Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Autor: Prof. Cassio Marcos Vilicev Colaboradoras: Profa. Vanessa Santhiago Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Anatomia Professor conteudista: Cassio Marcos Vilicev É natural de São Paulo, cidade onde reside. Possui graduação em Educação Física pela Universidade de Mogi das Cruzes (1989) e em Fisioterapia (1998) pela Universidade Bandeirante de São Paulo. É doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo (2013) e mestre em Ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (2005). Possui especialização em Educação a Distância pela Universidade Paulista – UNIP (2012) e em Didática do Ensino Superior pela Universidade Sant’Anna (1999). Cursa formação pedagógica em História pela UNIP. Seu caminho profissional iniciou como professor de Educação Física em escolas particulares e clubes desportivos de São Paulo, onde esteve de 1990 a 1998. Dedica-se à UNIP como professor titular dos cursos de Odontologia, Fisioterapia, Enfermagem, Nutrição e Educação Física desde 2004 em nível de graduação (ensino presencial) e dos cursos de Educação Física, Agronegócio e Pedagogia desde 2016 em nível de graduação (ensino a distância) e desde 2012 em nível de pós-graduação. Foi professor em nível de graduação dos cursos de Educação Física e Enfermagem junto ao Centro Universitário Santa Rita (2004 a 2017), líder das disciplinas de Anatomia Humana, Cinesiologia e Semiologia na UNIP e consultor na elaboração de questões para o Sest Senat (Educação Física) junto à empresa EGaion. Tem vários trabalhos publicados em diversas áreas das ciências biomédicas. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) V586a Vilicev, Cassio Marcos. Anatomia. / Cassio Marcos Vilicev. São Paulo: Editora Sol, 2020. 312 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Aparelho locomotor. 2. Artrologia e miologia. 3. Sistema nervoso. I. Título. CDU 611 U508.07 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Kleber Nascimento Sumário Anatomia APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 10 Unidade I 1 BREVE HISTÓRIA DA ANATOMIA ............................................................................................................... 11 1.1 Período Pré-Científico ........................................................................................................................ 14 1.2 Período Científico ................................................................................................................................. 14 1.2.1 Mesopotâmia e Egito ............................................................................................................................ 14 1.2.2 Grécia Antiga ............................................................................................................................................ 15 1.2.3 Roma ............................................................................................................................................................ 21 1.2.4 A contribuição do povo islame ......................................................................................................... 24 1.2.5 O Renascimento ...................................................................................................................................... 25 1.2.6 As ciências contemporâneas .............................................................................................................. 32 2 BASES GERAIS DA ANATOMIA ................................................................................................................... 35 2.1 Divisão da Anatomia: o(s) estudo(s) da Anatomia ................................................................. 36 2.1.1 Anatomia Macroscópica ...................................................................................................................... 36 2.1.2 Anatomia Microscópica ........................................................................................................................ 37 2.1.3 Anatomia Artística ................................................................................................................................. 37 2.1.4 Anatomia Comparativa ........................................................................................................................ 37 2.1.5 Anatomia do Desenvolvimento ou Embriologia ........................................................................ 38 2.1.6 Anatomia Nepiológica ou Nepionatomia ..................................................................................... 39 2.1.7 Anatomia do Adulto .............................................................................................................................. 39 2.1.8 Anatomia Gerontológica ..................................................................................................................... 39 2.1.9 Anatomia Radiológica ......................................................................................................................... 39 2.1.10 Anatomia de Superfície ..................................................................................................................... 41 3 CONCEITOS GERAIS ........................................................................................................................................ 41 3.1 Conceitos gerais de Anatomia Sistêmica e Topográfica ....................................................... 41 3.1.1 Anatomia Sistêmica ............................................................................................................................... 41 3.1.2 Anatomia Topográfica .......................................................................................................................... 44 3.2 Terminologia anatômica .................................................................................................................... 45 3.3 Conceito de normal e variações anatômicas ............................................................................ 46 3.4 Fatores gerais de variação anatômica ......................................................................................... 48 3.4.1 Sexo .............................................................................................................................................................. 48 3.4.2 Idade ............................................................................................................................................................ 50 3.4.3 Raça............................................................................................................................................................ 51 3.4.4 Biótipo ......................................................................................................................................................... 53 3.4.5 Evolução ..................................................................................................................................................... 54 3.4.6 Meio ambiente ......................................................................................................................................... 55 3.4.7 Biorritmos .................................................................................................................................................. 56 3.4.8 Gravidade ................................................................................................................................................... 56 3.4.9 Esportes....................................................................................................................................................... 57 3.4.10 Trabalho .................................................................................................................................................... 57 3.5 Anomalias ................................................................................................................................................ 57 3.6 Monstruosidade .................................................................................................................................... 61 3.7 Divisão do organismo humano ....................................................................................................... 62 3.8 Posição anatômica ............................................................................................................................... 63 3.9 Planos de delimitação do organismo humano ........................................................................ 64 3.10 Planos de secção do organismo humano ................................................................................ 65 3.11 Termos de posição e direção .......................................................................................................... 67 3.12 Eixos de movimento ......................................................................................................................... 69 3.13 As cavidades corporais .................................................................................................................... 70 4 PRINCÍPIOS GERAIS DE CONSTRUÇÃO DO ORGANISMO HUMANO .......................................... 71 4.1 Antimeria ................................................................................................................................................. 71 4.2 Metameria ............................................................................................................................................... 72 4.3 Paquimeria .............................................................................................................................................. 