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CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS Marina Ferraz de Camargo Barbosa Analista de Pesquisa e Desenvolvimento, PROMIP marina@promip.agr.br Peterson Rodrigo Demite Professor Colaborador, Instituto Federal Goiano peterson_demite@yahoo.com.br Gilberto José de Moraes Professor Associado, ESALQ/USP moraesg@usp.br Marcelo Poletti Sócio Fundador e CEO, PROMIP mpoletti@promip.agr.br Maio de 2017 - 1ª Edição CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS Marina Ferraz de Camargo Barbosa Peterson Rodrigo Demite Gilberto José de Moraes Marcelo Poletti CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 1ª EDIÇÃO Engenheiro Coelho / SP PROMIP 2017 CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 3 Promip Holding S.A. Estrada Bode Branco, s/n – km 02 – Bairro: Conceição Caixa Postal: 111 – CEP: 13.165-000 Engenheiro Coelho – SP Fones: 19 3857-2020 / 19 4040-4112 promip@promip.agr.br www.promip.agr.br Impresso no formato eletrônico – e-book Este livro foi autorizado para domínio público e está disponível para download no portal da Promip (www.promip.agr.br) De acordo com a Lei n. 10.994, de 14/12/2004, Foi feito depósito legal na Biblioteca Nacional ISBN: 978-85-93311-01-7 CDD 630 – Agricultura e tecnologias relacionadas CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 4 APRESENTAÇÃO Há algum tempo, quando produtores rurais e técnicos ligados ao agronegócio reuniam- se para trocar informações e experiências a respeito do manejo de pragas nas principais regiões agrícolas brasileiras, a única estratégia pautada era o controle químico. Quase nenhuma importância era dada ao controle biológico aplicado, e pouco era comentado sobre o uso prático de agentes benéficos na agricultura. Para muitos influenciadores, esse assunto estava restrito às referências teóricas, geralmente debatidas em ambientes acadêmicos durante sessões em simpósios e congressos científicos. Hoje, o cenário mudou e o controle biológico é uma estratégia que está ao alcance do agricultor. Produtos biológicos contendo ácaros predadores são comercializados em vários países da Europa e América do Norte desde desde os anos de 1980. No Brasil, a produção em larga escala destes organismos iniciou-se em 2006 e a sua distribuição comercial começou a ser realizada em 2010, quando a empresa PROMIP obteve seu primeiro registro para a comercialização de Neomip, produto biológico contendo o ácaro predador Neoseiulus californicus utilizado para o controle do ácaro rajado em diversas culturas. Atualmente, existem várias espécies de ácaros predadores que são utilizadas para o manejo de diferentes alvos, sendo que para cada praga há uma solução biológica com espectro de ação restrito. Assim, para que o uso desta valiosa tecnologia seja feito de maneira correta e sustentável é muito importante que tanto os consultores quanto os agricultores conheçam os principais aspectos técnicos relacionados a estes organismos. Neste e-book, os autores apresentam o tema abordando aspectos relacionados às diferentes estratégias de controle biológico, com destaque ao uso aplicado de ácaros predadores em programas de manejo integrado de pragas. Informações relevantes sobre a biologia e comportamento de diferentes espécies de predadores também são comentadas, contribuindo como material didático e de extensão para todos os interessados no uso prático destes organismos. Desejamos a todos os nossos parceiros e colaboradores uma ótima leitura e que as informações contidas neste material contribuam efetivamente para a implantação de técnicas que estimulem o desenvolvimento de uma agricultura segura, sustentável e de alta produtividade, contribuindo para a melhoria da saúde de todos nós e do planeta. Dr. Marcelo Poletti Sócio Fundador e Diretor Geral Promip Holding S/A CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 5 1. CONTROLE BIOLÓGICO: MANEJO DE PRAGAS EM SINTONIA COM O MUNDO MODERNO Os meios de produção agrícola têm se modificado nos últimos anos a fim de se conectarem com uma sociedade cada vez mais moderna e exigente. Atualmente, espera-se que os sistemas adotados sejam cada vez mais limpos, eficientes e menos danosos ao ambiente. Para tanto, exige-se que os diversos profissionais envolvidos com a agricultura trabalhem em conjunto para o desenvolvimento de técnicas consonantes com o atual momento. O controle de pragas tem um papel central nesta “nova agricultura”, com o uso indiscriminado de agrotóxicos sendo colocado em xeque. Por exemplo: a agricultura orgânica tem ganhado cada vez mais destaque no mercado nacional e, neste sistema, nenhum tipo de defensivo é permitido. Além disso, mesmo em sistemas onde o uso de insumos químicos é aceito, tem- se procurado informar o produtor e a sociedade sobre a importância da redução no uso de defensivos para a prevenção de problemas futuros, como resíduos no ambiente e nos alimentos, além das questões referentes à perda de eficiência destes produtos, com a aquisição de resistência pelas pragas. Na busca por alternativas, o controle biológico despontou como uma das principais armas contra os prejuízos trazidos pelo uso descontrolado de agrotóxicos. Lentamente, produtores têm se convencido de que a utilização de agentes de controle biológico em substituição aos inseticidas pode trazer diversas vantagens, dentre as quais: CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 6 - A utilização destes é uma atividade inócua ao trabalhador, ao contrário dos riscos decorrentes da manipulação dos defensivos químicos; - Os produtos biológicos não deixam resíduos tóxicos ao meio ambiente e não afetam o homem; - Como o controle biológico não utiliza produtos com efeito residual, não existe um período de carência (intervalo de tempo entre a aplicação do produto e sua colheita para comercialização); isto difere totalmente da regulamentação para os defensivos químicos; - Os agentes de controle biológico são, geralmente, específicos para uma ou um grupo de pragas, enquanto muitos defensivos químicos apresentam baixa ou nenhuma seletividade, com efeitos letais e subletais sobre inimigos naturais, agentes polinizadores e outros organismos benéficos; - Sob condições adequadas, os agentes de controle biológico podem se multiplicar e espalhar pelo cultivo, permanecendo na cultura após a liberação; - O registro de casos de resistência de insetos aos produtos biológicos é muito raro. Diferentemente, existem inúmeros registros de casos de resistência de pragas aos produtos químicos. Em média, o período entre o início do uso de uma molécula química e o aparecimento de resistência é em torno de cinco anos. São três os grupos de inimigos naturais comumente utilizados para o controle biológico: entomopatógenos- microrganismos que contaminam as pragas, causando doenças. Parasitóides- cada parasitóide parasita um único indivíduo da espécie praga (neste caso conhecido como hospedeiro), do qual se alimenta até completar seu desenvolvimento. Predadores- cada um destes CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 7 necessita de inúmeros indivíduos pragas (neste caso conhecidos como presas) para completar seu desenvolvimento. Entre os predadores, alguns ácaros têm sido alvo de inúmeros estudos. Os ácaros predadores apresentam elevado potencial como agentes de controle biológico. Em muitas culturas nas quais o controle químico é tradicionalmente utilizado,estes organismos podem substituir os defensivos químicos ou podem ser empregados como parte de um programa de manejo integrado de pragas (MIP) (e.g. McMurtry e Croft, 1997; Easterbrook et al., 2001; Stern et al., 1959; Flaherty e Huffaker, 1970; Wright e Chambers, 1994; Yaninek e Herren, 1988). Diversas famílias de ácaros abrigam espécies predadoras, sendo as principais: Anystidae, Ascidae, Bdellidae, Cheyletidae, Cunaxidae, Laelapidae, Macrochelidae, Phytoseiidae, Rhodacaridae e Stigmaeidae (Carrillo et al., 2015; Moraes, 2002). Entre estas, merecem destaque as famílias Laelapidae e Phytoseiidae, das quais certas espécies vêm sendo comercializadas como agentes de controle biológico no Brasil. O aumento no uso de agentes de controle biológico tem sido significativo nos últimos anos. Porém, para que mais produtores possam conhecer e adotar esta técnica, faz-se necessárias algumas ações, como: (a) a divulgação detalhada desta tecnologia e suas recomendações de uso; (b) a capacitação de profissionais para a correta execução desta tecnologia e manutenção da eficiência do produto no campo, e; (c) a divulgação dos benefícios advindos da utilização do controle biológico, não somente para o produtor, mas para os consumidores e para toda a sociedade. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 8 Algumas das principais famílias de ácaros predadores. (A) Anystidae (Crédito: Perry Babin), (B) Rhodacaridae (Crédito: Castilho, R.C.), (C) Laelapidae, (D) Phytoseiidae, (E) Bdellidae (Crédito: Scott Justis), (F) Cheyletidae (Crédito: Tom Murray), (G) Macrochelidae (Crédito: Azevedo, L.H). Neste sentido, este documento reúne informações sobre os principais grupos de ácaros predadores e sua utilização como agentes de controle biológico de ácaros e insetos pragas. Além disso, são destacados resultados obtidos com a utilização destes predadores em diferentes cultivos no Brasil. Assim, cientes da importância da importância da divulgação das bases e eficiência do controle biológico para o aumento no uso desta tecnologia, espera- se que este material responda as dúvidas dos produtores e os estimule a iniciar o uso de inimigos naturais. