presente para escu­
dar, busca os benefícios da educação no futuro, na forma de um emprego 
melhor, mais renda e status. Da mesma forma, aquele que procura benefí­
cio imediato no crime poderá incorrer num custo futuro na forma de perda 
da liberdade. 
Portanto, na teoria econômica do crime, o evento crime é visco como 
uma decisão onde são ponderados os benefícios e os custos, e, também, 
como uma troca intertemporal, entre o benefício imediato e um custo pro­
vável no futuro (prisão). Assim sendo, a decisão pelo crime seria semelhan­
te a outras decisões tomadas pelo indivíduo ao longo de curso de sua vida. 
Os principais incentivos que influenciam as decisões pelo crime ou 
pelo não-crime são os ganhos monetários ou psicológicos advindos do ato 
criminoso, a percepção da probabilidade de prisão e condenação, os custos 
morais e as perdas potenciais de renda associadas ao tempo de permanência 
na prisão. Em outras palavras, a decisão pelo crime resulta da comparação 
da expectativa dos ganhos obtidos no mercado ilegal com a expectativa de 
ganho no mercado legal, considerando-se determinado risco de punição. 
Mais concretamente, o exame da literatura disponível mostra que existe 
uma correlação importante entre desemprego e baixa renda e crimes, prin­
cipalmente aqueles cometidos contra a propriedade. Da mesma forma, os 
escudos comprovam que a baixa escolaridade é fatorpredicivo de conduta 
criminosa, ao lado do uso de drogas e álcool. 
Por outro lado, existem escudos mostrando que quanto maior for a 
percepção sobre a probabilidade de o indivíduo ser preso e condenado, 
mais elevado será o custo do crime. Esse, aliás, é um dos fundamentos clássi­
cos dos sistemas de segurança e dos sistemas penais desde o final do século 
XVIII: a dissuasão dos crimes por meio do efeito incapacitante e simbólico exer­
cido pela certeza, celeridade e severidade na aplicação das penas. 
A noção do papel da dissuasão é antiga, mas está, ainda, presente em 
versões modernas de programas de combate ao crime, como a teoria das 
E C O N O M I A DO C R I M E 1 5 
"janelas quebradas" (broken windows) , que parte da premissa de que a rein­
cidência e a ocorrência de crimes mais sérios pode ser contida pela punição 
severa dos crimes menores. 
Outro exemplo das novas abordagens e desenvolvimentos teóricos que 
conferiram maior amplitude e abrangência ao efeito dissuasão, para além 
do efeito associado exclusivamente à punição, é a teoria da Prevenção Situa­
cional do Crime, que incorpora novas estratégias de prevenção com o obje­
tivo de reduzir as oportunidades para os crimes. Essa teoria preconiza ações 
preventivas que envolvem desde a organização da comunidade visando a au­
mentar a vigilância nos bairros, ruas e escolas, a adoção de sistemas eletrônicos 
de controle em ônibus, praças e residências, até programas ant idrogas e de 
controle do álcool. 
Ao longo deste livro vamos apresentar as idéias e noções centrais da 
teoria econômica do crime e, a seguir, alinhar evidências sobre como ope­
ram, na realidade concreta, os incentivos ao crime e ao não-crime. Como o 
leitor perceberá, serão utilizados estudos de pesquisadores de outros países, 
principalmente norte-americanos e europeus. Isso se deve, de um lado, ao 
estágio avançado em que se encontra a pesquisa acadêmica sobre o tema 
nesses países em relação ao nosso e, por outro, à precariedade, tanto em 
qualidade quanto em abrangência, das estatísticas e dos indicadores crimi­
nais no Brasil. Porém, quando disponíveis, os estudos feitos no Brasil são 
evidentemente considerados e citados. 
É claro que nem sempre as conclusões de escudos feitos com dados 
sobre outros países são aplicáveis à nossa realidade. No entanto, as metodo­
logias e o aporte teórico que nos trazem certamente podem nos ajudar a 
vislumbrar novos caminhos e soluções aplicáveis à nossa realidade. Dois 
exemplos ilustram tais possibilidades: os estudos feitos em outros países 
que mostram, com fortes evidências, uma correlação positiva entre drogas 
- comércio e uso - e crimes, e também o já referido papel decisivo da 
punição na prevenção e redução dos crimes. 
Entretanto, apesar de tais evidências, não temos ainda em nosso país 
uma política forte e consistente de combate ao tráfico e uso de drogas, e 
nos perdemos em debates estéreis sobre a eficácia das penas, com a predo­
minância, entre os formuladores da política criminal, de um viés de baixa 
punibilidade, caminho oposto às experiências internacionais mais positi­
vas. O Brasil terá de enfrentar, por isso, um longo caminho no aprimora­
mento de suas políticas anticrime, e o primeiro passo nesse sentido é co­
nhecer o que se faz de bom e eficaz em outros países. 
1 6 L u i z TAD E U V I A P I A N A 
O livro está organizado da seguinte forma: na Parte 1, é feita uma 
breve resenha da evolução do crime violento no Brasil durante as décadas 
de 1 980 e 1 990. O objetivo desta parte é traçar as principais características 
e tendências da criminalidade violenta no Brasil nas últimas décadas. A 
análise concentra-se no comportamento das taxas de homicídios, o indica­
dor criminal disponível mais confiável, embora este também apresente li­
mitações. Isso ocorre porque há um enorme desconhecimento das cir­
cunstâncias que cercam os homicídios no Brasil, devido ao fato de que 
apenas uma pequena parte deles é esclarecida. Apesar dessa dificuldade, 
o crescimento dos homicídios é revelador do agravamento da crimina­
lidade em geral. 
Na Parte II, apresentamos os elementos básicos da teoria econômica 
do crime e, em seguida, resenhamos e debatemos as principais variáveis que 
influenciam os custos e o retorno dos crimes, entre os quais as condições do 
mercado de trabalho - emprego e renda -, a educação e o papel criminogê­
nico das drogas. 
A seguir, na Parte III, debatemos as contribuições da sociologia e da 
criminologia mais importantes. Proc�raremos destacar quais os elementos 
presentes nessas análises, que são convergentes e divergentes com o modelo 
econômico do crime. Conforme veremos, a importância atribuída por esta 
teoria à decisão dos indivíduos pelo crime ou pelo não-crime não é contra­
ditória com os condicionantes sociais e econômicos presentes nos contex­
tos em que os indivíduos decidem. Ao contrário, tais contextos devem ser 
considerados como parte da estrutura de incentivos que favorecem ou de­
sestimulam decisões pelo crime. 
Finalmente, na Parte IV trataremos dos efeitos da expectativa de puni­
ção sobre a decisão do indivíduo em praticar o ato criminoso. Serão apre­
sentadas evidências empíricas que demonstram a efetividade da punição 
como fator de contenção do crime, bem como algumas referências críticas 
a essa proposição. Nesta parte, uma seção é dedicada à análise dos modelos 
e do desempenho das organizações policiais, com o propósito de destacar 
suas dificuldades e limitações no controle do crime. Em seguida, apresenta­
mos algumas considerações finais. 
E C O N O M IA DO C R I M E 1 7 
PARTE 1 
CONTEXTO 
o C RI M E VI O LENTO 
Aevolução recente da criminalidade n o Brasil apresenta como carac­terística marcante o extraordinário crescimento dos crimes violentos, 
principalmente os homicídios, e seu caráter eminentemente urbano e juve­
nil. Tal crescimento conduziu o Brasil ao copo do ranking dos países mais 
violentos do planeta e transformou a criminalidade e a violência num dos 
mais importantes cernas que afligem os moradores das médias e grandes 
cidades do País. Mais do que refletir remores associados à forma incensa e 
sensacionalista com que a mídia às vezes noticia os crimes, a apreensão 
popular cem, de faro, sua razão de ser. 