73 4.4 Segmentação ......................................................................................................................................... 73 4.5 Estratimeria ou estratificação ......................................................................................................... 73 Unidade II 5 APARELHO LOCOMOTOR .............................................................................................................................. 79 5.1 Osteologia................................................................................................................................................ 82 5.1.1 Os principais papéis do esqueleto e dos ossos ........................................................................... 83 5.1.2 Arquitetura óssea .................................................................................................................................... 86 5.1.3 O periósteo e o endósteo ..................................................................................................................... 89 5.1.4 Vascularização óssea ............................................................................................................................. 90 5.1.5 Inervação óssea ....................................................................................................................................... 90 5.1.6 Morfologia óssea..................................................................................................................................... 91 5.1.7 Características anatômicas de superfície dos ossos ................................................................. 97 5.1.8 Fatores de variação anatômica no número de ossos ............................................................... 99 5.1.9 Divisão do esqueleto ...........................................................................................................................100 5.1.10 O esqueleto da cabeça .....................................................................................................................102 5.1.11 O esqueleto do pescoço ...................................................................................................................109 5.1.12 O esqueleto do tronco ......................................................................................................................109 5.1.13 A coluna vertebral .............................................................................................................................. 112 5.1.14 A cintura escapular ............................................................................................................................ 118 5.1.15 O membro superior ............................................................................................................................ 119 5.1.16 A cintura pélvica .................................................................................................................................121 5.1.17 O membro inferior ............................................................................................................................ 123 6 ARTROLOGIA E MIOLOGIA .........................................................................................................................127 6.1 Artrologia ...............................................................................................................................................127 6.1.1 Articulações fibrosas ........................................................................................................................... 128 6.1.2 Articulações cartilagíneas .................................................................................................................131 6.1.3 Articulações sinoviais ......................................................................................................................... 133 6.2 Miologia .................................................................................................................................................144 6.2.1 Tipos de músculos................................................................................................................................ 145 6.2.2 Papéis dos músculos .......................................................................................................................... 146 6.2.3 Componentes macroscópicos dos músculos estriados esqueléticos .............................. 147 6.2.4 Nomenclatura dos músculos estriados esqueléticos ............................................................ 150 6.2.5 Agonistas, sinergistas e antagonistas .......................................................................................... 158 6.2.6 Anatomia dos músculos ....................................................................................................................159 Unidade III 7 ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO E SISTEMA NERVOSO CENTRAL ...............................183 7.1 Organização do sistema nervoso .................................................................................................184 7.1.1 Introdução à terminologia da Neuroanatomia ....................................................................... 185 7.1.2 Divisão do SN ........................................................................................................................................ 187 7.1.3 Papéis do SN .......................................................................................................................................... 197 7.1.4 O tecido nervoso .................................................................................................................................. 198 7.2 Sistema nervoso central ..................................................................................................................207 7.2.1 Generalidades sobre o encéfalo ......................................................................................................207 7.2.2 Morfogênese do SN .............................................................................................................................210 7.2.3 Anatomia da medula espinal ...........................................................................................................216 7.2.4 Anatomia do bulbo ............................................................................................................................. 223 7.2.5 Anatomia da ponte ............................................................................................................................. 225 7.2.6 Anatomia do mesencéfalo ............................................................................................................... 226 7.2.7 Anatomia do diencéfalo .................................................................................................................... 229 7.2.8 Anatomia do telencéfalo .................................................................................................................. 238 7.2.9 Anatomia do cerebelo ........................................................................................................................ 245 7.2.10 O sistema ventricular ....................................................................................................................... 246 7.2.11 Barreiras encefálicas ......................................................................................................................... 249 7.2.12 A nutrição sanguínea do encéfalo ............................................................................................ 250 8 SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO E PERIFÉRICO ................................................................................253 8.1 Sistema nervoso autônomo ...........................................................................................................253 8.1.1 As diferenças anatômicas e fisiológicas relevantes entre as partes simpática e parassimpática do SNA .......................................................................................... 254 8.1.2 Papéis do SNA ....................................................................................................................................... 256 8.1.3 Reações do SNA ................................................................................................................................... 257 8.1.4 Sistema nervoso entérico ................................................................................................................. 259 8.2 Sistema nervoso periférico .............................................................................................................260 8.2.1 Os nervos periféricos ...........................................................................................................................261 8.2.2 Os gânglios ............................................................................................................................................. 262 8.2.3 As terminações nervosas .................................................................................................................. 