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UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 1 CIÊNCIAS SOCIAIS Sociologia Contemporânea SEMESTRE 3 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 2 CIÊNCIAS SOCIAIS Créditos e Copyright Este curso foi concebido e produzido pela Unimes Virtual. Eventuais marcas aqui publicadas são pertencentes aos seus respectivos proprietários. A Unimes Virtual terá o direito de utilizar qualquer material publicado neste curso oriunda da participação dos alunos, colaboradores, tutores e convidados, em qualquer forma de expressão, em qualquer meio, seja ou não para fins didáticos. Copyright (c) Unimes Virtual É proibida a reprodução total ou parcial deste curso, em qualquer mídia ou formato. SILVA, Marcelo Squincada. Sociologia Contemporânea. Marcelo Squinca da Silva: Núcleo de Educação a Distância da UNIMES, 2015. 105p. (Material didático. Curso de ciências sociais). Modo de acesso: www.unimes.br 1. Ensino a distância. 2. Ciências Sociais. 3. Sociologia Contemporânea CDD 301 http://www.unimes.br/ UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 3 CIÊNCIAS SOCIAIS UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PLANO DE ENSINO CURSO: Licenciatura em Ciências Sociais COMPONENTE CURRICULAR: Sociologia Contemporânea. SEMESTRE: 3º Semestre CARGA HORÁRIA TOTAL: 80 horas EMENTA: Tomando como referencial o advento da globalização capitalista e a consequente crise dos paradigmas sociológicos clássicos de interpretação da realidade social, o curso apresenta e analisa os debates da sociologia contemporânea, voltados para identificar e compreender as transformações nas relações sociais, políticas, econômicas e culturais impostas pelo avanço da sociedade capitalista em sua fase atual. Discute a globalização e a sociedade capitalista atual considerando o trabalho, as instituições sociais, as relação culturais e as relações de poder e de dominação. OBJETIVO GERAL: Compreender as transformações nas relações sociais, políticas, econômicas e culturais impostas pelo avanço da sociedade capitalista em sua fase atual a partir de autores contemporâneos da sociologia. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Unidade I - A sociologia contemporânea e a globalização como objeto de estudo UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 4 CIÊNCIAS SOCIAIS Objetivos da Unidade Entender a passagem da teoria social clássica para a teoria contemporânea, pensando na crise dos paradigmas da análise social e as reformulações dos conceitos. Mostrar como a globalização como processo histórico surge como objeto exemplar da sociologia. Unidade II - Globalização, economia e política Objetivos da Unidade Apresentar as principais questões em jogo na caracterização da globalização enquanto fenômeno econômico e político. Desta forma, passaremos por temas como a reforma do Estado e sua nova configuração com o neoliberalismo, a “desterritorialização” e a tecnologia. Unidade III - Globalização e cultura Objetivos da Unidade Entender as relações dessa nova configuração social ocasionada pela globalização com a cultura enquanto construção de poder. Compreender o fenômeno da indústria cultural. Unidade IV - As consequências da globalização Objetivo da unidade Explorar as consequências perversas da globalização, entendendo-a como uma ideologia, isto é, como discurso dominante. Compreender as relações entre globalização e violência, fundamentais nesse contexto de dominação e controle. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 5 CIÊNCIAS SOCIAIS CONTEÚDO PROGRAMÁTICO UNIDADE I: A sociologia contemporânea e a globalização como objeto de estudo. UNIDADE II: Globalização, economia e política. UNIDADE III: Globalização e cultura. UNIDADE IV: As consequências da globalização. Bibliografia Básica BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Editora Perspectivas, 1974. IANNI, Octávio. Teorias da globalização. São Paulo: Civilização brasileira, 1998. ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985. Bibliografia Complementar ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo, Brasiliense, 2000. HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo, Cia das Letras, 1995. DEBORD, Guy. A sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 1997 WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, LTC, 1982. BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 2001 METODOLOGIA: UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 6 CIÊNCIAS SOCIAIS A disciplina está dividida em unidades temáticas que serão desenvolvidas por meio de recursos didáticos, como: material em formato de texto, vídeo aulas, fóruns e atividades individuais. O trabalho educativo se dará por sugestão de leitura de textos, indicação de pensadores, de sites, de atividades diversificadas, reflexivas, envolvendo o universo da relação dos estudantes, do professor e do processo ensino/aprendizagem. AVALIAÇÃO: A avaliação dos alunos é contínua, considerando-se o conteúdo desenvolvido e apoiado nos trabalhos e exercícios práticos propostos ao longo do curso, como forma de reflexão e aquisição de conhecimento dos conceitos trabalhados tanto na parte teórica como na prática e habilidades. Prevê ainda a realização de atividades em momentos específicos como fóruns, chats, tarefas, avaliações a distância e Prova Presencial, de acordo com a Portaria de Avaliação vigente. A Avaliação Presencial, está prevista para ser realizada nos polos de apoio presencial, no entanto, poderá ser realizada em home seguindo as orientações das autoridades da área da saúde e da educação e considerando a Pandemia COVID 19. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 7 CIÊNCIAS SOCIAIS Sumário Aula 01_A História da Teoria Sociológica ..................................................................................... 9 Aula 02_Breviário da teoria sociológica contemporânea as transformações de 1968 ............12 Aula 03_Teoria sociológica contemporânea – a pós-modernidade ..........................................15 Aula 04_O fenômeno da globalização .........................................................................................18 Aula 05_A Globalização e a Sociologia Contemporânea ...........................................................21 Aula 06_Globalização e a formação dos “sensos comuns” mundiais .......................................23 Aula 07_A modernização capitalista: continuidade ou ruptura? ................................................25 Aula 08_Sociologia e Mudança Social .........................................................................................28 Aula 09_ Globalização e Mercado ................................................................................................30 Resumo_Unidade I ........................................................................................................................33 Aula 10_Globalização e o Estado Nacional. ................................................................................34 Aula 11_Globalização e Neoliberalismo ......................................................................................37 Aula 12_Globalização e Desterritorialização ...............................................................................40 Aula 13_Temática: Globalizaçãoe tecnologia ............................................................................43 Resumo - Unidade II ......................................................................................................................46 Aula 14_Globalização e Desemprego ..........................................................................................47 Aula 15_Globalização e a “revolução agrária” do agro-business. .............................................50 Aula 16_Globalização e organização Empresarial .....................................................................52 Aula 17_ A Indústria Cultural I ......................................................................................................55 Aula 18_A Indústria Cultural 2 ......................................................................................................58 Aula 19_A Indústria Cultural no Brasil..........................................................................................61 Resumo da Unidade III ..................................................................................................................65 Aula 20_Pierre Bourdieu e a cultura como categoria autônoma ...............................................66 Aula 21_Globalização e Cultura ...................................................................................................69 Aula 22_Globalização, capital financeiro e cultura. ....................................................................72 Aula 23_Globalização e turismo ...................................................................................................76 Aula 24_Globalização e questões filosóficas ..............................................................................79 Aula 25_ Globalização e questões filosóficas .............................................................................82 Aula 26_Globalização e os Novos Focos do Poder ....................................................................85 Aula 27_O Império de Michael Hardt e Tony Negri ....................................................................88 Aula 28_A Globalização e a Violência .........................................................................................91 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 8 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 