A década de 1 980 parece ser o momento crucial em que ocorre force 
inflexão nas curvas de crimes violentos, especialmente homicídios. A partir 
desse momento, as morres por homicídio passaram a figurar com peso cada 
vez maior nas causas de óbitos dos brasileiros, num radical distanciamento 
da situação existente no início do século. 
Esse faro pode ser observado, por exemplo, nos Estados de São Paulo 
e Rio de Janeiro. Em 1 900, do cocal de 30 mil óbitos verificados no primei­
ro estado, apenas 30 foram homicídios, praticamente um resíduo. 1 No Rio 
de Janeiro, no mesmo ano, as mortes por homicídio não passavam de 1 ,8 
caso por grupo de 1 00 mil habitantes. O perfil da criminalidade, nessa 
época, era completamente distinto. Predominavam os pequenos furtos, 
desordens provocadas por bêbados, lenocínio, enfim conflitos de baixo poder 
ofensivo. Os homicídios eram raros, quase sempre crimes passionais, e ad­
quiriam grande repercussão pública. 
Pelo que se sabe, nada indica que esse padrão tenha se modificado 
radicalmente até pelo menos os anos de 1 970. Ainda no início da década 
de 1980, dos 86 mil óbitos verificados no Estado de São Paulo, apenas 
2,6% do cocal (2.300) eram provocados por homicídio. A partir daí, encre­
canco, nora-se que o quadro se deteriora gravemente, culminando que, em 
E C O N O M IA DO C R I M E 2 1 
1 998, de um total de 1 03 mil óbitos, 1 2 mil foram homicídios, mais de 
1 1 o/o do total.2 
A tendência observada nas duas mais importantes regiões do País in­
fluenciou o panorama nacional. Os dados mostram que, a partir da década 
de 1 980, se verificou uma elevação muito significativa no total de homicí­
dios ocorridos em todo o Brasil: de 1 3 .9 1 O homicídios, naqueleano, para 
49.640, em 2002. Traduzindo esses números em taxas, passamos de 1 1 óbitos 
para 100 mil brasileiros, em 1 980, para 2 1 ,7 �m 1 990, e, finalmente, 28,4 em 
2002. Em apenas 22 anos, os homicídios praticamente triplicaram. 
Com tal desempenho, o Brasil passou a ocupar o 6.0 lugar no ranking 
dos países com maior incidência de homicídios dolosos em todo o mundo. 
Ficamos atrás apenas da África do Sul ( 1 1 4,84 por 1 00 mil habitantes), 
Colômbia (69,98) , Venezuela (33,20) , Bolívia (3 1 ,96) e Equador (25,92) .3 
Estamos muito acima da Argentina (8,2 por 1 00 mil) , do Chile ( 1 ,7 por 
1 00 mil) e do Peru (4,9 por 1 00 mil) . Comparada com países desenvolvi­
dos, a situação do Brasil piora acentuadamente, pois quase todos apresen­
tam taxas muito baixas, inferiores a 5 ,5 por 1 00 mil habitantes - que foi o 
índice registrado nos Estados Unidos em 2000. 
Se nossa unidade de análise forem os Estados, em 2002, aqueles que 
ostentavam os maiores índices de homicídios eram o Rio de Janeiro, com 
56,5 casos por 1 00 mil habitantes, Pernambuco (54,5), Espírito Santo (5 1 ,2) , 
Rondônia (42,3) e São Paulo (38) . No outro extremo, os Estados com as 
menores taxas eram o do Maranhão (9), de Santa Catarina ( 1 0,2) , do Rio 
Grande do Norte ( 1 0,6) , do Piauí ( 1 0,9), e da Bahia ( 1 3) .4 
Por sua vez, o exame dos indicadores de cada Estado da Federação 
evidencia que é nas Capitais e/ou Regiões Metropolitanas que as taxas são 
mais elevadas em relação à média estadual . Em São Paulo, em 2002, en­
quanto a taxa média estadual situava-se no patamar de 38 casos por 100 
mil habitantes, a da Região Metropolitana estava em 53,6/ 1 00 mil habi­
tantes, quase o dobro; em Pernambuco, a taxa estadual era de 54,5 contra 
73,3 da Região Metropolitana; no Rio de Janeiro, o índice estadual era de 
56,5 e o da Região Metropolitana, 64,2; no Rio Grande do Sul, o mesmo 
comportamento: 1 8 ,3 e 28,2, respectivamente. O mesmo comportamento 
ocorre em todos os demais Estados e Regiões Metropolitanas do país. 
A concentração dos homicídios nessas áreas pode ser observada, ain­
da, se atentarmos para o fato de que do total dos homicídios verificados no 
Brasil, em 2002, 53, 1 o/o ocorreram nas Regiões Metropolitanas, cujas po­
pulações representam apenas 30,7% do total do país. 
22 L U I Z TAD E U V I A P I A N A 
Da mesma forma que nas Regiões Metropolitanas, os homicídios tam­
bém estão sobre-representados nas capitais. Todas elas somadas contam com 
23,8% da população total do país, mas registram, no período 1 993-2002, 
38% dos homicídios. Nesse período, somente duas cidades, Rio de Janeiro 
e São Paulo, foram responsáveis por 50% do total de homicídios verifica­
dos nas Capitais brasileiras. 
Todavia, quando se compara a evolução dos indicadores separando as 
regiões por Capitais, Regiões Metropolitanas e interior dos Estados, nota­
se um crescimento maior dos homicídios no bloco do interior. Neste o 
incremento é de 8%, contra 2,4% nas Regiões Metropolitanas e 1 ,65% nas 
Capitais, durante o período 1 993-2003. Tal fenômeno levou o sociólogo 
Julio J. Waiselfisz, responsável pela elaboração do Mapa da Violência, da 
Unesco, a constatar uma "forte tendência de interioriza.ção da violência 
homicida" no Brasil. No estudo Padrões de Criminalidade no Rio Grande do 
Sul - 1997-2003, constatou-se a mesma tendência: os homicídios estavam 
crescendo com maior intensidade nas cidades médias. 3 
E C O N O M I A DO C R I M E 2 3 
e O N GLOM ERADOS , DE HCM I C I DICS 
Adistribuição desigual dos homicídios ocorre também dentro das Capi­tais. Estudo abrangendo a cidade de São Paulo, realizado pela coorde­
nadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, 
Nancy Cardia, e pela professora Titular da Faculdade de Arquitetura e Ur­
banismo da mesma universidade, Sueli Schiffer, revelou que as taxas de 
homicídios são mais elevadas nas regiões da cidade onde existem os piores 
indicadores demográficos e de renda (distritos de Campo Limpo, Capão 
Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luís). 
A mesma constatação foi evidenciada em outra pesquisa, que identifi­
cou vários "conglomerados de homicídios" na cidade de Belo Horizonte, 
Minas Gerais, entre 1 995- 1 999.5 Entre as 85 favelas existentes na cidade, 
foram apontadas dez áreas onde os riscos de homicídio são mais elevados. 
Porém, diferentemente do trabalho de Cardia e Schiffer, ao invés de vincu­
lar os riscos elevados à pobreza e a �ndicadores demográficos, exclusiva­
mente, os pesquisadores apontam o fato de essas regiões "serem assoladas 
pelo tráfico e pela violência associada ao comércio de drogas" A pobreza 
não seria, assim, uma variável autônoma na explicação dos homicídios nas 
regiões mais pobres. Essa conclusão é coincidente também com o estudo 
da antropóloga carioca Alba Zaluar, que analisou a incidência da criminali­
dade violenta e sua correlação com o tráfico e uso de drogas nos bairros de 
Copacabana, Tijuca e Madureira, na cidade do Rio de Janeiro. 
