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167 UNIDADE 3 TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você será capaz de: • compreender o que são territórios ou reinos biogeográficos; • conhecer e aprender a localizar os diferentes tipos de biomas existentes no planeta; • entender o que são paisagens fitogeográficas do reino neotropical e os do- mínios morfoclimáticos brasileiros. Esta unidade está organizada em dois tópicos e em cada um deles você en- contrará atividades para uma maior compreensão das informações apresen- tadas. TÓPICO 1 – OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS TÓPICO 2 – AS PAISAGENS FITOGEOGRÁFICAS DO REINO NEOTROPICAL 168 169 TÓPICO 1 OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Os seres vivos se movimentam e se distribuem na biosfera. Os padrões de distribuição não são aleatórios, mas dependem de vários fatores abióticos e bióticos, que interagem atualmente ou que interagiram no passado, para constituir conjuntos de hábitats. Por causa dessas interações, esses conjuntos podem apresentar certas correspondências nos limites territoriais de distribuição dos seres vivos. Em outras palavras, podemos dizer que pode existir coincidência no limite de distribuição dos hábitats, o que é indicado pelo nível de endemicidade dos seres vivos, que se dá em diversas categorias ou níveis taxonômicos: ordem, família, gênero e espécie. Isso permite a identificação de territórios de distribuição exclusiva de determinados grupos da flora e da fauna, denominados territórios biogeográficos ou biorreinos. Eles se distribuem hierarquicamente, conforme o nível de endemicidade que está relacionado ao nível taxonômico. 2 TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS Os territórios biogeográficos possuem extensões continentais e se distinguem pelo número elevado de endemismos, geralmente em nível de ordens e de famílias. Os reinos subdividem-se em Regiões Biogeográficas, com endemismos ao nível de subfamílias e de gêneros. Por sua vez, as regiões biogeográficas subdividem-se em Domínios ou Províncias Biogeográficas, compreendendo áreas com elevado número de endemismo ao nível de gêneros e espécies. Os domínios subdividem-se em Setores ou Distritos Biogeográficos, que correspondem a territórios restritos com elevado número de endemismos ao de espécies ou de gêneros, se estes últimos possuírem poucas espécies (LACOSTE; SALANON, 1973; VALDÉS, 1985). UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 170 Os limites dos reinos biogeográficos, muitas vezes, se confundem e se interpenetram, principalmente quando as barreiras biogeográficas não são bem definidas. Essas divisões variam muito, principalmente quando o nível taxonômico é mais restrito. Por isso, existem as faixas de transição, que ligam reinos contíguos e indicam uma passagem gradual de um reino para o outro. Nessas faixas encontram-se espécies de um reino e de outro em convívio e ocupando hábitats diferentes. Por exemplo, na estreita faixa de terras da América Central coexistem espécies tropicais na planície costeira e nas baixas encostas cobertas pela mata tropical úmida e quente, mas nas serras, de clima frio e seco, aparecem espécies próprias de regiões frias. (TROPPMAIR, 1989, p. 176). Inúmeros pesquisadores estabeleceram divisões fito e zoogeográficas para a biota. Destacam-se, dentre tantos, De Candolle (1855), Sclater (1857), Wallace (1876), que criaram as bases das classificações modernas. Entre os autores atuais, destacam-se Schmithuesen (1961), que criou seis reinos, Lemée (1967) com sete reinos, Müller (1973) com cinco e Udvardy (1975) com oito reinos biogeográficos. Hoje, uma das classificações mais usadas é a de Müller (1979, 1980), subdividida em várias sub-regiões. Na sua classificação, Müller (1979, p. 54) estabeleceu os reinos biogeográficos, resumidos no quadro a seguir. Reino Região Localização Holártico Neártica América do Norte, Ártico e Groenlândia Paleártica Eurásia (incluídas Islândia, Canárias, Coreia e Japão) e norte da África Paleotropical Etiópica África, ao sul do Saara. Malgache Madagascar e ilhas oceânicas Oriental Índia Indochina, até a linha de Wallace Australiano Australiana Oceânica Neozelandesa Havaiana Austrália, Nova Guiné e ilhas vizinhas, Oceania, parte da Nova Zelândia, Havaí e demais ilhas do Pacífico. Neotropical - Américas do Sul e Central e Antilhas Arquinótico - Antártida, sudoeste da América do Sul e sudoeste da Nova Zelândia. FONTE: Müller (1979) QUADRO 4 - REINOS BIOGEOGRÁFICOS DE MÜLLER (1979) A divisão entre os reinos Neotropical e Paleotropical e o reino Holártico tem suscitado discussões. Alguns pesquisadores consideram a América Central não uma zona de transição entre os reinos Holártico e Neotropical, mas uma região do reino Neotropical, porque nela predomina a fauna sul-americana e o clima é tropical. Também é difícil traçar os limites entre os reinos Paleotropical e Holártico. Os animais migram com facilidade entre as duas regiões, sobretudo na zona de transição representada pela Península Arábica e pelo norte da África. TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 171 A linha de Wallace é uma zona de transição que separa a região Oriental (reino Paleotropical) da região Australiana (reino Australiano) e nela encontra- se uma fauna mista de origem australiana e oriental. Possui também espécies endêmicas, como o macaco de Célebes (Cynopthecus niger). Na América Central, a variabilidade da capacidade de dispersão dos grupos de animais foi o ponto principal que levou a essa diversidade de opiniões. Para os mamíferos e aves, grupos com alta capacidade de dispersão, as condições climáticas e de relevo da América Central não influíram muito, mas, para os anfíbios, répteis e outros, as dificuldades de dispersão foram maiores. O número de espécies sul-americanas é muito maior que as norte-americanas. Ao se traçarem os limites setentrionais das espécies sul-americanas e os limites meridionais dos grupos norte-americanos, podem-se observar dois fatos (MÜLLER, 1979): 1 – as famílias sul-americanas aparecem em maior número; 2 – existe uma barreira natural que marca o limite setentrional das espécies sul- americanas, representada, ao norte da América Central, pela floresta tropical das terras baixas e pelas altitudes de 1.500 metros da Sierra Madre, no México. Acima dessa cota altimétrica, espécies norte-americanas predominam e migram para a América do Sul pelos Andes. O deserto do Saara é outra região de transição cujos limites são incertos. Nela transitam espécies de animais e de plantas dos reinos Holártico (região Paleártica) e Paleotropical (principalmente da região Etiópica). A região central do Saara é mais seca, porém, possui montanhas de clima mais ameno, que atuam como se fossem ilhas ou corredores biogeográficos, por onde migram espécies holárticas em direção ao sul. É também usada pelas espécies etiópicas, que a cruzam no seu movimento para o norte. No período Quaternário, quatro flutuações climáticas marcaram as zonas centrais do Saara: um período úmido, entre 22.000 e 8.500 a.p., seguido por uma fase de aridez que se estendeu de 8.500 a 5.000 a.p. Nova fase de umidade predominou de 5.000 a 2.500 a.p. e, finalmente, o período seco atual, desde 2.500 a.p. O atual lago Tchad é um resíduo dos diversos lagos quaternários que se sucederam nas flutuações climáticas. (MÜLLER, 1979, p. 61). Essa sucessão de condições climáticas criou refúgios, que isolaram as populações de animais e estabeleceram uma fauna particular, típica de desertos. No entanto, essa fauna aparece em zonas áridas da Índia, o que mostra a existência de corredores antigos entre as duas regiões, ativos possivelmente durante a existência do continente de Gondwana. Esse fato justifica a união das regiões Oriental e Etiópica no reino Paleotropical. Aparecem,nas duas regiões, inúmeras espécies de animais, como o elefante, o camelo, o rinoceronte, aves diversas, anfíbios. UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 172 Por outro lado, é pequeno o número de famílias de aves endêmicas em cada região. Das 67 famílias de aves existentes nas duas regiões, apenas quatro são endêmicas da região Etiópica e uma da Oriental. Dos 267 gêneros de aves que habitam as regiões, 69 espécies são etiópicas e se estendem até a Índia, ao passo que, destas, 63 aparecem na Europa (MÜLLER, 1979). Outra região de transição entre os reinos Holártico e Paleotropical aparece na China, bastante modificada pela ocupação humana, especialmente depois da chegada dos europeus. As matas subtropicais originais foram totalmente erradicadas e a fauna florestal substituída por espécies adaptadas ao campo aberto. A última zona de transição acha-se nas regiões meridionais da América do Sul e da Nova Zelândia e as separa do reino Arquinótico. Muitas famílias de plantas e de invertebrados atuais mostram estreita relação nessas regiões, cujas origens estão no período Terciário. Na atualidade, grupos imigrantes antigos e modernos nos diversos reinos se superpõem uns aos outros. Origina-se aí uma confusa complexidade, que tende a se acentuar