263 9 APRESENTAÇÃO Caro aluno, Esta disciplina tem como objetivo servir de alicerce e recurso aos universitários que buscam profissões relacionadas à área da saúde, entre elas educação física e fisioterapia. Preparado para enriquecer cursos de Anatomia Humana com a duração de um semestre, este livro traduz uma introdução indispensável para a disciplina aos universitários. O enfoque de Anatomia Humana é beneficiar as informações aplicadas das estruturas anatômicas do organismo humano e as noções sobre as bases para o aproveitamento de outras disciplinas básicas. Retratamos, neste texto, experiências práticas que permitirão aos universitários da área da Saúde a utilização de episódios referentes às situações fidedignas com as quais poderão se deparar na profissão pela qual optaram. Este material contempla links com outras disciplinas, como a corporeidade e a motricidade humana, a filosofia e as dimensões históricas da educação física, a biomecânica, os primeiros socorros, a biologia, a genética, o crescimento e o desenvolvimento, a aprendizagem e o desenvolvimento motor e a fisiologia do exercício. A primeira parte deste livro oferece, de maneira bem abreviada, informações essenciais para um melhor entendimento do conteúdo posterior que será apresentado. Será oferecido ao universitário um breve histórico da Anatomia e de como esta ciência se desenvolveu no transcorrer dos séculos. Além disso, serão descritas as características anatômicas que definem os seres humanos como uma espécie distinta. Também serão enfatizados os diversos níveis de organização do corpo humano e introduzida uma linguagem essencial para a compreensão das estruturas e do seu funcionamento. Na sequência, será apresentada uma visão ampla do aparelho osteoarticular e do sistema muscular. O movimento é possível nas articulações do esqueleto quando os músculos unidos ao esqueleto se contraem. Assim, o aparelho osteoarticular é minudenciado com vistas a facilitar o entendimento e a compreensão da função muscular. No sistema muscular, apresentaremos separadamente os músculos mais relevantes. De tal modo, gera-se concomitantemente uma ponte entre a teoria “sombria” e a prática esportiva. Por fim, dentro da Neuroanatomia, iremos estudar os órgãos que são formados por tecido nervoso, como o encéfalo, a medula espinal e os nervos. Além disso, iremos estudar, também, as divisões anatômicas do sistema nervoso, bem como a divisão fisiológica. Do ponto de vista anatômico, veremos o sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico, enfatizando as características morfofuncionais de cada estrutura. A revisão terminológica, relevante num livro dessa natureza, compreendendo a versão dos epônimos muito usados na clínica médica, está protegida tecnicamente pela terminologia anatômica. Há, ainda, notas explicativas com termos e expressões definidos, facilitando sobremodo a compreensão do texto, mesmo para os principiantes, ainda não familiarizados com a terminologia da área. 10 Escrever um livro demanda não só concentração como também uma análise crítica permanente sobre a sua filosofia e o seu conteúdo. Portanto, ele foi destinado a facilitar o estudo da anatomia para alunos da área da Saúde, especialmente para aqueles dos cursos de Educação Física. Assim, descrevo as palavras editadas pelo meu adorado orientador em minha tese de Doutorado, o professor Renato Paulo Chopard (in memoriam): “alunos que são um estímulo permanente para que continuemos nossos estudos, mais aprendendo do que ensinando, pois é com a vitalidade dos jovens que nós professores, aperfeiçoamos o nosso conhecimento” (VILICEV, 2013). Estamos nos direcionando aos universitáriosde Educação Física, lembrando que a ciência moderna traz consigo um conjunto de particularidades que pode ser muito bem figurado no conhecimento metodológico abordado pelas ciências da natureza, tais como a ideia de neutralidade científica, o afastamento radical entre o sujeito e o objeto, a ideia de objetividade e a fragmentação do saber. Alguns campos de saber concentram como alicerce para seus estudos e influências as teorias e as metodologias tanto das ciências naturais como das ciências humanas. Essa é a conjuntura atual da Educação Física, um campo “multi” ou “inter” disciplinar do saber, que se distingue pelo estudo e pesquisa com fins de intercessão pedagógica. Portanto, a Educação Física une as teorias e as metodologias de diversas outras ciências que podem ser denominadas “disciplinas-mãe”. INTRODUÇÃO A disciplina Anatomia objetiva servir como base e recurso aos estudantes que buscam carreiras relacionadas à área da saúde, entre elas a Educação Física, a Enfermagem, a Nutrição e a Fisioterapia. Este livro-texto representa uma introdução imprescindível à Anatomia Humana para os estudantes. O foco é favorecer os conhecimentos aplicados das estruturas anatômicas do organismo humano e noções sobre as bases para outras disciplinas básicas. Retratamos, neste material, conhecimentos práticos que possibilitarão aos estudantes da área da Saúde o uso de fatos concernentes às circunstâncias reais com as quais poderão se deparar na profissão que escolheram. O período pré-científico e a Antiguidade até a Idade Média apresentaram a contribuição do povo islame para a Anatomia Humana, o mesmo acontecendo posteriormente com o Renascimento e as Ciências Contemporâneas. Quanto às suas bases gerais, a Anatomia subdividide seu estudo nos conceitos de normalidade, variação anatômica, anomalias e monstruosidades, assim como a posição anatômica, os planos de cortes e os princípios de construção do corpo humano. A área trata também dos aspectos anatômicos, funcionais e clínicos do aparelho locomotor e da neuroanatomia. É na Anatomia que você descobre a linguagem científica básica que o conduzirá ao longo de toda a sua carreira profissional e possibilitará a você dialogar com seus colegas de uma equipe multidisciplinar. 11 ANATOMIA Unidade I 1 BREVE HISTÓRIA DA ANATOMIA A parte interna do nosso corpo é “secreta” para nós. O que ocorre debaixo da nossa pele é enigmático e assombroso. Na Antiguidade, a estrutura interna do corpo foi o elemento de indagação e fábula, porém houve poucos esforços para simbolizá-la em imagens. A invenção da imprensa no século XV e a cascata de tecnologias de impressão que a acompanhou auxiliaram a surgir uma nova ciência sensacional, a Anatomia, e inovações espetaculares do corpo. Imagens anatômicas proliferaram de modo minudenciado e informativo, mas “maluco”, “surreal”, “majestoso” e “grotesco” – uma anatomia sonhadora que desponta tanto sobre o mundo exterior como sobre o eu interior. Ao longo da história, a Anatomia tornou-se uma linguagem visual de realismo. Assim, a Educação Física e a Anatomia têm aspectos em comum no passar da história, e para inserir alguns desses aspectos que fazem relação a essas duas áreas de conhecimento, serão usadas passagens da história da arte que datam parte de grandes fatos relacionados ao tema que aconteceram no transcorrer dos séculos. A etimologia da palavra dissecar origina-se do verbo latino disseco, are, que também se redige deseco, are, cujo significado é o de cortar dividindo, separando as partes. Do grego aναλúστε, quer dizer corte, fatia, secção. O substantivo correspondente, desectio, onis, traduz-se por corte, talho. Dissecare, como termo médico, fora já utilizado por Plínio, no século I d.C. Desectio, onis foi adaptado para dissección, em espanhol; dissezione, em italiano, e dissecção, em português. Os léxicos da língua portuguesa têm manifestado dúvida entre dissecção e dissecação. No conhecido compêndio de Anatomia de Gardner, traduzido para o português, lê-se: Do ponto de vista etimológico, o termo dissecação: dis - significa separadamente e secare, cortar é o equivalente latino do grego anatomé. Portanto, a anatomia sendo uma ciência estuda o corpo humano por meio de cortes realizados pelos anatomistas. Quando os indivíduos compreendem alguns dos mistérios que o corpo humano esconde, é iniciado um conhecimento sobre o todo (GARDNER; GRAY; O’RAHILLY, 1988, p. 3). Lembrete Dissecção ou dissecação significa a ação de dissecar, de separar as partes de um corpo ou de um órgão. Utiliza-se tanto em Anatomia (dissecação de um cadáver ou parte dele) como em cirurgia (dissecação de uma artéria ou de uma veia). 12 Unidade I Dessa maneira, o ser humano estuda atividades relacionadas ao corpo humano em toda ocasião, pois fazem parte de seu âmago essas atividades que se remetem ao movimento. Com isso, foi edificando e fazendo a sua própria história. Do mesmo modo, isso se caracteriza com uma autoexpressão do homem. Na história, a percepção materialista-dialética profere que o homem se usou do movimento para proporcionar valor a sua vida, e ao se realizar esse elo acabou não transformando apenas a natureza, mas a “natureza” de si próprio. A partir disso, foi se formando cada vez mais e com o uso de gestos, habilidades e movimentos garantiu a sua sobrevivência na natureza, gerando algo cultural e expressivo para a história da humanidade. A partir de um conhecimento enraizado e posteriormente obtido, o profissional de Educação Física estará mais assegurado para com o seu trabalho, pois poderá, na maioria das vezes, a partir de uma ciência internalizada por meio do estudo, impedir que existam lesões e/ou sequelas por parte de seus alunos a partir de uma prática imprópria ou execução equivocada de movimentos. O texto que se segue, a Oração ao cadáver desconhecido, de Karel Rabistansky, é direcionado aos estudantes de Anatomia Humana. Portanto, caros alunos de Educação Física, leiam, releiam e reflitam. Ao te curvares com a rígida lâmina de teu bisturi sobre o cadáver desconhecido, lembra-te que este corpo nasceu do amor de duas almas, cresceu embalado pela fé e pela esperança daquela que em seu seio o agasalhou. Sorriu e sonhou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens. Por certo amou e foi amado, esperou e acalentou um amanhã feliz e sentiu saudades dos outros que partiram. Agora jaz na fria lousa, sem que por ele se tivesse derramado uma lágrima sequer, sem que tivesse uma só prece. Seu nome, só Deus sabe. Mas o destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir à humanidade. A humanidade que por ele passou