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 9 2. CONTROLE BIOLÓGICO: O QUE É E COMO FAZER Independentemente de seu aspecto aplicado, o controle biológico é antes de tudo um fenômeno natural, em que populações de artrópodes fitófagos1 são reguladas pela ação de seus inimigos naturais, com a manutenção da densidade destas espécies em nível inferior àquela que ocorreria na ausência desses reguladores (Parra et al. 2002). Existem basicamente três tipos de estratégias que podem ser adotadas para a implementação de programas de aplicação do controle biológico: controle biológico natural, controle biológico clássico e controle biológico aplicado. O controle biológico natural está diretamente relacionado à definição de controle biológico, ou seja, um fenômeno que ocorre naturalmente. Neste caso, deve-se adotar medidas para beneficiar o aparecimento e persistência de inimigos naturais e entomopatógenos (levando à ocorrência de epizootias2), não havendo a necessidade de produção e liberações dos agentes de controle biológico. Tais medidas podem ser: a adoção de defensivos químicos de baixo impacto sobre organismos não-alvo ou a utilização destes produtos em períodos de ausência destes reguladores naturais; a introdução na área de cultivos de plantas que possam atrair os inimigos naturais (plantas atrativas) ou de 1 Fitófago: Organismos que se alimentam de vegetais, por exemplo, alguns ácaros e insetos. Alguns insetos e ácaros fitófagos podem ser considerados pragas agrícolas pois ao se alimentarem das plantas causam prejuízos, comprometendo a produção. 2 Epizootia: Nesta situação, refere-se a um fenômeno natural no qual um entomopatógeno ocorre em populações de insetos ou ácaros. É uma infecção generalizada da população numa área extensa de cultivo. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 10 plantas que possam servir de refúgio ou produzir alimento alternativo (néctar, pólen, etc.) para os inimigos naturais, entre outras medidas (Barbosa, 1998). Exemplos de medidas que podem favorecer o controle biológico natural de ácaros praga por ácaros predadores. O controle biológico clássico refere-se à importação3 de agentes de controle biológico exóticos4. Esta estratégia foi desenvolvida considerando-se que a maior parte das plantas cultivadas comercialmente é constituída de espécies exóticas, tendo, junto com estas, sido trazidas diversas espécies fitófagas, algumas das quais já eram ou passaram a ser pragas no novo ambiente. Assim, torna-se frequentemente necessário ir ao local de origem da planta em busca de inimigos naturais que já estejam adaptados ao 3 Importação: Refere-se à introdução realizada conforme as normas e procedimentos quarentenários determinados pelo MAPA (Portaria 74/1994). 4 Exótico: Aquele organismo que não ocorre naturalmente naquele país; que não é nativo. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 11 consumo ou parasitismo das pragas introduzidas. Então, os inimigos naturais considerados promissores são importados e estudos mais refinados são realizados para avaliação de sua eficácia. Sendo esta comprovada, eles são produzidos e liberados nas áreas atacadas pela praga. De forma ideal, o novo inimigo natural deve entrar em equilíbrio com o ambiente após esta liberação, estabelecendo-se na área (Parra et al., 2002). Etapas para implementação de um programa de controle biológico clássico. Por fim, temos a estratégia de controle biológico mais eficiente e adotada em todo o mundo: o controle biológico aplicado. Neste sistema, os inimigos naturais são produzidos por biofábricas em escala massal (milhões de indivíduos) para serem liberados na área de interesse. Além de eficiente, este método permite a geração de diversos postos de trabalho, seja nas biofábricas, ou nas pesquisas necessárias para seu estabelecimento. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 12 Esquema de aplicação do controle biológico aplicado. Os agentes de controle biológico, que são utilizados nos programas mencionados anteriormente são: Entomopatógenos, que são microrganismos capazes de causar uma reação infecciosa, ou seja, uma doença na praga-alvo. Esta relação entre o patógeno e o organismo atacado (hospedeiro) é extremamente íntima e a ação de um sobre o outro resulta em alterações morfológicas e fisiológicas profundas em ambos organismos (Alves, 1998). Se considerarmos que cada animal é hospedeiro de pelo menos um patógeno, é possível imaginar o potencial do controle biológico realizado por estes inimigos naturais. Parasitóides, que são exclusivamente insetos cujos estágios imaturos se desenvolvem sobre ou no interior do corpo de um outro organismo, que morre no final do processo; os adultos são de vida livre e alimentam-se de néctar ou outras substâncias açucaradas (Godfray, 2004). CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 13 Predadores, que podem apresentar atividade predatória tanto na fase imatura quanto quando adultos (Gallo et al., 2002). Como exemplo, neste grupo encontram-se os ácaros predadores (Acari) (Moraes. 2002). A utilização de ácaros predadores como agentes de controle biológico já é consolidada no Brasil e no mundo para o controle de diversas pragas, com destaque para o ácarorajado, Tetranychus urticae (Acari: Tetranychidae), fungus gnats (Bradysia spp. (Diptera: Sciaridae) e tripes (Thysanoptera: Thripidae). Nos próximos capítulos, as características desses organismos e alguns casos de sucesso de controle biológico aplicado serão detalhados, com a demonstração dos benefícios que a utilização destes animais tão pequenos pode trazer para a sociedade. 3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE OS ÁCAROS Embora represente o segundo grupo animal com maior diversidade de espécies, os ácaros são pouco conhecidos pela maior parte das pessoas. De maneira geral, as espécies mais popularmente lembradas são aquelas que causam danos, como as espécies que danificam a saúde humana ou de outros animais (como os ácaros de poeira e carrapatos, por exemplo) ou as espécies fitófagas que, encontradas em muitas plantas cultivadas, podem alcançar o status de pragas agrícolas. Com base apenas nestes exemplos mais conhecidos, pode-se ter a falsa ideia de que os ácaros são “vilões”, que servem apenas para nos prejudicar. Porém, tal visão não poderia estar mais equivocada! Nos ambientes em que ocorrem, os ácaros desempenham papéis importantes na manutenção do equilíbrio ecológico, como ocorre, CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 14 por exemplo, com os ácaros Oribatida, um amplo grupo de ácaros edáficos de grande importância na ciclagem dos nutrientes no solo. No rol dos ácaros benéficos, as estrelas são os ácaros predadores que podem ocorrer associados tanto à parte aérea quanto à parte subterrânea de plantas, onde se alimentam de diversos grupos de pequenos animais, incluindo espécies-praga que ocorrem nestes locais. Por sua importância, há décadas os ácaros predadores são estudados e hoje, dezenas de espécies estão disponíveis em todo o mundo para utilização no controle biológico de pragas (Gerson et al., 2003; Carrillo et al., 2015). Como mencionado, os ácaros podem ocorrer nos mais diversos ambientes, como solo, corpos de água doce ou salgada, nas partes aéreas ou subterrâneas de plantas, etc. (Krantz e Walter, 2009). Nestes ambientes, os ácaros podem estar representados por pequenos grupos ou formarem populações gigantescas com dezenas de milhares de indivíduos. Nos ambientes em que ocorrem, os ácaros podem obter o alimento a partir de diversas fontes: (a) predando outros ácaros, pequenos insetos ou nematóides; (b) alimentando-se de fungos, bactérias, leveduras ou outros microrganismos; (c) alimentando-se de detritos, (d) de plantas, através da fitofagia, dentre outros hábitos. Os ácaros pertencem ao filo Arthropoda, um vasto grupo de invertebrados definidos por possuírem, dentre outras características, um esqueleto externo rígido (chamado de exoesqueleto) e apêndices articulados. Os diferentes artrópodes, como os caranguejos, lagostas, aranhas, escorpiões, lacraias, centopeias, piolhos de cobras e insetos formam o mais vasto grupo de animais, habitando praticamente todo o globo (Brusca e Brusca, 2003). Dentro dos artrópodes, os ácaros pertencem à subclasse Acari, da classe Arachnida, mesmo grupo a que pertencem as CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 15 aranhas, escorpiões e opiliões, por exemplo (Krantz e Walter, 2009). Apesar de haver algumas exceções, os aracnídeos são caracterizados por possuírem o corpo dividido em duas regiões: a anterior, denominada prossoma e a posterior, denominada opistossoma. No prossoma estão inseridos os apêndices, representados pelas quelíceras, pedipalpos (ou palpos) e quatro pares de pernas; antenas são ausentes no grupo. (Brusca e Brusca, 2003). Comparação da morfologia externa de dois aracnídeos: um escorpião (A) e um ácaro (B) (adaptado de Moraes e Flechtmann, 2008). Dentro dos aracnídeos, os ácaros são únicos a apresentarem a seguinte combinação de caracteres: ausência de segmentação do corpo, ausência de divisão entre o prossoma e o opistossoma, CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 