O Re/,atório de Desenvolvimento Humano Sustentdvel da Cidade do Rio 
de janeiro, realizado pelo Instituto de Pesquisa Aplicada - IPEA, Prefeitura 
Municipal do Rio de Janeiro e Programa das Nações Unidas para o Desen­
volvimento - PNUD, aponta também o fenômeno da distribuição desi­
gual dos homicídios na cidade. No ano de 1 999, os homicídios ocorridos na 
zona oeste alcançaram a taxa de 57,5 casos por 1 00 mil habitantes, contra 
apenas 1 6,4 na zona sul. O estudo destaca que na zona sul da cidade, em con-
24 L u i z TAD E U V I A P I A N A 
traposição à zona oeste, têm-se indicadores socioeconómicos mais elevados, 
além de maior cobertura policial - 1 policial para cada 35 1 habitantes contra 1 
policial para cada grupo de 697 a 1 .027 habitantes nas demais zonas da cidade. 
No mesmo sentido alinham-se, ainda , as conclusões de um estudo 
que detectou conglomerados espaciais de óbitos por causas violentas em 
Porto Alegre para o ano de 1 996.6 Foram encontradas duas áreas com alta 
densidade de residências com vítimas de homicídios. Uma delas é formada 
por bairros que se diferenciam das demais zonas da cidade por apresentarem 
também piores indicadores socioeconómicos, onde "diferentes grupos envolvi­
dos com drogas atuam e é freqüente a ocorrência de conflitos entre os que 
disputam o controle do tráfico e entre estes e a polícià'. A outra área de con­
centração de homicídios é bastante peculiar, pois é formada por bairros de 
classe média próximos ao centro da cidade. Nesta segunda área , a elevada 
incidência de homicídios poderia ser explicada pela alta densidade popula­
cional, movimentada circulação noturna e atuação de traficantes. 
E c a N C M I A DO C R I M E 2 5 
H O M I CÍDI O ENTRE JOVEN S 
F inalmente, é necessário observar como os homicídios se distribuem na população, levando-se em conta as faixas etárias. Os números da déca­
da de 1 990 indicam taxas de crescimento mais elevadas de homicídios na 
faixa etária composta pela população entre 1 5 e 24 anos. Na década de 
1 993-2002, enquanto que no Brasil como um todo as taxas de homicídio 
aumentaram 62,3%, no extrato populacional de 1 5 a 24 anos houve um 
aumento de 88,6%. 
O crescimento dos homicídios entre os jovens acima da média nacio­
nal significa que, em 2002, houve 54,7 homicídios de jovens por 100 mil 
habitantes no país, contra 28 ,4 casos por 1 00 mil para a população como 
um todo. Em 1 982, representavam 26,9% do total de homicídios ocorri­
dos no país. Em 2002, quase 40%. 
Os Estados que lideram os índices de homicídio juvenil são prati­
camente os mesmos que apresentam as maiores taxas quando conside­
rado o total de suas populações. Isso ocorre porque, como vimos, o 
total dos homicídios é fortemente influenciado pela criminalidade letal 
entre os jovens. As maiores taxas de homicídio juvenil ocorrem, pela 
ordem, nos Estados do Rio de Janeiro, com 1 1 8 ,9 casos por 1 00 mil 
habitantes, Espírito Santo ( 1 03,7) , Pernambuco ( 1 03,4) , Amapá (8 1 ,2)e São Paulo (8 1 ) . 
O mesmo fenômeno ocorre nas Capitais. Em 2000, 44,4% das mor­
tes de jovens nas Capitais brasileiras tiveram como causa o homicídio. Nas 
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro estão concentradas mais de 50% do 
total das mortes de jovens de 1 5 a 24 anos em todo o País. Registre-se, 
ainda, que o "momento crítico" está situado no intervalo entre 20 e 24 
anos, com taxas que se situam entre 69, 1 e 66, 1 casos por 1 00 mil habitan­
tes. Os jovens dessa faixa etária constituem o segmento da população que 
apresenta maior risco de vitimização por homicídio. 
26 L u i z TAD E U V 1 A P I A N A 
As Capitais que lideram o homicídio juvenil são as seguintes: Vitó­
ria ( 1 97 casos por 1 00 mil habitantes), Recife ( 1 92,9) , Rio de Janeiro 
( 1 45 ,5 ) , Maceió ( 1 29 ,4) e São Paulo ( 1 1 4,2). As menores taxas são as 
de Palmas (28) , Natal (3 1 ) , São Luís (3 1 ,5 ) , Manaus (49) e Salvador 
(49 ,4) . Mesmo quando comparamos as menores taxas de ha
'
micídio 
juvenil com a média nacional para a totalidade dos homicídios, elas se 
mostram extremamente elevadas. 
Outra característica do perfil das vítimas refere-se à predominância do 
sexo masculino. No ano de 2000, por exemplo, 92,7% do total das vítimas 
de homicídio eram homens. Esse comportamento repete-se na maioria dos 
Estados, com exceção de Goiás, Santa Catarina, Minas Gerais e Roraima, 
onde a participação das mulheres como vítimas de homicídios é um pouco 
mais elevada. O mesmo ocorre com a participação feminina no grupo de 
vítimas de 1 5-24 anos. Nesse grupo, o destaque é Rondônia, onde 20% das 
vítimas entre 1 5-24 anos era formado por mulheres. 
A elevada incidência de crimes entre os jovens é um fenômeno que 
também ocorre nos países desenvolvidos. Nesses países, segundo depoi­
mento dos criminologistas norte-americanos James Wilson e Richard 
Herrnstein, o maior envolvimento de jovens ocorre tanto no lado das víti­
mas como no dos agressores. Por isso., afirmam que o crime é um compor­
tamento jovem em larga extensão.7 
E isso é verdadeiro não apenas para os homicídios. Por exemplo, em 1 980, 
nos Estados Unidos, 60 % dos presos por crimes cometidos contra a proprieda­
de e 37% dos presos por crimes violentos tinham menos de 20 anos. O pico 
das taxas do grupo de crimes composto por estupro, roubos e agressões ocorre 
quando o agressor tem entre 1 8 e 20 anos (25 .800 casos por 100 mil habitan­
tes), diminuindo sensivelmente na faixa dos 21 anos (5.63 1 / 100 mil habitan­
tes) e também na faixa dos 1 2- 17 anos ( 14. 121 /lOOmil habitantes).8 
Nos Estados Unidos, a participação dos jovens nos homicídios é tam­
bém muito mais alta do que a das demais faixas etárias. Em 1 990, era de 2 1 
casos entre o s jovens d e 1 8 a 24, contra 1 6,8 n a faixa d e 25-34 e 9,9 n a de 
35-49. Mesmo quando os homicídios caem drasticamente no final da dé­
cada, a taxa entre os jovens permanece muito alta - 1 7,4/ 1 00 mil - contra 
a média nacional de 6,3 casos por 1 00 mil para o total da população. A taxa 
entre os jovens é três vezes maior do que a da população total, proporção 
semelhante à brasileira. 
Refletindo os índices de crimes, as taxas de prisões por homicídios são 
também mais altas nos Estados Unidos para as idades de 1 8 a 20 anos em 
E c a N C M I A oa C R I M E 27 
relação às demais faixas etárias, o que parece reforçar o padrão de maior 
propensão ao crime juvenil também no caso de homicídios. O crescimento 
dos crimes violentos verificado no período 1 985- 1 993 foi acompanhado 
pelo aumento das taxas de prisões de pessoas com idade entre 1 8 e 20 anos. 