indiferente (RABISTANSKY, 1976). A história da Anatomia Humana é análoga à da Medicina. De fato, a preocupação pela estrutura do corpo foi estimulada pelo anseio dos profissionais da área da Saúde em esclarecer uma disfunção orgânica do corpo. Em contrapartida, diversas religiões reprimiram o estudo da Anatomia Humana por meio das restrições atribuídas à dissecação humana e das evidências nas explanações não científicas para as doenças e fraquezas. Durante séculos, o interesse inato dos indivíduos nos seus próprios corpos e capacidades físicas deparou várias maneiras de demonstração. Os gregos estimulavam as provas atléticas e apregoavam a perfeição do corpo nas suas esculturas, conforme ilustra a figura a seguir: 13 ANATOMIA Figura 1 – Discóbolo de Mirón. É uma célebre estátua do escultor grego Mirón produzida em torno de 455 a.C. que representa um atleta momentos antes de lançar um disco. Os gregos antigos já tinham o conhecimento do nu artístico e apreciavam a boa forma física, logo davam destaque ao retratar a musculatura dos corpos, principalmente o corpo masculino Observação O Discóbolo de Mirón também é o símbolo da Educação Física aprovado pelo Conselho Federal de Educação Física (Confef). Muitos dos grandes mestres do Renascimento retrataram figuras humanas em suas artes. Realmente, alguns desses artistas eram magníficosanatomistas porque a apreensão deles com as minúcias pedia que fossem. Michelangelo foi um artista genial que captou o luxo da forma humana em esculturas como David, conforme ilustra a figura a seguir, e em pinturas como as da Capela Sistina. O estudo da história da Anatomia nos auxilia a contemplar a ciência importante que é atualmente. Figura 2 – David, de Michelangelo Buonarroti 14 Unidade I 1.1 Período Pré‑Científico É possível que um tipo de anatomia comparada prática seja a ciência mais antiga. Os primórdios do conhecimento anatômico mediante elementos e inscrições datam da Pré-história, e é provável deduzir que já nesse período havia algumas informações anatômicas. Elas foram eternizadas ao longo da história, por exemplo, através de desenhos que representam a anatomia humana encontrados nas montanhas de Tassili-n-Ajjer, no Saara argelino, e datados de aproximadamente 3 mil anos antes da Era Cristã, conforme ilustra a figura a seguir: Figura 3 – Pinturas rupestres 1.2 Período Científico O Período Científico inicia com os registros de observações anatômicas feitas na antiga Mesopotâmia cerca de 3.000 anos atrás em blocos de argila e em escrita cuneiforme e segue até os nossos dias. De modo óbvio, todas as colaborações do passado para a ciência da Anatomia não podem ser especificadas; contudo, certos indivíduos e culturas tiveram um extraordinário impacto e serão comentados rapidamente nesta unidade. 1.2.1 Mesopotâmia e Egito Na Mesopotâmia, o olho é a parte constituinte do corpo humano que se dialoga com o mundo, fato destacado nas pinturas. Em exceção ao tronco, que ficava de forma frontal, a cabeça, as pernas e os pés encontravam-se de perfil. As esculturas que eram produzidas não incluíam muitas minúcias anatômicas; entretanto, demonstravam um corpo rígido. No Antigo Egito, o progresso das técnicas de embalsamamento obrigou, e motivou, o estudo da anatomia humana. Apesar de suas carências, os médicos egípcios julgavam que o coração era o centro 15 ANATOMIA motor do corpo humano, pois descreviam que ele falava, batia e pulsava. Eis como os egípcios referiam o papel do coração: Começo do segredo do médico: conhecimento da anatomia do coração. Há neles vasos (indo) a todos os membros. Quando qualquer médico da deusa Sekhmet, ou qualquer mágico coloca seus dedos na testa, na nuca, ou nas mãos ou sobre o próprio coração, ou sobre os dois braços, ou sobre as duas pernas, ou em qualquer parte, sente qualquer coisa do coração, porque os vasos deste vão a todos os membros (PAULA, 1962). Os grandes discípulos dos egípcios serão os gregos, que irão se saciar nos conhecimentos daqueles que habitam as regiões do Nilo desde Hipócrates até Galeno. Figura 4 – A deusa Sekhmet 1.2.2 Grécia Antiga Para os gregos, o conhecer (o espetáculo, a inteligência) tem prioridade sobre o operar (a ação, o prático). A propriedade básica do pensamento grego está no dualismo das relações entre a realidade empírica e um absoluto que a esclareça, na separação entre Deus e o mundo. O resultado desse dualismo é o irracionalismo, que produz sustentação à serena compreensão grega do mundo e da vida. O mundo real dos indivíduos depende de Deus, porém nunca pode chegar até ele, porque dele não dimana. Deus é o absoluto racional, todavia não cuida do mundo e da humanidade, que não criou, não distingue e nem governa. Para os gregos, a humanidade era governada pelo acaso, isto é, pela necessidade irracional. Esta concepção de mundo era, assim, marcada pelo pessimismo, um pessimismo desesperado, razão pela qual foi considerado como período trágico. Aristóteles, conforme ilustra a figura a seguir, ao longo da vida, escreveu mais de mil obras. Do ponto de vista de nosso mérito, seus maiores trabalhos são História dos animais, As partes dos animais e A geração dos animais. Nesses trabalhos, desenvolveu teorias coesas sobre geração e hereditariedade e sugeriu a Anatomia Comparada, embora ele nunca tenha dissecado um corpo humano. 16 Unidade I Figura 5 – O pintor renascentista Rafael demonstrou seu domínio da perspectiva linear na Escola de Atenas. O ponto central de fuga fica entre Platão e Aristóteles Conforme mencionamos anteriormente, Aristóteles dá belas descrições de alguns órgãos, sob o ponto de vista da Anatomia Comparada. Essas descrições foram fortuitamente ilustradas com desenhos, que são as primeiras figuras anatômicas de que se tem conhecimento. Entre seus erros anatômicos, merece destaque sua rejeita em dar grande relevância ao cérebro. A superioridade, segundo ele, reside no coração, sede também da inteligência, conceito contrário à da maioria dos médicos escritores de seu período. Não é de todo incerto que Aristóteles tenha efetuado experimentos sobre o cérebro e observado tal falta de sensibilidade. Assim, considerou-o simplesmente um meio para resfriar o coração e impedir seu superaquecimento. Segundo ele, esse processo de resfriamento era motivado pela secreção da fleuma. Aristóteles era, via de regra, muito mais fraco em Fisiologia do que em Anatomia. Portanto, não sabia as diferenças entre artérias e veias, e cria que as artérias contivessem ar, além de sangue. Por mais de dois mil anos, a filosofia aristotélica, de forma mais ou menos modificada, estabeleceu a principal referência intelectual da humanidade. Foi Alcmaéon, retratado na figura a seguir, quem escreveu a primeira obra de Anatomia. Ele dissecou a trompa de Eustáquio, os nervos ópticos e o olho, que propunha ser feito de água (oriunda do cérebro e com facilidade encontrada ao dissecá-lo) e fogo (notado quando o olho é ferido). Assim, sugeriu uma teoria da visão, segundo a qual existiria no olho um “fogo interno”. 17 ANATOMIA Figura 6 – O busto de Alcmaéon é um produto de cerâmica datada do século XIX. Faz parte da coleção Pazzini do Museu de História da Medicina, na Universidade de Roma Observação Vários anatomistas imortalizaram seus nomes criando uma série de epônimos, ou seja, diversas estruturas anatômicas receberam denominações em homenagem aos primeiros anatomistas que as descreveram. Assim, nós temos, como exemplos, o polígono de Willis e a trompa de Eustáquio. Quando consultadas pelos seus ginecologistas, caso ele comente sobre as glândulas de Bartholin, o fundo de saco de Douglas e as trompas de Falópio, nada mais passará do que as seguintes estruturas anatômicas: as glândulas vestibulares, a escavação retouterina e as tubas uterinas, respectivamente. Lembrete Epônimo é o termo anatômico gerado a partir do nome de uma pessoa. O epônimo visava homenagear o cientista que descobrisse ou primeiro descrevesse determinada estrutura anatômica. Saiba mais Sobre o assunto, leia o artigo: BEZERRA, A. J. C.; BEZERRA, R. F. A. Epônimos de uso corrente em Anatomia Humana: um glossário para educadores físicos. Revista Brasileira de Ciências e Movimento, Brasília, v. 8, n. 3, p. 47-51, 2000. Disponível em: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/RBCM/article/view/369/421. Acesso em: 1º abr. 2018. 