16 presença de gnatossoma na extremidade anterior do corpo (onde estão localizados os palpos e as quelíceras) e o primeiro estágio do desenvolvimento (ou seja, a larva, conforme veremos adiante) geralmente apresentando apenas três pares de pernas (Moraes & Flechtmann, 2008). Os ácaros são geralmente animais muito pequenos, variando de cerca de 0,08 milímetros a 3 centímetros. A forma do corpo destes animais pode variar grandemente entre as diferentes espécies, podendo ser globoso, vermiforme, achatado, ovóide etc. Além disso, diversas estruturas podem sofrer hipertrofia ou regressão em espécies com diferentes hábitos (como as espécies vivem) e habitats (onde as espécies vivem). Exemplo da diversidade morfológica encontrada nos diferentes grupos de ácaros. (A) Um carrapato, que pode alcançar até 3 cm (Crédito: Charley Eiseman), (B) Um ácaro da família Trombidiidae, popularmente conhecidos como “ácaro-vermelho-de-veludo” (Crédito: Charley Eiseman), (C) Família Eupodidae, ácaros comumente encontrados no solo, são caracterizados por possuírem fêmures IV dilatados que são utilizados para o pulo (Crédito: Kyron Basu), (D) Família Erythraeidae (Crédito: Sam Houston), (E) Deutoninfas heteromórficas de Astigmatina sobre um inseto (F) Um ácaro Oribatida, grupo abundante no solo (G) Um ácaro de penas do grupo Astigmatina (Crédito: Scott Justis). CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 17 A grande maioria dos ácaros é ovípara, ou seja, as fêmeas depositam no ambiente os ovos a partir dos quais se desenvolverão os embriões. Após a eclosão, os ácaros passam comumente por cinco fases de desenvolvimento antes de atingirem a fase adulta: pré-larva, larva, protoninfa, deutoninfa, tritoninfa e adulto. A pré-larva é um estágio quiescente encontrado no interior do ovo, sendo apenas algumas partes de seu corpo visíveis quando observado ao microscópio. A larva dos ácaros geralmente difere dos demais estágios por apresentar três pares de pernas e pelo grau reduzido de esclerotização (processo no qual a camada mais externa do exoesqueleto, incialmente fina, incolor e elástica, vai se enrijecendo e adquirindo a coloração característica da espécie). Algumas espécies apresentam larvas imóveis ou com pouco movimento e que não se alimentam, enquanto as larvas de outras apresentam movimentos vigorosos, além de se alimentarem ativamente (Krantz e Walter, 2009). Em alguns poucos grupos de ácaros há apenas um estágio ninfal, mas o mais comum é a existência de dois ou três estágios, chamados de protoninfa, deutoninfa e tritoninfa. Apesar de os estágios ninfais serem muito parecidos entre si, a cada ecdise (processo pelo qual os artrópodes trocam seu exoesqueleto, permitindo o crescimento do animal), a ninfa adquire características que a torna mais parecida com o adulto, como aumento da esclerotização, adição de setas5, escudos e caracteres genitais (Krantz e Walter, 2009). 5 Estruturas sensoriais que podem estar presentes em diferentes formatos como semelhantes a pêlos, espinhos, penas, etc. Estas estruturas recobrem a superfície dorsal, ventral e pernas dos ácaros. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 18 No grupo Astigmatina, ocorre uma das mais surpreendentes modificações corporais nos ácaros, tornando as deutoninfas completamente diferentes dos demais estágios de desenvolvimento da espécie. Essas deutoninfas, chamadas de heteromórficas, são fortemente esclerotizadas, com pernas atrofiadas, aparato bucal ausente (ou seja, incapazes de se alimentar) e com a presença de ventosas ventrais. Quando apresenta esta morfologia, a deutoninfatorna-se especializada em utilizar outros animais, como insetos, aves e mamíferos para dispersão. Neste mesmo grupo, outra variação da deutoninfa pode resultar em regressão de praticamente todos os apêndices e setas, e o animal torna-se completamente imóvel. Neste caso, a deutoninfa é especializada para suportar longos períodos de adversidades ambientais, como falta de umidade e alimento, sobrevivendo até que as condições se tornem adequadas novamente (OConnor, 2009). Os adultos apresentam a esclerotização do corpo completa e característica para cada espécie, além de ter todos os caracteres sexuais maduros, sendo habilitados para a reprodução. O período de desenvolvimento dos ácaros, ou seja, o tempo entre a postura do ovo e a formação do adulto é muito variável, podendo levar de algumas horas a até mais de um ano. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 19 Ciclo de vida de um ácaro hipotético, mostrando os diversos estágios do desenvolvimento. 4. ÁCAROS FITOSEÍDEOS Os ácaros da família Phytoseiidae, ou fitoseídeos, destacam-se por serem importante predadores de espécies fitófagas que ocorrem na parte aérea de plantas, como folhas e flores. Por seu hábito alimentar, esta família vem, há muito tempo, sendo estudada para utilização no controle biológico de pragas e, atualmente, é o grupo de ácaros mais empregado para este fim, com cerca de 16 espécies sendo regularmente comercializadas ao redor do mundo. Devido à sua importância, este grupo tem sido largamente estudado, contando hoje com mais de 2.700 espécies descritas, das quais cerca de 230 já foram registradas no Brasil (Demite et al., 2017). CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 20 Estes ácaros são caracterizados morfologicamente por geralmente possuírem coloração brilhante, variando de amarelos a marrons, com um único escudo dorsal, que pode ser liso ou ter ornamentações. Neste escudo está localizada a maior parte das setas dorsais destes ácaros, que podem estar presentes num número máximo de 24 pares (Moraes e Flechtmann, 2008). Nas pernas podem ser observadas “macrosetas”, que apresentam tamanho e/ou diâmetro significativamente maior do que as demais setas presentes nestes apêndices. Os fitoseídeos são ácaros muito ativos e ágeis, que se movimentam mais rapidamente do que suas presas. Embora existam algumas espécies edáficas, ou seja, que vivem no solo, os fitoseídeos geralmente ocorrem na parte aérea de plantas (McMurtry et al. 2013), como folhas, flores e domáceas (estruturas em forma de tufos ou concavidades presentes em algumas folhas). As espécies desta família são primariamente predadoras, alimentando-se de outros ácaros e pequenos insetos, mas muitas espécies podem aceitar também outras fontes alimentares, como fungos, pólen e néctar (McMurtry & Croft, 1997; McMurtry et al. 2013). Segundo McMurtry & Croft (1997), os fitoseídeos podem ser divididos em quatro grandes grupos de acordo com seus hábitos alimentares. Segundo estes autores, as espécies do Grupo I são exclusivamente predadoras de ácaros da família Tetranychidae pertencentes ao gênero Tetranychus (ao qual pertence o ácaro rajado, por exemplo). No Grupo II estão espécies que também são exclusivamente predadoras de tetraniquídeos, mas podem se alimentar de espécies de todos os gêneros da família. No Grupo III estão abrigadas as espécies generalistas: majoritariamente, estes fitoseídeos são predadores de ácaros e insetos diversos, mas há aqueles que se alimentam de fungos. Para complementar sua CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 21 nutrição (ou na ausência da presa), os fitoseídeos do Grupo III podem consumir, também, produtos vegetais como pólen e exsudatos. Ácaro predador Phytoseiulus macropilis (Acari: Phytoseiidae). As espécies do Grupo IV possuem hábitos alimentares muito semelhantes aos do Grupo III, já que também são generalistas. A diferença, é que espécies do grupo IV, além de serem predadoras ou consumirem outras fontes de alimento, necessitam de pólen em sua dieta. Neste grupo, a ausência deste produto acarreta sérios danos à fecundidade, desenvolvimento e/ou sobrevivência do indivíduo. Recentemente, McMurtry et al. (2013) revisaram estes “estilos de vida” apresentados pelo fitoseídeos dividindo os quatro grupos em alguns subgrupos, a fim de abrigar as espécies que apresentem hábitos semelhantes, tornando estas divisões mais homogêneas. O ciclo de vida dos fitoseídeos é composto pelas fases de ovo, larva, protoninfa, deutoninfa e adulto (macho e fêmea). Em algumas CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 22 espécies, existem apenas fêmeas na população sendo os machos totalmente ausentes (Hoy, 1985). O período de desenvolvimento é curto, completando-se em cerca de uma semana em condições ambientais adequadas. O período de oviposição, ou seja, período durante o qual a fêmea é capaz de produzir ovos, geralmente varia entre 20 e 30 dias, sendo que as fêmeas ovipositam, geralmente, um ou dois ovos por dia (Moraes e Flechtmann, 2008). Estágios do ciclo de vida do fitoseídeo Neoseiulus californicus. Os fitoseídeos são, em sua maioria, haplo-diplóides, isto é, os machos são produzidos a partir de ovos não fecundados (haplóides; n) e as fêmeas a partir de ovos fecundados (diplóides; 2n). Algumas poucas espécies se reproduzem por partenogênese telítoca (onde fêmeas são produzidas a partir de ovos não fecundados) (Wysoki e Bolland, 1983; Cruickshank e Thomas, 1999). Outro processo reprodutivo aparentemente comum nos fitoseídeos é denominado https://scholar.google.com.br/citations?user=E4hhzA0AAAAJ&hl=en&oi=sra CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 23 como pseudo-arrenotoquia ou parahaploidia. Neste tipo de reprodução, ambos os sexos são originários de ovos diploides (2n) fecundados. Porém, poucas horas após a fecundação, ocorre a perda do conjunto de cromossomos de origem paterna em alguns indivíduos, que darão origem aos machos haploides (n) (Hoy, 1985). 