simultaneamente ao avanço da intervenção humana nos geossistemas. Contudo, cada reino ainda conserva as suas peculiaridades. FIGURA 83 – OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS FONTE: Müller (1979) TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 173 Como foi dito antes, o problema dos limites suscita muitas discussões, eles são bem definidos apenas quando existem acidentes geográficos como montanhas, desertos e oceanos, que também atuam como barreiras (TROPPMAIR, 2002, p. 131). Resumimos no Quadro 6 alguns exemplos de grupos da flora e da fauna de cada reino biogeográfico, para ilustrar importantes endemismos que serviram de indicação da delimitação desses territórios. Reino Fauna Flora Holártico Mamíferos: Ursidae (ursos), Canidae (cães, lobos, coiotes), Cervidae (cervos e alces), Bovidae (búfalo, bisão), Castoridae (castores), Erinaceídae* (ouriço), Didelphidae** (gambás), Procionedae** (quatis). Aves: Regularidae (saracura), Tetraonidae (urogalo), Alcidae (papagaio-do-mar), Ciconidae* (cegonha), Cuculidae* (cucos), Turdidae* (rouxinóis), Vulturidae** (abutres). Peixes: Acipenseridae (esturjão), Percidae (perca), Salmonídae (salmão e truta). * * Exclusiva da Região Paleártica. * Exclusiva da Região Neártica. Betulaceae (arbustos e árvores como as avelanzeiras); Salicaceae (choupo, álamo), Ranunculaceae (ranúnculos), Moráceas (amoreiras). Paleotropical Mamíferos: Giraffidae (girafa), Hippopotamidae (hipopótamos), Hyaenidae (hiena), Pongidae (gorila, chimpancé), Felidae (leão), Elephantidae (elefante), Equidae (zebras). Aves: Struthioniformes (avestruz), Galliformes (galinhola). Gêneros Pelargonium (gerânios), Khaia (ébano), Cola (árvore produtora de alcaloide). Australiano Ordem Monotremata (équidna, ornitorrinco), Macropodidae (canguru), Phascolarctos cinereus (coala), Casuarius casuarius (casuar), Dromaius novaehollandiae (emu). Gênero Eucalyptus. Neotropical Mamíferos: Cebidae (macacos), Callithricidae (saguis), Myrmecophagidae (tamanduás), gênero Lama (lhama, vicuña, guanaco). Aves: Trochilidae (beija-flores), Tinamiformes (perdizes), gênero Rhamphastos (tucanos). Cactaceae (cactos), Bromeliaceae (bromélias), gênero Hevea (seringueira). Arquinótico Aptenodytes forsteri (pinguim-imperador), Pycoscelis adeliae (pinguim-de-adélia). Deschampsia antarctica. Colobanthus crassifolius. FONTE: Lacoste; Salanon (1973); Pereira; Almeida (1996) QUADRO 5 - FAUNA E FLORA MAIS COMUNS DOS REINOS BIOGEOGRÁFICOS 2.1 REINO HOLÁRTICO O reino Holártico é restrito ao Hemisfério Norte. Compreende a Europa, incluindo a Islândia, a Sibéria, os países asiáticos, incluindo a Coreia e o Japão, o norte da África e a América do Norte, exceto o México. O reino Holártico tem uma fauna e uma vegetação bem diversificadas. À época da Pangea, o reino foi parte dos continentes de Gondwana e Laurásia. No início do Paleoceno, a América do UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 174 Norte e a Eurásia constituíram um bloco ligado à África por um estreito istmo, que separava o Atlântico Norte, recém-aberto, do Mar de Thetis, entre a Eurásia e a África. No Mioceno, a América do Norte separou-se da Eurásia, iniciando um movimento para o sul. Posteriormente, por meio de um conjunto de ilhas, que veio a constituir o istmo da América Central, ligou-se à América do Sul. A ligação da América do Norte com a Eurásia explica a semelhança verificada atualmente entre a fauna e a flora de ambos continentes. No reino Holártico aparecem os biomas da tundra, taiga, floresta temperada decídua, estepes e pradarias, desertos e vegetação mediterrânea, que abrigam uma fauna muito variada. “A riqueza de biomas no reino se deve a uma complexa rede de interações, cujo centro está nas condições climáticas, que levou ao desenvolvimento de paisagens variadas e antigas”. Strahler (1984, p. 244) e Strahler; Strahler (1996, p. 184) classificaram o clima do reino Holártico no grupo climas de médias latitudes e no de altas altitudes, que variam desde o clima de tundras, no norte do Canadá e Alaska e no norte da Sibéria, até um clima subtropical úmido, no sul dos EUA, passando por clima mediterrâneo, desértico e de montanhas. O reino Holártico subdivide-se em duas regiões: a região Paleártica, que engloba a Eurásia e o norte da África, excluindo-se a zona de transição com o reino Paleotropical, e a região Neártica, representada pela América do Norte e a Groenlândia. O bloco continental Europa-Ásia-África é contínuo e permite um trânsito relativamente constante de animais e plantas em todos os sentidos, respeitando-se as barreiras montanhosas, que se interpõem às rotas (Montes Urais, Stanovoi e Verkhianski, Cárpatos, Cáucaso, Bálcãs, Alpes etc.) e, acima de tudo, a presença do homem. 2.2 REINO PALEOTROPICAL O reino Paleotropical aparece na África e no Oceano Índico, onde se limita com o reino Australiano. Três regiões biogeográficas o compõem: região Etiópica, região Malgache e região Oriental. Nele aparecem biomas de deserto, estepe, savana e a floresta tropical úmida. No reino Paleotropical predominam climas tropicais e subtropicais, que dão características um pouco diferentes aos desertos e estepes, embora as semelhanças com seus homônimos do reino Holártico sejam maiores que as diferenças. Os climas encontrados no reino Paleotropical são todos tropicais, exceto os de altas montanhas. De acordo com a classificação de Strahler (1984, p. 247) e de Strahler; Strahler (1996, p. 185), os climas que aparecem neste reino são o tropical árido, o subtropical árido, o mediterrâneo, o tropical com duas estações (seco-úmido) e o equatorial. TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 175 2.3 REINO AUSTRALIANO O que mais chama a atenção no reino Australiano é a sua fauna endêmica, consequência do isolamento desde o Mesozoico Inferior. O reino inclui a Austrália, Nova Caledônia, Tasmânia, o centro-norte da Nova Zelândia, Nova Guiné, Polinésia e Havaí. O reino Australiano é um dos mais ricos em formações fitogeográficas, abrangendo quase todas as formações do planeta – desertos, estepes e pradarias, savanas, floresta temperada decídua, floresta tropical úmida e o chaparral. Da mesma forma, apresenta uma variedade climática significativa. De um modo geral, as faixas climáticas do reino Australiano são estreitas na Austrália, mas as incontáveis ilhas da região resumem-se a apenas um tipo de clima, com algumas poucas exceções. Segundo Strahler; Strahler (1996, p. 185): aparecem os seguintes tipos climáticos na região: nas ilhas que circundam a Austrália, o clima equatorial úmido predomina na Nova Guiné, Nova Caledônia,Fiji e Havaí; no centro da Nova Guiné, uma alta cadeia de montanhas, com altitudes acima de 4.000 metros, constantemente batida pelos alísios de nordeste, com clima tropical seco; na Nova Zelândia e na Tasmânia predomina o clima marítimo da costa ocidental. Na Austrália, o clima no litoral é úmido e o interior apresenta climas sucessivamente mais sazonais até chegar ao deserto, no centro do país. No litoral oriental australiano, o domínio é do clima subtropical úmido, verão quente e úmido, invernos suaves e chuvas bem distribuídas ao longo do ano, trazidas pelos alísios de sudeste, com predomínio no verão. O excesso de umidade facilitou o crescimento da floresta subtropical úmida, que se estende apenas por duas pequenas regiões. No litoral sudeste, ventos frios de oeste originaram um clima com verões quentes e invernos frios e chuvosos. Em direção ao interior, uma extensa e estreita faixa de clima tropical seco margeia o deserto, desde o norte até o sul, com temperaturas elevadas durante todo o ano. No litoral norte aparecem duas pequenas faixas, separadas pelo mar, do clima tropical sazonal, com chuvas no verão (dezembro/ março) e seca no inverno (junho/agosto). No litoral sudoeste ocorre uma estreita porção de clima mediterrâneo com inverno úmido e verão seco. Finalmente, no interior, predomina o clima desértico, com massas continentais secas e quentes. (STRAHLER; STRAHLER, 1996). A chamada linha de Wallace separa o reino Australiano do reino Paleotropical. A linha de Wallace passa entre a Nova Guiné e a Indonésia e separa as faunas asiática e australiana. Entre os anos de 1854 e 1862, o naturalista inglês Alfred Russel Wallace (1823-1913), ao explorar a região, sugeriu que o estreito de Makassar, que separa a ilhas de Borneo e Sulawesi (ou Célebes), na Indonésia, divide nitidamente as faunas dos dois reinos em duas porções – a oeste, a fauna asiática, e a leste a fauna australiana. Em homenagem a Wallace, a linha foi batizada com o seu nome. O estreito de Makassar é profundo – ele fica sobre a placa Indo-Australiana – e é improvável que, no passado, houvesse UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 176 existido uma ponte de terra entre os reinos, mesmo nas maiores regressões do mar. Muitas espécies de pássaros não cruzam o estreito, que não é largo - embora muitas transitem normalmente pelas ilhas. Os trabalhos de Wallace o levaram a ser considerado um dos precursores da Biogeografia. Para entender as atuais flora e fauna australianas