O mesmo ocorreu com os roubos.9 
Usando um critério mais amplo do que os registros de homicídio, um dos 
mais completos programas de análise de vitimização, que é feito na Inglaterra -
o British Crime Suroey - também mostra a alta incidência criminal na faixa 
etária dos jovens. A pesquisa feita em 2002-2003 mostrou que o grupo de 
jovens, do sexo masculino, com 1 6 a 24 anos, tem 1 5 , 1 % de possibilidade de 
ser vítima de crimes violentos, contra apenas 3,4% para os homens com 25 a 
44 anos, e 2% para homens entre 45 e 64 anos. Em outras palavras, os jovens 
do sexo masculino têm 4,4 vezes mais chances de vitimização violenta do que 
os adultos e 7,5 vezes em relação ao terceiro grupo. Outro estudo feito na 
Inglaterra mostrou que metade de todos os autores de roubos tinha entre 16 e 
20 anos e que 45% das vítimas estava na faixa de 1 1 a 20 anos. 1 0 
Resumindo, a criminalidade letal no Brasil apresenta as seguintes ca­
racterísticas: 
a) taxa nacional bastante elevada quando comparada às taxas internacionais; 
b) distribuição desigual entre as diversas unidades da Federação, com forte 
concentração nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e 
Espírito Santo; 
c) crescimento elevado dos homicídios na maioria dos Estados, ainda 
que em muitos deles as taxas permaneçam em patamares que podem 
ser considerados baixos; 
d) taxas mais elevadas nas Capitais e Regiões Metropolitanas do que as 
taxas nacionais; 
e) desde 1 999, taxa de crescimento dos homicídios no interior em níveis 
superiores aos das Capitais e Regiões Metropolitanas; 
e) nas Capitais, os índices de homicídios tendem a ser mais elevados nas 
regiões mais pobres, que se caracterizam como zonas de forte atuação 
do tráfico de drogas e precária presença de policiamento; 
f) maior incidência dos homicídios entre a população jovem de 1 5 a 24 
anos em praticamente todas as Capitais brasileiras; 
Por último, as armas de fogo estão presentes em 6 1 o/o das ocorrências 
fatais, embora não se possa afirmar, em razão das deficiências nos registros 
e baixa taxa de esclarecimento dos crimes, se elas são legais ou ilegais. 
28 L u i z TAD E U V I A P I A N A 
e RIME ATINGE METADE DA POPULAÇÃO 
D iante do fato de que os registros policiais captam apenas uma pequena parcela dos crimes - excetuando-se os homicídios, que têm alto índi­
ce de notificação-, o caminho utilizado pelos pesquisadores para dimensio­
nar o conjunto dos delitos são os dados das pesquisas de vitimização, apesar 
dos limites geográficos e metodológicos desses levantamentos. 
A última pesquisa feita no Brasil, em 2002, com abrangência nacional, 
focaliwu apenas quatro Capitais brasileiras - São Paulo, Rio de Janeiro, Recife 
e Vitória. Apesar de limitada geograficamente, mostrou um cenário dramático: 
nos últimos 5 anos, 50% da população foi vítima de algum dos 1 1 tipos de 
crimes pesquisados (roubo/furto de moto, depredação em automóvel, roubo/ 
furto de bicicleta, roubo/furto de automóveis, roubo/furto de algo dentro do 
carro, funo, agressão física, arrombamento, tentativa de arrombamento e agressão 
sexual) . Quando a pergunta se referiu apenas ao último ano, ainda assim um 
terço dos entrevistados disse ter sofrido algum tipo desses delitos. Os crimes 
contra o patrimônio - furtos e roubos - apresentaram maior incidência. 1 1 
Quando utilizamos os registros policiais disponíveis, que como sabe­
mos cobrem apenas parte do conjunto dos crimes cometidos, o quadro é 
igualmente grave. Os dados para as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e 
Porto Alegre, nos últimos anos, demonstram uma verdadeira explosão dos 
crimes contra o patrimônio. Na Capital de São Paulo, por exemplo, o re­
gistro policial de roubo, furto e latrocínio elevou-se de 1 ,9 milhão, em 
1 983, para 3,4 milhões de ocorrências em 1 998, um aumento de 78%. 
Nesse mesmo período, a população cresceu apenas 1 2,7%. Nesse ano, um 
em cada três paulistanos foi vítima de um desses crimes.12 No Rio de Janei­
ro, os furtos e os roubos aumentaram 56,2% e 84,2%, respectivamente, no 
período entre 1 998-2004. Na cidade de Porto Alegre, o aumento foi de 
86% no roubo e de 77% no furto, entre 1 997-2003, enquanto o cresci­
mento da população foi de apenas 7,2%. 1 3 
E c a N C M IA oa C R I M E 2 9 
o C RI M E O CULTO 
U ma das maiores dificuldades com que se deparam os pesquisadores da criminalidadeestá relacionada com os registros das ocorrências crimi­
nais que captam apenas uma parte dos crimes que são cometidos, pois muitas 
vítimas deixam de efetuar o registro junto às autoridades policiais. Estima­
se que, no Brasil, 80% dos crimes não são comunicados à polícia, não fa­
zendo parte, portanto, das estatísticas oficiais. Dentre todos os crimes, a 
exceção são os crimes contra a pessoa, homicídio e tentativa de homicídio, 
que têm alto índice de notificação. Esse volume de crimes não registrados é 
conhecido na literatura especializada como "cifras negras" 
No entanto, mesmo em relação aos homicídios, existem diferentes 
critérios para agrupar as informações, o que também dificulta a construção 
de séries estatísticas de boa qualidade. Por exemplo, as taxas nacionais de 
homicídios englobam os casos de homicídio doloso e culposo, ignorando­
se a diferença fundamental, que é a intenção de matar, presente no primei­
ro caso e ausente no segundo. O mesmo ocorre com as mortes decorrentes 
de acidentes de trânsito ou outros acidentes, onde não é possível apurar a 
presença da intenção de matar ou circunstâncias outras associadas ao dolo 
ou imperícia, tais como dirigir alcoolizado ou sob efeitos de drogas ou em 
alta velocidade. Todas essas dificuldades, evidentemente, se refletem nas 
estatísticas, fazendo com que as taxas de homicídio, na realidade, envolvam 
ocorrências e circunstâncias bastante diversas. 
Os pesquisadores procuram superar parte dessas dificuldades nas bases 
de informação utilizando outras estratégias. As "cifras negras'', por exem­
plo, podem ser razoavelmente estimadas através das "pesquisas de vitimiza­
ção" Nessa modalidade de investigação, os entrevistados revelam se eles 
próprios ou alguém de sua família foi vítima de algum tipo de crime num 
período de referência (seis meses, um ano ou até períodos maiores), se foi 
efetuado o registro policial, quais as características das ocorrências (horário, 
30 Luiz TAD E U V I A P I A N A 
local, etc.) e das vítimas (perfil socioeconômico). Quando não houve o re­
gistro, indaga-se sobre os motivos de cal decisão, sendo usual também que se 
apliquem questões sobre a percepção do entrevistado acerca da confiabilidade e 
qualidade dos serviços policiais. Desse modo, agregando-se os dados dos cri­
mes não registrados aos dos crimes registrados, cem-se uma noção da mag­
nitude do impacto da criminalidade num determinado período. 
Ocorre que, no Brasil, poucas dessas pesquisas foram realizadas - não 
mais do que uma dezena - e apenas duas com abrangência nacional. As 
demais se restringiram a unidades geográficas menores, como Municípios 
ou Regiões Metropolitanas. Em razão disso, principalmente, não é possível 
comparar seus resultados entre si, servindo, cada uma delas, apenas como 
retrato parcial da criminalidade não capeada pelo sistema de segurança pú­
blica em determinado momento. Elas são, também, incomparáveis, por­
que utilizam como referência diferences períodos de tempo em que o crime 
não notificado aconteceu. 