29_A Globalização, a guerra e o terrorismo internacional.................................................93 Aula 30_Globalização e Poder na Mídia Eletrônica ....................................................................96 Aula 31_Globalização e o surgimento de movimentos de resistência ao processo histórico em curso .........................................................................................................................................98 Aula 32_Temática: Balanço crítico .............................................................................................100 Resumo - Unidade IV...................................................................................................................102 UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 9 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 01_A História da Teoria Sociológica Nesta aula abordaremos os principais autores que deram início à Teoria Sociológica para que seja possível compreender como surgiu a Teoria Sociológica Contemporânea. A história da Teoria Sociológica no século XX mostrou um avanço formidável, não só em relação às temáticas abordadas (muitas e nas mais diversas áreas, abarcando até questões sobre a sexualidade moderna), como também em relação ao método. Vejamos, então, sucintamente, alguns teóricos do século XX que contribuíram para o estágio atual da Sociologia Contemporânea, bem como seus respectivos métodos e temáticas. Ainda no século XIX, o alemão Karl Marx (1818- 1883), fundador do método materialista histórico dialético (que retoma a dialética do filósofo Hegel), debruçou-se sobre as relações entre o capital e o trabalho. Esta temática surge em decorrência da generalização dos efeitos da revolução industrial: a burguesia concentrava cada vez mais capitais (gerenciados pela rede bancária em franco crescimento), enquanto o proletariado crescia vertiginosamente nas cidades apesar de toda a exploração a qual era submetido diariamente. Esse era o mundo vivenciado por Marx, e, por isso, o autor se debruçou sobre esta temática. Seu método – original e inovador para a época – e suas considerações sobre o funcionamento do capitalismo foram tão importantes para a Teoria Social, que constituem ainda um dos grandes paradigmas da Teoria Social Contemporânea. O materialismo histórico dialético, apesar de ser um método antigo, ainda hoje se constitui numa grande referência para os estudos sociais, e a temática dos conflitos entre o capital e o trabalho nunca foi abandonada pela Teoria Social. Um outro grande autor das Ciências Sociais foi, o também alemão, Max Weber (1864-1920). O autor fazia severas críticas ao método materialista histórico dialético e sua análise “econômica” da realidade social (que julgava ser um princípio unívoco, explicando todas as épocas históricas, o que, no seu entendimento, era algo ineficiente para a compreensão das causas específicas das mudanças em cada época). Dizia, ao contrário de Marx, que o capitalismo sempre existiu, e o que diferenciava a atual fase das fases anteriores era o grau de racionalidade (no sentido da ampliação da eficiência logística e operacional das organizações e UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 10 CIÊNCIAS SOCIAIS instituições sociais) com que contava o capitalismo do século XX. Para desenvolver seu pensamento, Weber tinha um cuidado especial com o método e a objetividade científica de seus escritos, o que julgava essencial à formação do conhecimento sobre a humanidade. Com métodos diferentes de Marx, Weber constitui-se num dos grandes clássicos das ciências sociais. A temática desenvolvida por ele, contudo, também é orientada para o conflito capital-trabalho (ainda que envolvendo fatores culturais e religiosos na compreensão da realidade). Outro autor clássico para a formação da ciência sociológica é o francês Emile Durkheim (1858-1917), preocupado com a especificidade da sociologia enquanto ciência. Dizia que o objeto de estudo da Sociologia era o Fato Social, reconhecível pelo poder de coerção externa que o Direito, a Moral ou a Religião, por exemplo, exercem ou podem exercer sobre os indivíduos. Tudo o que é determinado fora do indivíduo seria um fato social: uma mentalidade religiosa; a concepção de criminalidade; de família; de moral; a maneira de agir conforme os padrões etc. Seu método, apesar de distinto do de Marx e Weber, ajudou na formação da Sociologia. Sua temática – sobretudo a solidariedade social, fruto da divisão do trabalho – não fugiu muito às temáticas destacadas por Marx e Weber, centradas no conflito capital- trabalho. Esses três autores foram muito importantes para a configuração da Teoria Sociológica Clássica e influenciaram fortemente a teoria social no decorrer de todo o século XX. Todos os grandes autores que surgiram no decorrer do século XX foram, de certa forma, tributários dos grandes pais fundadores da Sociologia. Cada autor incorporava as contribuições dos três autores supracitados de acordo com suas preocupações no momento em que escreviam. Não vamos aqui explicar o método e a temática de cada um dos autores posteriores aos três acima destacados. Vamos apenas falar genericamente das grandes tendências da Teoria Social no século XX para que se possa entender como surgiu a Teoria Sociológica Contemporânea e quais suas principais preocupações teóricas. Paralelamente a isso, nos anos 1950 surge uma corrente metodológica chamada Estruturalismo, desenvolvida pelo francêsClaude Lévi-Strauss. Segundo o autor, apesar das diferenças culturais, as sociedades apresentariam certos traços estruturais comuns a todas as sociedades humanas. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 11 CIÊNCIAS SOCIAIS A partir da identificação desses traços estruturais (presentes, por exemplo, na linguagem) seria possível fazer o estudo das sociedades humanas. Este método demonstrou grande eficiência para a compreensão das sociedades capitalistas. Contudo, foi perdendo importância a partir do surgimento de novas correntes de pensamento, sobretudo após os anos 1970, quando eclodiram novas interpretações da realidade. Todos os autores, métodos e temáticas apresentadas até o momento foram cruciais para a formação da Sociologia Clássica que, por sua vez, influenciou diretamente as correntes da Sociologia Contemporânea, que estudaremos a seguir. Quais as principais correntes que influenciaram a constituição da Sociologia Contemporânea? Quais as principais distinções metodológicas? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 12 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 02_Breviário da teoria sociológica contemporânea as transformações de 1968 Nesta aula retomaremos o contexto histórico dos anos 1960 na Europa, principalmente o ano de 1968 na França. O conturbado contexto histórico da época, que envolveu grandes transformações morais e culturais, influenciou decisivamente o desenvolvimento da Teoria Sociológica rumo à contemporaneidade, conforme veremos a seguir. Na aula anterior vimos os três pais fundadores da sociologia clássica (Marx, Weber e Durkheim), e vimos também algumas das correntes posteriores de grande importância para a teoria social (Estruturalismo e Teoria Crítica). A Teoria Crítica e o Estruturalismo, cada qual a seu modo, foram os grandes responsáveis pela incorporação de temas relacionados à esfera cultural pela teoria sociológica. Com os acontecimentos de 1968 na Europa, sobretudo na França (onde estudantes reivindicavam a liberdade sexual e se colocavam contra os poderes institucionais da sociedade, dentre eles a família, o Estado, a religião, a universidade etc), e com o movimento da contra cultura, a teoria social viu-se diante de novos dilemas. Os protagonistas das reivindicações de 1968, em sua maioria estudantes universitários, colocavam-se numa posição de rejeição aos poderes instituídos na sociedade, dentre eles a ciência oficial - legitimada pelas cátedras das universidades, com seus métodos rígidos que pretendiam ser grandes narrativas da história das sociedades ocidentais. Para esses protagonistas, que vivenciavam um mundo em que os valores morais estavam em plena ebulição, as grandes teorias – sobretudo o marxismo e o estruturalismo, grandes parâmetros de referência nas universidades – não mais eram capazes de responder aos novos dilemas impostos pelos novos tempos. Os estudantes acreditavam que as transformações sociais necessárias para a construção de uma sociedade mais justa não estavam apenas no campo da política (orientada pela ideia de revolução socialista), tampouco no campo da ciência (instrumento de análise crítica da sociedade, mas pouco voltado à ação prática). Os protagonistas de 1968 acreditavam que estas transformações deveriam passar pelas práticas cotidianas dos indivíduos, envolvendo a transformação radical de hábitos e costumes há muito arraigados no imaginário UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 13 CIÊNCIAS SOCIAIS ocidental. A política e a teoria seriam, desta forma, ineficientes para a transformação da sociedade. O campo privilegiado das transformações seria a cultura – digam-se as práticas culturais do cotidiano – que antes eram acessórias às políticas, mas agora deveriam ser, elas mesmas, o lugar das principais transformações. Desse contexto podemos destacar duas consequências importantes: a primeira foi o precedente criado para que novas teorias sociais surgissem nos anos 1970, não aos moldes do marxismo ou do estruturalismo (já desacreditados como instrumentos de compreensão da realidade), mas ao mesmo tempo dialogando e rompendo com elas. É o caso da Teoria