devemos recorrer à paleobiogeografia. No Cretáceo médio, a Austrália e as ilhas faziam parte de Gondwana. Com a separação dos continentes, a Austrália moveu-se para o norte até meados do Eoceno (há 54 MA), quando se isolou por completo do restante dos continentes. Em latitudes mais baixas, o clima mudou de temperado frio para uma variedade de climas à medida que o continente se assentava na sua posição atual – climas mediterrâneo, desértico, temperado, tropical e subtropical. (FURLEY; NEWEY, 1986). No Pleistoceno, a Austrália teve uma fase úmida seguida de um período seco, este, entre os anos 18.000 e 16.000. A alternância entre os dois períodos levou a uma redução do nível do mar e originou uma ligação entre a Austrália e a Nova Guiné, que emergiu e submergiu várias vezes. Essa ponte só se interrompeu em definitivo entre os anos 8.000 e 6.500. “A floresta tropical úmida da Nova Guiné pôde, então, colonizar o litoral nordeste da Austrália, juntamente com a fauna típica” (MÜLLER, 1979, p. 72). Savanas e estepes (campos) predominam na paisagem australiana. As florestas equatoriais formam duas estreitas faixas no litoral nordeste. “As maiores florestas encontram-se no litoral norte – são as florestas de monções, sempre verdes, com palmeiras, atingida por ventos alísios, que se mistura a savanas arbóreas e estepes” (STRAHLER; STRAHLER, 1996, p. 548). “No interior, quando as precipitações escasseiam, a savana e os bosques de árvores esparsas passam a ter o domínio”. (WALTER, 1986, p. 176). No litoral ocidental, com clima mediterrâneo, destacam-se grandes florestas de Eucalyptus spp. As chuvas caem no inverno e o verão é seco. As chuvas são trazidas pelas frentes polares, que predominam no inverno – 650 a 1.250 mm/ano. No verão, o domínio pertence às massas tropicais continentais, quentes e secas. Os solos em que estão as florestas de eucaliptos são arenosos e bem drenados, o que os torna secos e limitantes para uma floresta mais densa. As florestas de eucaliptos são abertas, o que permite um sub-bosque esparso. Apesar disso, há cerca de 6.000 espécies de plantas vasculares, das quais aproximadamente 3.500 são endêmicas na região (WALTER, 1986). No sul, a espécie dominante Eucalyptus diversicolor pode alcançar 85 metros de altura, enquanto no sub-bosque, samambaias têm mais de 1,5 metro de altura. O gênero Eucalyptus, da família Myrtaceae, forma um arco em todo o litoral e penetra para o interior, onde escasseia nas proximidades da zona árida central. São xerófitos e perenefólios, com folhas coriáceas e duras, mas as raízes podem extrair muita água do solo, mesmo nos locais em que a maioria TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 177 das mesófitas tem dificuldade em obtê-la (FURLEY & NEWEY, 1986). Pouco exigente, o eucalipto pode se desenvolver em solos com deficiência de nutrientes e água. Sua ocorrência depende das chuvas no litoral, da topografia, dos solos, da rede de drenagem, de incêndios e do uso da terra. Nas regiões com chuvas de inverno do sul, as florestas de eucaliptos são densas e bem desenvolvidas. No interior, aonde as chuvas vão, pouco a pouco, escasseando, a floresta é aberta, com o solo recoberto por gramíneas. Nas regiões ao norte e ao leste, com 250 mm/ ano de chuva, o eucalipto não se desenvolveu, formando apenas moitas de uma variedade raquítica chamada localmente mallee, expressão aborígene (FURLEY; NEWEY, 1986; WALTER, 1986). Nas regiões em que a estiagem chega a sete meses, as savanas substituem as florestas de eucaliptos. “Os incêndios naturais são comuns nas florestas mistas com eucaliptos e nas savanas. Muitas espécies só florescem após um incêndio’’. Walter (1986, p. 179) relaciona vários gêneros pirófilos nas savanas. Segundo Furley e Newey (1986, p. 262): As savanas se distribuem, na Austrália, de acordo com as chuvas. Quanto maior o índice pluviométrico, maiores são as espécies de gramíneas que as recobrem. Nas regiões litorâneas, onde o índice é superior a 1.500 mm/ano, medra uma savana com gramíneas altas. No interior, em solos férteis, em que grandes propriedades usam métodos modernos para a agricultura e para o pastoreio de ovelhas, com índices menores, aparece uma savana de gramíneas baixas. Finalmente, nas zonas semiáridas do interior, a savana xerófita ocupou solos pobres e com pouca água. Prezado(a) acadêmico(a)! Para conhecer mais sobre espécies de plantas vasculares, acesse o site: <http://en.wikipedia. org/wiki/Australasia_ecozone>. Acesso em: 13 jul. 2010. NOTA A floresta tropical úmida sempre verde aparece em todas as ilhas que rodeiam a Austrália, embora, nela própria, não seja comum. Nas ilhas Célebes, o arquipélago das Molucas tem o maior endemismo de aves em todo o mundo. O gênero Agathis da família Araucariaceae é encontrado nesse arquipélago. Na Nova Guiné, a maior ilha do reino Australiano, na floresta tropical é encontrada a maior borboleta do mundo, a chamada borboleta da rainha Alexandra (Ornithoptera alexandrae), e a ave do paraíso (Paradiseae rudolphi), que é endêmica. A floresta baixa guineana comporta 1.200 espécies de árvores. Nas ilhas Salomão convivem 148 espécies de pássaros, das quais 60 são endêmicas. Na UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 178 Nova Caledônia existem2.900 espécies de plantas vasculares (80% endêmicas), duas espécies de Araucaria, 15% de gêneros endêmicos e 5% de famílias endêmicas. (FURLEY; NEWEY, 1986). A ilha da Tasmânia tem clima marítimo das costas ocidentais, com verões quentes e invernos frios e chuvosos. Nas montanhas, acima de 1.500 metros, com menos chuvas, predomina a savana com árvores esclerófilas e gramíneas curtas. No litoral úmido, batido pelas frentes polares, predominam árvores do gênero Nothofagus, típico de clima temperado do hemisfério Norte, e a samambaia arborescente Dicksonia, com três metros de altura. No interior, a floresta temperada, com mais de 800 espécies, depende dos incêndios naturais. “O eucalipto predomina e pode ultrapassar os 100 metros de altura” (WALTER, 1986, p. 187). É o hábitat do marsupial diabo-da-Tasmânia (Sarchophilus harrisii), do équidna (Tachyglosus aculeatus), do ornitorrinco (Ornithorhyncus anatinus), do lobo-da-Tasmânia (Thylacinus cynocephalus) etc. Na Nova Zelândia, nas florestas subtropicais, aparecem as coníferas gimnospermas Podocarpaceae, Cupressaceae e Araucariaceae. Dentre as angiospermas, faias do gênero Nothofagus são as espécies dominantes. Lianas e epífitas recobrem os galhos e os troncos das árvores. Em toda a floresta subtropical, a espécie dominante é a Araucariaceae Agathis australis. No quadro a seguir vê-se uma lista dos desertos australianos: Estado/Território Nome Extensão (km2) Austrália ( % ) WA, SA Great Victoria 348 750 4.5 WA Great Sandy 267 250 3.5 WA, NT Tanami 184 500 2.4 NT, QLD, SA Simpson 176 500 2.3 WA Gibson 156 000 2.0 WA Little Sandy 111 500 1.5 SA, QLD, NSW Strzelecki 80 250 1.0 SA, QLD, NSW Sturt Stony 29 750 0.3 SA Tirari 15 250 0.2 SA Pedirka 1 250 less than 0.1 - Total 1 371 000 18 FONTE: Auslig Deserts database (1994). Disponível em: <http://www.ga.gov.au/education/facts/ landforms/geogarea.htm>. Acesso em: 24 jul. 2010. QUADRO 6 - DESERTOS AUSTRALIANOS Diversos animais domésticos, como cavalos, gado, cabras, porcos, jumentos, camelos, búfalos, cães, gatos, coelhos e também raposas, foram introduzidos no reino Australiano pelos europeus. O dingo (Canis lupus familiaris dingo), provavelmente criado na Índia e tendo chegado à Austrália entre 4.000 e 3.500 anos, talvez levado pelos antigos maoris, espalhou-se pelo continente e TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 179 pela Nova Zelândia. Raposas, cabras, gatos e coelhos batem todos os recordes populacionais na Austrália. Os gatos têm uma densidade de um indivíduo por quilômetro quadrado, mas os coelhos (Lepus europaeus) ultrapassam o bom senso: somam entre 200 milhões e 300 milhões de indivíduos, para uma população de 20.345.802 pessoas. Na Nova Zelândia, os animais europeus promoveram uma devastação sem paralelo. O cervo vermelho escocês ou cervo europeu (Cervus elephas), aportado à ilha no século XIX, alimenta-se sobretudo de Nothofagus, uma das espécies dominantes na floresta neozelandesa. “De crescimento lento, a vegetação foi praticamente destruída pelo cervo, o que acelerou a erosão do solo em vastas áreas” (WALTER, 1986, p. 189). “Desde a década de 80, os cervos são caçados e levados para fazendas, onde são criados como animais de corte e couro”. (FURLEY; NEWEY, 1986, p. 271). O isolamento da Austrália e das ilhas fez com que a evolução de animais e plantas trilhasse outros caminhos, bem pecualiares, porque não ocorreu a troca de genes com outras populações. Semelhante processo também se deu na América do Sul, embora com menos intensidade. Na Austrália, depois da separação de Gondwana, o único contato se deu com a Nova Guiné, já mencionado antes. Para conhecer mais sobre os animais, sugiro que você, acadêmico(a), acesse os sites: <http://www.animalliberation.org.au/feralint.html.