Todavia, apesar dessas limitações, as pesquisas de vicimização são unâ­
nimes em revelar taxas muito baixas de notificação de ocorrências à polícia. 
De acordo com essas pesquisas, aproximadamente 80% do cocal dos crimes 
detectados não foram notificados às autoridades policiais. Somente em duas 
do conjunto de pesquisas que analisamos - uma realizada pela Universida­
de de São Paulo, em 1 999, e outra pela Fundação Sistema Estadual de 
Análise de Dados - SEADE, do Estado de São Paulo, em 1 998 - foi detec­
tada uma taxa maior do que 20% de notificação. 
Sobre os motivos alegados para a não-notificação, a Pesquisa Nacional 
por Amostra Domiciliar - PNAD, de 1 988, informa, por exemplo, que 
67% das vítimas optaram por não registrar furtos e roubos. Desse cotai, 
27,7% alegaram como motivo "não acreditar" na polícia. As demais pes­
quisas evidenciaram também que esta é a principal razão apresentada pelas 
vítimas que optaram pelo não-registro. Os demais motivos que aparecem 
com muita freqüência são o baixo valor dos bens envolvidos em furtos ou 
roubos e a alegação das vítimas de que podem "resolver" sozinhas os incidentes. 
Em razão dessas dificuldades, não sabemos com razoável precisão qual 
é a dimensão e quais as características dos crimes cometidos no Brasil. Nos­
so conhecimento abrange apenas os crimes mais graves, que envolvem agres­
sões ou perdas patrimoniais elevadas (roubos e homicídios) e apresentam 
altas taxas de registro policial. Mas mesmo esse conhecimento envolve al­
guma distorção devido ao "baixo nível de padronização" dos dados coleta­
dos pela polícia nos diferentes Estados do País. 
E C O N O M I A DO C R I M E 3 1 
Por todas essas limitações presentes nas estatísticas criminais, os estu­
diosos costumam adotar como variável representativa da criminalidade a 
taxa de homicídios por 1 00 mil habitantes. Além de apresentar sub notifi­
cação muito mais baixa do que a dos demais crimes e agrupar ocorrências 
de natureza diversa, o homicídio é um delito que expressa, em grau extre­
mo, a presença da criminalidade violenta na sociedade. 
No entanto, mesmo nesse caso, é preciso considerar que as taxas de 
homicídio, quando agregadas por cidades, Estados e País, escondem im­
portantes diferenças quanto à incidência espacial, características demográ­
ficas e sociais de vítimas e agressores. Como vimos, os homicídios atingem, 
principalmente, as pessoas que pertencem aos segmentos sociais de baixa 
renda e escolaridade, residentes na periferia das grandes e médias cidades 
ou áreas de grandes carências de serviços públicos. 
Por exemplo, pelos dados do Sistema de Informações de Mortalidade 
do Ministério da Saúde (SIM) , a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 
em 1 996, apresentava uma taxa de 59 homicídios por grupo de 1 00 mil 
habitantes, praticamente a mesma da Região Metropolitana de São Paulo, 
que era de 56 por 1 00 mil. Porém, quando a taxa é "aberta" para se observar 
a incidência dos homicídios por faixa etária, verifica-se que no Rio de Ja­
neiro a taxa de morte por homicídios no grupo de jovens entre 1 5 e 29 anos 
é 34% maior do que em São Paulo. Além disso, enquanto no Rio de Janei­
ro as armas de fogo estão presentes em 87% dos casos de homicídio, em 
São Paulo elas aparecem em apenas 47% dos casos, conforme revelou o 
sociólogo Cláudio Beato, da Universidade Federal de Minas Gerais, no 
paper Fontes de Dados Policiais em Estudos Criminológi,cos: Limites e Poten­
ciais. Em resumo, as taxas agregadas obscurecem diferenças importantes na 
distribuição geográfica e social dos delitos. 
A produção de conhecimento sobre o crime é fortemente afetada, ain­
da, pela baixa taxa de esclarecimento, pela polícia, dos crimes cometidos. A 
fonte de informações criminais mais rica é o inquérito policial, que apura a 
autoria e as circunstâncias dos crimes. Como apenas uma pequena parcela 
dos crimes cometidos no Brasil é elucidada - no caso dos homicídios, não 
mais do que 5% do total, segundo as estimativas -, tem-se uma base de 
dados muito precária para o desenho dos padrões criminais e a elaboração 
de políticas preventivas. Do total dos homicídios, a maior parte dos escla­
recidos são justamente aqueles que ocorrem entre conhecidos e que con­
tam com testemunhas. Os demais, como não são esclarecidos, têm suas 
características, quanto aos agentes, motivos e circunstâncias, ignoradas. 
3 2 L u i z TAD E U V I A P I A N A 
Contrastando com a realidade brasileira, as taxas de esclarecimento 
dos crimes nos países desenvolvidos são muito mais altas. Nos Estados 
Unidos, como informa o criminologista David Bayley, em seu livro Police 
for the Future, 67% dos crimes violentos são apurados; na Inglaterra, 35%; 
no Canadá, 45% e na Austrália, 30%. 
E C O N O M IA DO C R I M E 3 3 
PARTE 1 1 
A E CONO M IA DO C RI ME 
M O DELO DE DECI SÃO 
Aanálise econômica do crime cem em Gary Becker seu fundador e prin­cipal expoente. Desde 1 968, com a publicaçãodo. ensaio Crime and 
Punishmenr. An Economic Aproach, os economistas vêm dedicando crescen­
te atenção ao rema. Desde então, o modelo inicial de Becker foi aperfeiço­
ado e hoje é amplamente reconhecido como um importante aporte ao co­
nhecimento dos fatores e circunstâncias que influenciam as decisões dos 
indivíduos a cometerem ou não um aro criminoso. 
O modelo de Becker tem como pressuposto que os indivíduos rea­
lizam escolhas que são concebidas como racionais, ou seja, que respon­
dem a determinados incentivos e condições. Ele retoma, de certo modo, 
a noção presente em Jeremy Bencham ( 1 748-1 832) e Cesare Betcaria 
( 1 738-1 794) , segundo a qual os indivíduos procuram maximizar o pra­
zer e minimizar o sofrimento. Na acepção de Becker, no encanto, a de­
cisão dos indivíduos em corno do crime envolve, em vez de prazer e 
sofrimento, benefícios e custos. 
Os benefícios consistem nos ganhos monetários e psicológicos pro­
porcionados pelo crime. Por sua vez, os custos englobam a probabilidade 
de o indivíduo que comete o crime ser preso, as perdas de renda futura 
decorrentes do tempo em que estiver decido, os custos diretos do aro crimi­
noso (tempo de planejamento, instrumentos, etc.) e os custos associados à 
reprovação moral do grupo e da comunidade em que vive. Além disso, há 
ainda a questão da consciência individual, do conflito do indivíduo e com 
seus próprios valores e opções de vida, embora tais contradições sejam difí­
ceis de dimensionar, uma vez que elas são essencialmente subjetivas e alta­
mente variáveis de indivíduo para indivíduo. Uma notação muito simples 
da equação seria: 
Crime: b - p c 
E c a N C M I A oa C R I M E 3 7 
onde b é o benefício do crime, p é a probabilidade de prisão e e os 
custos medidos pela perda de renda durante o tempo de prisão mais os 
custos diretos e morais. 
A decisão individual de cometer o crime é incentivada quando (b-pc) 
> O, isco é, quando os benefícios menos os custos são maiores do que zero. 
Nesse caso, o benefício excede os custos, havendo um ganho no aro crimi­
noso. No sentido contrário, o crime é desincentivado quando os custos 
(probabilidade de detenção mais custo do tempo de prisão) forem maiores 
do que os benefícios. 