dos Campos de Produção Simbólica, de Pierre Bourdieu, que apresentaremos no decorrer do curso. A segunda consequência foi o descrédito em relação à teoria sociológica clássica e às grandes narrativas que se pretendiam universais, implicando numa perda de importância do marxismo e até da ideia de teoria no cenário das ciências sociais a partir dos anos 1980 (assunto que retomaremos em aula posterior sobre a pós-modernidade). Nos anos 1970, imediatamente posteriores às transformações de 1968, concomitante e contraditoriamente ao descrédito em relação ao marxismo e às grandes teorias, começam surgir novas ideias no âmbito da teoria social. Este teria sido o último momento de impulso criativo da sociologia, visto que depois dos anos 80, conforme já enunciado, a ideia de teoria perdeu força e ela se despolitizou. Assim, sobre a primeira consequência dos movimentos de 1968 – o precedente criado para que novas teorias sociais surgissem – podemos dizer que ela conduziu a novas interpretações da realidade, como a Teoria dos Campos de Produção Simbólica, do francês Pierre Bourdieu. Sobre a segunda consequência podemos adiantar que a perda de importância do marxismo e da ideia de teoria redundou numa despolitização tanto da sociedade como da própria ciência. A partir dos anos 1980 começam a surgir estudos sobre a cultura, denominados estudos pós-modernos, cujo foco principal é a caracterização da pós-modernidade e seus elementos culturais. Retomaremos o assunto da pós- modernidade mais adiante, visto que os estudos pós-modernos têm se destacado como uma das tendências mais recorrentes na teoria sociológica contemporânea. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 14 CIÊNCIAS SOCIAIS Nesta aula pudemos identificar as transformações ocorridas em 1968 que influenciaram fortemente o desenvolvimento da Teoria Sociológica no último quartel do século XX. Estas transformações implicaram tanto em novas teorias surgidas nos anos 1970 quanto no posterior enfraquecimento da teoria ocorrido nos anos 1980 (o que deu origem aos estudos culturais denominados pós-modernos). Ambas as correntes fazem parte da Sociologia Contemporânea e só podem ser entendidas em comparação ao desenvolvimento da Teoria Social no decorrer de todo o século XX . Em que sentido as transformações sociais de 1968 influenciaram o desenvolvimento da Teoria Sociológica? Quais as principais consequências destes episódios para a Ciência Social? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 15 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 03_Teoria sociológica contemporânea – a pós-modernidade Nesta aula analisaremos a origem da pós-modernidade. Iremos refletir, também, sobre a origem do pensamento social pós-moderno, bem como a crítica sociológica a ele atribuída. Conforme fora apontado em aulas anteriores, o materialismo histórico dialético se transformou no principal referencial da sociologia ao longo do século XX. Contudo, após as transformações ocorridas em 1968 (que se colocavam contra as normas e os poderes instituídos da sociedade, dentre eles a ideia de teorias – e seus métodos rígidos, legitimados pelas cátedras das universidades – que funcionavam como grandes narrativas históricas), o marxismo perdeu força, visto que tanto a política quanto a ciência não se mostravam eficientes para transformar a sociedade, tampouco eram instrumentos eficientes para compreendê-la. O mundo e as ideias haviam mudado: não eram mais o simples reflexo da estrutura capitalista. Ele passou a ser fragmentário, com múltiplas identidades e agentes simultâneos (não apenas as declasse), o que demandava uma nova forma de pensar menos ligada aos poderes instituídos na sociedade. Era como se, no campo da ciência, houvesse ideias do passado num mundo dramaticamente diferente, ininteligível aos olhos da ciência. As teorias clássicas pareciam ultrapassadas e novas teorias começaram a surgir. Os anos de 1965 até 1980 pareciam ter sido anos de fluxo da nova sociologia, pois novos autores estavam surgindo: Raymond Williams, Pierre Bourdieu, J. Habermas, Fredric Jameson, E. Said, entre outros. As transformações de 1968 deram um novo impulso à teoria, sobretudo às teorias sobre a cultura que se estenderam até o ano de 1980. Tais teorias passaram a ser valorizadas devido ao novo papel da cultura: se antes era uma esfera complementar à política, após as mudanças comportamentais de 1968, passou a ser, ela mesma, palco de reivindicações, o que demonstrava sua autonomização em relação à política. Mudanças culturais tornaram-se a nova forma de contestação política, tendo a cultura, portanto, um papel central na crítica ao marxismo nos anos 1960 e 1970. Além do mais, a cultura passou a englobar questões do novo capitalismo que, como veremos posteriormente, gira em torno do UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 16 CIÊNCIAS SOCIAIS consumo e não da produção. A cultura passa a ter um papel paradoxal: ela é tanto a contestação que faltava no pensamento sociológico como é também fruto do novo sistema que estava sendo contestado (pois há um significativo incremento no mercado de bens culturais, o qual aumenta a oferta dos diversos tipos de produtos). A cultura como valor dissidente surge no exato momento em que a cultura é transformada numas das principais mercadorias a serem consumidas. Por este motivo surgem teorias que se debruçam sobre a economia dos bens culturais como elementos de dominação simbólica (como o pensamento de Bourdieu, que veremos em outra aula). No entanto, um novo acontecimento histórico passou a influenciar a produção científica: a crise do petróleo de 1979 que provocou um processo econômico recessivo no mundo todo, que trouxe como consequência direta um refluxo das esperanças revolucionárias. Esta situação provocou um pessimismo por todo o Ocidente, o que teve influência direta na produção de teorias sociais. Após a crise do petróleo de 1979, mesmo estes estudos mais recentes sobre a cultura (Williams, Bourdieu) pareciam ultrapassados, visto que as ideias tiveram um último brilhante florescimento (1980, quando a nova teoria cultural estaria madura) quando as condições que a produziram já estavam desaparecendo (a expansão do capitalismo, que cessou a crise do petróleo de 1979), e a teoria cultural, dessa forma, desgarrou-se de seu momento de origem. Assim, os velhos clássicos estavam ultrapassados e os novos clássicos pareciam fadados ao mesmo destino, visto que o novo mundo era muito diferente das décadas anteriores. O corpo a ser estudado pela teoria social não era mais o esfomeado, e sim o erótico (o que é uma conquista da sociologia, mas, por outro lado, a discussão se diluiu e se banalizou, e é discutida sem profundidade). O rock, antes diversão, transformava-se em objeto de pesquisa. O prazer não era mais visto como algo subversivo: pelo contrário, ele levaria ao consumo, fundamental para a sobrevivência do sistema. Esse novo mundo do consumo e da especulação – não mais o da produção – perdeu seu impulso utópico presente em 1968, gerando uma falta de perspectiva coletiva e um descrédito em relação às transformações políticas e à prosperidade econômica. A partir de 1980 configura-se uma época de refluxo das ideias, o que fez com que a sociedade (sobretudo os jovens) se despolitizasse e UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 17 CIÊNCIAS SOCIAIS carecesse de uma visão histórica. Despolitizou-se também o pensamento sobre a dominação – antes pensada em termos classista, e agora em termos individuais e culturais– inflando o papel da cultura dentro dela. A cultura passa a ser pensada do ponto de vista do pluralismo, da descontinuidade, da heterogeneidade, do relativismo cultural, e que rejeita totalidades e valores universais. A categoria social “classe” passou a ser repelida e desacreditada, dando lugar às múltiplas identidades simultâneas existentes na sociedade (que, devido à sua fragmentação, não conseguem pensar o mundo coletivamente, e sim através de sua lente particular). O que houve foi um redimensionamento entre o individual e o universal na utopia de construção de uma sociedade mais justa. As lutas se referem muito mais ao individual do que ao coletivo, o que demonstra uma interiorização individualista dos anseios por mudanças que se tornaram mais utilitárias e menos utópicas. A utopia, tão importante em outras épocas para a construção de uma sociedade mais justa, teria dado assim seu último suspiro. Todo esse quadro compõe o que se convencionou dizer “pós-modernidade”. O mundo havia mudado dramaticamente, tornando-se fragmentário e pós-moderno. Mas a teoria cultural e o pensamento social, ao invés de criar novos mecanismos de compreensão desse novo mundo (sendo a única forma de compreensão crítica da sociedade), despolitizou tanto quanto esse novo mundo, o que corroborou a despolitização da sociedade. A sociedade pós-moderna criou também o pensamento pós-moderno, que carece de teoria e bases sólidas para compreender criticamente esse novo mundo. O pensamento pós-moderno, ao contrário, reafirma esse novo mundo, pois é tão fragmentário e despolitizado quanto ele. Há, portanto, uma discrepância entre a teoria (ultrapassada) e a realidade (nova), o que exigia uma maneira inovadora de compreender a realidade que fosse mais adaptada à compreensão crítica das transformações em curso. Mas o que se observa é que os clássicos (velhos e novos) estão ultrapassados, mas não há uma teoria social inovadora que os substitua. O que há é o pensamento pós-moderno, que é antiteórico e, portanto, não é crítico. É despolitizado e fragmentário, à imagem e semelhança da sociedade pós-moderna global. Quais as origens da pós-modernidade e do pensamento pós-moderno? Quais as características de ambos? Quais as implicações para a teoria social? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 18 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 04_O fenômeno da globalização A partir desta aula, iremos iniciar a identificação e a discussão das principais modificações impostas às sociedades pela globalização capitalista, situando o quadro geral da percepção sociológica deste fenômeno. Em meados da década de 1980, segundo o célebre sociólogo brasileiro Octávio Ianni, o mundo foi abalado por transformações de amplas proporções, cuja intensidade e a profundidade são difíceis de ignorar. Algo como uma ruptura histórica (no sentido da modificação dos quadros sociais de referência da realidade cotidiana) e epistemológica (no sentido da comentada falência de certas categorias de interpretação do devir social, como o marxismo ortodoxo) se impunha com a aceleração do processo de interação dos mercados capitalistas em nível mundial. O fenômeno da globalização capitalista, contestado por uns e reverenciado por outros, seguia seu curso desdobrando-se desigualmente sobre os territórios e suas fronteiras, sobre as nações e as noções de sociabilidade, configurando outros parâmetros políticos, sociais e culturais que afetavam (e continuam a afetar) os grupos humanos (IANNI, 2001, p. 4). Demarcar as referências iniciais do processo da globalização capitalista constitui ainda uma tarefa ingrata para os cientistas sociais. Pode-se argumentar, de acordo com as diversas percepções do processo histórico em andamento, que a gênese da “mundialização dos mercados” iniciou-se com a expansão comercial europeiados séculos XV e XVI. Nesse sentido, a globalização torna-se uma consequência da própria expansão e da “evolução” da lógica e das práticas de mercado inauguradas pela burguesia no momento da ascensão da economia capitalista. A ruptura histórica e epistemológica colocada pela globalização (identificada por Octávio Ianni) encontraria correspondência em outros momentos históricos do ocidente (como o renascimento e a revolução industrial) marcados por rupturas do mesmo caráter, motivadas pelas inovações tecnológicas e culturais que acompanharam o desenvolvimento da economia de mercado. Por outro lado, muitos pesquisadores, sem dispensar o aproveitamento da experiência histórica do desenvolvimento da sociedade capitalista para a análise do processo de UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 19 CIÊNCIAS SOCIAIS globalização, assinalam as duas décadas finais do século XX como o momento que tais mudanças tomaram revigorado rumo, ampliando sua intensidade e velocidade. SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA As décadas finais do século XX foram marcadas pela revolução da informática (potencializando a ampliação e a interação dos mercados nacionais) e pelas modificações na geopolítica do poder global (com a desagregação da antiga União Soviética e do comunismo de matriz leninista como forma de governo predominante no leste europeu, o que encerrou definitivamente a “guerra fria”), o que permitiu um avanço sem precedentes da economia capitalista. A rearrumação mundial dos mercados, viabilizada pelos velocíssimos processos de inovação tecnológica (aplicados, entre outros segmentos, aos meios de comunicação e aos sistemas de transporte) e o consequente aumento da produtividade, esteve, de início, acompanhada do processo de crescimento econômico viabilizado pela exploração capitalista dos países anteriormente governados pelos comunistas. Para acompanhar as mudanças ditas “inexoráveis”, que modificavam as relações políticas, sociais e econômicas, tornava-se necessário e modelar o papel do Estado, das relações entre capital e trabalho, das formas de organização da produção, entre outros “pontos de enforcamento” que inviabilizavam a fruição da expansão da economia capitalista. Houve mesmo quem percebesse na “acachapante vitória do capitalismo” e na expansão da economia de mercado pelo globo os princípios do “fim da história”, a qual foi decretada pelo cientista social norte-americano Francis Fukuyama. Segundo o autor, a preponderância inquestionável do mercado e das formas de organização política correlacionadas (como moralismo, que estudaremos nas próximas aulas), em meio a derrocada da “alternativa comunista” de organização da sociedade, tinham o efeito de destituir de sentido as visões históricas baseadas na luta de classes e de seus desdobramentos como modos de perceber o devir social. Os ensinamentos de Karl Marx e de outros clássicos do pensamento social estavam definitivamente enterrados pela história. A insanidade da decretação do “fim da história” antes do fim da humanidade provocou protestos na comunidade acadêmica mundial. No entanto, as modificações UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 20 CIÊNCIAS SOCIAIS sociais impostas pela globalização geraram, no âmbito da sociologia, uma séria crise dos paradigmas conceituais recorrentes de análise do devir social. A sociedade capitalista era ainda de matriz industrial ou o sistema já se encaminhara para uma configuração pós-industrial? Os tempos atuais eram ainda os tempos modernos ou a modernidade devia ser tratada no tempo pretérito? O debate em torno da modernidade ou da pós-modernidade ganhava relevância em meio à renovação dos espaços e das relações provocadas pela globalização. O texto aponta a existência de certas análises da globalização que a tomam como uma ruptura histórica, e outras que verificam no fenômeno a continuidade e o desenvolvimento das práticas capitalistas de mercado. SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA De sua perspectiva, a globalização configuraria uma ruptura histórica ou seria melhor pensá-la do prisma da continuidade e “evolução” das práticas capitalistas de mercado? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 21 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 05_A Globalização e a Sociologia Contemporânea Nesta aula iremos observar como o fenômeno da globalização capitalista foi importante para a renovação dos objetivos da análise sociológica, determinando novas “missões” para a sociologia contemporânea. Como vimos, a globalização irrompeu em meio a um intenso debate teórico que sacudia a sociologia enquanto ciência de análise da realidade social. Embora de certa maneira o debate dos sociólogos em torno dos pressupostos teóricos que orientam a disciplina (que desembocaram na discussão da validade dos conceitos da sociologia clássica ou “moderna” para entender as novas configurações do sistema capitalista) ainda encontre relevância teórica (visto que permite incrementar as categorias da análise sociológica), a atenção dos cientistas sociais contemporâneos cada vez se distancia mais do debate interno e se volta com renovado fôlego para incrementar o entendimento e a compreensão das alterações diversas provocadas nas sociedades pelo fenômeno da globalização. Mensurar e qualificar o fenômeno da globalização capitalista, avaliando suas tendências mais generalizantes, analisando suas implicações e observando seus impactos nas diferentes sociedades atingidas, tem se tornado, nos dizeres dos próprios sociólogos, a “missão” da sociologia contemporânea. Como nesta afirmação do professor da Unicamp, Renato Ortiz: O desafio atual é pensar nas transformações que ocorreram nas últimas duas décadas. Tem a ver com o contexto da globalização toda a problemática do Estado-Nação, ou seja, o desenvolvimento de uma sociedade informatizada. Trabalhar essa problemática do mundo contemporâneo com categorias que não eram ainda disponíveis na tradição histórica que tínhamos na sociologia. Trata-se, na minha opinião, do desafio principal, com uma vantagem talvez: esse processo de transformação, embora não se tenha completado inteiramente, já está mais claro do que era, digamos, há quinze anos. Isso permite que tenhamos uma perspectiva de compreensão distinta do senso comum, generalizado na mídia e nas conversas do dia a dia. (Jornal da Unicamp, 2003). A posição do Professor Renato Ortiz referenda a necessidade de inovar os instrumentos da análise sociológica para a análise do complexo processo de UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 22 CIÊNCIAS SOCIAIS mudanças imposto a partir da globalização capitalista. No entanto, a renovação do instrumental teórico da ciência deve subordinar-se aos compromissos tradicionais da disciplina, como o desvendar das aparências e demais mistificações que encobrem a realidade do devir social. Esta posição é também rememorada nas declarações do também professor da Unicamp, o sociólogo Marcelo Ridenti: A sociologia tem o compromisso com o desvendamento das aparências sociais. O que vemos hoje é um mundo muito mistificado, muito mascarado, em que temos um avanço cada vez maior do capitalismo, que se generaliza por todo o globo e que transforma tudo em mercadoria. Paradoxalmente, quanto mais esse sistema capitalista se difunde e se expande, mais difícil e enevoado se torna reconhecer sua estrutura seu funcionamento (Jornal da Unicamp, 2003). Entender a globalização para além das aparências e mistificações que referenciam sua expansão para todos os recantos do globo constitui o objetivo da sociologia contemporânea. A tarefa que se coloca aos sociólogos é difícil devido à velocidade do processo de mudança e a diversidade das suas formas de integração com as distintasrealidades locais. No entanto, o estudo sociológico da globalização configura um instrumento eficaz para o entendimento das mudanças que abalam as estruturas da sociedade, permitindo avaliar suas consequências e perspectivas atuais e futuras.Os autores citados, eméritos professores brasileiros, referendam o papel da sociologia em desvendar o “senso comum” e das mistificações que encobrem os interesses dos agentes sociais, mascarando a percepção da realidade social. Quais seriam as principais aparências e mistificações generalizadas pelos globo que acompanham o desenrolar do processo de globalização do capitalismo? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 23 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 06_Globalização e a formação dos “sensos comuns” mundiais Nesta aula vamos discutir a validade interpretativa das impressões generalizantes sobre o processo de globalização que acompanham o desenrolar da reconfiguração do mercado capitalista em nível global, procurando tematizar a relação existente entre formação de “sensos comuns” mundiais, viabilizados pelo alcance e velocidade dos meios de comunicação e os novos quesitos para a dominação política e econômica. Em meio ao processo de globalização do capital, aconteceu que fluíram (e ainda estão fluindo) por meio do globo certas impressões generalizantes, as quais tentam qualificar e nomear as características das transformações que alteram permanentemente os padrões de comportamento dos grupos humanos. A “aldeia global” de Marshall McLuhan, a “sociedade informática” de Adam Shaft, a “terceira onda” de Alvin Toffler, o “choque de civilizações” de Samuel Huntington, entre outras afirmações, para além de referenciarem por meio de interessantes metáforas o quadro de mudanças mais ou menos obscuras que atingem a humanidade, também permitem enxergar posturas políticas e de outros interesses que emergem. No entanto, essas metáforas – elaboradas com mais ou menos atributos de explicação científica – difundidas, valorizadas e direcionadas conforme os interesses postos em jogo nos cenários em transformação, colaboram com a elaboração de novos “sensos comuns” que interferem na compreensão do complexo processo da globalização pela análise sociológica. Não devemos nos esquecer de que, não obstante a capacidade explicativa de parte do fenômeno por meio dessas explicações generalizantes, elas também corroboram a formação de “sensos comuns” de alcance mundial (isto conforme o vai e vem das informações pelos variados caminhos de disseminação impostos pelos meios de comunicação eletrônicos). O “senso comum”, ou a imagem ou aparência da realidade social partilhada pelos homens de uma mesma sociedade, é considerado, desde Karl Marx, o extrato que possibilita a formação e a fruição das ideologias pelo corpo social. O “senso comum” sobre a globalização referencia a inexorabilidade do processo em curso. As determinantes impõem as consequências, e para as pessoas UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 24 CIÊNCIAS SOCIAIS envolvidas, as mensagens criam a impressão de que nada resta a fazer se não adaptar-se as contingências. A inevitabilidade relaciona-se com a passividade requerida aos atores sociais. Adaptar-se para sobreviver é a norma difundida no plano ideológico. Nada mais se pode fazer a não ser esperar a tormenta e aprender a nadar conforme as ondas. Para entender a globalização para além das metáforas, torna-se necessário perscrutar as determinantes e as implicações do processo para além da sua aparência social. Isso se torna possível a partir da caracterização das transformações que atingem os diversos setores da sociedade, avaliando suas relações e interpolações. Segundo o sociólogo americano Fredric Jameson, “as tentativas de definir a globalização são, o mais das vezes, só um pouco melhores do que as apropriações ideológicas”. Para o autor, torna-se relevante para a analise “juntar todas as descrições e fazer um inventário de suas ambiguidades, algo que implica falar tanto sobre fantasias e ansiedades quanto sobre a coisa em si” (JAMESON, 2001, p.17). Nesse sentido, passaremos, nas próximas aulas, a descrever e discutir as transformações nos diversos setores da vida social, não observando somente seus efeitos e generalizações, mas também suas determinantes pregressas e as correlações entre os diferentes segmentos. Dessa feita, esperamos contribuir para a sua compreensão dos fenômenos políticos, culturais, econômicos e sociais desencadeados a partir da evolução tecnológica e da crescente interdependência entre os mercados globalizados. Nosso objetivo é tornar mais claro o entrelaçamento de interesses antigos e novos em meio à transformação dos modos e meios de viabilizar a dominação política e econômica. O texto coloca a indubitável relação existente entre a formação do “senso comum” e a fruição das ideologias pelo corpo social, referenciando como tais processos de mistificação ganham revigorado apelo nos tempos atuais. Nesse sentido, cabe questionar como as metáforas do tipo choque de civilizações” ou “terceira onda” prestam-se à conformação e à aceitação de predicados de poder pelos agentes sociais, observando quais interesses (e grupos de poder) podem estar escondidos na contínua reiteração destas afirmações. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 25 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 07_A modernização capitalista: continuidade ou ruptura? Nesta aula vamos identificar as mudanças gerais acontecidas com o processo de modernização capitalista das sociedades. Um conceito muito utilizado pelos historiadores e cientistas sociais para qualificar o processo de transformação social inaugurado pela fruição da economia de mercado é o conceito de “modernização capitalista da sociedade”. Em linhas gerais, a modernização da sociedade, inaugurada pelo surgimento e contínuo aperfeiçoamento dos instrumentos de produção relacionados à economia capitalista (espalhando-se pelo globo desde a matriz europeia, conforme o próprio processo de expansão da economia de mercado), importou em modificações mais ou menos generalizadas nos diversos países atingidos pela denominada “revolução burguesa”. Nos dizeres do sociólogo francês Raymond Boudon, o capitalismo, alterando os padrões de produção por meio da industrialização e pela contínua proliferação fabril, implicou em grandes deslocamentos populacionais, os quais promoveram o crescimento das cidades, fazendo despontar a sociedade de massas. O processo ampliou a diferenciação social a partir do surgimento de novas formas de divisão do trabalho, afetando as velhas hierarquias e fazendo surgir novos extratos e classes sociais, como as classes média e operária. A crescente circulação de pessoas, mercadorias e informações, as quais acompanham a formação de novos mercados e a intensificação da concorrência, recriaram os padrões de conduta social. Cresceu a demanda pelo “desencantamento do mundo”, preconizada pelo eminente sociólogo alemão Max Weber (o que pode ser percebido e referenciado na laicização da política, do saber e mesmo dos comportamentos sociais, cada vez mais “racionalizados” e “autocontrolados”). A produção industrial e cultural tendeu a se massificar, criando produtos de consumo cuja característica principal era a padronização e a homogeneização (requerendo o mesmo de seus consumidores). A intensificação dos conflitos sociais, em meio à decadência das velhas relações de poder tradicional (baseadas nas diferenciações do sangue e do nascimento) exigiu ampliar o papel do Estado no controle do corpo social e mesmo no desenvolvimento econômico. (BOUDON, 2000, p.361-367) UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 26 CIÊNCIAS SOCIAIS O processo de modernização capitalistadas sociedades, acelerando-se a partir do século XIX trazia em si os germens da sociedade globalizada, como bem percebeu Karl Marx numa passagem do manifesto comunista, escrito em 1848: Através da exploração do mercado mundial, a burguesia deu um caráter cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países. Para grande pesar dos reacionários, retirou debaixo dos pés da indústria o terreno nacional. As antigas indústrias nacionais foram destruídas e continuam a ser destruídas a cada dia. São suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão de vida ou morte para todas as nações civilizadas – indústrias que não mais empregam matérias primas locais, mas matérias primas provenientes das mais remotas regiões, e cujos produtos são consumidos não somente no próprio país, mas em todas partes do mundo. Em lugar das velhas necessidades, satisfeitas pela produção nacional, surgem necessidades novas que para serem satisfeitas exigem os produtos das terras e dos climas mais distantes. Em lugar da antiga autossuficiência e do antigo isolamento local e nacional, desenvolve-se em todas as direções um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. E isso tanto na produção material quanto intelectual. Os produtos intelectuais de cada nação tornam-se um patrimônio comum. A unilateralidade e a estreiteza nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis, e das numerosas literaturas nacionais e locais forma-se uma literatura mundial. (MARX, 1993, p.70) Desde seu surgimento, a economia capitalista importou na transformação contínua das relações sociais. Nesse sentido, Fredric Jameson cunhou o termo capitalismo tardio para qualificar as mudanças impostas às sociedades pelo processo de globalização. Segundo o autor, mais que uma ruptura com o quadro de mudanças colocadas pela modernidade, a globalização pode ser analisada como a continuidade deste processo histórico, configurando o modo de produção capitalista do final do século XX e início do XXI. O quadro atual está caracterizado pela manutenção do modelo capitalista de produção baseado na propriedade privada e no sistema monetário e financeiro, assim como pela ideia de inter-relacionamento dos mercados, dos capitais e das forças produtivas. No entanto, as mudanças tecnológicas aplicadas à produção e a circulação das informações alteraram certos padrões tidos como clássicos da modernização. São estas mudanças que iremos focar a partir da próxima aula. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 27 CIÊNCIAS SOCIAIS O texto coloca a modernização capitalista como um processo que provoca alterações mais ou menos generalizadas nos diversos países atingidos pelo processo. Nesse sentido, cabe uma pergunta crucial para o entendimento do processo da modernização capitalista: se alguns fenômenos são generalizados (como a industrialização, a urbanização e a racionalização das condutas sociais), será que sua efetivação nos diversos países implicaram nas mesmas consequências e nas mesmas implicações? Ou será que tais fenômenos foram influenciados pelas diferentes realidades locais, importando isto na diferenciação dos processos de modernização conforme cada situação? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 28 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 08_Sociologia e Mudança Social Nesta aula iremos discutir o problema da mudança social como objeto da análise sociológica, destacando seu papel saliente na formulação da “grã teoria” social e demonstrando seu papel regenerador dos conceitos e formulações da análise social. A mudança social, desde os clássicos, tem sido um dos assuntos privilegiados do enfoque sociológico. Aliás, como a sociologia é uma ciência voltada para a compreensão das relações sociais, a observação da mudança social que engendra transformações no quadro de relações coletivas da sociedade sempre foi assunto privilegiado da análise social proposta pela teoria sociológica. Como uma ciência nova, surgida no contexto da modernidade e da industrialização capitalista – e seu quadro impositivo de mudanças contínuas e aceleradas nas relações sociais – a sociologia pode ser mesmo considerada uma ciência que procura qualificar as transformações que perpassam as sociedades. O quadro de análise da sociologia foi construído e continuamente reformulado observando as transformações que colocavam novos desafios para a reflexão crítica. Os desafios desde sempre estiveram relacionados ao momento histórico e às percepções de época sobre o problema formulado; a partir disto, tornavam-se questões para a reflexão e a investigação da teoria social. Foi identificando novos problemas, os quais por vezes rompiam com os paradigmas de análise em uso, que se construiu a chamada “grã teoria” social ou, em outras palavras, os conceitos e autores que, ao longo da história da disciplina, deixaram sua marca e reconfiguraram os meios e modos da análise da própria sociologia. Foi insurgindo-se com os modelos de análise de sua época que Karl Marx escreveu seu nome na história do pensamento crítico. Quando seus pensamentos foram dogmatizados pelo uso político dos seguidores, outros autores, como Max Weber, promoveram inovações na análise social que tomavam como referência a necessidade de renovar as formulações anteriores. Pode-se mesmo advogar que a análise sociológica torna-se mais criativa quando, após certa crise das categorias de análise em uso, acontece a renovação conceitual. Tal caminho, longe de UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 29 CIÊNCIAS SOCIAIS enfraquecer a dinâmica da ciência, reafirma sua predisposição de jamais ser um conhecimento acabado. Neste sentido, a “crise de paradigmas” e a globalização impõem novos e instigantes desafios à nova geração de sociólogos. Para além de filiar-se às correntes que advogam a falência das grandes narrativas e das outras que afirmam a especificidade como categoria de análise, cabe à teoria social entender o todo e o específico. Tal assertiva renova sua urgência, visto que o próprio processo da globalização capitalista – e suas implicações econômicas, políticas, sociais e culturais – engendram entre si totalidades de alcance global e a multiplicação das especificidades sociais. Articular os planos de análise e oferecer novas interpretações da realidade, mais do que nunca, tornou-se a missão do sociólogo contemporâneo.O texto afirma que a compreensão da mudança social desde sempre foi um dos enfoques privilegiados da sociologia. Neste sentido, qual seriam os aspectos da análise sociológica que necessitam de reformulações a partir da intensificação do processo de globalização capitalista? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 30 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 09_ Globalização e Mercado Nesta aula iremos discutir as mudanças mais relevantes colocadas pela globalização nas estratégias de exploração dos mercados e nas formas de organização institucional das empresas capitalistas. Como colocado na última aula, a modernização capitalista promoveu a expansão das indústrias e a massificação dos produtos de consumo e mesmo dos consumidores. Inaugurou-se a sociedade de massas, pari passu a consolidação de um mercado mundial voltado para a produção de produtos industriais homogeneizados e padronizados. Acontece que as mudanças tecnológicas aplicadas à esfera da produção, assim como à circulação das informações promovidas pela revolução da eletrônica e da informática, alteraram os padrões estratégicos das empresas que operam no mercado. Na época da globalização, a produção capitalista gradualmente abandona seu caráter padronizado e massificado e passa a conviver com novas formas de exploração dos mercados de consumo, as quais valorizam sua segmentaçãoou estandartização, não somente em nível nacional, mas sim mundial. Nesse sentido, o mercado mundial se torna transnacional, ou seja, o capital e as mercadorias transitam com menos restrições entre os diversos países, atendendo expectativas de lucro e atingindo os segmentos de mercado (conforme sua inserção econômica) organizados em escala mundial. Nesse sentido, a globalização importou em alterações nos padrões de organização da indústria. A grande empresa capitalista gradualmente abandona seu modelo de organização de caráter multinacional e passa a se tornar empresa transnacional. As empresas multinacionais que operavam a partir de um centro de referência, geralmente localizado no país-sede da organização (caso da Bayer alemã ou da Ford americana) e com diversas filiais espalhadas nos países periféricos (devido ao preço mais barato da mão de obra, aliado aos incentivos políticos e financeiros promovidos por governos interessados na montagem das indústrias em seus territórios), passaram a adotar a estratégia de atuar para além das fronteiras nacionais. O capitalismo global redefiniu a geografia dos mercados e das associações de capital, redefinindo mesmo a importância política das empresas no quadro do UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 31 CIÊNCIAS SOCIAIS poder mundial. Apesar de manterem referências nacionais, o capital das empresas transnacionais é globalizado. Por exemplo: as empresas japonesas (como a Nissan, a Honda e a Toyota) têm um imenso capital norte-americano e vice-versa. A FIAT italiana tem capital majoritário da General Motors americana, e assim por diante. Embora ainda referenciada pela imagem do país de origem, não é mais possível identificar a corporação somente com o seu local de nascimento. Os primeiros empreendimentos a se tornarem transnacionais foram as empresas petrolíferas e automobilísticas. Seguiram-nas, confluindo capitais e empreendimentos, as companhias fabricantes de aviões; as empresas aéreas; os grandes fabricantes de eletrodomésticos (como a Philips holandesa e a G&E norte-americana); os fabricantes de eletroeletrônicos; os serviços de telefonia; as grandes empresas de alimento mundiais (Parmalat, Nestlé, Procter & Gramble, Unilever, entre outras). Praticamente não há mais espaço no planeta em que essas grandes corporações não estejam inseridas, seja com uma planta industrial, seja em associação com fabricantes locais, seja apenas comercializando produtos fabricados em locais próximos, e, o que é mais importante, com o capital aberto, descaracterizando completamente sua origem. Neste emaranhado de corporações ramificadas internacionalmente, há, a partir do início da década de 1980, um agravante. Com o avanço da microeletrônica e o uso continuamente difundido da informática como nova linguagem mundial, desenvolveu-se todo um novo mercado que permitiu inclusive a criação de uma nova bolsa de valores internacional especializada, a Nasdacq. É neste novo setor que se desenvolvem os maiores lucros, com os hardwares em plataformas PC, Windows, ou a Apple/Macintosh. Para fornecer os equipamentos surgiu uma vasta quantidade de empresas, capitaneadas pela IBM, Acer, Toshiba, as quais necessitam de uma rede internacional de fornecedores e fabricantes para a montagem das novas plataformas de computadores. Esta nova frente de mercado possibilitou a expansão do capitalismo para os países asiáticos do extremo oriente, na periferia do Japão e que foram chamados de Tigres Asiáticos. Redes de navegação livres, como a Internet, passaram a fazer parte de um pacote integrado oferecido pela Microsoft com o Explorer, que mantém o controle e a hegemonia do acesso à informática em escala global. Mas existem resistências à hegemonia do UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 32 CIÊNCIAS SOCIAIS modelo, o que é o caso da linguagem aberta Linux e a retomada do Netscape para a Internet, por exemplo. Em linhas gerais, o capitalismo tardio, nome dado à fase do capitalismo em que nos encontramos, pode ser definido como um modo de produção sofisticado em que podem conviver simultaneamente modos de produção mais antigos, porém todos eles interdependentes, dentro de um mesmo modelo que assume uma escala planetária. Esta forma assumida tem a característica de ser realizada pelas empresas transnacionais com o capital financeiro também transnacional, prescindindo dos antigos estados nacionais para seu desenvolvimento a não ser para o emprego do uso da força, externa ou internamente, quando necessário, ou seja, quando há ameaças à manutenção desse sistema em qualquer nível, tanto no mercado interno quanto no plano global. O texto aponta a formação do modelo de empresa transnacional como uma característica marcante do processo de reorganização dos mercados promovidos pela globalização. Assim, torna-se necessário analisar a relação entre essas empresas e os novos modelos de organização do mercado. Quais são os pressupostos de exploração do mercado abalizados pelo novo modelo de organização do empreendimento capitalista? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 33 CIÊNCIAS SOCIAIS Resumo_Unidade I Nesta unidade acompanhamos os seguintes conteúdos: Da teoria social clássica para a teoria contemporânea. A modernidade e a Pós-modernidade. A crise dos paradigmas da análise social e as reformulações dos conceitos. Caracterização da globalização como processo histórico. A teoria social e a globalização. Referências Bibliográficas IANNI, Octávio. A globalização e o retorno da questão nacional. Campinas: Laboratório gráfico da Unicamp, 2001. JAMESON, Fredric. A cultura do dinheiro. Petrópolis: Vozes, 2001. OLIVEIRA, Francisco de e PAOLI, Maria Célia (orgs.). O sentido da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis: Vozes, 1999. ORTIZ, Renato. Mundialização: crenças e saberes. São Paulo: Brasiliense, 2006. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 34 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 10_Globalização e o Estado Nacional. Nesta aula iremos discutir as implicações do processo de globalização nas relações entre Estado e sociedade referenciadas pela modernidade capitalista. Nossa análise procura analisar o fulcro dessas transformações. O processo de globalização capitalista e a formação das empresas transacionais modificaram as relações de poder em âmbito global. Os novos sustentáculos do poder, segundo o sociólogo Octávio Ianni: Estão organizados principalmente pelas corporações transnacionais e pelas organizações multilaterais, sistematizando as estruturas de dominação e apropriação que caracterizam o globalismo [...] Este é o âmbito em que se constituíram outras e novas condições de soberania e hegemonia (IANNI, 1999, p. 192). Nesse sentido, o Estado nacional, embora mantendo suas prerrogativas de poder referenciadas pela “monopolização da violência legítima num determinado território”, conforme já havia indicado Max Weber, vem sofrendo uma série de injunções (e restrições) as quais colocam em xeque seu modelo organizativo e mesmo sua funcionalidade para a manutenção das prerrogativas da ordem política e social capitalista. O Estado-Nação, estrutura centralizada do poder nacional criada em decorrência do desenvolvimento da economia capitalista, instituição capital para a manutenção da dominação burguesa, assim como para a normatização das regras do convívio social valorizadas pelas classes dominantes, e mesmo para o desenvolvimento histórico da economia de mercado pelos diversos países, foi e está sendo constantemente desafiado pela formação de um mercado global dominado pelos empreendimentos transnacionais. O século XX foi marcado pela crescente influência do Estado edo governo em diversas esferas do planejamento político e econômico. De acordo com a situação de cada país o Estado foi conclamado a colaborar com o desenvolvimento da economia industrial. Coube ao Estado, para além do tradicional papel de manter UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 35 CIÊNCIAS SOCIAIS a ordem, tornar-se artífice do desenvolvimento da economia de mercado. Tal situação, inaugurada a partir da crise do mercado de 1929 (o crash da bolsa que abalou o mundo) criou um novo modelo político que remodelou o metabolismo existente entre Estado e sociedade. Ao poder político foi delegado o papel de desenvolver infraestrutura para as indústrias, assim como se tornou proeminente a necessidade da formação de empresas industriais, de transportes, de comunicações, entre outras, todas estatais. A ameaça da revolução comunista, que tomou de assalto o mundo capitalista a partir da revolução russa de 1917, também redefiniu o papel do Estado no controle do corpo social. A tradicional política de repressão às demandas de poder das classes populares somou-se à necessidade do poder público em desanuviar a pressão por mudanças radicais, sobretudo oriundas dos extratos operários. Neste sentido, aumentou a demanda pela participação do Estado na criação de hospitais, escolas e demais instituições de caráter público, assim como sua efetiva intervenção nas relações entre o capital e o trabalho. Garantir mecanismos que permitissem a inserção econômica dos grupos populares à sociedade de consumo era ao mesmo tempo um meio de controlar as reivindicações radicais e ampliar o crescimento das empresas nacionais. Acontece que, com o desabrochar da globalização acompanhado do fortalecimento da economia de mercado em âmbito global, iniciou-se a crítica dessas políticas públicas. Ao invés de um artífice do desenvolvimento, o tamanho e o peso da burocracia estatal passaram a ser considerados entraves para a fruição da economia capitalista. O novo receituário requeria a diminuição da inserção do Estado na esfera produtiva. As políticas de “proteção ao trabalho” também passaram a ser considerados um problema ao desenvolvimento econômico, porquanto suas prerrogativas assustavam os empreendedores que, então, poderiam operar em escala transnacional, exorcizando o alto custo vinculado à contratação de mão de obra protegida por mecanismos como a seguridade social. A reforma do aparelho de Estado passou a ser uma demanda crucial para sua reorganização institucional e adaptação às contingências das novidades do mercado globalizado. No entanto, como afirma Octávio Ianni: UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 36 CIÊNCIAS SOCIAIS “A reforma do Estado”, delineada, induzida ou simplesmente imposta pelas corporações transnacionais e organizações multilaterais, destacando -se entre elas o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD) é o processo pelo qual se define e põe em prática a transformação das relações do Estado com a economia e as finanças, a mudança no sistema de saúde, educação e previdência e a reforma nas relações de trabalho. Trata-se de reduzir a presença do Estado em termos de planejamento governamental e empresas produtivas estatais, mas garantindo as regras do jogo, de tal modo que as forças econômico financeiras privadas possam desenvolver-se. Privatizam-se empresas e setores de a atividades, como educação, saúde e previdência, nas quais passam a desenvolverem- se empresas privadas nacionais e transnacionais (IANNI, 2000, p.19). Ao invés do projeto de industrialização nacional, inaugura-se o projeto de inserção transnacional. O país torna-se um “mercado emergente”: “Em pouco tempo a economia nacional transforma-se numa província do capitalismo global” (IANNI, 2000, p. 21). No entanto, a globalização não implica no fim do Estado-Nação e sim sua subordinação a uma nova conjuntura política e na redefinição de seus papéis funcionais. Este será o assunto de nossa próxima aula. A redefinição do papel do Estado e de seu metabolismo com a sociedade torna-se uma necessidade para a inserção da economia nacional no âmbito do capitalismo globalizado. Nesse sentido, qual é a relação existente entre o aparecimento de termos como “mercados emergentes” em substituição de outros, como “países em desenvolvimento”, no âmbito da estratégia política desempenhada pelas corporações transnacionais? UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 37 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 11_Globalização e Neoliberalismo Nesta aula vamos estudar o neoliberalismo, ou a teoria político-econômica, que sustentou a ideia da reforma do Estado ocorrida em diversos países a partir dos anos 1980. Como vimos, o avanço do mercado no contexto do capitalismo globalizado requer alterações no modelo de organização do aparato público estatal. A agenda pública, anteriormente pautada pelos princípios keynesianos de intervenção do Estado na economia e promoção do bem estar social, passou a ser definida pelos princípios do neoliberalismo. O neoliberalismo, doutrina política e econômica crítica a intervenção estatal nos assuntos do mercado, tem seu manifesto inaugural no livro O caminho da servidão, de Friedrich Von Hayek, lançado em 1946. Naquele ano, na Inglaterra, o Partido Trabalhista assumia o poder, destronando o conservador Winston Churchill, primeiro ministro do país durante a Segunda Guerra Mundial. Ao assumir o poder, os trabalhistas implantaram um projeto de governo que valorizava os princípios da forte intervenção do Estado na economia para promover os rearranjos do mercado e a redistribuição de renda. Hayek, então, lançou seu livro, por meio do qual fez críticas a política trabalhista, afirmando que a intervenção estatal restringia a liberdade e a livre iniciativa, configurando uma situação política muito próxima à atingida pelos alemães