5. ÁCAROS LELAPÍDEOS Os ácaros da família Laelapidae, ou lelapídeos, apresentam hábitos dos mais diversos e muitas espécies se destacam pela importância que possuem no controle biológico de diversas pragas edáficas, o que a torna o segundo grupo de ácaros mais utilizados em programas de controle biológico. Atualmente, esta família abriga cerca de 1.300 espécies, divididas em 11 subfamílias. Estes ácaros apresentam coloração variando entre amarelo e marrom, com tamanho entre 0,3 e 0,8 mm. O escudo dorsal é inteiro e apresenta, no mínimo, 20 pares de setas (geralmente 37- 39 pares de setas) e, comumente são encontradas setas ímpares (ou seja, sem o par correspondente no outro lado do dorso). O escudo genital é arredondado em sua extremidade posterior (num formato que lembra uma “língua”), geralmente com 1 par de setas (Moreira & Moraes, 2015; Lindquist et al., 2009). Muitas espécies de lelapídeos são parasitas de artrópodes, aves e mamíferos e as espécies de vida livre estão restritas à duas subfamílias (Hypoaspidinae e Melittiphinae). Destas, a mais importante é Hypoaspidinae, já que nesta subfamília encontram-se espécies com potencial para uso em controle biológico (Moreira & Moraes, 2015). CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 24 Os lelapídeos predadores são generalistas, podendo se alimentar de quase todas as espécies de pequenos animais que ocorrem no solo. Suas presas dividem-se, principalmente, entre aquelas que dependem de áreas com alta umidade e filmes d´água para alimentação e locomoção (nematóides, por exemplo)e aquelas que são encontradas nos bolsões de ar entre as partículas de solo, como a maior parte dos pequenos artrópodes (Beaulieu & Walter, 2007; Moreira & Moraes, 2015). Adulto de Stratiolaelaps scimitus visto sob um estereomicroscópio. Semelhantemente aos fitoseídeos, os lelapídeos passam pelos estágios de ovo, larva, protoninfa, deutoninfa e adulto, com um período aproximado de sete dias para completar seu desenvolvimento (Moreira e Moraes, 2015). Costumam ser vorazes predadores, mas também podem sobreviver muitos dias sem alimento se as condições ambientais se mantiverem favoráveis (Ignatowicz 1974; Wright e Chambers 1994; Moreira e Moraes, CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 25 2015). Durante seu período reprodutivo, as fêmeas produzem de 1 a 7 ovos por dia (Moreira e Moraes, 2015) e o modo reprodutivo pode ser haplo-diplóide, arrenótoco ou telítoco (Norton et al., 1993). Desde o início da utilização de ácaros lelapídeos em programas controle biológico, duas espécies se destacaram: Stratiolaelaps scimitus (Womersley) e Stratiolaelaps miles (Berlese) (Gerson et al., 2003). Contudo, Cabrera et al. (2005) indicaram que muitas populações comercializadas na Europa sob o nome de S. miles, na verdade referem-se a S. scimitus. Além disso, Walter e Campbell, (2003) utilizando técnicas moleculares, propuseram que S. scimitus e S. miles correspondem, na verdade, a um conjunto de espécies crípticas, ou seja, espécies diferentes, mas muito semelhantes entre si, o que dificulta sua identificação apenas com base na morfologia. A despeito destas questões taxonômicas, o importante é termos conhecimento da importância da família Laelapidae, especialmente do gênero Stratiolaelaps para a história e utilização atual do controle biológico de pragas edáficas. 6. CONTROLE BIOLÓGICO DE PRAGAS COM O USO DE ÁCAROS PREDADORES 6.1. ÁCARO RAJADO Danos às culturas Tetranychus urticae, conhecido popularmente como ácaro rajado, é uma das principais espécies de ácaros praga em todo o mundo, CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 26 podendo atacar centenas de espécies vegetais, cultivadas ou não. No Brasil, exemplos de culturas importantes que atualmente sofrem com o ataque do ácaro rajado são algodão, feijão, mamão, videira, morango, ornamentais (como crisântemos, gérberas, rosas e orquídeas), pepino e tomate (Moraes e Flechtmann, 2008). Embora prefira a face inferior da folha, em condições de alta infestação, o ácaro rajado pode se alojar, também, na face superior. Um sinal característico de sua presença nas folhas é a teia por ele produzida. Saito (1983) indicou que T. urticae produz uma teia complexa e densa, que pode se tornar carregada de ovos e partículas fecais. Além de sua importância na ecologia do ácaro rajado, a presença de teia também influencia na ação de ácaros predadores para o controle biológico desta praga, como veremos mais adiante. Ataque do ácaro rajado em plantas de feijão de porco. (A) Fêmea do ácaro rajado; (B) vista da face abaxial de uma folha no início da infestação, estando os ácaros representados pelos “pontos” sobre a folha; (C) Vista adaxial de uma folha, mostrando as manchas cloróticas resultantes da infestação do ácaro; (D) Plantas secas e mortas após ataque severo de ácaro rajado. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 27 Ao se alimentar do conteúdo celular, o ácaro rajado causa o amarelecimento da folha, reduzindo a capacidade fotossintética da planta, o que resulta em perda na produção e qualidade dos frutos. Na face superior é possível observar puncturas cloróticas (manchas amareladas formadas após a morte das células pela alimentação dos ácaros). Em infestações mais intensas, o dano progride até o total secamento da folha e morte da planta (Jeppson et al., 1975). Morfologia e biologia Durante seu desenvolvimento, o ácaro rajado passa pelos estágios de ovo (esférico e esverdeado), larva (translúcida e de tamanho semelhante ao ovo), protoninfa e deutoninfa (que vão se tornando mais esverdeadas e maiores) e adultos, que apresentam coloração verde com duas manchas escuras no dorso, formadas pelo acúmulo de alimento nestes pontos. As fêmeas são maiores, com cerca de 0,5 mm de comprimento, enquanto os machos medem cerca de 0,25 mm. Além do tamanho, o macho pode ser diferenciado da fêmea por apresentar o corpo notadamente afilado na região posterior (Moraes e Flechtmann, 2008). No campo, o ácaro rajado é favorecido por condições de altas temperaturas e baixa umidade. A 25oC, o desenvolvimento de T. urticae leva de 10 a 13 dias (Bounfour e Tanigoshi, 2001). Controle biológico do ácaro rajado por ácaros fitoseídeos As principais espécies de ácaros fitoseídeos utilizadas em programas de controle biológico do ácaro rajado são aquelas pertencentes aos Grupos I e II conforme a classificação de McMurtry & Croft (1997). Os predadores destes grupos são CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 28 habilidosos para caminhar por entre a teia produzida pelo ácaro rajado e podem até se beneficiar da sua presença como quando Phytoseiulus macropilis se utiliza da teia para evitar contato com os tricomas glandulares do tomate (Sato et al., 2011). Ciclo de vida do ácaro rajado, Tetranychus urticae. As espécies de Phytoseiidae mais comercializadas ao redor do mundo para o controle do ácaro rajado são: Galendromus (Galendromus) occidentalis, Neoseiulus californicus, Neoseiulus cucumeris, Phytoseiulus longipes e P. macropilis (maiores informações disponíveis em IPM Practitioner’s 2015 Directory of Least Toxic Pest Control Products for suppliers). No Brasil, os fitoseídeos P. macropilis e N. californicus têm sido utilizados para o controle do ácaro rajado em diferentes culturas, como cultivos extensivos (ex. algodão e soja), frutíferas (ex. ameixa, maçã, nectarina, uva e pêssego), ornamentais (ex. antúrio, crisântemo, gérbera e rosa) e hortaliças (ex. alface, berinjela, morango, pepino CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 29 e tomate) (e.g. Oliveira et al., 2009; Sato et al., 2007; Monteiro, 2002; Poletti & Omoto, 2012; Watanabe et al., 1994; Souza- Pimentel et al., 2014). No campo, N. californicus e P. macropilis são facilmente diferenciáveis entre si: o corpo de P. macropilis é globoso e de coloração avermelhada, enquanto o de N. californicus normalmente é ligeiramente achatado, com coloração que varia de amarelo-palha ao amarelo-escuro. As características morfológicas de P. macropilis tornam-no um ácaro facilmente identificável e fácil de ser monitorado nas áreas em que foi liberado. De forma oposta, o predador N. californicus assemelha-se muito a outras espécies que frequentemente são encontradas nas mesmas culturas, como Neoseiulus idaeus, Neoseiulus barkeri e Amblyseius spp. Desta forma, programas de controle biológico que se utilizem da liberação massal daquele fitoseídeo devem contar com a colaboração de um taxonomista que realizará coletas e identificação periódica desta espécie, descartando a presença de outras espécies de predadores que possam prejudicar a eficiência do controle biológico (ver discussão em Zucchi, 2002). Além das diferenças morfológicas, P. macropilis e N. californicus também variam de acordo com seus hábitos alimentares e voracidade. Phytoseiulus macropilis é especialista quanto ao hábito alimentar, consumindo exclusivamente ácaros pertencentes ao gênero Tetranychus (McMurtry e Croft, 1997). Já N. californicus alimenta-se preferencialmente do ácaro rajado, mas na ausência deste, pode se alimentar e desenvolver-se em diferentes alimentos, comooutros ácaros, pequenos insetos ou pólen (Castagnoli & Simoni, 2003; McMurtry