Nesses termos, o retorno esperado do crime (atividades ilegais) impli­
ca a comparação com as expectativas de retorno em atividades legais. Ou 
seja, o indivíduo decide pelo crime se a utilidade esperada deste for maior 
do que a utilidade esperada do uso do tempo e de recursos em outra ativi­
dade no mercado legal. Isco é, ele opta pelo crime não porque sua motiva­
ção seja diferente da de outras pessoas, mas porque os benefícios e os custos 
são diferentes. 
A questão acima, denominada "custo de oportunidade", remete para a 
contribuição de vários economistas que estudaram a influência de fatores 
econômicos como renda, emprego e educação como condições de incenti­
vo nas decisões sobre o crime. O grande mérito desses estudos foi o de 
ampliar a comprovação empírica da teoria econômica do crime para além 
do fator representado pela probabilidade de punição. Outros estudos, tam­
bém feitos por economistas, investigaram as interações sociais nas comuni­
dades como contextos de incentivo ao crime, também ampliando o escopo 
da teoria. Hoje, por isso, pode-se dizer que a teoria econômica do crime 
incorpora várias circunstâncias ambientais externas ao indivíduo, ainda que 
mantenha a proposição central de que a decisão do crime é, essencialmen­
te, uma decisão dos indivíduos. 
O economista norte-americano Isaac Ehrlich analisou os efeitos dos 
níveis de renda, do desemprego e da educação de determinada comunidade 
na opção do indivíduo pelo crime. No lado do resultado esperado, ele con­
cluiu que o nível de renda da comunidade aumenta a probabilidade de 
retorno dos crimes - principalmente, daqueles cometidos contra a proprie­
dade - na medida em que eleva a oferta de alvos atrativos. Por exemplo, 
quando o desemprego é alto, ele contribui para reduzir as oportunidades, 
pois significa menos vítimas potenciais. De sua análise empírica, conclui 
que o desemprego é menos importante do que o nível de renda como fator 
determinante de crimes. 
38 L u i z TAD E U V I A P I A N A 
Porém, o nível de renda e o desemprego podem incentivar a opção 
pelo crime de outra forma. Quando a renda média do indivíduo é baixa ou 
nula (desempregado), os benefícios do crime, comparados com os custos, 
tendem a ser mais atraentes. Para um desempregado (sem renda), o custo 
da renda perdida, em termos de tempo de prisão, é zero. Em conseqüência 
disso, para ele o benefício monetário do delito, por pequeno que seja, é 
maior do que o custo medido pela renda perdida em função da punição 
(zero). Assim, a renda média baixa ou o desemprego contribuem para redu­
zir os custos do crime para o indivíduo, fazendo com que aumente o incen­
tivo para que ele decida pelo crime. 
O nível de educação da população também afeta os custos de oportu­
nidade dos crimes, na medida em que influencia a expectativa de retorno 
dos indivíduos no mercado legal e ilegal. Em sua pesquisa, após controlar 
variáveis de distribuição de renda e renda média, Ehrlich constatou que a mé­
dia de anos de estudo da população adulta (mais de 25 anos) afetava as taxas de 
crimes, principalmente dos que são cometidos contra a propriedade. 
Ele forneceu duas explicações para tal fato. A primeira é a de que a 
educação aumenta a expectativa de ganhos no mercado legal e, com isso, 
eleva o custo de oportunidade dos crimes. Ou seja, é preciso que os retor­
nos compensem o patamar de ganhos que a escolaridade mais elevada per-· 
mite alcançar no mercado legal. O nível de educação, neste caso, ao elevar 
o custo dos crimes, desincentiva decisões nessa direção. 
A segunda explicação é que se a educação aumenta a renda média dos 
indivíduos no mercado de trabalho, o retorno dos crimes contra a proprie­
dade, principalmente, tende a aumentar. Como dissemos, renda mais ele­
vada aumenta a oferta de alvos de maior valor e, conseqüentemente, de 
retorno para os crimes. 
Juntando as duas situações, pode-se compreender por que nas cidades 
médias e grandes ocorre uma grande concentração de crimes contra a pro­
priedade. Nelas, existe maior contingente de indivíduos com baixa renda e 
até mesmo sem renda e uma grande oferta de alvos disponíveis. As observa­
ções de Ehrlich, nesse sentido, são compatíveis com a moderna Teoria das 
Oportunidades, formulada por Ronald Clark e Marcus Felson. 
E C O N O M I A DO C R I M E 3 9 
EFEITOS DA PUNIÇÃO 
U m dos fatores decisivos na equação do crime, segundo Becker e Ehr­lich, é o efeito exercido pela probabilidade de prisão e condenação - o 
mais importante risco que o indivíduo assume ao optar pelo crime. Nos 
termos da nossa equação (e = b-p.c), quanto maior for a probabilidade de 
prisão (p), maior é o custo da opção pelo crime. O risco da probabilidade 
de prisão e condenação depende da percepção que os indivíduos têm da 
efetividade e da eficiência do sistema de justiça criminal. 
O efeito da punição sobre o crime pode ser dividido em dois tipos: o 
efeito de incapacitação ocorre quando os criminosos, condenados e presos, 
são temporariamente impedidos de cometer novos crimes. Em alguns mer­
cados de crimes - como no caso dos crimes contra a propriedade - estima­
se que não ocorra o que os economistas chamam de efeito substituição. 
Esse fenômeno ocorre quando, por alguma razão, um produto tem o seu 
preço aumentado e o consumidor compra um outro produto, similar, a um 
preço menor, ainda que tenha algum prejuízo por consumir um produto 
de menor qualidade ou de uma marca menos valorizada. No caso do mer­
cado de crimes, o efeito substituição ocorreria quando um criminoso é 
preso, mas outro imediatamente assume as suas funções, substituindo-o na 
prática dos crimes. Um exemplo conhecido desse efeito ocorre no mercado 
das drogas, onde os traficantes presos são imediatamente substituídos, man­
tendo-se inalteradaa ação do tráfico de drogas. Quando ocorre o efeito 
substituição, teoricamente, ocorre uma redução do efeito incapacitação, 
porque a continuidade dos crimes está assegurada pelos novos integrantes. 
O segundo tipo de efeito da punição é a dissuasão. Ela ocorre quando a 
punição dos responsáveis pelos crimes sinaliza para os demais indivíduos que, 
caso cometam crimes, sejrão também presos e condenados. A proposição é que 
maior percepção do risco aumenta a variável p da equação, elevando o lado dos 
custos associados à opção pelo crime. De acordo com o economista da Univer-
40 L u i z TAD E U V 1 A P I A N A 
sidade de Princeton (EUA) Steven Levitt, o efeito dissuasão exerce maior in­
fluência na inibição de crimes do que o efeito incapacitação. 
No modelo econômico do crime, o indivíduo está submetido a esco­
lhas que envolvem riscos e incertezas. Além da probabilidade de punição, a 
incerteza está relacionada também ao resultado do crime. Por mais que se 
possa estimar o resultado esperado de um ato criminoso, ele é, em larga 
medida, incerto frente ao que se poderia obter com uma escolha alternativa 
no mercado legal. 
É possível determinar com precisão como o indivíduo enfrenta a in­
certeza, ou seja, como ele pondera até que ponto está disposto a assumir 
riscos? Provavelmente não. Mas sabe-se que a presença de alguns fatores faz 
com que determinados indivíduos sejam mais propensos a assumir riscos e 
outros não. 