> <http://www.wwwins.net.au/dingofarm/02.html> e <http://www.abs.gov.au>. Acesso em: 13 jul. 2010. UNI A Austrália é a terra por excelência dos marsupiais. Apenas duas famílias de marsupiais aparecem em outros continentes – Didelphidae (gambás) e Caenolestidae (semelhante ao mussaranho). As famílias de marsupiais endêmicas à Austrália são Dasyuridae (gêneros Thylacinus, lobo-da-Tasmânia) Sarcophilus (diabo-da-Tasmânia), Phalangeridae (Phascolarctus, coala), Phascolamidae (Vombatus, vombate), Macropodidae (Megaleia e Macropus, cangurus, Petrogale, wallaby-das- rochas, Lagorchestes, wallaby-lebre, Dendrolagus, canguru-das-árvores) (STORER et al., 1991, p. 715) etc. Totalizam, na Austrália, 16 famílias e 152 espécies de marsupiais. “No século XVII, a Austrália foi denominada Terra psittacorum, por causa do grande número de periquitos” (MÜLLER, 1979, p. 72). Dentre as famílias endêmicas de aves citam-se Dromiceidae (Dromaeus, emu, na Nova Guiné e ilhas), Casuaridae (Casuarius, casuar), Dinornitidae (moas, na Nova Guiné), Apterygydeae UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 180 (Apteryx, quivis), Psittacidae (muitas famílias, pagagaios e periquitos), Cacatuidae (cacatuas) etc. Existem 91 famílias com 826 espécies de aves na Austrália. “Na Nova Caledônia existem 68 espécies de aves, das quais uma é endêmica. Partindo da Austrália, 18 espécies invadiram a Nova Caledônia e evoluíram pela radiação adaptativa”. (MÜLLER, 1979, p. 73). Os répteis endêmicos pertencem às famílias Carettochelyidae (tartaruga-de- água-doce, existente no norte da Austrália e sul da Nova Guiné) e Pygopodidae (Pygopus, lagarto, na Austrália, Tasmânia e Nova Guiné, com 30 espécies). Calcula- se que na Austrália existam 17 famílias de répteis, com 633 espécies estudadas. “Na Nova Zelândia, muitas famílias têm afinidades com as famílias das ilhas do Pacífico e com a América do Sul” (MÜLLER, 1979, p. 74). A Nova Zelândia separou-se de Gondwana e ficou isolada por 80 milhões de anos, o que permitiu que 90% dos insetos e moluscos marinhos, 80% das árvores, fetos e angiospermas, 25% das espécies de pássaros, todas as 60 espécies de répteis, quatro espécies de sapos e duas espécies de morcegos sejam endêmicas. Prezado(a) acadêmico(a)! Para auxiliar seus estudos, acesse os sites:< http://www.deh.gov.au/biodiversity/abrs/online- resources/abif/fauna/afd/stats-est.html - Australian Faunal Directory. Estimated Numbers of Australian Fauna> <http://www.deh.gov.au/biodiversity/abrs/publications/fauna-of-australia/pubs/volume2a/ ar22ind.pdf> e <http://www.deh.gov.au/biodiversity/abrs/online-resources/abif/fauna/afd/ stats-est.html - Australian Faunal Directory. Estimated Numbers of Australian Fauna>. Acesso em: 13 jul. 2010. UNI 2.4 REINO ARQUINÓTICO O termo Arquinótico significa oposto ao Ártico e engloba o extremo sul da América do Sul, Antártica e o sudeste da Nova Zelândia. As condições adversas à vida dificultam o estabelecimento de animais e plantas, de modo que as espécies que lograram se adaptar às condições reinantes são altamente especializadas e de pequeno número de espécies. TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 181 Prezado(a) acadêmico(a)! Para conhecer mais sobre o termo Arquinótico, acesse o site: <http://www.inach.cl/portal_ educa/antartica/antartica.html>. Acesso em: 13 jul. 2010. UNI São 13,5 milhões de quilômetros quadrados de gelo, apenas no Continente Antártico. O gelo tem uma espessura média de cerca de 2.000 metros e o Monte Vinson, na cadeia Ellsworth, é o ponto culminante, com 4.897 metros. Cerca de 90% do gelo da Terra estão na Antártica, que correspondem a 70% da água doce do planeta. Juntamente com a América do Sul, África, Austrália e Índia, a Antártica fazia parte do continente de Gondwana. Portanto, a geologia da Antártica é muito semelhante à daqueles continentes. O Continente Antártico foi dividido em duas partes para efeito de estudos: a Antártica Oriental e a Antártica Ocidental. A Antártica Oriental localiza-se ao sul da Austrália e da África. A Antártica Ocidental situa-se ao sul da Américado Sul. A cordilheira Transantártica divide as duas regiões (CUNHA, 1973). “A geologia da parte oriental é constituída pelo embasamento granítico, de idade pré- cambriana. A porção ocidental tem a mesma sequência de rochas sedimentares e ígneas da América do Sul. Os sedimentos estão associados ao sistema andino e têm idade jurássica e terciária”. (MÜLLER, 1979, p. 79). Fósseis antigos encontrados na Antártica comprovam a antiga ligação ao continente de Gondwana. São fósseis de idades cambrianas, ordoviciana e siluriana. Depósitos glaciais de tilito carbonífero recobertos por sedimentos permianos e triássicos encerram fósseis de vertebrados terrestres, camadas de carvão e presença da flora Glossopteris. Essa variedade de fósseis e as evidências geológicas mostram que o clima antártico já foi mais quente do que o atual. As camadas de carvão indicam um clima úmido e quente. A flora de Glossopteris é de idade carbonífera e é contemporânea à do réptil carnívoro Lystrosaurus. (CUNHA, 1973). Da mesma forma que no Polo Norte, a Antártica não tem um ciclo diário dividido em 24 horas. De setembro a março, o Sol paira sobre o horizonte, o que corresponde ao verão austral – o dia no Polo Sul. De março a setembro ele desaparece lentamente, à medida que o outono avança e o inverno o sucede. Quando a primavera retorna, ele ascende no horizonte para clarear nos próximos seis meses. O Sol nunca fica no zênite nos polos e nunca sobe muito além do horizonte. Por essa razão, os polos recebem muito pouca radiação solar e este é um dos fatores das baixas temperaturas. UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 182 A massa de gelo se desloca lentamente do centro do continente em direção à periferia. No Oceano Antártico, a plataforma continental tem uma extensão média de 30 quilômetros e, devido ao peso do gelo, é mais profunda do que dos demais continentes. O continente gelado é a fonte da massa de ar antártica (mP), que se forma no anticiclone fixo polar e se deloca sob a forma de fortes ventos, que alcançam velocidades superiores a 100 km/h no litoral. O anticiclone permanente tem inversão térmica muito baixa, fazendo com que o deslocamento das massas quentes superiores para a superfície seja lento. Por esta razão, o contato das massas de ar com a superfície gelada é longo. Dessa forma, elas perdem totalmente o calor adquirido na descida. (NIMER, 1979, p. 11). O vento, chamado de catabático, diverge do anticiclone em direção ao litoral com um desvio constante para a esquerda, devido ao efeito de Coriolis, e atinge velocidades superiores a 100 km/h em razão do forte gradiente de pressão existente entre o interior do continente e o mar. Em alguns lugares do litoral, como no Mar de Weddel, onde há um centro de baixa pressão, para os quais migram as massas antárticas, as tempestades são violentas e podem durar semanas. No interior, as precipitações são de neve, raramente de água líquida. No litoral, o total pluviométrico não ultrapassa os 250 mm/ano. Em todo o continente, o índice médio é inferior a 100 mm de precipitação. A Antártica tem temperaturas bem menores que o Ártico. As razões são as seguintes: 1) no Ártico há maior quantidade de água, que retém melhor o calor. Na Antártica, com muito mais gelo, apenas uma pequena porcentagem do calor é mantida pela água; 2) o oceano reflete cerca de 5% da radiação solar incidente (de ondas curtas) e absorve o restante, liberando-o lentamente. A superfície exposta à radiação reflete entre 15% e 35% da radiação de ondas curtas. O restante é liberado com maior velocidade, o que resfria a superfície. A capa de gelo antártica reflete cerca de 80% da radiação incidente – por isto, existe mais gelo na Antártica que no Ártico; 3) no inverno, o Oceano Glacial Antártico se congela e praticamente dobra o tamanho do continente, impedindo ou dificultando, pois, que a água do mar funcione como um mecanismo moderador das temperaturas. TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 183 Prezado(a) acadêmico(a)! Para auxiliar nos estudos e conhecer mais sobre as baixas temperaturas na Antártica, acesse o site: <http://www.iespana.es/natureduca/ant_indice.htm>. Acesso em: 13 jul. 2010. IMPORTANT E A temperatura média anual no interior do continente é de 54o C negativos. Todos os meses têm média inferior a 0o C. Mas no verão no litoral, a temperatura máxima do verão raramente chega a 15o C, registrada na Península Antártica Norte, a região mais aquecida do continente. Em outras regiões litorâneas, a temperatura raramente chega a 5º C. A mínima absoluta da Terra registrou-se na estação russa de Vostok, que está a uma altitude de 3.505 metros e na latitude de 78º28’: -89,2o C, em julho de 1983. O recorde anterior havia sido da mesma estação, em agosto de 1960: -88,3o C. A média anual na estação Vostok é de -56º C, a média no mês mais quente (janeiro) é de -33º C e a máxima absoluta, -21º C. No inverno, no litoral, a média é inferior a -40o C. No Polo Sul, a amplitude térmica varia antre -25º C e -62º C. Altitudes elevadas, o anticiclone polar, que mantém a atmosfera quase sempre límpida, e a