durante a ascensão de Hitler no poder. Do outro lado do oceano atlântico, ideias semelhantes surgiam. O economista americano Milton Friedman criticava a política do New Deal, proposta pelo Presidente Roosevelt para reordenar o mercado duramente atingido pela crise de 1929. Friedman se opunha a qualquer regulamentação do Estado nos assuntos econômicos. Mesmo a fixação de um salário mínimo era considerada pelo autor uma política temerária, pois esse subiria artificialmente o valor da mão-de-obra pouco qualificada. Para Friedman, a fixação de pisos salariais e os acordos do governo com os sindicatos distorciam os custos da produção industrial, favorecendo a alta dos preços e a inflação. A competição livre e “honesta” entre os agentes econômicos encerraria sérias distorções, como a sobrevivência de empresas pouco competitivas as quais se mantinham em operação graças às benesses estatais. Aliás, os autores UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 38 CIÊNCIAS SOCIAIS defendiam a ideia do Estado mínimo, enxuto e enxugado, cujo papel fundamental seria a aplicação da justiça e cuja única intervenção permitida no mundo econômico era fazer regular os dissensos entre os concorrentes no mercado. A partir da década de 1980, com a crise do modelo de intervenção estatal na economia e o fim do socialismo soviético, o neoliberalismo ganhou substancial reforço. Seus princípios foram adotados como normas pelas chamadas “organizações multilaterais”, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. O receituário neoliberal era recomendado por estas agências do poder global como predicados para a reforma do Estado. As privatizações, a desindexação de preços e salários, entre outras políticas para dirimir o déficit público que ocorreram em diversos países no período (inclusive no Brasil) encontraram no neoliberalismo um relicário de proposiçõese receitas para diminuir o tamanho do aparelho público estatal. Segundo alguns autores críticos às posições neoliberais, a reforma do Estado preparou o caminho para a substituição dos projetos nacionais de desenvolvimento e a integração dos países ao modelo do mercado transnacionalizado. A transnacionalização da economia torna desnecessária a figura do Estado nacional como enclave territorial para o capital e dispensa as formas clássicas do imperialismo (colonialismo político militar, geopolítica das áreas de influência, etc.) de sorte que o centro econômico, jurídico e político planetário encontra-se no FMI e no Banco Mundial. Estes operam com um único dogma, proposto pelo grupo fundador do neoliberalismo, qual seja: estabilidade econômica e corte do déficit público. (CHAUÍ, 1999, p.31) Embora a ideia do “Estado mínimo” proposto pelos neoliberais seja efetivamente impraticável em sociedades complexas e diversificadas, como são as sociedades atuais, suas prédicas forneceram o estofo para a reordenação do aparelho público à economia de mercado globalizada. A globalização encontrou nas teorias neoliberais sua ideologia política. As consequências do esvaziamento da política estatal anterior será o assunto de nossa próxima aula. O neoliberalismo forneceu o estofo ideológico para as alterações nas políticas públicas desempenhadas pelos estados nacionais durante grande parte do século XX. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 39 CIÊNCIAS SOCIAIS Cabe, então, uma pergunta: de acordo com sua percepção, quais foram as consequências das reformas do aparelho de Estado e de sua adequação ao formato do capitalismo globalizado no cotidiano da política nacional? John Maynard Keynes (1883 – 1946), economista inglês, professor da Universidade de Cambridge, defensor da intervenção do Estado na economia e na distribuição de rendas. Sua teoria forneceu as bases do Estado de bem-estar social, ou Welfare State, promovida como políticas públicas por diversos estados nacionais após a crise do mercado de 1929. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 40 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 12_Globalização e Desterritorialização Nesta aula iremos discutir o conceito de “desterritorialização”, o qual tem ganhado crescente importância na análise sociológica sobre as redefinições impostas para as relações sociais pelo capitalismo globalizado. A palavra desterritorialização foi utilizada, pela primeira vez, nos escritos do filósofo francês pós-moderno Félix Guatarri. O termo tornou-se um conceito caro para a sociologia interessada na interpretação da realidade “inaugurada” com a globalização capitalista, afinal, a desterritorialização, como o próprio termo indica, significa que as coisas, ideias, pessoas e culturas perdem em parte sua ligação com o local originário de sua própria produção. A história das sociedades humanas e de suas relações desde sempre estiveram enraizadas ao meio ambiente e ao espaço geográfico que as envolvia. O “local” foi, para os grupos humanos, sua principal fonte de referências e o espaço privilegiado para a produção cultural da identidade. No entanto, a categoria território tem sido constantemente reconfigurada pelas modernas tecnologias (as quais viabilizaram a fruição do processo de globalização). Como afirma Renato Ortiz: Satélites, cabos, computadores, fibras óticas, transnacionalização das empresas de comunicação são fatores determinantes na vida social: as tecnologias de informática são o suporte de um capitalismo desterritorializado, sem rosto nacional (ORTIZ, 2006, p.83). A questão da mudança na percepção da categoria espaço é um dos fatores determinantes da redefinição das relações sociais impostas pela globalização capitalista. Segundo o sociólogo Octávio Ianni, a própria noção de “aldeia global” está sendo “desenhada, tecida, colorizada, sonorizada e movimentada” pelos meios de comunicação que desterritorializam as culturas, ideias e pessoas (IANNI, 1988, p. 98). A grande circulação de imagens e informações importa também na reconfiguração da noção de tempo e conteúdo das informações. A presença marcante do agora, em detrimento da noção de passado e de futuro, e a correspondente mudança na lógica da compreensão das informações (porquanto a proliferação constante do “presente” importa em alterações no próprio conteúdo das UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 41 CIÊNCIAS SOCIAIS notícias, que perdem seus vínculos com os fatos anteriores que as engendraram e com as perspectivas de interpretar suas consequências posteriores). Algo pressentido na modernidade por intelectuais do porte de Walter Benjamin se acirra e se generaliza com o processo de globalização capitalista. Conforme cita o pensador mexicano Octávio Paz: A ação dos mercados tem um efeito igualmente corrosivo no outro eixo da tradição poética: o temporal. A proeminência do agora lima os laços que nos unem ao passado. A imprensa, a televisão, a propaganda oferecem diariamente imagens do que está passando agora mesmo aqui e lá, na Patagônia, na Sibéria e nos bairros vizinhos; as pessoas vivem imersas num agora que pisca sem cessar e que nos dá a sensação de um movimento contínuo e acelerado. Afinal, nos movemos realmente ou só giramos e giramos no mesmo lugar? Ilusão ou realidade, o passado se afasta vertiginosamente e desaparece. Por sua vez, a perda do passado provoca fatalmente a perda do futuro (PAZ, 1993, p.108). A “desterritorialização”, o embaralhamento das fronteiras nacionais pelo mercado transnacional, os pressupostos neoliberais na gestão pública, perfazem os caminhos de uma modificação política, social e cultural relevante e ao mesmo tempo perigosa: o embaralhamento da noção de cidadania com consumo. O indivíduo pode ao mesmo tempo pertencer ao local e ao global, porém, ao mesmo tempo, a definição mais candente hoje em dia da individualização liga-se às possibilidades do consumo. Esta é a “qualidade” que referencia a inserção do indivíduo no vasto labirinto de informações que vai e vem pelo mundo globalizado. O texto afirma que a globalização e as transformações tecnológicas importaram na “desterritorialização” das ideias, pessoas e culturas lançadas no vai e vem das informações que circulam pelo mundo globalizado. Nesse sentido, qual é o papel da mídia na formação das impressões que configuram a percepção dos fatos e ideias que se “desterritorializam” no capitalismo globalizado? Será que essas impressões possibilitam a formulação de novos quesitos para dominação política e social das elites? Comente estas relações. _____ UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 42 CIÊNCIAS SOCIAIS Sobre o assunto ver o artigo “O narrador”, escrito por Walter Benjamin in BENJAMIN,Walter. Obras escolhidas, vol.3. São Paulo: Brasiliense, 1983. UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS Núcleo de Educação a Distância 43 CIÊNCIAS SOCIAIS Aula 13_Temática: Globalização e tecnologia Nesta aula iremos analisar o impacto das tecnologias no desenvolvimento do mercado globalizado, vislumbrando também as mudanças colocadas pela globalização nas relações de concorrência e competição entre os capitalistas. Desde seus primórdios, o modelo de concorrência imposto pelo sistema capitalista colocou para os empresários a necessidade de aperfeiçoar continuamente os instrumentos da produção das mercadorias como uma demanda essencial para as conquistas do mercado. Desde a máquina a vapor que impulsionou a revolução industrial inglesa, passando pela eletricidade e pela revolução eletrônica, a relação entre a criação, o desenvolvimento e a aplicação de novas tecnologias (aplicadas tanto à esfera da produção como a de seu planejamento) perfazem
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