Por exemplo, indivíduos desempregados, portanto com renda zero, 
têm um grande incentivo para assumir riscos. Por outro lado, indivíduos 
integrados ao mercado de trabalho podem cometer crimes para comple­
mentar sua renda. Outros indivíduos podem assumir riscos maiores por 
influência de amigos ou de drogas; da mesma forma, jovens podem come­
ter crimes antes de entrarem no mercado de trabalho. A propósito, a forte 
participação dos jovens em crimes levou os criminologistas norte-america­
nos James Wilson e Richard Herrnstein a escrever que "as taxas de condu­
tas ilegais durante a adolescência são tão elevadas que a delinqüência apare­
ce como parte normal da vida dos adolescentes" . 1 Enfim, existem múltiplas 
situações que podem impulsionar os indivíduos a assumirem maiores riscos. 
O debate do modelo proposto por Becker tem propiciado diversas 
contribuições no entendimento da complexa cadeia de fatores que in­
centivam os indivíduos a cometerem crimes. Assim, sugere-se que, além 
das preferências dos indivíduos (relacionadas à formação de expectati­
vas e consideração dos riscos) , sejam também levados em conta o capi­
tal acumulado pelos indivíduos (habilidades e conhecimentos) , a in­
fluência da educação, os efeitos da influência dos grupos e o capital 
social na comunidade, entre outros. 
Os economistas do trabalho, por exemplo, apontam o fato de que as 
escolhas do presente são fortemente influenciadas pelas atividades dos in­
divíduos no passado. O investimento em educação e aperfeiçoamento pro­
fissional e as habilidades adquiridas em empregos anteriores são exemplos 
bem claros.2 Assim, além da educação formal, seria muito importante nas 
decisões presentes a trajetória e as vivências passadas dos indivíduos. 
E c a N C M I A aa C R I M E 4 1 
Nesse sentido, o economista da Universidade de Nova Iorque Cris­
thoper Flinn argumenta que o capital humano é acumulado no trabalho, e 
não na escola. Em conseqüência, quando o trabalho é trocado pelo crime, 
ocorre uma redução do capital acumulado que irá afetar as possibilidades 
de emprego e renda não apenas no presente mas também no futuro. De 
acordo com sua hipótese, se a renda futura esperada no mercado legal cai, 
os custos do crime também diminuem, gerando um incentivo adicional à 
atividade criminosa no presente. 
No paper Crime Causation: Economic Theories, os economistas Ann 
Dryden, do Wellesley College (EUA) , e Robert Witt, da Universidade 
de Surrey (ING), citam pesquisa que agrega ao modelo econômico do 
crime o estoque de capital social do indivíduo como variável da função 
de util idade e de renda. Nesse sentido, o capital social, medido pela 
reputação e rede de relações na comunidade, foi considerado uma va­
riável representativa dos condicionantes sociais na decisão do crime. 
Além disso, assumiu-se que o estigma associado à prisão depreciaria o 
estoque de capital social do indivíduo. Levando em conta tais premis­
sas, a conclusão do estudo é que a inserção no mercado de trabalho e a 
constituição de famílias incentivam a coesão social, ampliando as rela­
ções de dependência entre os indivíduos reduzindo sua propensão de 
envolvimento em atividades criminosas. A pesquisa confirma o senso 
comum de que a pessoa que possui família, emprego e uma boa reputa­
ção tem muito a perder ao optar pelo crime. 
Se fôssemos traçar uma curva de oferta individual de crimes, teríamos 
uma curva com inclinação positiva, semelhante à de oferta normal. Nesta 
última, a oferta de bens e serviços aumenta na medida em que aumenta o 
preço dos bens e serviços que os consumidores estão dispostos a pagar. Na 
curva de crimes, a quantidade também tenderia a aumentar na medida em 
que se elevasse o retorno dos crimes (preço) .3 
No entanto, se considerarmos os criminosos como um grupo, e que 
a quantidade de crimes pode mudar por efeito das políticas de seguran­
ça, teríamos uma curva um pouco diferente, com um deslocamento da 
curva um pouco para a direita, com uma inclinação positiva ainda mais 
forte. Isso ocorre porque, quando alguns indivíduos ou "firmas" são 
incentivados a cometer crimes - pela queda dos riscos de prisão ou maior 
retorno monetário, ou ambos fatores -, mais indivíduos adicionais e 
novas firmas são induzidas a entrar no "negócio" e produzir mais cri­
mes. Assim, a inclinação positiva da nossa curva de oferta fica mais 
42 Luiz TAD E U V I A P I A N A 
acentuada.4 O desafio dos formuladores e administradores de políticas 
de segurança é deslocar a curva para a esquerda, de modo que tenhamos 
menor quantidade de crimes. 5 
A seguir, vamos examinar mais detalhadamente os efeitos do consumo 
e tráfico de drogas, das condições do mercado de trabalho e renda e da 
aplicação da lei (teoria da dissuasão) nos crimes, fatores que, nos termos da 
teoria econômica do crime, podem influenciar decisivamente a composi­
ção das variáveis b e e da nossa equação. 
E c a N C M IA oa C R I M E 43 
DRO GAS , ÁLC O O L E C RI M ES 
O relatório anual sobre drogas elaborado pelas Nações Unidas, o World Drug Report, informa que, em 2004, 4,2% da população mundial 
com idade ac ima de 1 5 anos consumia drogas ilícitas. Aproximadamente 
1 8 5 milhões de pessoas. Desse total, 1 46 milhões eram consumidores de 
maconha; 29,6 milhões, de anfetaminas; 8,3 milhões, de ecstasy; 1 3,3 mi­
lhões, de cocaína; 1 5 ,2 milhões, de opiáceos e 9,2 milhões, de heroína. 
O impacto do uso de drogas na demanda por serviços de saúde - drug 
problem - permite observar a prevalência das drogas nas principais regiões 
do planeta: os opiáceos são predominantes na Ásia, onde produzem 67% 
das demandas por tratamento de problemas de saúde decorrentes do uso da 
droga, e na Europa, onde alcançam o índice de 6 1 %. A cocaína prevalece 
nas Américas (60% na América do Sul e 29% na América do Norte), e a 
maconha, na África, com 65%. 
Se considerarmos o volume de drogas apreendidas como indicador do 
comércio ilegal ou tráfico de drogas, houve, em 2002, uma estabilização do 
crescimento após o forte aumento observado ao longo da década de 1 990. 
Nesse período, as apreensões de ecstasy cresceram em média 27%; dos de­
pressivos, 20,4%; anfetaminas, 1 9%; morfina, 1 0%; folha de coca, 9,3%; 
maconha, 7,4%; heroína, 7%; ópio, 6,2%; pés de maconha, 6,9%; resina 
de maconha, 4,9%; cocaína, 2,5%, e LSD, 9,6% (em unidades). Na mé­
dia, o crescimento do comércio de drogas ilícitas foi de 1 5% ao ano. 
Na década de 1 990, ocorre uma queda na importância da maconha, 
que é explicada pela emergência de outras sub�tâncias, comoas anfetami­
nas (ATFs) , cujas apreensões triplicaram na década. Verifica-se também um 
crescimento dos opiáceos, refletindo a expansão da produção no Afeganis­
tão, e um crescimento, seguido de estabilização, da cocaína. Nos primeiros 
anos deste século, o número de apreensões de cocaína estabilizou, como 
reflexo do declínio da produção de coca na Colômbia. De 1 999 a 2003, 
44 L u i z TAD E U V I A P I A N A 
estima-se uma queda de 46% no cultivo de coca na Colômbia e de 30% 
nos demais países produtores, fazendo com que o cultivo global da coca 
esteja no nível mais baixo desde 1 990, algo em torno de 1 50 mil hectares. 