18 Unidade I Alcmaéon considerava o cérebro a sede das sensações e o centro da vida intelectual, informações que mais tarde se consumiram. Todos os órgãos do sentido estariam ligados ao cérebro, o centro da memória e o centro do saber. Cria que também o espermatozoide aí se originava a partir dos 14 anos de idade. Hipócrates, retratado na figura a seguir, é considerado o pai da Medicina ocidental, entretanto na área da Anatomia nada alcançou de importante. Provavelmente foi o precursor do estudo da anatomia constitucional. Ele acreditava que o encéfalo não apenas estava compreendido nas sensações, como seria a sede da inteligência. Hipócrates foi o primeiro a estabelecer uma relação entre o cérebro e a doença sagrada, a epilepsia. Figura 7 – Escultura facial de Hipócrates, Museu Arqueológico de Atenas Embora Hipócrates, supostamente, tivesse restrita orientação em dissecações humanas, ele foi bem conduzido na afamada Teoria Humoral de organizaçãodo corpo. Através dessa teoria eram identificados quatro humores no corpo, e cada um deles era agregado a um órgão em especial: sangue com o fígado; cólera, ou bile amarela, com a vesícula biliar; fleuma com os pulmões; e melancolia, ou bile preta, com o baço. Acreditava-se que um indivíduo teria um equilíbrio dos quatro humores, conforme ilustra a figura a seguir: Figura 8 – Esquema do sistema cardiovascular de acordo com os gregos antigos. Note a presença de dois vasos paralelos oriundos no fígado e no baço, interligados ao coração no tórax, aos membros inferiores e à cabeça. Repare o coração com um poro no septo interventricular conectando ao VD e o VE, dois vasos conectados ao VD e um vaso conectado ao VE vindo dos pulmões. O VD é maior do que o esquerdo, ao passo que o VE é mais espesso do que o direito. O VD contém sangue, ao passo que o VE é preenchido com ar e bile amarela, de acordo com o Corpus Hippocraticum. VE: ventrículo esquerdo; VD: ventrículo direito; SIV: septo interventricular 19 ANATOMIA Observação Você sabia que os quatro humores fazem parte de nossa linguagem e da clínica médica nos dias atuais? Melancolia é um termo utilizado para descrever depressão ou desânimo de um indivíduo, enquanto melano se alude a um semblante obscuro ou pálido. O prefixo melano significa preto. Cólera é uma patologia intestinal que causa diarreia e vômito. Fleuma no interior do sistema respiratório é sinal de diversas doenças pulmonares. Quando Atenas perdeu sua liberdade, o centro científico passou para Alexandria, no Egito, onde, pela primeira vez, a Anatomia tornou-se uma disciplina. Os dois primeiros e maiores professores foram Herófilo e Erasístrato, que principiaram o denominado período alexandrino da Anatomia. Herófilo, representado na figura a seguir, é visto como o “açougueiro de homens”, pois ele realizava vivissecção em criminosos da prisão real. Estima-se que ele dissecou mais de 6 mil seres humanos, muitas vezes em demonstrações públicas (“sem dúvida, o melhor método para aprender”, escreveu Celsius, consentindo). Fez a primeira distinção clara entre artérias e veias e ampliou os estudos sobre a pulsação, que considerava um processo ativo das próprias artérias. Herófilo reconheceu o cérebro, definitivamente, como o órgão central do sistema nervoso e sede da inteligência. Dividiu os nervos em motores e sensitivos, e descreveu as meninges. Ampliou, ainda, o conhecimento sobre outras partes do cérebro, distinguindo o cérebro, o cerebelo e o IV ventrículo. Os termos próstata e duodeno são derivados dos empregados por ele. Fez também a primeira descrição dos vasos quilíferos do intestino. Figura 9 – Herófilo, a primeira dissecação. Entrada Principal da Nouvelle Faculté de Médecine Paris Observação Vivissecção é a dissecação ou operação cirúrgica em animais vivos, para estudo de alguns fenômenos anatômicos e fisiológicos. 20 Unidade I Erasístrato, representado na figura a seguir, atentava-se mais às funções do corpo humano do que à estrutura e é muitas vezes chamado de Pai da Fisiologia. Aperfeiçoou os dados sobre o cérebro e o cerebelo, os quais considerou a sede da alma. Entre suas diversas descrições ele determinou a substância cerebral, e não a dura-máter como a origem dos nervos cranianos; estabeleceu o cérebro e o cerebelo como órgãos parenquimatosos; e descreveu os ventrículos encefálicos. Juntamente com Herófilo, determinou que o número de giros está relacionado com a inteligência humana. Era um racionalista e se declarava inimigo de todo misticismo. Teve, todavia, que usar a ideia de Natureza como força externa, a moldar os objetivos para os quais o corpo age. Erasístrato compreendeu a ação dos músculos na produção do movimento. Atribuiu o encurtamento dos músculos à sua distensão pelo espírito animal. Figura 10 – Erasístrato Entretanto, o esplendor das descobertas anatomopatológicas de Herófilo e Erasístrato tombou em infortúnio com a suspeita de que escravos e condenados à morte haviam sido dissecados vivos após a autorização de Ptolomeu I. Uma passagem de Machado de Assis em Contos alexandrinos cita a história de dois filósofos: Stroibus e Pítias. Tinham sido escalpelados cerca de cinquenta réus, quando chegou a vez de Stroibus e Pítias. Vieram buscá-los; eles supuseram que era para a morte judiciária, e encomendaram-se aos deuses. De caminho, furtaram uns figos, e explicaram o caso alegando que era um impulso da fome; adiante, porém, subtraíram uma flauta, e essa outra ação não a puderam explicar satisfatoriamente. Todavia, a astúcia do larápio é infinita, e Stroibus, para justificar a ação, tentou extrair algumas notas do instrumento, enchendo de compaixão as pessoas que os viam passar, e não ignoravam a sorte que iam ter. A notícia desses dois novos delitos foi narrada por Herófilo, e abalou a todos os seus discípulos (MACHADO DE ASSIS, 1884, p. 6). Observação Os anatomistas pretendiam saber se “nervo do furto” residia na palma das mãos. Pelo que se diz, Herófilo dissecou primeiro Stroibus e a seguir Pítias durante oito dias. 21 ANATOMIA 1.2.3 Roma O interesse do estado em Roma fundamentava-se em sua arte, que era caracterizada como sendo objetiva, e para a representação do poder de forma realista esculpiam-se rostos de autoridades, conforme ilustra a figura a seguir. Para que os corpos fossem mitificados e divinizados em paredes de casas era usada a pintura mural. Figura 11 – Júlio César, busto no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles Em muitos aspectos, Roma inclui os progressos científicos e as bases para a Idade das Trevas. O questionamento científico perfaz a teoria pela prática durante esse período. Foram realizadas algumas dissecações de cadáveres humanos, tendendo mais a determinar a razão da morte em casos criminais. A medicina não era preventiva, contudo confinava-se, quase sem exceção, ao tratamento de soldados lesados em combates. Nos últimos tempos da história romana, as leis eram postas evidenciando a autoridade da Igreja na prática médica. De acordo com as leis romanas, por exemplo, nenhuma gestante morta poderia ser sepultada sem a retirada do feto do útero de maneira que pudesse ser batizado. As circunstâncias que cercam a morte de Agripina são duvidosas por causa dos contrassensos nas fontes e pelo viés anti-Nero que elas apresentam. Nero arquitetou um navio cujo fundo se afastaria quando estivesse no mar, e Agripina foi colocada a bordo. Quando o fundo se abriu, ela caiu no mar, mas conseguiu nadar até a margem e, por isso, Nero enviou um assassino para matá-la. O imperador afirmou que ela havia tentado assassiná-lo e depois se suicidou. Suas hipotéticas palavras finais ao assassino quando estava prestes a matá-la foram “Ataque meu útero!”, insinuando que ela almejava ver destruída primeiro a parte de seu corpo que tinha gerado um “filho tão abominável”, conforme ilustra a figura a seguir, em uma associação de ideias entre as palavras de Agripina e a xilogravura de Guilherme de Lorris: 22 Unidade I Figura 12 – Imperador Nero assistindo à dissecação de sua mãe Aggrippina. Ela ainda está viva e suas mãos estão amarradas com uma corda Considerado o príncipe dos médicos, Galeno, representado na figura a seguir, foi uma figura fundamental na história da Medicina. Como a dissecação humana era banida, ele não dissecava cadáveres humanos, porém humanizava por aproximação, talvez a causa de seus erros anatômicos. Figura 13 – Galeno. Fotografias do busto do Museu Nacional de Nápoles, Itália (à esquerda) e de gravura na Biblioteca Nacional de Medicina, Washington, DC (à direita) Em seres humanos, Galeno usufruía para fazer pesquisas vendo feridas profundas ou estudando cadáveres de indigentes encontrados eventualmente. As principais descrições dele encontram-se no campo do sistema nervoso, do esqueleto humano, do sistema muscular e do sistema circulatório, conforme ilustra a figura a seguir: 23 ANATOMIA Figura 14 – Livro de Galeno.Ossibus doctissima et expertissima commentaria. Ossículos da orelha (círculo branco) Galeno descreveu o esterno com sete peças, assim como as costelas com as quais se articula. Descreveu também a cartilagem tireóidea, com o nome de Chondros Thyreoides, semelhante ao escudo cretense. Em nenhum tempo, o status de um homem prevaleceu de maneira tão profunda em uma ciência como o de Galeno na Medicina. Suas inspirações prorrogam-se pelos próximos 13 séculos através da Idade Média até o século XVI, sendo que as obras de Galeno determinam os princípios dos dados anatômicos. Era uma obrigação religiosa entre os gregos e os romanos cobrir com terra qualquer osso humano encontrado por casualidade. Apenas os condenados e os suicidas poderiam ficar sem enterro. Entre os gregos existia a crença de que as almas dos mortos haviam de vagar pelas margens rio Estige, o “rio da imortalidade”, conforme ilustra a figura a seguir, até que seus corpos tivessem sido enterrados. Figura 15 – Caronte é o clássico barqueiro dos mortos na mitologia grega. Ele estava encarregado de realizar a travessia do rio Estige e só transportava almas que tivessem sido enterradas com uma moeda debaixo da língua, com a qual poderiam pagar a travessia. Dentro do rio estão os condenados pelo pecado da ira. Ilustração de Gustave Doré (século XIX) http://pt.wikipedia.org/wiki/Imortalidade 24 Unidade I Saiba mais Se você quiser aprofundar suas leituras sobre esses temas, leia: KICKHÖFEL, E. H. P. A lição de anatomia de Andreas Vesalius e a ciência moderna. Scientiæ Zudia, v. 1, n. 3, p. 389-404, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S1678-31662003000300008>. Acesso em: 5 jun. 2018. ALVES, M. V. A medicina e a arte de representar o corpo e o mundo através da anatomia. In: BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL. Arte médica e imagem do corpo: de Hipócrates ao final do século XVIII. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2010. p. 31-50. Disponível em: <http://www.fcsh.unl. pt/chc/pdfs/nature4.pdf>. Acesso em: 5 jun. 2018. CHEREM, A. J. Medicina e arte: observações para um diálogo interdisciplinar. Revista Acta Fisiátrica, v. 12, n. 1, p. 26-32, 2005. Disponível em: <http://www.actafisiatrica.org.br/detalhe_artigo.asp?id=240>. Acesso em: 5 jun. 2018. CHIARELLO, M. Sobre o nascimento da ciência moderna: estudo iconográfico das lições de anatomia de Mondino a Vesalius. Scientiae Studia, v. 9, n. 2, p. 291-317, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-31662011000200004>. Acesso em: 5 jun. 2018. 