baixa umidade atmosférica contribuem para as temperaturas tão baixas, a que se junta a posição do sol sempre no horizonte. A vida no reino Arquinótico enfrenta fatores limitantes severos, representados, sobretudo, pelo clima. Os seres vivos se viram obrigados a um complexo processo de adaptação, muito próximo do limite vital. “O limite meridional das plantas superiores encontra-se a 68o de latitude sul, e, na Antártica, aparecem apenas duas espécies: a gramínea Deschampsia antarctica e a vascular com flores Colobanthus crassifolius” (MÜLLER, 1979, p. 78; WALTER, 1986, p. 294). O restante é representado por musgos, algas terrestres e líquens, que ocuparam esparsamente apenas a costa. A erva C. crassifolius cresce em lugares protegidos do vento, que contenham alguma umidade, especialmente depois do degelo da primavera. Suas flores são brancas e têm menos de 0,5 centímetro de comprimento. D. antarctica e C. crassifolius crescem apenas na Península Antártica e nas ilhas mais setentrionais, que têm temperaturas mais amenas. Segundo Walter, 1986, p. 294: Nas ilhas próximas, as temperaturas são superiores a 0o C no verão, mas o solo litólico e o frio extremo impedem o crescimento de árvores. As baixas temperaturas dificultam a pedogênese e a superfície é coberta por calhaus de pedras. Chuva e neblina ocorrem durante todo o ano e o vento polar varre as ilhas sem parar. A cobertura vegetal das ilhas é representada por musgos, samambaias e líquens. (WALTER, 1986, p. 294). UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 184 Líquens e musgos são as vegetações mais comuns e melhor adaptadas em todo o Continente Antártico, podendo ser encontrados a até 400 quilômetros do Polo Sul. Existem mais de 400 espécies de líquens, 75 espécies de musgos, oito gêneros de hepáticas e 75 espécies de fungos (apenas oito macroscópicas) na Antártica. Nas rochas, onde as aves fazem os seus ninhos, a alga verde terrestre Prasiola crispa é comum. Algas azuis, as cianofícias, são frequentes também. Quanto à fauna, a Antártica tem cerca de 200 espécies endêmicas de peixes, em geral, de tamanho pequeno, com menos de 25 cm de comprimento, raramente chegando a 50 cm. A maioria tem crescimento lento e grande longevidade. O krill (Euphausia superba) é a principal fonte de alimentação da maioria dos peixes antárticos. É um crustáceo muito semelhante ao camarão, que não ultrapassa 6 cm de comprimento e pesa, no máximo, 1,5 g. Existem 85 espécies de krills, que vivem em grupos de milhares e constituem uma biomassa de cerca de 5 bilhões de toneladas. Baleias, aves e pinguins também usam o krill como fonte de energia. As baleias ingerem cerca de uma tonelada de krill num únicoalmoço. O krill integra uma complexa rede alimentar, que começa com os fitoplânctons, o seu alimento. Barcos pesqueiros japoneses e noruegueses o pescam intensamente. As aves antárticas compõem sete famílias: Spheniscidae (pinguins, 18 espécies); Stercorariidae (skuas, duas espécies); Laridae (gaivotas, três espécies); Phalacrocoracidae (cormorão, uma espécie); Procelariidae (petréis, três espécies, e a pomba-antártica, uma espécie); Diomedidae (albatroz, três espécies); Oceanitidae (andorinhas-do-mar, uma espécie). Os pinguins são os representantes mais comuns do reino Arquinótipo. O pinguim-imperador (Aptenodytes forsterii), que pode ter mais de um metro de altura e pesar 40 quilos, e o pinguim-de-Adélia (Pygoscelis adeliae) formam grandes colônias de milhares de indivíduos e são os únicos que vivem ao longo do litoral durante todo o ano. O pinguim-imperador forma colônias de mais de 300 mil indivíduos. O krill é o principal alimento dos pinguins e os seus predadores são a foca-leopardo (Hydrurga leptonyx), a gaivota (Larus dominicanus) e as skuas (Chataracta spp). O estercorário (família Sterchoranïdae), ou skuas, são os maiores predadores do polo Sul. Alimentam-se de aves, filhotes e ovos de pinguins, filhotes de focas, restos de placentas das focas, animais mortos, em adiantado estado de putrefação. TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 185 Prezado(a) acadêmico(a)! Quanto às espécies, acesse o site: <http://www.inach.cl/portal_educa/antartica/antartica. html> e <http://www.inach.cl/portal_educa/antartica/antartica.html>.Acesso em: 13 jul. 2010. DICAS Na Antártica ocorrem três espécies de gaivotas: Larus dominicanus, a gaivota-dominicana, Sterna paradisaea, a gaivota-do-Ártico (que nos respectivos invernos voa para o polo oposto no verão) e Sterna vitatta, a gaivota da Antártica. A família Laridae tem 90 espécies de gaivotas, das quais 20 vivem no Brasil. O hábitat preferido são as ilhas Shetland do Sul, que dividem com as focas e pinguins. Alimentam-se de peixes, ovos, roedores pequenos e restos de animais mortos e de plantas. O seu predador mais contumaz é o estercorário. Outras aves na Antártica são o cormorão-da-Antártica (Phalacrocorax bransfieldensis), que pesca a 30 metros de profundidade e prende a respiração por um minuto. No Brasil, o biguá, P. olivaceus, representa a espécie. O cormorão é uma ave cosmopolita e, no reino Paleotropical, estende os seus domínios da Europa Ocidental até a Ásia e a Austrália. Outros procelários (família Procelariidae) na Antártica são Daption capense, o petrel, Macronecte giganteus, o petrel-gigante, Pagoroma nivea, o petrel-das-neves, Chionis alba, a pomba-antártica. O simpático albatroz (família Diomedeidae) é uma das aves mais cosmopolitas, mas a principal concentração se dá no Hemisfério Sul, nas ilhas Shetland do Sul e na Península Antártica. Há três espécies: Diomedea melanophris, o pelicano-negro, D. chrysostoma, pelicano-de-cabeça-cinza, e D. exulans, albatroz comum. Os invertebrados têm poucos representantes – tardígrafos (invertebrados com 1 mm de comprimento), ácaros (parasitas de aves e mamíferos, com menos de 1 mm), colêmbolos (insetos ápteros com 5 mm de comprimento), que vivem sob o musgo (STORER et al., 1991). Dentre os mamíferos marinhos, duas ordens fazem parte da fauna antártica: Carnivora e Cetacea. Dentre os carnívoros estão a foca (família Phocidae) e o lobo- marinho (família Othariidae). As focas estão representadas por diversos gêneros: a foca-elefante ou elefante-marinho (Mirounga leonina), a foca-branca (Lobodon carcinophagus), a foca-leopardo ou leopardo-marinho (Hydrurga leptonyx), a foca de Weddell (Leptonychotes weddelli) e a foca-de-Ross (Ommatohoca rossi). As baleias são os maiores animais da Terra. Na ordem Cetacea incluem- se também os golfinhos. “As baleias são classificadas em duas subordens – Odontoceti, baleias-com-dentes, e Mysticeti, sem dentes” (STORER et al., 1991, p. UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 186 721). Na Antártica encontram-se a baleia-azul (Balaenoptera musculus), o maior animal do planeta, com 32 m de comprimento, e filhotes que nascem com 7 m de comprimento, a mink (Balaenoptera acutorostrata), a baleia-de-corcova ou corcunda (Megaptera novaeangliae) e a baleia fin (Balaenoptera physalus), dentre as baleias sem dentes. As únicas baleias com dentes são a orca (Orcinus orca), erroneamente chamada de baleia-assassina, e o cachalote (Physeter catodon) ou baleia-de-espermacete, com 18 m de comprimento. O espermacete é um óleo lubrificante produzido pela baleia, armazenado num reservatório localizado na cabeça. No estômago, ela produz o âmbar-cinzento, muito usado em perfumaria (STORER). Prezado(a) acadêmico(a)! Quanto às espécies de baleias, acesse o site: <http://www.antarcticconnection.com/antarctic/ wildlife/whales/index.shtml> Acesso em: 13 jul. 2010. DICAS 2.5 REINO NEOTROPICAL O reino Neotropical inclui a América do Sul, as Antilhas e grandes extensões da parte oriental da América Central. As condições paleogeográficas e paleoecológicas favoreceram o desenvolvimento e a manutenção de uma fauna e uma flora riquíssima em espécies. O reino Neotropical possui os seguintes biomas: floresta equatorial, floresta tropical, savanas ou cerrados, campos, manguezais e restingas tropicais. As relações existentes no reino Neotropical são muito semelhantes às relações já vistas anteriormente em outros biomas tropicais e equatoriais, mas em razão da localização, da complexidade e da atuação da população humana, os biomas neotropicais apresentam peculiaridades. Por exemplo, a floresta Amazônica, que se estende sob o equador, e a floresta tropical da encosta da Serra do Mar - a floresta Atlântica - exibem características que as diferem uma da outra. A floresta tropical da América Central tem características próprias. O cerrado, que é a savana neotropical, é muito diferente da savana africana ou da australiana, embora as suas relações dinâmicas tenham muitas semelhanças com as outras. Há uma grande e complexa variedade de climas no reino Neotropical, o que levou ao desenvolvimento de hábitats diferentes – desde os superúmidos, como o clima equatorial, até o semiárido da caatinga e o clima de deserto, nas partes mais elevadas dos Andes e nas planícies do centro e do sul da Argentina. TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 187 Strahler (1984) e Strahler e Strahler (1996) enquadram os climas neotropicais em dois tipos principais: climas de baixas latitudes e climas de latitudes médias. São climas governados por movimentos de massas de ar e por zonas frontais. As massas de ar que atuam nos climas das baixas latitudes têm regiões- fonte variadas: podem ser continentais tropicais, tropicais marítimas e equatoriais marítimas e continentais. As regiões-fonte encontram-se tanto nas zonas tropicais quanto nas subtropicais e incluem a zona de convergência intertropical, o cinturão dos ventos alísios e partes das células subtropicais de alta pressão. Na faixa de baixas latitudes, os climas predominantes são o equatorial úmido, o clima de monção das costas atingidas pelos ventos alísios, o tropical seco-úmido e o tropical árido (STRAHLER 1984; STRAHLER; STRAHLER, 1996). Os tipos climáticos vão desde o extremamente úmido e quente, como o equatorial, ao extremamente quente e árido, como o desértico. Nas montanhas, como os Andes, as altitudes criam tipos climáticos com características muito especiais e contrastantes, como vertentes a barlaventos com chuvas torrenciais e vertentes, a sota-vento, semiáridas (sombra de chuva). A insolação é elevada nas altas latitudes, devido à rarefação do ar, e a radiação solar incide sobre a superfície quase sem encontrar barreira imposta pela umidade, que é baixa, e pelos aerossóis. A concentração de radiação ultravioleta é altae pode causar danos ao homem e aos animais. As latitudes médias situam-se na zona de confronto de massas de ar tropicais e polares, as zonas de descontinuidades. Nas descontinuidades, a frente polar origina ondas ciclônicas, que se movem, ora na direção do equador, ou retrocedem para o Polo Sul, trazendo chuvas constantes, muitas vezes violentas tempestades. As frentes predominam a partir de meados do outono até meados da primavera seguinte, com uma ligeira queda no inverno, que é dominado, no Hemisfério Sul, pela massa polar atlântica. Na América Central, a atividade frontal é menor, mas ciclones e furacões são comuns. As células ciclonais podem aparecer em qualquer época do ano, sobretudo no verão. Essa variedade de climas com características e propriedades diferentes mantém os biomas no reino Neotropical, mas a presente distribuição da fauna e da flora se deve, sobretudo, à sucessão de fatores paleoambientais e genéticos, paralelamente a flutuações climáticas, que marcaram o Pleistoceno e o Holoceno. As variações dos ecossistemas ocorridas no Quaternário podem ser acompanhadas nos estudos de fósseis vegetais e animais, o que permite formar um quadro preciso dos paleoambientes para entender a paisagem atual. Ao relacionar fatores geomorfológicos, climáticos, fitogeográficos, hidrológicos e ecológicos, Ab'Sáber (1977) agrupou a paisagem sul-americana em três grandes domínios paisagísticos: planaltos intertropicais do Brasil, das Guianas e de parte da Venezuela, que ele chamou de áreas nucleares; domínios transicionais das planuras e baixos platôs meridionais do sul do continente; e domínios de montanhas e altiplanos da Cordilheira dos Andes, controlados pelo clima de altitude. UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 188 A essas paisagens integradas, Ab'Sáber (1967, p. 1977) denominou domínios morfoclimáticos e fitogeográficos e as definiu como "[...] um conjunto espacial de certa ordem de grandeza territorial – de centenas de milhares a milhões de km2 de área – onde haja um esquema coerente de feições de relevo, tipos de solos, formas de vegetação e condições climático-hidrológicas". Essas paisagens integradas ocorrem sempre numa área típica, que Ab'Sáber chama de área core ou área nuclear. A área nuclear apresenta as características típicas, que são reflexo dos seus fatores naturais, mas que, à medida que se afasta do centro, vão se alterando gradativamente, para, mais adiante, dar lugar a outra paisagem. Essas áreas de transição compõem corredores que interligam e envolvem as áreas nucleares. Elas resultam de processos diferentes, que originaram vegetação, solos e formas de relevo particulares. (AB'SÁBER, 1977). As áreas de transição são extremamente complexas e podem apresentar fisionomias em mosaico de duas ou várias áreas nucleares, ou mesmo combinações totalmente diversas, que Ab'Sáber (1977) chamou de áreas-tampão – que não têm nenhuma relação direta com as áreas nucleares adjacentes. As paisagens- tampão podem se localizar no centro das faixas de transição e se destacam da paisagem envolvente. Essas paisagens-tampão são formações fitogeográficas que se adaptaram às condições climáticas, edáficas e de relevo das zonas de transição. Ab'Sáber (1977) cita a zona dos cocais, as matas-de-cipó e as matas-secas como representantes mais típicos das áreas-tampão. Na verdade, são refúgios ou enclaves, que se estabeleceram numa época de clima e condições ecológicas diferentes das de hoje. Todas essas variações ambientais estão sujeitas diretamente ao comando de mudanças e flutuações climáticas. As condições climáticas, principalmente as regionais, são, em parte, responsáveis pelas formas de relevo, pelos tipos de solos, pela hidrografia e pela cobertura vegetal (BIGARELLA, 2003; ANDRADE- LIMA; RIEHS, 1975). Segundo o tipo de clima, ocorria a degradação lateral ou a dissecação vertical, que moldavam a paisagem e lhe conferiam tipos específicos de formações geográficas, acompanhadas das respectivas faunas. Bigarella & Mousinho (1965, p. 17) “mostraram, estudando os sedimentos da região de Pariquera-Açu (Estado de São Paulo), que a degradação lateral é típica de um clima semiárido”. Naquela região, a morfogênese mecânica formou superfícies aplainadas e sedimentos grosseiros e finos. A dissecação vertical, característica da decomposição química de climas úmidos e quentes, produziu espessos regolitos, recobertos por densas florestas úmidas. Nas épocas semiáridas, as florestas recuam para os biótopos em que a umidade possa ser mantida e, então, constituem refúgios para a fauna e para a flora. Viadana (2002: 26) cita Bigarella (1964), que estudou depósitos sedimentares em vários lugares do Brasil e mostrou que a ciclicidade do clima fica revelada nos sedimentos, o que permite calcular a idade das formações vegetais atuais. Bigarella (apud Viadana) mostrou, estudando sedimentos quaternários em diversas regões do país, que as glaciações causam a semiaridez, enquanto os períodos interglaciais umedecem o clima. Em 1970, Damuth e Fairbridge (apud TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 189 1990, p. 114; VIADANA, 2002, p. 34) “confirmaram a afirmação de Bigarella (1964, apud VIADANA) e de Leite e Klein, de que nos períodos glaciais o clima é frio e seco e nos períodos interglaciais é úmido e quente”. Essas mudanças atingem diretamente os seres vivos e os obrigam a adaptar- se a elas – ou perecer. Inúmeros refúgios formaram-se no Brasil e na América do Sul, devido a modificações do clima no Quaternário. Os refúgios acabam por se tornar centros de dispersão, de onde espécies de animais e de plantas migram tão logo as condições ambientais externas lhes permitam expandir. 3 OS BIOMAS Os reinos biogeográficos compreendem os biomas, embora os critérios de delimitação estejam baseados mais na forma das plantas submetidas a um tipo climático existente atualmente do que propriamente no nível de endemismo, na sua evolução e nas áreas de dispersão dos seres vivos. Os biomas estão reunidos em quatro grupos principais, também chamados biócoros. São eles: florestas, savanas, estepes (pradarias, campos) e desertos. Os reinos biogeográficos abrigam os seguintes biomas: Reino Holártico – tundra, taiga, floresta temperada decídua, estepes e pradarias, deserto, vegetação mediterrânea. Reino Paleotropical – deserto, estepe, savana, floresta tropical úmida. Reino Australiano – deserto, estepes e pradarias, savana, floresta temperada decídua, floresta tropical úmida, vegetação mediterrânea. Reino Neotropical – floresta tropical úmida, savana, estepe e pradaria, floresta temperada decídua, vegetação de montanhas. A seguir, a descrição dos biomas, independentemente de reino ou região biogeográfica em que se encontram. 