Os custos provocados pelas drogas, no jargão técnico dos economistas 
externa/idades negativas, impactam em várias áreas. Provocam o aumento 
dos gastos governamentais com o sistema de justiça criminal - polícia, jus­
tiça e sistema prisional -, uma vez que o crescimento do tráfico e do consu­
mo de drogas implica gastos mais elevados na repressão, julgamento e pri­
são dos condenados. E provoca, também, o aumento do volume de recur­
sos destinados ao sistema de saúde e dos programas educativos de preven­
ção ao uso de drogas. 
Computando todos esses gastos, nos Estados Unidos despendia 1 % 
de seu PIB (Produto Interno Bruto) , ou algo como U$ 1 .000 (mil dólares) 
per capita, ao ano, em valores de 1 996. Nesse ano, o governo norte-ameri­
cano destinou apenas no combate às drogas mais de cinco vezes o que havia 
gasto em 1 985 .7 Um valor de U$ 6 bilhões de dólares, dos quais 66% 
foram destinados às ações de interdição de drogas, programas educativos e 
de policiamento comunitário. Se compararmos esse valor com o total de gas­
tos do governo dos Estados Unidos dirigidos ao Sistema de Justiça Criminal -
U$ 1 00 bilhões de dólares/ano8 - tem-se uma idéia da magnitude dos recursos 
destinados especificamente ao tratamento e combate às drogas. 
O uso de drogas provoca, ainda, um custo econômico para as empre­
sas, pois aumenta o absenteísmo e diminui a produtividade dos trabalha­
dores, além de provocar perda de renda para os usuários que abandonam a 
vida produtiva ou são condenados à prisão. Fazem parte desses custos, ain­
da, as perdas materiais provocadas por furtos e roubos. 
O uso de drogas provoca, ainda, queda do desempenho escolar, compor­
tamento anti-social e deterioração do relacionamento familiar. Crianças que se 
desenvolvem em ambientes onde imperam conflitos familiares, quando adul­
tos, são mais propensos a optar pelo crime. Um estudo realizado em Massachu­
setts (EUA) revelou que as crianças que sofreram violência na infância apresen­
taram 50% mais chances de se tornarem usuárias de álcool e drogas. 9 
No livro Economics of Crime, os economistas Daryl Hellman e Neil 
Alper, da Northeastern University (EUA), fizeram um cálculo mais amplo 
do impacto econômico das drogas, englobando outros custos além dos gas­
tos com tratamento de saúde, programas educativos e sistema de justiça 
criminal. Eles computaram, ainda, os custos decorrentes da morte prema­
tura, perda de renda e dos custos associados ao crime (renda e inatividade). 
E c a N C M I A oa C R I M E 4 5 
Em 1 97 1 , cada viciado custava por ano à sociedade U$ 13 .790 (treze mil, 
setecentos e noventa dólares); em 1 997, este valor elevou-se para U$ 54.479 
(cinqüenta e quatro mil, quatrocentos e setenta e nove dólares). Outro 
estudo, por eles referido, aponta um custo total de U$ 282 bilhões de dóla­
res/ano - valores para 1 997 -, o equivalente ao que os EUA gastaram em 
1 O anos de guerra no Vietname. 
No Brasil, estima-se que o custo do uso indevido de substâncias psi­
coativas atinja o equivalente a 7,9% do Produto Interno Bruto. No triênio 
1 995- 1 997, as psicoses por álcool e/ou drogas e as síndromes de dependên­
cia constituíram o primeiro motivo das internações psiquiátricas no país. 
Os gastos totais com o atendimento de saúde triplicaram, de R$ 900 mi­
lhões em 1 993 para R$ 2,9 bilhões em 1 997. 
O alcoolismo atinge de 8% a 1 0% da população brasileira adulta. O 
abuso do álcool está associado a 50% dos acidentes de trânsito, 50% dos 
homicídios e 25% dos suicídios, e reduz a expectativa de vida em aproxi­
madamente 1 O anos. O estudo A história familiar e a prevalência de depen­
dência de dlcool e tabaco em drea metropolitana na região Sul do Brasil, apon­
ta o álcool como a quarta causa de mortes de homens entre 20 e 40 anos, 
que seriam provocadas por acidentes de trânsito, homicídios, suicídios e 
cirrose hepática . 10 No Estado de São Paulo, as doenças do fígado relaciona­
das com o álcool, como a cirrose e a fibrose hepáticas, aparecem em segun­
do lugar entre as causas de mortes de homens com 35 a 59 anos, à frente de 
agressões e de acidentes com transporte. Considerando que essas duas cau­
sas também estão correlacionados com uso de álcool, pode-se dizer que esta 
substância está presente em três das cinco principais causas de morte de 
homens na faixa etária de 35 a 59 anos. 1 1 
Outros estudos chegaram a conclusões semelhantes. O exame de 1 9 
mil laudos cadavéricos feitos entre 1 986 e 1 993 n o Instituto Médico Legal 
de São Paulo revelou a espantosa estatística de que 95 em cada 1 00 vítimas 
de morte não-natural apresentavam álcool no sangue. Em 1 997, pesquisa 
feita em quatro capitais - Recife, Brasília, Curitiba e Salvador - com pes­
soas envolvidas em acidentes de trânsito identificou a presença de álcool 
em 6 1 % dos casos. Revelou, ainda, que uma em cada dez pessoas havia 
consumido drogas (maconha, cocaína, benzodiazepínicos, barbitúricos, an­
fetamínicos e opióides). Levantamento semelhante feito em Porto Alegre, 
após examinar laudos do Instituto Médico Legal de janeiro a dezembro de 
2002, constatou que 37,7% das vítimas fatais de acidentes de trânsito apre­
sentavam alcoolemia positiva. 1 2 
46 L u i z TAD E U V I A P I A N A 
O uso de drogas e do álcool estimula também a violência doméstica, con­
forme demonstra pesquisa feita em São Paulo em 2.372 domicílios, pelo Cen­
tro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - CEBRID. Em 3 1 o/o 
dos ·domicílios foi constatada alguma forma de violência (escândalo, quebra­
quebra, discussão, agressão física, relação sexual forçada ou furto), sendo que 
em 52% dos casos o agressor estava embriagado e em 1 0%, drogado. 
As drogas estão relacionadas com os crimes de várias formas. O soció­
logo e professor da Universidade de Illinois (EUA), Paul Goldstein, em seu 
estudo The Drugs/Violence Nexus: A Tripartite Conceptual Framework, clas­
sificou-as em três tipos distintos: violência psicofarmacológica, violência por 
compulsão econômica e violência sistêmica. A violência psicofarmacológica está 
associada aos eventuais efeitos que o indivíduo pode apresentar como re­
sultado da ingestão - curta ou prolongada - de determinadas substâncias 
indutoras de comportamentos caracterizados pela excitação, irracionalidade 
e violência. 
Embora nem todas as substâncias provo quem d i reta e ime­
diatamente condutas violentas - como é o caso da maconha -, Goldstein 
lembra que elas podem surgir, por exemplo, durante as crises de absti­
nência. Foi o que ele constatou em pesquisas com prostitutas, que co­
metiam crimes tais como roubos e assaltos justamente durante a absti­
nência. Por outro lado, os efeitos psicofarmacológicos podem aumen­
tar a probabilidade de vitimização dos usuários de drogas. Confirmam 
essa hipótese as pesquisas que mostram alta incidência de drogas em 
vítimas de homicídio e abuso sexual. 
Estudos citados pela economista Sara Markowitz, da Universidade de 
Rurgers (EUA), também identificam no consumo de drogas e de álcool 
efeitos biológicos e psicológicos que alteram o comportamento dos indiví­
duos, tornando-os mais propensos à violência. 1 3 Segundo tais pesquisas, se 
é certo que pequenas doses de cocaína, por exemplo, tendem a estimular o 
comportamento agressivo, com relação à maconha existe dupla constata­
ção: no curto prazo, o consumo pode inibir o comportamento

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