1.2.4 A contribuição do povo islame O período entre a morte de Galeno e a primeira tradução de uma obra de material médico no século XI, no Mosteiro de Monte Cassino, sul da Itália, estabeleceu a “Idade das Trevas” da Anatomia. Crê-se que tanto o estilo de vida quanto os sentimentos nutridos pela sociedade medieval frente ao corpo humano teriam movido ao processo de redução da edificação de saberes que abrangeu a Anatomia, a Medicina e outras áreas do saber. Os séculos X e XI foram marcados pelo aumento demográfico associado à expansão territorial empreendida pelas Cruzadas Religiosas, o que possibilitou o renascimento comercial. Com a retomada das atividades comerciais e a instauração de espaços urbanos, as universidades multiplicaram, com a finalidade de acatar às necessidades de conhecimentos por parte dos comerciantes, no processo de expansão de seus negócios. Do mesmo modo, a própria maneira de organização social que nascia bradava por certos serviços, como aqueles relativos à jurisprudência e à medicina. Em um clima essencialmente escolástico, o ensino das universidades, assim como o ensino da Anatomia, era comumente abalizado nas traduções de textos árabes, como os tratados de Avicena, 25 ANATOMIA retratado na figura a seguir. Como a observação da natureza ainda era inadvertida nessa época, não existia instrumentação prática em Anatomia. Figura 16 – Estátua de Avicena Avicena organizou e sistematizou os saberes de Hipócrates e Galeno – os três estão retratados na figura a seguir – em um compêndio de Medicina considerado uma obra majestosa que ficou marcada como Cânon. Este foi publicado pela primeira vez apenas em 1492 e é uma mistura de saberes médicos islâmicos e gregos. O Cânon foi o primeiro livro médico a mostrar a reparação de tendões em um período em que esse tratamento era equivocadamente contraindicado. Figura 17 – Os três maiores professores da antiguidade em Medicina 1.2.5 O Renascimento A fase conhecida como Renascimento foi determinada pela vida nova das ciências. O Renascimento foi introduzido nas grandes universidades europeias localizadas em Bolonha, Salerno, Pádua, Montpellier e Paris. Apenas no Renascimento seriam aceitos, ainda que com certa cautela e dignidade, os procedimentos de violação do corpo por meio de estudos de cadáveres. 26 Unidade I Com o aumento pelo mérito na anatomia durante o Renascimento, a aquisição de cadáveres para a dissecação se tornou um problema grave. Estudantes médicos cometiam repetidamente a invasão de sepulturas para saqueá-los, até que um decreto oficial foi expedido, possibilitando utilizar os corpos de criminosos executados com espécimes. As aulas de Anatomia aconteciam num teatro anatômico, conforme ilustra a figura a seguir: Figura 18 – Teatro anatômico de Pádua, vista panorâmica O teatro anatômico deveria ser vasto e arejado, com bancos organizados em círculos, como os do Coliseu Romano, possibilitando a posição de muitos alunos sem importunar os movimentos do maestro, o cirurgião. O cadáver era colocado em uma mesa no centro do teatro e os instrumentos em outra, próxima à primeira. Os professores de Anatomia pronunciavam as suas aulas de cátedras um pouco distante do local do cadáver. A frase: “Eu não devo tocá-lo com uma vara de 10 pés” possivelmente originou-se durante esse período em menção ao odor de um cadáver em deterioração. Saiba mais Você gostaria de saber um pouco mais sobre o tema teatro anatômico? Pois bem, leia o artigo a seguir: PIAZZA, M. J. Palazzo del Bò e o teatro anatômico. Femina, v. 40, n. 5, p. 235-236, 2012. Do século XIII ao início do século XVI, os progressos no conhecimento anatômico foram morosos, fundamentados na contínua revisão e extensão de tratados preexistentes. A Anatomia Macroscópica foi privilegiada nessa época; contudo, para seu desenvolvimento foi imprescindível o aperfeiçoamento das técnicas de observação, de dissecação, de descrição e de ilustração, assim como o gradual refinamento terminológico, processo para o qual Mondino de Luzzi, retratado na ilustração a seguir, é considerado o precursor. 27 ANATOMIA Figura 19 – Anatomia de Mondino, xilogravura Do século XIII ao século XVI, o desenvolvimento da Anatomia concentrou-se no cenário italiano e ampliou-se para outros países, em agravo do decreto pontifício propagado em 1300. Sua inserção enquanto disciplina nas universidades foi regularizada também pelo refinamento das formas de representação das estruturas corporais concebidas pelo processo de ilustração do corpo, o que se tornou possível devido à influência do naturalismo na arte italiana. Assim, artistas como Leonardo da Vinci e Michelangelo estavam entre os primeiros a efetuar o estudo científico da anatomia humana, devido ao seu interesse na forma humana. Além disso, a invenção da impressão tornou os livros facilmente acessíveis, e as ilustrações necessárias para anatomia poderiam naquele momento ser mais naturalmente reproduzidas e distribuídas. A escrita invertida é uma característica das observações do canhoto Leonardo da Vinci em seus desenhos. Da Vinci foi sem dúvida o artista mais astuto, produzindo centenas de desenhos anatômicos feitos a partir de dissecações. Suas contribuições, do ponto de vista anatômico, só podem ser elencadas retrospectivamente, mas a precisão e a objetividade de suas ilustrações inspiram, ainda nos dias atuais, a construçãode novos esquemas anatômicos. Ele ponderou o homem como o centro do universo, distendendo a figura humana em duas formas geométricas, uma em relação ao quadrado e a outra em relação ao círculo, sendo que a unidade melodiosa seria dada pelo conjunto. Seu ponto de partida foram os escritos do arquiteto e do engenheiro militar Marco Vitrúvio, o qual constituíra no século I antes de Cristo a doutrina que relacionava a proporcionalidade da soberba arquitetura com as do homem de boa conformação, conforme ilustra a figura a seguir: 28 Unidade I Figura 20 – O homem de Vitrúvio, de Leonardo da Vinci Uma das mais apreciadas imagens plásticas do Renascimento, pintada na Capela Sistina por Michelangelo entre 1508 e 1512, apresenta entre elas A criação de Adão, conforme ilustra a figura a seguir. Nesse afresco observamos que os membros superiores são simétricos e têm uma composição muito semelhante, fazendo referência à passagem bíblica “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança” (Gênesis, 1:27). De tal modo, através dessa simetria, Michelangelo põe um equilíbrio entre os dois lados do afresco, entre a figura divina e a figura humana. Figura 21 – A criação de Adão, de Michelangelo Buonarroti 29 ANATOMIA Saiba mais Em meio aos afrescos que pintou no teto da Capela Sistina, Michelangelo espalhou ossos, nervos, músculos, vísceras, artérias e órgãos humanos que ficaram escondidos desde 1512, quando o gênio renascentista concluiu o trabalho encomendado pelo Papa Júlio II. Você irá se deliciar com a leitura recomendada dos segredos ignorados durante quase cinco séculos e desvendados por dois pesquisadores da Unicamp, que conseguiram identificar e decifrar um código criado pelo artista para revelar as peças anatômicas pintadas de forma disfarçada nas imagens principais. Para isso, acesse o link a seguir e boas descobertas! LEVY, C. Pesquisadores dissecam lição de anatomia de Michelangelo. Jornal da Unicamp, p. 21-27, jun. 2004. Disponível em: <http://www.unicamp.br/ unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju256pag12.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2018. Na história da Anatomia, o século XVI mostra-se de grande relevo em razão da obra do anatomista Andreas Vesalius, considerado o Pai da Anatomia. No cenário italiano, Vesalius revelou-se um ferrenho defensor da técnica da dissecação, que considerava como a única forma de se conhecer realmente o corpo humano. O intuito de sua obra era, a partir da dissecação sistemática de cadáveres, abandonar o caráter “revisionista” que prevalecia nas investigações anatômicas. Seu estudo intitulado De humani corporis fabrica foi concluído em 1543 (veja as figuras a seguir). O impacto que causou se deveu tanto ao nível de apuração dos detalhes anatômicos abarcados por suas ilustrações quanto pelo veio artístico de sua obra, de caráter tipicamente renascentista, acrescida de influências galênicas, naturalistas e escolásticas. Figura 22 – Ilustração da obra De humani corporis fabrica 30 Unidade I Figura 23 – Ilustração da obra De humani corporis fabrica Figura 24 – Ilustração da obra De humani corporis fabrica O grande valor das práticas e das informações preconizadas por Vesalius prosseguiu no século seguinte, sendo que os seus estudos ganharam evidência em telas. Um exemplo é a Lição de Anatomia do Dr. Tulp, pintada por Rembrandt em 1632 (veja a figura a seguir). 31 ANATOMIA Figura 25 – A lição de Anatomia do Dr. Tulp, de Rembrandt Em A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, o morto retratado era Adriaen Adriaansz, conhecido como o “Garoto”, um deficiente mental com grave dismorfismo corporal, correspondendo quase a um anão, que após roubar várias vezes, foi enforcado. Personagens ilustres assistiram à dissecação do cadáver de Adriaen, como o anatomista amador e filósofo René Descartes e o médico inglês Thomas Brown. Sabendo que os artistas pós-renascentistas já não recorriam às dissecações, embora reconhecessem a importância de tais conhecimentos, é valido enfatizar que essa aula com sete alunos anatomistas é de demonstração. Portanto, não ocorre uma dissecação anatômica, e a tela contém alguns erros anatômicos, descritos a seguir: • O comprimento do membro superior esquerdo é bem maior que o do direito. • Os músculos flexores superficiais do antebraço estão originando erradamente do epicôndilo lateral em vez do epicôndilo medial, o que sugere o desconhecimento de Rembrandt sobre Anatomia, conforme ilustra a figura a seguir: Figura 26 – Detalhe dos tendões bifurcados dos músculos flexores superficial e profundo dos dedos • O raio X da pintura indica que inicialmente a mão direita do cadáver não tinha dedos. Rembrandt pintou-a posteriormente com base na mão de outra pessoa. Entretanto, consiste em uma mão delicada, com unhas bem cortadas, nada lembrando a de um ladrão. 