3.1 BIOMA DE TUNDRA Nos limites do Polo Norte, entre 50o e 70o de lat. norte, está a tundra – vegetação de porte rasteiro, que enfrenta um clima cujo verão é de 6 a 10 semanas, com apenas quatro meses do ano ultrapassando 10o C, e invernos longos de temperaturas abaixo de zero grau. O nome tundra significa terra nua e deriva do finlandês tunturia. O ecossistema da tundra é muito recente e formou-se no fim UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 190 da última glaciação, há cerca de 10 mil anos, quando o gelo começou a recuar e a expor a superfície nua das rochas. É o maior ecossistema da Terra, recobrindo cerca de 20% do planeta. No Hemisfério Sul, a tundra aparece apenas em pequenas ilhas ao largo da Antártida e Península Antártica. Nas altas montanhas, como nos Andes, ocorre uma cobertura vegetal fisionomicamente muito semelhante à tundra ártica, embora com flora diferente. É considerada tundra altitudinal. A tundra distingue-se por quatro fatores: um período de crescimento vegetativo de menos de 50 dias entre a primaverae o outono seguinte; existência do permafrost, denominação do subsolo sempre gelado; precipitações inferiores a 250 mm/ano concentradas no verão; baixa produtividade das plantas (inferior a 1g de matéria seca por m2/dia), ou seja, a vegetação cresce muito lentamente. As temperaturas são extremas e no mês de julho, o mais quente, elas não chegam a 10º C. No inverno, as temperaturas podem chegar a 50º C abaixo de zero ou menos. As chuvas anuais não alcançam 250 mm. O clima da tundra do Hemisfério Norte é controlado por massas de ar polares e árticas. Além da temperatura, a evaporação também é baixa. As massas árticas dominam no extremo norte da tundra, com os seus centros de alta pressão localizados no Oceano Ártico e na Groenlândia. “No interior dos continentes aparecem massas de ar polares continentais e polares marítimas” (STRAHLER, 1984, p. 307). A frente polar ártica atua durante todo ano com tempestades violentas, que se movem para leste. Embora a tundra ártica cubra uma larga extensão espacial, a composição florística é muito pobre, resumindo-se a musgos, liquens, gramíneas, arbustos e ervas diversas. Não existem árvores na tundra. As baixas temperaturas e os solos litólicos, em sua maioria, determinam faixas de vegetação, que se estendem a partir da taiga (floresta de coníferas, a última linha de árvores). Furley e Newey (1986, p. 225) apontam três faixas: “tundra alta, tundra média e tundra baixa”. As designações não se referem ao porte da vegetação, mas à latitude em que se acham elas. A tundra alta envolve o Polo Norte, aparecendo no litoral setentrional dos continentes e em ilhas ao norte do Canadá. Nas ilhas, a vegetação é muito esparsa, formada por diminutas manchas de líquens, musgos e ervas. Em algumas depressões aparece o salgueiro-anão, a única espécie lenhosa. A tundra média aparece mais ao sul, onde as condições climáticas e edáficas permitem uma cobertura de maior porte, como as urzes sobre solos pobres (charnecas). Predominam juncos e turfas, espécies de áreas pantanosas. TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 191 No extremo sul da região estende-se a tundra baixa, que recobre o norte do Canadá, o Alaska, o sul da Groenlândia e vastas áreas da Sibéria. São espécies lenhosas, como moitas de salgueiros e bétulas, ericáceas, musgos, líquens e ervas. “A família Saxifragaceae, plantas herbáceas ou arbustivas lenhosas, pouco comum no Brasil, inclui, dentre outras, o gênero Ribes, de onde se extrai a popular bebida groselha”. (JOLY, 1991, p. 362). A tundra baixa limita-se com a taiga. Entre ambas aparece um ecótono (faixa de transição entre ecossistemas), com espécies de ambas as formações, chamada de floresta da tundra, com manchas de pinheiros, abetos e larícios. Walter (1986, p. 292) tem outra taxonomia para a tundra do Hemisfério Norte: “tundra de arbustos anões, equivalente à tundra baixa (ao sul); a tundra verdadeira de líquens e musgos, semelhante à tundra média; e o deserto frio, com vegetação esparsa entremeada de blocos rochosos soltos e afloramentos correspondendo à tundra alta (no extremo norte)”. O permafrost, camada permanentemente congelada do subsolo, pode atingir, no norte do Hemisfério Norte, centenas de metros de profundidade, reduzindo-se para o sul, chegando até cerca de 25 cm de espessura. O permafrost dificulta o crescimento das plantas superiores, porque as raízes são impedidas de se aprofundar, e reduz a atividade de bactérias e fungos na decomposição da matéria orgânica. A matéria orgânica morta mal decomposta acumula-se na superfície, originando uma espessa camada de turfa. O permafrost impede a infiltração da água do degelo, que também se acumula à superfície e origina outro traço marcante da tundra: milhares de lagos pontilham a paisagem no verão, e se constituem habitats povoados por uma enorme multidão de aves e mamíferos. Urzes são plantas da família Ericaceae, típicas de solos pobres, ácidos e mal drenados. As Ericáceas têm 82 gêneros com mais de 2.500 espécies, que aparecem nas regiões temperadas e subtropicais dos dois hemisférios. São plantas lenhosas, arbustivas, com folhas esclerófilas e flores muito vistosas. No Brasil, é muito comum nos jardins o Rhododendron spp, a azaleia, que floresce no inverno, e a Erica spp. Na Europa, cachimbos de boa qualidade são feitos de madeira de Erica spp. O nome urze foi introduzido pelos portugueses (JOLY, 1991, p. 535). IMPORTANT E UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 192 A umidade do solo regula a distribuição das plantas. Em solos bem drenados, como os litossolos, liquens e musgos predominam. Nos solos não encharcados, como nas encostas suaves de solos castanhos, gramíneas e arbustos anões de Vaccinium spp aparecem ao lado de ervas do gênero Dryas spp. Nos solos alagados dos brejos são comuns ciperáceas como Carex spp, e musgos como Hypnum spp, Sphagnum spp e Aulocomnium spp. As plantas desenvolveram artifícios para enfrentar os fatores limitantes. Como o período favorável é curto, elas têm que aproveitar ao máximo o calor. “A alta latitude reduz a radiação solar e as plantas procuram no calor emitido pelo solo outra fonte de energia para compensar. Por esta razão, não são maiores que 8 ou 10 cm” (FURLEY; NEWEY, 1986, p. 232). Os talos e folhas do salgueiro-anão (Salix herbacea), por exemplo, alastram-se sobre o solo e formam um emaranhado intrincado, que dificulta caminhar sobre ele. O metabolismo das plantas é lento devido ao frio, por isto, elas atingem idades avançadas: o salgueiro-do-Ártico (Salix arctica) vive 150 anos, e o zimbro (Juniperus communis) ultrapassa os 300 anos. Liquens, como Rhizocarpon geographicum, podem viver por milhares de anos. “Os liquens usam convenientemente o calor do solo ou da superfície das rochas e a água do degelo, o que lhes faculta uma fotossíntese eficiente”. (FURLEY; NEWEY, 1986, p. 234) Na curta estação de crescimento (primavera e verão), as plantas adaptaram-se a se desenvolver, reproduzir e, em seguida, entrar em dormência para se preparar para o inverno seguinte. As plantas fazem fotossíntese em baixas temperaturas e muitas espécies usam reservas de carboidrato estocadas nas raízes, talos e rizomas. Do mesmo modo que as plantas, os animais da tundra também se adaptaram ao frio e também aos predadores. São representantes da fauna do Hemisfério Norte o boi almiscarado (Ovibus muschatus), a raposa-do-Ártico (Alopex lagopus), a ptármiga (Lagopus hyperboreus), dentre outros e que possuem adaptações como grossa camada de pele, impermeável ao frio e à umidade. A raposa pode suportar temperaturas abaixo de 50º C negativos sem interromper as suas atividades. A camuflagem é importante para escapar aos predadores. A raposa e o arminho (Mustela erminea) são marrons no verão e brancos no inverno. A pelagem branca é valiosa no mercado de peles e, por isso, sofrem ambos intensa caça. Vaccinium é um dos 82 gêneros da família Ericaceae. Plantas lenhosas, típicas de solos ácidos, algadiços (JOLY, 1991, p. 534). IMPORTANT E TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 193 Os lemingues (o lemingue marrom, Lemmus lemmus, e o lemingue de coleira, Dicrostonyx torquatus) não hibernam e nem armazenam reservas de alimentos para o inverno. No período frio, metem-se sob a neve, formando enormes colônias. Alimentam-se de raízes, sementes e musgos. Estes animais ocupam uma posição fundamental na cadeia alimentar da tundra. Fertilíssimos, procriam em todas as estações do ano, quando nascem de 8 a 10 filhotes. A fêmea pode procriar a partir da terceira semana de idade. O tamanho não passa dos 15 cm e pesam apenas 50 g. Contudo, com um metabolismo intenso, têm que consumir de 40 a 50 kg de plantas por ano. “Uma colônia que ocupe uma área de 1 a 1,5 ha arrasa mais de 95% da vegetação” (WALTER, 1986, p. 291). Nos túneis cavados na neve, a temperatura é de10º C, enquanto na superfície pode estar 50º C abaixo de zero. Ao fim do inverno, emigram para outra área, deixando para trás um terreno arrasado. Na primavera, no entanto, gramíneas e ciperáves rebrotam rapidamente. A lenda popular diz que os lemingues se suicidam no verão. Na verdade, a cada quatro ou cinco anos há uma explosão populacional, se a comida é farta. Após devastar a região, partem à procura de outras áreas e o processo de devastação prossegue. A redução do alimento leva a uma drástica redução populacional e a colônia emigra. Nesse período de escassez, os lemingues constituem massas compactas de animais, que vagam pela tundra. Ao encontrar um braço de mar, rio ou lago, não hesitam em pular na água, pois são exímios nadadores. No entanto, muitos perecem afogados, devido ao cansaço da marcha. Gaivotas, peixes carnívoros, raposas, lobos e corujas fartam-se com tanta comida. São predadores do lemingue a skua (Catharacta skua), a raposa do Ártico, a doninha e a coruja. Por isso, a variação cíclica da população de lemingues atinge em cheio as populações dos predadores. Quando a população dos lemingues reduz-se, os predadores partem para outras