e Croft, 1997; McMurtry et al., 2013). CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 30 Os dois principais ácaros predadores utilizados para o controle do ácaro rajado. A: Neoseiulus californicus (ligeiramente achatado dorso-ventralmente e de coloração amarelo-palha). B: Phytoseiulus macropilis (corpo globoso e de coloração avermelhada). Tais diferenças determinam a persistência dos predadores na cultura de acordo com a densidade populacional do ácaro rajado. Em condições de escassez da presa, enquanto P. macropilis se dispersa em busca de áreas com maior quantidade de T. urticae, N. californicus pode permanecer na cultura consumindo outras fontes de alimento. Além disso, P. macropilis e N. californicus diferem quanto à quantidade de T. urticae consumido diariamente: enquanto N. californicus consume cerca 16 ovos de ácaro rajado ao dia (Ahn, 2010), P. macropilis consume cerca de 40 ovos nas mesmas condições (Oliveira et al., 2007). Portanto, pode-se considerar que P. macropilis é a espécie mais adequada para ser utilizada em condições de alta infestação de ácaro rajado, quando é necessário o uso de um método de controle que diminua a população da praga de maneira muito rápida. Já N. californicus deve ser liberado para manter a praga em níveis baixos CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 31 ou deve ser liberado logo no início da infestação, para evitar o aumento populacional de T. urticae. -Comprovação da eficácia de P. macropilis e N. californicus no controle do ácaro rajado Phytoseiulus macropilis A PROMIP conduziu um estudo em Holambra (SP) em cultivo de rosa spray, entre novembro e dezembro de 2015. As avaliações foram realizas em seis vãos de rosas, totalizando uma área de 350 m2. Em cada vão foram realizadas liberações de P. macropilis conforme a densidade populacional de ácaro rajado (número de ácaros/folíolo) encontrada, de acordo com a seguinte classificação: (a) baixa densidade, com 22 ácaros/folíolo; (b) média densidade, com 80 ácaros/folíolo e; (c) alta densidade, com 240 ácaros/folíolo. Assim, a quantidade de adultos de P. macropilis liberados, respectivamente, para cada densidade foi: (a) 20 predadores/m2; (b)150 predadores/m2 e; (c) duas liberações, com 150 e 60 predadores/m2, com intervalo de 7 dias entre elas. Nas duas primeiras semanas (após a liberação do predador), as plantas foram lavadas com água em abundância para favorecer o predador (que prefere ambientes úmidos) e desfavorecer a praga (que prefere ambientes secos). CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 32 Em todos os vãos observou-se redução na densidade do ácaro rajado. Após quatro semanas haviam 5 e 16 ácaros/folíolos nos vãos classificados com densidade baixa e média, respectivamente, indicando uma diminuição de cinco vezes na densidade populacional da praga. No vão com alta densidade, após quatro semanas, havia 16 ácaros/folíolo, representando uma diminuição de 15 vezes na população da praga. Phytoseiulus macropilis foi encontrado nos folíolos em quantidade de 2, 7 e 4 predadores/folíolo nas densidades baixa, média e alta, respectivamente. Flutuação populacional de Tetranychus urticae em lavoura de rosas tratada com Phytoseiulus macropilis. (A) área com baixa infestação. (B) área com média infestação. (C) área com alta infestação. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 33 -Neoseiulus californicus: Em um estudo conduzido por Bueno e Poletti (2009) comparou-se o controle convencional e o controle biológico de T. urticae em uma área de produção de morango com aproximadamente 50 m2 na cidade de Estiva (MG) Para decidir o momento de entrar com cada uma das estratégias de controle, o número de T. urticae/folíolo foi monitorado. Na área de controle convencional, o acaricida Abamectin foi aplicado em duas pulverizações, na quinta e sexta amostragens, conforme as especificações técnicas do produto. Na área de controle biológico, liberou-se N. californicus na terceira e quinta amostragens, quando a densidade era de dois e seis ácaros rajado/folíolo, respectivamente; em cada liberação foram introduzidos cinco predadores/m2. Para avaliação dos resultados, as amostragens foram realizadas quinzenalmente, durante 100 dias, contando-se o número total de T. urticae e do predador em 25 folíolos em cada uma das áreas. Nos canteiros em que foi aplicado o controle convencional, a partir da quinta amostragem, observou-se um forte aumento na população de ácaro rajado, saltando de cerca de cinco ácaros/folíolos para cerca de 18 ácaros/folíolos na sétima amostragem. Já nos canteiros em que foi liberado N. californicus, a população de T. urticae foi reduzida de seis ácaros/folíolos na quinta amostragem para cerca de um ácaro/folíolo nas sexta e sétima amostragem. Além disso, o número de predadores nos folíolos, que era nulo até a terceira amostragem, chegou a cerca de 0,75 ácaros/folíolo na sétima amostragem. Esse resultado demonstrou que a introdução de N. californicus no início da infestação do ácaro rajado é eficiente, mantendo uma baixa densidade populacional desta praga durante um longo período. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 34 Flutuação populacional de Tetranychus urticae em área de cultivo convencional e de controle biológico com o predador Neoseiulus californicus na cultura do morango em Estiva (MG). As setas azuis indicam a liberação do inimigo natural e as setas laranjas indicam a aplicação de acaricida na área de cultivo convencional (adaptado de Bueno e Poletti, 2009). Flutuação populacional de Neoseiulus californicus e Tetranychus urticae em área onde foi realizado controle biológico na cultura do morango em Estiva (MG) (Adaptado de Bueno e Poletti, 2009). CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 35 De maneira geral, um dos maiores desafios na utilização de N. californicus para o controle de ácaro rajado é a necessidade de liberação deste predador bem no início da infestação da praga, quando a população ainda é baixa, sendo necessária a realização de monitoramentos constantes. Contudo, se este monitoramento for falho e a presença do ácaro rajado for percebida quando os primeiros sintomas aparecerem, ou seja, a população já estiver muito alta, recomenda-se a liberação de P. macropilis para uma rápida redução da densidade de ácaro rajado. - Phytoseiulus macropilis e N. californicus combinados Exemplo 1: Uma avaliação do efeito da liberação de N. californicus e P. macropilis isolados e em conjunto foi conduzida por Poletti (2007). Este estudo foi realizado em Santo Antônio de Posse (SP) em crisântemos de corte mantidos em casa de vegetação no período de julho a outubro de 2004, totalizando uma área experimental de 162,5 m2. Inicialmente, as plantas foram infestadas com 80 fêmeas de ácaro rajado por m2 e após sete dias, receberam os tratamentos, que foram: (a) controle, em que nenhum tratamento foi realizado; (b) pulverização com abamectina, conforme orientação do fabricante; (c) liberação de N. californicus; (d) liberação de P. macropilis; (e) liberação combinada de N. californicus e P. macropilis (proporção 1:1). Nos tratamentos (c) e (d) realizaram-se quatro liberações (uma por semana) de 15 predadores/m2 por liberação. No tratamento (e), realizaram-se quatro liberações de 50 ácaros de cada espécie por parcela. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS36 A eficiência de N. californicus foi semelhante quando liberado de forma isolada ou combinada com P. macropilis. Por outro lado, P. macropilis isolado foi menos efetivo do que quando liberado com N. californicus, já que um aumento significativo na densidade de ácaro rajado foi observado nos dias 34, 41 e 55. Flutuação populacional de Tetranychus urticae após a liberação dos fitoseídeos Neoseiulus californicus e Phytoseiulus macropilis juntos (Nc+Pm) e separadamente (Nc e Pm, respectivamente). As setas azuis indicam as liberações dos predadores (adaptado de Poletti, 2007). Tal aumento pode ser explicado pela especificidade de P. macropilis. Já que nos monitoramentos que antecederam este pico, a população de T. urticae estava muito baixa. Portanto, os indivíduos de P. macropilis liberados, que se alimentam apenas de ácaro rajado, podem ter morrido ou migrado para outras regiões em busca de alimento. Assim, a população do ácaro rajado pôde aumentar sem que houvesse predadores suficientes para seu controle imediato. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 37 Exemplo 2: Em um estudo realizado pela PROMIP em cultivo de morango no munícipio de Bom Repouso (MG) entre novembro e dezembro de 2015, a utilização combinada de N. californicus e P. macropilis para o controle de T. urticae foi avaliada. A densidade inicial na área era de 34 T. urticae/ folíolo. Para realizar a diminuição rápida da população de ácaro-praga, foram liberados cerca de quatro P. macropilis por planta; após três semanas, realizou-se a liberação de dois N. californicus/planta. Quatro semanas após o início das liberações, o número de ácaros rajado por folíolo caiu pela metade (16 indivíduos por folíolo) e após sete semanas foi observado o controle total da infestação. Flutuação populacional de Tetranychus urticae após a liberação dos fitoseídeos Neoseiulus californicus (seta amarela) e Phytoseiulus macropilis (seta vermelha). As setas azuis indicam os momentos em que as plantas foram lavadas com água. Desta forma, demonstra-se que N. californicus e P. macropilis são importantes ferramentas para o controle do ácaro rajado, mas sua eficiência depende da adoção de medidas corretas para o favorecimento dos predadores. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 38 6.2. FUNGUS GNATS Danos às culturas Fungus gnats é o nome popular dado às moscas pertencentes à família Sciaridae, cujas larvas vivem no solo onde se alimentam de tecido vegetal e fungos. Em determinadas culturas (como cogumelos e na produção de mudas de várias hortaliças, plantas ornamentais e fruteiras), estas larvas podem causar sérios danos, sendo consideradas pragas nestes sistemas. No Brasil, a espécie de fungus gnats mais encontrada é Bradysia matogrossensis (Eira, 2003). No cultivo de cogumelo, as larvas de fungus gnats atacam o basidiocarpo, ou seja, o corpo de frutificação, formando túneis que danificam o cogumelo e reduzem sua produção, além de atacarem a hifa, limitando o crescimento micelial (Eira, 2003). Em mudas de flores, as larvas atacam o sistema radicular e deixam as mudas mais suscetíveis à incidência de doenças (Cloyd & Zaborski, 2004). Uma das principais dificuldades no controle desta praga é que os sintomas de seu ataque podem ser confundidos com a ocorrência de diversas doenças, dificultando seu reconhecimento. Morfologia e biologia No estágio de larva, B. matogrossensis apresenta o corpo liso e semitransparente, com a cabeça preta. As pupas desta espécie apresentam o corpo de coloração branco-leitosa. No estágio adulto, as moscas são escuras, com coloração variando de cinza a preto, medindo cerca de 2,5 milímetros, com antenas longas, asas escuras e pernas finas e longas (Radin et al., 2009). CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 39 Larva e adulto de Bradysia matogrossensis. Controle biológico por ácaros lelapídeos A principal espécie de ácaro predador utilizada para o controle de B. matogrossensis é S. scimitus. Esta espécie, juntamente com S. miles, outro lelapídeo edáfico, está entre as espécies de ácaros predadores mais comercializadas, sendo produzida por dez empresas ao redor do mundo (Moreira & Moraes, 2015). No Brasil, não há produtos químicos registrados6 para o controle de fungus gnats (Agrofit, 2017), sendo a utilização do predador S. scimitus a única opção comercialmente disponível para controle da praga. Em cultivo de cogumelo, alguns estudos realizados para avaliar a eficiência de S. scimitus demonstraram efeito positivo na 6 Todos os produtos utilizados para o controle de pragas, doenças e plantas espontâneas/daninhas dever ser registrados juntos ao MAPA. A lista destes produtos e suas recomendações estão disponíveis em uma plataforma on-line denominada Agrofit. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 40 redução de B. matogrossensis (Freire et al., 2007; Castilho et al., 2009b). Straiolaelaps scimitus (Acari: Laelapidae) predando larvas de fungus gnats, Bradysia matogrossensis -Stratiolaelaps scimitus na produção de cogumelo Em um estudo realizado em área de produção orgânica de cogumelo shitake em Mogi Mirim (SP), foram capturados cerca de 2.000 indivíduos de B. matogrossensis por armadilha por semana. A praga comprometia a qualidade da produção, sendo necessária a seleção manual dos cogumelos saudáveis, o que gerava o descarte de boa parte da produção além do aumento dos custos com mão de obra. Antes da liberação de S. scimitus, todos os blocos de produção de cogumelos foram descartados e a câmara foi lavada com água e sabão para uma drástica redução de B. matogrossensis, já que a liberação do predador deve ser realizada antes do aparecimento dos primeiros indivíduos da mosca ou logo no início da infestação. Além disso, instalou-se também telas antiafídicas (citrus anti-vírus) nos exaustores para evitar a entrada de fungus gnats provenientes CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 41 do ambiente externo. Com a câmara limpa, novos blocos foram acondicionados nas prateleiras de produção e, embaixo de cada um deles, um sachê contendo 100 indivíduos de S. scimitus. Durante seis semanas, obteve-se em cada armadilha uma média de 40 indivíduos de B. matogrossensis por semana; quantidade cerca de 66 vezes menor quando comparada àquela obtida na avaliação inicial. Número de moscas (Bradysia matogrossensis) por armadilha por semana em relação ao número de blocos de substrato de shitake em câmara de cultivo, após a liberação do lelapídeo predador Stratiolaelaps scimitus Além da redução do número de moscas capturadas, outro indício do sucesso do controle biológico por S. scimitus foi a excelente qualidade dos cogumelos, tornando desnecessária a seleção manual da produção. Estes resultados demonstram a viabilidade da produção sustentável de cogumelos em um sistema de produção CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 42 orgânica, com a integração do controle biológico (uso do predador S. scimitus) e do controle mecânico (telas antiafídicas). - Stratiolaelaps scimitus na produção de plantas ornamentais Com objetivo de avaliar a eficiência deste predador no controle de fungus gnats em mudas de plantas ornamentais, foi realizado um trabalho em uma área de produção comercial de mudas de azaleia em Holambra (SP) (Bueno e Poletti, 2009). Nesse estudo, comparou-se o controle biológico, realizado pela liberação de 200 ácaros predadores/ m2, com o controle convencional,realizado com os inseticidas deltametrina e diflubenzurom. Esses tratamentos foram mantidos em áreas isoladas, sendo que em cada área foram instaladas 20 armadilhas adesivas amarelas para o monitoramento dos insetos adultos. A contagem do número de insetos nas armadilhas foi realizada aos 15, 30 e 45 dias após o início do experimento. Ao final deste período, o número de moscas encontradas na área de cultivo convencional foi cerca de três vezes superior ao encontrado na área onde os predadores foram liberados. A acentuada redução na densidade de larvas de fungus gnats quando o predador foi liberado indica a eficiência deste no controle de B. matogrossensis, sendo um aliado dos produtores, tanto em cultura tradicional, quanto em orgânica. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 43 Número médio de adultos (± erro padrão) de Bradysia matogrossensis com a utilização de controle biológico (liberação do predador Stratiolaelaps scimitus) e controle convencional (utilização dos inseticidas deltametrina e diflubenzurom) em área de produção de mudas de azaleia (adaptado de Bueno e Poletti, 2009). 6.3. MOSCA-BRANCA Danos às culturas A mosca-branca, Bemisia tabaci biótipo B (Hemiptera: Aleyrodidae), é um inseto altamente polífago, podendo atacar centenas de espécies vegetais, incluindo muitas de importância econômica, como algodão, feijão, soja, olerícolas e ornamentais (Lourenção & Nagai, 1994; Sottoriva et al., 2014). CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 44 Nas plantas, este inseto pode causar danos diretos e indiretos. Os danos diretos podem estar relacionados a desordens diversas causadas pela sucção da seiva pelo inseto ou pela ação de toxinas injetadas por ele (Lourenção et al., 2014; Navas-Castillo et al., 2011). Já os danos indiretos são causados pelo favorecimento no desenvolvimento da fumagina, um fungo que impede a fotossíntese e pode causar a morte da planta (Gallo et al., 2002), e pela transmissão de mais de uma centena de espécies de fitovírus (Jones, 2003). Danos causados por tomato chlorosis vírus (ToCV), transmitido por Bemisia tabaci em batata. Morfologia e biologia O ovo da mosca branca possui formato semelhante a uma pera, é amarelado e fixa-se ao substrato por um curto pedicelo (Byrne & Bellows, 1990). A ninfa é oval, de contorno irregular e espalmadas; no início, a ninfa mede cerca de 0,3 milímetros e é transparente, tornando-se mais amarelada ao longo do tempo (Walker et al., 2010). Os adultos medem cerca 0,9 milímetros, são amarelados, CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 45 olhos vermelhos, as asas permanecem ligeiramente afastadas quando em repouso e o corpo do animal é recoberto por uma substância pulverulenta branca (Gill, 1990). A fase de ovo pode durar de 5 a 8 dias, dependendo da temperatura (Bethke et al., 1991), e do ovo, eclode uma ninfa móvel que busca por um lugar adequado na planta onde insere seu estilete e alimenta-se dos nutrientes presentes no floema (Byrne & Bellows, 1990). Após a fixação, a ninfa não mais se movimenta, permanecendo no mesmo local até se transformar em adulto. A reprodução pode ser sexuada ou através de partenogênese arrenótoca, em que ovos não fertilizados dão origem a machos. A produção de ovos pela fêmea sofre modificações de acordo com diversos fatores, como condições ambientes e espécie da planta hospedeira (Byrne & Bellows, 1990); uma fêmea pode produzir uma média de 300 ovos ao longo da vida quando em temperatura ambiente. Controle biológico por ácaros fitoseídeos Ácaros fitoseídeos são utilizados com sucesso como agentes de controle das moscas-brancas B. tabaci e Trialeurodes vaporariorum (Westwood) em países da Europa e da América Norte. As espécies utilizadas são Amblyseius swirskii, Amblydromalus limonicus e Euseius gallicus (Cavalcante et al., 2015; Cavalcante et al., 2017). Entretanto, estas espécies não estão disponíveis comercialmente no Brasil. Os predadores A. swirskii e. gallicus não são encontrados no país (Demite et al., 2017). Apesar de A. limonicus ocorrer em território nacional, os estudos realizados por Cavalcante et al. (2015) com uma população brasileira deste predador não foram promissores para o controle da mosca-branca no Brasil. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 46 Ciclo de vida de mosca branca, Bemisia tabaci. Quanto à possibilidade de introdução dos predadores exóticos A. swirskii e/ou E. gallicus é necessário a obtenção de licenças de importações junto ao MAPA para a realização de diversos estudos para comprovação da eficácia do predador nas condições ambientais e sistemas de cultivo do Brasil. Além disso, como se tratam de predadores exóticos, estudos de análise de risco são indispensáveis. Estudos de análise de risco são necessários para verificar sobre o impacto destes organismos exóticos sobre populações de organismos nativos não-alvo. Outra alternativa é utilizar populações nativas de ácaros predadores para o controle da mosca-branca. Neste contexto, Cavalcante et al. (2015) realizaram estudos para verificar o CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 47 potencial de diferentes espécies de predadores para serem utilizados como agentes de controle biológico da mosca-branca no Brasil. Os autores encontraram resultados promissores ao utilizar ovos de B. tabaci biótipo B como presa, com destaque para o predador Amblyseius tamatavensis. Em uma etapa seguinte, Cavalcante et al (2017) avaliaram o ciclo de vida do predador ao se alimentar com ovos da mosca-branca e sua capacidade em reduzir populações da praga em plantas de pimentão. Os autores verificaram uma ótima taxa reprodutiva, comparável às espécies que têm sido utilizadas comercialmente, sendo o predador capaz de reduzir drasticamente a densidade populacional da praga em plantas de pimentão. Tais estudos demonstram o potencial de A. tamatavensis como agente de controle biológico de B. tabaci. No entanto, estudos complementares são necessários até que esta espécie esteja disponível comercialmente. Nesse intuito, a PROMIP, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), está avaliando a viabilidade comercial deste predador. Desse modo, estão sendo avaliadas técnicas de criação massal, quantidade de predadores necessários por área, estratégias de liberações, entre outros. Por fim, o produto precisa ser registrado junto ao MAPA como um agente de controle biológico. Apesar das inúmeras etapas necessárias até o lançamento de um novo produto biológico, diante dos resultados obtidos com A. tamatavensis, em breve uma ferramenta para o controle da mosca- branca estará disponível comercialmente para os produtores brasileiros. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 48 Número médio de ovos e ninfas (± erro padrão) de Bemisia tabaci por planta de pimentão em diferentes períodos após a liberação do predador Amblyseius tamatavensis (18 predadores liberados por planta) (adaptado de Cavalcante et al., 2017). 6.4. TRIPES Danos às culturas Os insetos conhecidos como tripes (Thysanoptera) são em sua grande maioria fitófagos, podendo ocorrer em diversas culturas de grande importância (e.g. cebola, tomate, rosas). Nestas culturas, estes animais podem causar danos diretos e indiretos Os danos diretos, embora geralmente menos importantes do que os danos indiretos podem acarretar grandes perdas, especialmente quando estes insetos estão em alta densidade. Estes se alimentam CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEUPAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 49 de seiva, causando palidez, manchas, prateamento e queda das folhas; quando atacam brotos, estes tornam-se retorcidos. Como consequência, além de danos na produção da planta, as flores e frutos perdem boa parte de seu valor de mercado. Os danos indiretos são causados pela transmissão de patógenos para as plantas pelos tripes. Ao se alimentar de uma planta sadia, estes insetos podem inocular patógenos, e atuarem como transmissores de vírus (Gallo et al., 2002). As principais espécies de tripes danosas à agricultura no Brasil são: Frankliniella occidentalis, Frankliniella schultzei, Thrips palmi e Thrips tabaci (Monteiro et al., 2001a; 2001b) Morfologia e biologia Ovos da maioria das espécies fitófagas de tripes são alongados, variando de cilíndricos a ligeiramente curvados. Do ovo eclodem as ninfas que são semelhantes aos adultos, mas diferenciam-se por apresentarem coloração mais clara e pela ausência de asas. Os adultos são pequenos, variando de 0,5 a 15 milímetros; o corpo é estreito; a coloração é muito variável e uma das principais características morfológicas que permite identificar o grupo é a presença de asas franjadas, embora existam espécies desprovidas de asas (Gallo et al., 2002). Os ovos são depositados dentro ou sobre folhas, brotos ou outros órgãos vegetais que sirvam de alimento para as larvas. Após cerca de seis dias de inoculação, dos ovos eclodem as ninfas. Os dois primeiros estágios ninfais localizam-se nas folhas, são ativos e alimentam-se normalmente. No terceiro e quarto estágios ninfais (algumas vezes existindo também um quinto estágio) descem até o solo onde ficam inativos e não se alimentam, sendo chamados de CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 50 pré-pupa e pupa (embora não correspondam a um estágio pupal verdadeiro). O ciclo do ovo a adulto geralmente completa-se em 15 dias. Após a emergência do adulto, este volta para a parte aérea da planta. Os adultos geralmente vivem entre 30 e 45 dias e cada fêmea até cerca de 300 ovos durante a vida (Bethke et al., 2014). Estágio imaturo (A) (Crédito: Jon Hart) e adulto (B) de Frankliniella occidentalis (Crédito: William Fisher). Controle biológico por ácaros fitoseídeos e edáficos Por ter em seu ciclo de vida estágios edáficos e estágios que vivem na parte aérea de plantas, o controle biológico de tripes pode ser realizado tanto por ácaros predadores edáficos, quanto por aqueles que vivem na parte aérea de plantas, geralmente um ácaro fitoseídeo. Diversos grupos de predadores edáficos podem se alimentar de tripes, com destaque para as famílias Rhodacaridae (Castilho et al., 2009a), Ascidae (Enkegaar e Broodsgaard, 2000) e Laelapidae, tendo esta última sido mais estudada para esta finalidade. No Brasil, o único ácaro predador disponível comercialmente para o controle de estágios edáficos de tripes é S. scimitus. Embora a eficiência deste predador seja comprovada por relatos de CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 51 produtores que o utilizam, pouca informação existe na literatura para corroborar o controle de tripes por ele exercido. Em laboratório, Moreira (2014) demonstrou que este predador consome, em média, 3,9 pupas ou pré-pupas de F. occidentalis por dia. Quanto ao controle das fases que ocorrem na parte aérea da planta, as espécies de fitoseídeos que estão disponíveis comercialmente como agentes de controle biológico em diferentes países são: A. swirskii, Iphiseius degenerans, N. barkeri e N. cucumeris (maiores informações disponíveis em IPM Practitioner’s 2015 Directory of Least Toxic Pest Control Products for suppliers). Esta última espécie é o principal fitoseídeo comercializado na Europa para o controle de F. occidentalis e T. tabaci em cultivo protegido de hortaliças, destacando-se a cultura do pimentão e do pepino (Gerson et al., 2003). Porém, a taxa predatória deste ácaro é muito prejudicada quando os tripes ocorrem junto com o ácaro rajado, já que N. cucumeris não tem habilidade para andar entre as teias, que pode servir de refúgio para os tripes (Magalhães et al., 2007; Venzon et al., 2001). No Brasil, N. barkeri foi comercializado com muito sucesso para o controle de tripes. Embora no momento a produção e comercialização deste agente de controle biológico no Brasil esteja descontinuada, em breve ele será disponibilizado novamente para os produtores brasileiros. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 52 7. TECNOLOGIA DE APLICAÇÃO PARA ÁCAROS PREDADORES A implementação de um programa de controle biológico deve passar por várias etapas. Inicialmente, pesquisas são realizadas para busca e avaliação possíveis espécies como agentes de controle biológico, seguidas pela comprovação da eficiência das espécies selecionadas. Depois, é necessário desenvolver métodos para sua criação massal, determinando o substrato, alimento, etc. Por fim, é necessário definir as estratégias para aplicação do bioproduto. Em uma última etapa, o produto é regulamentado junto aos órgãos responsáveis. Porém, todo este trabalho será em vão se houver falhas no momento do transporte do bioproduto até o produtor ou nas técnicas de aplicação utilizadas no campo. No caso dos ácaros predadores, esta aplicação refere-se à liberação propriamente dita dos organismos (Bueno, 2009; Parra et al., 2002.). Após sua produção na biofábrica, os organismos devem chegar ao produtor com o mesmo número de indivíduos vivos que foram inicialmente embalados, ou seja, a taxa de mortalidade deve ser muito baixa ou nula. Além disso, os predadores devem estar saudáveis e ativos. Para tanto, algumas medidas devem ser realizadas para a manutenção da qualidade destes organismos durante o transporte (Moraes et al. 2009): (a) Para garantir a sobrevivência dos predadores, na embalagem de transporte (frasco), um material inerte (e.g. vermiculita, casca de arroz, sabugo