32 Unidade I Saiba mais Momento para relaxar! Aproveite e leia o livro a seguir: SIEGAL, N. A lição de Anatomia. Rio de Janeiro: Rocco, 2017. Nele você saboreará uma porção da história e perceberá como a arte e a ciência muitas vezes embarram seus caminhos na brutalidade. 1.2.6 As ciências contemporâneas As contribuições para a ciência anatômica durante o século XX não foram tão magníficas quanto o eram no período em que pouco se sabia sobre a estrutura do corpo humano. O estudo da Anatomia se aperfeiçoa cada vez mais por meio das especializações, e as pesquisas se tornaram mais minudenciadas e mais complexas. Podemos afirmar que, infelizmente, um ponto negativo ocorreu no período da Segunda Grande Guerra Mundial, momento em que as polêmicas bioéticas, abrangendo as experiências com seres humanos, tomavam corpo com o processo de Nuremberg, em que anatomistas alemães foram denunciados de utilizar corpos de vítimas do holocausto para as pesquisas anatômicas, assim como foram realizadas diversas acusações da presença da suástica nazista nas páginas de alguns atlas anatômicos do período. Joseph Mengele talvez tenha sido o “cientista” mais carniceiro de Hitler: seus experimentos custaram a vida de cerca de 400 mil pessoas em Auschwitz. Mengele injetou tinta azul em olhos de crianças, uniu as veias de gêmeos, amputou membros de prisioneiros e dissecou anões vivos em seu laboratório. “Sou, sem dúvida, o único que conhece por completo a fisiologia humana, porque faço experiências em homens e não em ratos”. Era o que proferia com ar de orgulho Sigmund Rascher, responsável pelo campo de concentração de Dachau. Lá ele se utilizava de cobaias humanas vivas para seus experimentos. O médico da renomada Universidade de Estrasburgo, August Hirt, utilizou cerca de 80 corpos em estudos anatômicos para determinação da superioridade do povo ariano. Para muitos especialistas em Anatomia, o Atlas Pernkopf (veja a figura a seguir), produzido com base na dissecação de corpos de 1.377 prisioneiros, é o melhor trabalho ilustrado sobre Anatomia Humana já efetuado na história. Para outros, é um livro questionável e póstumo que, ao lado de suásticas, traz a seguinte frase: “feliz conjunção de ilustradores brilhantes e corpos de criminosos executados”. 33 ANATOMIA Figura 27 – Capa do Atlas Pernkopf A partir de 1977, uma nova técnica de preparação de peças anatômicas foi elaborada. Essa descoberta foi realizada pelo médico e professor da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, Gunther Von Hagens, o qual se intitula “Vesalius do século XXI”, que inventou e desenvolveu o processo batizado por Gunther de plastinação, conforme ilustra a figura a seguir, que incide numa maneira moderna de mumificação, fazendo com que os cadáveres tenham uma elevada resistência. A plastinação é outro aspecto que envolve polêmicas bioéticas. A partir dela, os “espécimes” inodoros, secos e quase eternos estão sendo vastamente utilizados como modelos de anatomia em exposições e faculdades de Medicina. Milhões de desconhecedores já testemunharam corpos dissecados em uma das “fantásticas” exposições de anatomia pelo mundo, e um novo mercado on-line de “espécimes”humanos plastinados está aumentando. Figura 28 – Cadáver plastinado, musculatura e pele 34 Unidade I Saiba mais Para conhecer as novas técnicas de preservação de peças anatômicas, leia: ANDREOLI, A. T. et al. O aprimoramento de técnicas de conservação de peças anatômicas: a técnica inovadora de plastinação. Revista EPeQ/ Fafibe, 4. ed., p. 81-85, 2012. Disponível em: <http://www.unifafibe.com. br/revistasonline/arquivos/revistaepeqfafibe/sumario/24/20112012215831. pdf>. Acesso em: 31 mar. 2018. KIM, J. H. Exposição de corpos humanos: o uso de cadáveres como entretenimento e mercadoria. Mana, v. 18, n. 2, p. 309-348, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S0104-93132012000200004>. Acesso em: 31 mar. 2018. Os artigos apresentam uma nova técnica de preparação de peças anatômicas desenvolvidas e criadas por Gunther Von Hagens, processo batizado por ele de plastinação. A técnica consiste numa forma moderna de mumificação que faz com que os corpos tenham uma alta durabilidade. A Anatomia Humana sempre será uma ciência relevante. Ela não apenas aperfeiçoa nosso entendimento individual do funcionamento do corpo humano como também é fundamental no diagnóstico clínico e no tratamento das doenças. A Anatomia Humana já não está mais restringida à observação e à descrição das estruturas isoladamente, pois se ampliou para compreender as complexidades de como o corpo humano age como um todo integrado. A ciência da Anatomia é dinâmica e permanecerá ativa porque os dois aspectos do corpo humano, a estrutura e a função, são inseparáveis. Saiba mais Você gostaria de ler um pouco mais sobre o tema? GORDON, R. A assustadora história da medicina. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. A obra conta os eventos e as revelações que auxiliaram no desenvolvimento daquilo que se entende como Medicina e mostra seus pioneiros e precursores, como Hipócrates, o Pai da Medicina. Porém, não deixa de registrar todas as vezes que a ciência e as crendices geraram tratamentos que atualmente parecem ficção ou comédia. http://www.unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/revistaepeqfafibe/sumario/24/20112012215831.pdf http://www.unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/revistaepeqfafibe/sumario/24/20112012215831.pdf http://www.unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/revistaepeqfafibe/sumario/24/20112012215831.pdf http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132012000200004 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132012000200004 35 ANATOMIA Acesse também o link a seguir: UMA BREVE história da Anatomia Humana. UFCSPA, [s.d.]. Disponível em: <http://www.ufcspa.edu.br/index.php/historia-da-anatomia-humana>. Acesso em: 31 mar. 2018. Nele você assistirá a um vídeo e conhecerá um pouco mais sobre a História da Anatomia e o Museu de Anatomia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. 2 BASES GERAIS DA ANATOMIA A Anatomia Humana é conceituada a disciplina mais antiga da Medicina, tanto que, no começo, ambas se confundiam. Pelo menos no princípio, em tempos antiquíssimos, era possível saber Anatomia ou, pelo menos, ter alguns conhecimentos anatômicos para poder praticar a Medicina. Desde aquele tempo começou a ser oportuno o pensamento “Nulla Medicina sine Anatomia!”, ou seja, “Não há Medicina sem Anatomia!”. Ramo seco da Biologia, Ciência dos mortos, Ciência dos fósseis, A Anatomia morreu! Esses são os “versos” cantados aos quatro ventos por aqueles que julgam – quase – desnecessário o estudo da Anatomia. Para demonstrar este mal um caso pitoresco ocorreu no Brasil, quando um laureado com prêmio Nobel foi convidado a fazer conferências científicas e educacionais sobre “Atualização do Currículo Médico” o famoso professor, com toda a autoridade que um ganhador de prêmio Nobel pode ter, brindou a plateia com a seguinte mimosidade: “uma grande redução no currículo poderia ser feita à custa da Anatomia, pois para conhecer a anatomia dos homens, bastaria conhecer a anatomia do rato”. A grande vantagem que ele antevia era que a dissecação de um mamífero pequeno poderia ser feita em três dias, e não nos três anos necessários para dissecar o homem. Na discussão que se seguiu, um dos participantes da plateia perguntou: “se o orador fosse acometido por uma apendicite aguda, ele escolheria o cirurgião que tivesse dissecado um rato, ou um que tivesse dissecado um cadáver humano?” O orador fez uma longa pausa e honestamente confessou que ele escolheria o cirurgião que tivesse estudado anatomia no homem. O professor que fizera a pergunta retomou a palavra e parabenizou o orador pela sua excelente escolha, acrescentando: principalmente por que o rato não tem apêndice vermiforme (DI DIO, 1998, p. 28). A Anatomia divulga as bases da forma e da estrutura do corpo humano e de seus órgãos. A forma descreve a morfologia externa do indivíduo, de seus membros e órgãos. A estrutura respeita a organização interna dos órgãos e de seus componentes nos níveis macroscópico, microscópico, submicroscópico e molecular; o termo estrutura inclui a função. A Anatomia determina, ao lado http://www.ufcspa.edu.br/index.php/historia-da-anatomia-humana 36 Unidade I da Fisiologia e da Bioquímica, a base para a profilaxia, o diagnóstico, a terapia e a reabilitação de patologias. Observação Homeostase é a preservação de um ambiente interno moderadamente contínuo e adaptado para a sobrevivência das células e dos tecidos do corpo. Defeitos na preservação das circunstâncias homeostáticas indicam patologias. Os processos das patologias podem atingir primeiramente um tecido, um órgão ou um sistema específico, porém em última instância conduzirão a modificações de função ou na estrutura das células do corpo. Algumas patologias podem ser recuperadas pelas defesas corporais, outras exigem tratamento. Por exemplo, quando acontece um trauma e existe sangramento excessivo ou lesão de órgãos internos, o tratamento cirúrgico pode ser indispensável para resgatar a homeostase e impossibilitar problemas potencialmente letais. 