de milho triturado) é envasado junto com os organismos a fim de permitir a manutenção da CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 53 umidade no interior da embalagem, além de proporcionar maior superfície de locomoção dos predadores; (b) Sempre que possível, os predadores devem ser embalados junto com alguma fonte de alimento. Para espécies generalistas são utilizados como presas ácaros Astigmatina, especialmente aqueles da família Acaridae (Barbosa e Moraes, 2015; 2016). Estes ácaros são comumente encontrados associados a alimentos armazenados e podem ser facilmente criados em pequenos espaços. No caso de predadores especialistas, como P. macropilis, a presa utilizada é a mesma espécie a ser controlada, que deve ser incluída em pequenas quantidades na embalagem; (c) Antes do envio do bioproduto, os organismos são estocados a baixa temperatura, a fim de se diminuir suas atividades metabólicas, preservando-os por mais tempo. Durante o procedimento de transporte, algumas recomendações também devem ser seguidas: - O envio deve ser realizado no menor tempo possível, de preferência com algum responsável para acompanhar a entrega e garantir que ela ocorra adequadamente; - Os frascos, que geralmente são em formato cilíndrico, devem permanecer sempre na posição horizontal, para aumentar a área útil para os ácaros; e - Os frascos devem ser mantidos em caixas térmicas de poliestireno para evitar que a temperatura se eleve demasiadamente. Um aspecto importante a ser ressaltado são as embalagens utilizadas para a comercialização destes agentes de controle biológicos. Os ácaros podem ser transportados em diferentes embalagens, sendo mais comuns frascos cilíndricos de papelão ou CONTROLEBIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 54 plástico e sachês. Quando utilizado o frasco, geralmente a tampa da unidade apresenta um furo coberto por tecido “voil” ou tecido não tecido (TNT), para garantir trocas gasosas. Neste caso, para a aplicação do bioproduto, os ácaros são liberados de forma ativa pelo produtor. Este deve seguir as seguintes recomendações: (a) o conteúdo da embalagem deve ser cuidadosamente agitado para homogeneizar seu conteúdo; (b) o frasco é aberto delicadamente e; (c) o bioproduto é distribuído diretamente sobre a planta ou substrato contendo a praga alvo. Esquema de liberação de ácaros predadores comercializados em frascos, mostrando como os mesmos devem ser abertos e seu conteúdo espalhado sobre as plantas desejadas. A utilização de sachês como embalagem resulta em um sistema de aplicação no campo distinto daquele supracitado. Os sachês contendo os predadores devem ser pendurados nas plantas e uma pequena abertura permite a lenta saída dos ácaros da embalagem. Este processo, denominado sistema de liberação lenta, pode levar CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 55 semanas. Uma das principais vantagens deste sistema é que durante este período, os ácaros continuam se reproduzindo no interior no sachê. Outra vantagem é a possibilidade de utilização este bioprodutos em plantas de maior porte, como frutíferas. Sachê contendo ácaros predadores e sua maneira de colocação na planta. 8. ÁCAROS PREDADORES E O CONTROLE QUÍMICO Apesar dos avanços obtidos no controle biológico, o controle químico ainda é a estratégia mais utilizada no controle de pragas agrícolas. Diversos motivos levam a esta liderança e, dentre eles, está a inexistência de bioprodutos para muitas pragas-chave. Além disso, é comum que o produtor, após ter utilizado um bioproduto para determinada praga, aplique um inseticida para o controle de outra. Porém, esta ação pode comprometer a eficácia do agente de controle biológico utilizado, com desperdício dos recursos CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 56 investidos no controle biológico. Assim, as estratégias de controle devem ser associadas harmoniosamente, dentro de um programa de MIP, ou seja, o Manejo Integrado de Pragas. O MIP surgiu nos anos 60, como uma proposta de manejo fitossanitário com enfoque múltiplo pressupondo a adoção de um conjunto de práticas que visam a reduzir a população dos insetos e ácaros praga. No MIP, a adoção de estratégias de controle é determinada pelo nível de dano econômico, que está associado ao nível populacional das pragas, estimado por métodos de amostragem (Gallo et al. 2002; Zuluaga & Mesa 2000). Portanto, o MIP não exclui a utilização do controle químico, sendo os produtos químicos utilizados racionalmente. Estes devem ser sempre utilizados de maneira precisa (p. ex., dosagem, época de aplicação) e seletiva (equilíbrio com os inimigos naturais) além dos cuidados durante o processo de aplicação e descarte das embalagens. Nesse contexto, para o controle biológico e químico serem utilizados combinados é indispensável a utilização de produtos seletivos, devendo-se preconizar o uso de bioprodutos com organismos de linhagens resistentes aos defensivos químicos (Degrande et al. 2002; Hoy 2011). A seletividade de um produto pode ser definida como a propriedade que este apresenta de controlar a praga visada, com o menor impacto possível sobre os componentes benéficos do ecossistema (e.g. parasitóides, predadores e polinizadores) (Degrande et al. 2002). Esta seletividade pode ser função das diferenças ecológicas ou fisiológicas entre os organismos. A seletividade fisiológica se dá quando a inatividade de um composto para determinada espécie ocorre devido a fatores metabólicos, como diferenças na absorção da molécula ou por seu sítio de ligação celular, por exemplo (Foerster, 2002). CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 57 Já a seletividade ecológica se dá em função das diferenças de comportamento ou habitat entre as espécies alvo e as espécies não-alvo, possibilitando que o produto químico entre em contato com determinada espécie e não com outra. Esta exposição diferencial de pragas e organismos benéficos pode se dar no tempo ou no espaço. Como exemplos podem ser citados: períodos em que a ocorrência do inimigo natural é naturalmente mais baixa ou locais de distribuição diferentes para pragas e inimigos naturais. O emprego de inseticidas de maneira ecologicamente seletiva minimiza a exposição de inimigos naturais e, ao mesmo tempo, controla as espécies alvo (praga), como, por exemplo, quando se utiliza iscas que exploram o comportamento da praga (Degrande et al. 2002; Gallo et al., 2002; Gravena, 2005; Ripper et al., 1951). Para a avaliação da seletividade de defensivos químicos a organismos benéficos, métodos experimentais padronizados, de curto, médio e longo prazo, devem ser utilizados. Como exemplo, no caso de registros de defensivos químicos, a IOBC (International Organization for Biological and Integrated Control of Noxious Animals and Plants), recomenda estudos de seletividade realizados com duas espécies-padrão e duas espécies relevantes ao sistema no qual o produto será utilizado. A IOBC recomenda como espécies- padrão um parasitóide e um ácaro predador devido à elevada sensibilidade destes (Alix et al., 2012; Degrande et al. 2002) Entre os parâmetros avaliados para verificar o efeito do defensivo químico têm-se: mortalidade, fecundidade, taxa instantânea de crescimento (informação que permite determinar o crescimento populacional), capacidade de predação, resposta funcional (ou seja, o número máximo de presas que um predador consegue predar em determinado espaço de tempo) etc. CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS 58 Estudos realizados em vários países demonstram o impacto dos defensivos químicos sobre ácaros predadores fitoseídeos. No Brasil, Poletti et al. (2008) realizaram um extenso estudo avaliando a seletividade de 21 defensivos químicos (acaricidas, fungicidas e inseticidas) sobre imaturos e adultos de N. californicus e P. macropilis. Os resultados obtidos demonstram que as maiores dosagens de defensivos químicos causaram menor impacto em N. californicus quando comparado ao P. macropilis. Assim, em cultivos onde há a utilização do controle químico, o controle biológico do ácaro rajado deve ser, preferencialmente, realizado através da liberação de N. californicus em substituição a P. macropilis. Bioprodutos com organismos de linhagens resistentes O uso de linhagens de agentes de controle biológico resistentes é uma estratégia que favorece a associação entre os controles biológico e químico em programa de MIP. Isso se deve ao fato do impacto dos defensivos químicos serem minimizados sobre estes agentes de controle biológico. Assim, estes organismos permanecem no agroecossistema e se mantém eficientes no controle da praga alvo mesmo quando expostos aos defensivos químicos (Hoy 2011; Solomon et al. 1993). A ocorrência de resistência em populações de pragas é um grande problema para o produtor, mas grandes benefícios podem ser obtidos com a seleção de linhagens resistentes de inimigos naturais. A seleção destas linhagens é feita em laboratório, através da aplicação controlada de defensivos em uma população do inimigo natural até que sobrem apenas aqueles que não são prejudicados pelo produto. A liberação destas linhagens resistentes, em detrimento de linhagens que misturam indivíduos resistentes e suscetíveis, é uma estratégia extremamente favorável CONTROLE BIOLÓGICO COM ÁCAROS PREDADORES E SEU PAPEL NO MANEJO
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