2.1 Divisão da Anatomia: o(s) estudo(s) da Anatomia Além dos aproveitamentos na Medicina e das diversas formas de estudo da Anatomia, há uma leitura anatômica nas várias áreas da atividade humana. 2.1.1 Anatomia Macroscópica Refere as estruturas com dimensões maiores do que um milímetro, isto é, as estruturas que podem ser identificadas a olho nu ou com auxílio de uma lupa. A figura a seguir mostra a anatomia macroscópica de cadáver conservado com técnica MAR V. Figura 29 – Métodos do Museo de Anatomía de Rosario 37 ANATOMIA 2.1.2 Anatomia Microscópica Vai além das estruturas analisadas a olho nu e permite uma subdivisão mais detalhada do corpo. Visualiza estruturas com dimensões menores do que um milímetro. A Anatomia Microscópica divide- se em Citologia, estudo da estrutura e função da célula, e Histologia, estudo dos tecidos e anatomia microscópica dos órgãos. Lembrete A Anatomia Macroscópica estuda as estruturas do corpo humano a olho nu, enquanto a Anatomia Microscópica se utiliza de equipamentos como os microscópios. 2.1.3 Anatomia Artística A Anatomia Artística se presta ao estudo das proporções dos segmentos naturais do corpo humano, à configuração exterior, relacionando-a principalmente com ossos e músculos, estática e dinamicamente, para finalidades de escultura e pintura. Como exemplo de Anatomia Artística, a pintura de Mona Lisa, também conhecida como A Gioconda, é a mais notável e conhecida obra de Leonardo da Vinci. Figura 30 – Mona Lisa, de Leonardo da Vinci 2.1.4 Anatomia Comparativa A Anatomia Comparativa compara e inclui os planos estruturais de diferentes representantes do reino animal e busca regras relacionadas à forma. Outra função da Anatomia Comparativa é o confronto entre seres humanos e outros animais, com o intuito de encontrar formas homólogas, ou seja, iguais entre as espécies, e as heterólogas, ou seja, diferentes entre as espécies.38 Unidade I 2.1.5 Anatomia do Desenvolvimento ou Embriologia A Anatomia do Desenvolvimento é o estudo do conjunto de episódios que vão da fecundação de um ovócito secundário por um espermatozoide à formação de um organismo adulto. A gravidez é o conjunto de episódios que inicia com a fertilização, prossegue durante a implantação, desenvolvimento embrionário e desenvolvimento fetal, e, de modo ideal, termina com o nascimento de uma criança depois de aproximadamente 38 semanas, ou 40 semanas, depois da última menstruação. As figuras a seguir mostram os períodos embrionário e fetal, respectivamente. A fecundação ou fertilização consiste no encontro dos gametas feminino e masculino (ovócito secundário e espermatozoide) que acontece na ampola da tuba uterina. Embrião 52 dias Orelha Olho Nariz Membro superior Cordão umbilical Membro inferior Figura 31 – Período embrionário O período embrionário corresponde às primeiras nove semanas a partir do dia da fertilização. É aquele em que todos os órgãos e sistemas se formam (organogênese). Feto de 26 semanas Orelha Olho Nariz Membro superior Boca Membro inferior Figura 32 – Período fetal 39 ANATOMIA O período fetal inicia-se a partir da 10ª semana pós-fertilização e vai até o nascimento. Nessa fase o “nenê” será chamado de feto e os órgãos já constituídos sofrerão um processo de crescimento e amadurecimento, até se apresentarem em totais condições de funcionamento no final da gravidez. Saiba mais Acesse os links a seguir e estude os efeitos da gestação sobre o exercício e do exercício sobre a gestação: TORTORA, G. J. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. GODINHO, J. M. et al. Prevalência de desconfortos musculoesqueléticos no puerpério. CONGRESSO DE PESQUISA E EXTENSÃO DA FACULDADE DA SERRA GAÚCHA, 5, 2017. Anais... Caxias do Sul, 2017. Disponível em: <http://ojs.fsg.br/index.php/pesquisaextensao/article/view/2828>. Acesso em: 1º abr. 2018. 2.1.6 Anatomia Nepiológica ou Nepionatomia Anatomia Nepiológica ou Nepionatomia – do grego nepio ou nípio e latim infans, que significa o que não fala – é o estudo da anatomia da primeira infância. Constitui uma ligação entre o estudo de embriologia e o da anatomia de crianças, adolescentes e adultos jovens. 2.1.7 Anatomia do Adulto Estuda a estrutura do corpo humano após o seu completo desenvolvimento. É subdividida em masculina (entre 25 e 60 anos de idade) e feminina (entre 21 e 50 anos de idade). 2.1.8 Anatomia Gerontológica É o estudo da morfofisiologia do indivíduo idoso (acima de 60 anos de idade). Não deve ser confundida a Anatomia Gerontológica, que corresponde ao estudo do idoso normal, com a Geriátrica, pois esta estuda o idoso doente e faz parte, portanto, da Anatomia Patológica. 2.1.9 Anatomia Radiológica Existem diversas técnicas e procedimentos para obter imagens do corpo humano. Vários tipos de imagem permitem a observação de estruturas anatômicas no interior do nosso corpo e são cada vez mais benéficas para o diagnóstico exato de um amplo espectro de distúrbios anatômicos e fisiológicos. A “vovó” de todas as técnicas de imagem é a radiografia convencional (com raios X), em utilização desde o final da década de 1940. As tecnologias de imagem mais modernas, conforme ilustram as figuras a 40 Unidade I seguir, não apenas aperfeiçoam a capacidade diagnóstica como também elevaram nosso conhecimento da anatomia e da fisiologia normais. Figura 33 – Densitometria óssea da região lombar da coluna vertebral Figura 34 – Angiograma de um adulto apresentando obstrução da artéria coronária (seta) Saiba mais Leia as páginas 55 a 57 do livro: MARTINI, F. H.; TIMMONS, M. J.; TALLITSCH, R. B. Anatomia humana. Porto Alegre: Artmed, 2009. 41 ANATOMIA 2.1.10 Anatomia de Superfície A Anatomia de Superfície é a anatomia do indivíduo e limita a superfície do corpo humano. A experiência adquirida durante o estudo anatômico é aplicada aos métodos clássicos do exame clínico. A Anatomia de Superfície proporciona uma sensacional relevância nos cursos de investigação clínica. Os métodos clássicos de investigação clínica abrangem a inspeção, eficaz para a percepção de mudanças patológicas externas que insinuem a patologia do paciente ou até aceitem um “diagnóstico visual”; a palpação, isto é, a percepção pelo tato e que consente a avaliação de alterações estruturais ou volumétricas, especialmente de órgãos internos, e da sensibilidade à dor de alguma região, que indicam processos patológicos; a percussão, ou seja, golpes leves e desferidos pelos dedos sobre a superfície do corpo que provocam uma sonoridade na projeção dos órgãos internos. O som gerado difere, dependendo da consistência (conteúdo aéreo ou líquido), dos tecidos postos abaixo da pele e provê dados para a avaliação da posição e da projeção dos órgãos. A ausculta normalmente é realizada com o auxílio de um estetoscópio e permite a percepção de sons originados pela respiração e pelos batimentos cardíacos e os movimentos intestinais. As provas funcionais adicionais são, notadamente, executadas durante o exame do aparelho locomotor e do sistema nervoso. 3 CONCEITOS GERAIS 3.1 Conceitos gerais de Anatomia Sistêmica e Topográfica 3.1.1 Anatomia Sistêmica Para os estudantes que se principiam no estudo da Anatomia Humana, é justificável dar ideia da construção do corpo dos animais, adicionando a espécie humana, comparando-a à construção de um edifício. Em linhas gerais, seria a simples relação entre a Anatomia e a Arquitetura, saindo das “unidades” como as menores partes e chegando, pela sua agregação progressiva ao todo, corpo e edifício, concomitantemente. A comparação entre a construção de um animal e de um edifício inicia pelas suas unidades. As unidades de um edifício são os tijolos e as de um animal, no caso, o ser humano, são as unidades biológicas ou células (microscópicas). Tijolos semelhantes são arranjados de maneira a formar uma parede, e células semelhantes são arranjadas de maneira a formar um tecido. Cada tecido pode ser interpretado como um conjunto de células idênticas para exercer a mesma função geral. As paredes são arranjadas de maneira a compor uma sala ou um quarto, e os tecidos são agrupados de maneira a compor um órgão. Cada órgão é interpretado como “um instrumento de função”, sendo diferenciado pela origem, sede (situação), forma, estrutura e pelas suas relações. Além do mais, o corpo pode ser chamado de organismo, e a sua fábrica, sendo constituída de órgãos, é chamada de organização. Os quartos são compostos de maneira a formar um apartamento, e os órgãos estão agrupados para estabelecer um sistema. 42 Unidade I Cada sistema é interpretado como um conjunto de órgãos que têm as mesmas origens e estrutura, cujas funções especiais são unidas para a atuação de funções complexas. Os apartamentos são adjacentes ou verticalmente superpostos para constituir um edifício, e os sistemas estão agrupados de maneira a formar o organismo. Lembrete O estudo do organismo pode ser realizado por sistemas ou regiões. O organismo é assim interpretado como uma união de sistemas (orgânicos), podendo-se concluir, com as devidas notas, que a vida básica é a somatória das funções dos sistemas integrados. Por conseguinte, a Anatomia Sistêmica envolve o estudo indutivo macroscópico dos sistemas orgânicos analisados separadamente. Portanto, podemos enumerar os seguintes sistemas, do ponto de vista da Anatomia Sistêmica: • o sistema esquelético, que compreende o estudo dos ossos, as cartilagens, as uniões entre os ossos e as articulações; • o sistema muscular, composto de músculos esqueléticos e cutâneos, tendões, aponeuroses, retináculo e fáscias musculares; • o sistema cardiovascular, que abrange o coração, vasos sanguíneos, vasos linfáticos, baço, timo e linfonodos; • o sistema respiratório, constituído pelos pulmões e as vias aéreas (faringe, laringe, traqueia e brônquios); • o sistema
Compartilhar