presas, como a ptármiga e os esquilos, ou emigram para o sul. 3.2 BIOMA DE TAIGA - FLORESTA BOREAL DE CONÍFERAS Localizada ao sul da tundra, entre as latitudes de 45o e 75o graus, a taiga forma um cinturão contínuo entre a América do Norte (Canadá e Alaska, uma estreita faixa no extremo oeste americano e pequenas manchas no norte dos EUA), o norte da Europa (norte da Escócia e Escandinávia), atravessava toda a Sibéria, e chega até o Japão. Na Sibéria, a taiga alcança a sua maior extensão norte-sul, estendendo-se por 1.600 quilômetros de território. O bioma de taiga no Hemisfério Sul é pouco expressivo em território. Na latitude correspondente à localização da taiga predomina oceano. Aparece pontualmente no sul do Chile, no extremo sul-ocidental da Austrália, na Nova Zelândia e na Tasmânia - apresentam uma cobertura semelhante na fisionomia, mas com flora muito diferente. UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 194 A floresta tem uma fisionomia característica – árvores, muitas vezes com mais de 40 metros de altura, de copa com forma cônica quando jovem, com troncos retos, galhos curtos e folhas pequenas, estreitas, em forma de agulha (acícula), de onde advém o nome da floresta – aciculifólia. “A tundra e a taiga têm origem pós-glacial, quando o gelo começou a recuar, há cerca de 10 mil anos” (WALTER, 1986, p. 276). A taiga ocupava, então, pequenos refúgios, e, graças ao clima mais úmido do Holoceno, pôde, então, avançar para colonizar as terras atuais, paralelamente à tundra, ao norte. A floresta boreal estende-se nas áreas dominadas pelas massas polares continentais, frias, secas e estáveis – isto é, a região fonte do anticiclone continental. Além disso, é sempre invadida por massas árticas continentais, extremamente frias. As poucas chuvas concentram-se no verão, trazidas por ciclones móveis marítimos. As condições climáticas são extremas. O gradiente de temperatura entre verão e inverno cresce com as latitudes. Por exemplo, na cidade de Fort Vermilion, Província de Alberta, no Canadá, na latidude de 58o norte, a temperatura máxima absoluta do verão é de 14o C, a mínima absoluta no inverno, -27o C. São sete meses consecutivos de temperaturas abaixo de zero. “Em Yakutsk, na Sibéria, a 62o de latitude norte, a máxima absoluta é de 17o C, e a mínima, -43o C” (STRAHLER; STRAHLER, 1996, p. 214). As precipitações não chegam, em muitos casos, a 300 mm anuais e se concentram sempre no verão. Em Fort Vermilion, o máximo se dá em julho, com 50 mm. O total anual é de 310 mm. No verão, o sol brilha durante 16 horas consecutivas em julho, mas no inverno o sol só aparece por cinco horas diárias (janeiro) (STRAHLER; STRAHLER, 1996, p. 214). A maioria das coníferas é perenifólia. As copas são muito densas e o sub-bosque, por esta razão, é ralo. A umidade no interior da mata é elevada e o solo é recoberto por um denso tapete de musgos. A comunidade vegetal é pobre em espécies, predominando, em geral, uma ou duas espécies em vastas áreas. Entretanto, as populações são numerosas. Nos lugares mais bem drenados, mas ainda com alguma umidade, líquens e certas espécies de musgos são as espécies dominantes, e nos trechos onde o solo é mais úmido, arbustos baixos (Vaccinium spp, Empetrum spp) são os dominantes. O musgo Sphagnum spp. aparece apenas nas baixadas muito encharcadas. A forma cônica das árvores impede que a neve se acumule nos galhos. Isso evita que quebrem com seu peso. Se houver água suficiente, a fotossíntese se faz sempre, exceto no inverno, quando a água congela. A forma acicular das folhas diminui a superfície de contato com o ar, o que reduz a evapotranspiração no verão e na primavera preserva a água nas células. (SIMMONS, 1982, p. 130). TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 195 “A variação de latitude tem forte influência da composição florística da taiga”. Furley & Newey (1986, p. 242) dividem a floresta em três zonas: a floresta da tundra, a última linha de árvores, ao norte; a subzona de bosques, uma zona de transição, ao sul da floresta da tundra; e a floresta boreal. Esta última designação engloba toda a floresta da taiga. A floresta da tundra é uma formação aberta de transição com árvores raquíticas, como lariços e abetos, lado a lado com arbustos, ervas e outras espécies da tundra. Na subzona de bosques, ao sul, a formação é mais densa, com um sub- bosque muito denso. Aparecem abetos brancos (Picea glauca) e abetos negros (P. mariana). A taiga típica, a floresta boreal, é densamente povoada por coníferas de grande porte, bem desenvolvidas (abetos branco e negro e o bálsamo, Abies balsamea, são as espécies mais comuns). Pântanos e atoleiros nas depressões são rodeados por formações de abeto negro. Os bálsamos e o abeto branco preferem solos bem drenados e férteis. Na América do Norte, quatro gêneros de coníferas predominam: o abeto vermelho (Picea), os pinheiros (Pinus), o abeto (Abies) e o lariço (Larix), este, o único gênero com espécies caducifólias. (WALTER, 1986, p. 267). Na costa do Pacífico, Picea glauca (abeto vermelho) é a espécie dominante, que se estende numa faixa contínua até a Terra Nova, no Atlântico. Na Europa, a dominância está a cargo de apenas duas espécies, o abeto vermelho (P. abies) e o pinheiro bravo (Pinus sylvestris). Na Sibéria, a flora é mais rica: os abetos Picea obovata, Abies sibirica, o lariço Larix sibirica e o pinheiro Pinus sibirica. Nas áreas de clima seco da Sibéria Oriental, em terrenos acidentados, longe da influência do Pacífico, a grande floresta de lariço dahuriano (Larix dahurica) recobria mais de 2,5 milhões de quilômetros quadrados (WALTER, 1986, p. 266). “Era uma formação aberta, com um sub-bosque denso de arbustos, ervas e briófitas” (FURLEY; NEWEY, 1986, p. 243), “hoje é praticamente inexistente devido ao desmatamento. A ação combinada do clima, solo, topografia, ação do fogo e a exploração humana são fatores atuais que interferem na distribuição e na variação florísticas” (FURLEY; NEWEY, 1986, p. 243) Uma das características da floresta boreal é a competição entre as plantas, que determina a sua distribuição espacial. As coníferas consomem com grande rapidez os nutrientes do solo, restando poucos elementos úteis para o sub- bosque, que, por isto, é formado por plantas pouco exigentes e raquíticas. Mesmo coníferas jovens, sobretudo os pinheiros, têm dificuldade em competir com as plantas adultas: têm que aguardar a morte de uma árvore velha para que possam se desenvolver convenientemente, livres da competição (WALTER, 1986, p. 268). A concentração de nutrientes é mais importante que a luminosidade para a composição florística do estrato herbáceo. Outro fator importante na distribuição dasplantas é a resistência ao frio, que chega na Sibéria Oriental a -60º C. O lariço (Larix), que perde as acículas no inverno, é uma das poucas árvores que podem suportar temperaturas desta ordem. UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 196 Também a fauna tem participação na distribuição da floresta. Furley e Newey (1986, p. 245) agrupam os animais em categorias segundo os efeitos que causam na cobertura: dominantes, maiores influentes e menores influentes. Os dominantes agem sobre outros animais e plantas diretamente e, pois, controlam as comunidades. São o alce (Alces alces), que pisoteia o solo e muda a composição florística, erradicando muitas espécies, e também prejudicando outros animais. Entre os maiores influentes, agrupam-se os predadores de grande porte (os carnívoros) e mesmo o homem. Na última categoria estão os carnívoros invertebrados e os parasitas. Na costa ocidental da América do Norte, da Califórnia até o sul do Alaska, e também no sul da Austrália e no sul do Chile, aparece uma formação que pertence à floresta boreal, mas com características próprias, a floresta úmida das costas ocidentais. Na costa ocidental da América do Norte, a formação inclui a floresta de sequoias, coníferas sempre verdes, que podem alcançar mais de 100 metros de altura e estão entre as espécies mais longevas conhecidas – a idade das árvores ultrapassa, muitas vezes, os dois mil anos. Localizam-se onde predomina o clima oceânico das costas ocidentais. As chuvas são distribuídas no decorrer do ano graças à ação conjunta de tempestades ciclônicas e do efeito orográfico produzido pela proximidade das Montanhas Rochosas. No entanto, o máximo de chuvas se dá no inverno. No verão, o anticiclone subtropical do Pacífico invade a região, fazendo reduzirem as chuvas, porque desvia as massas polares e a frente polar para leste e sudeste. No inverno, as massas polares são desviadas para leste pelo efeito de Coriolis, impedindo que as temperaturas desçam a valores negativos na floresta e permanecem entre 1º e 2º C positivos em janeiro (STRAHLER; STRAHLER, 1996, p. 291). No entanto, a incidência das frentes polares aumenta com o recuo do anticiclone para o oceano durante os meses frios. No verão, em julho, a temperatura não ultrapassa os 17º C. FONTE: Strahler e Strahler (1996, p. 291) O podzol é o solo predominante. É um solo ácido e muito lixiviado. Há pouca atividade bacteriana, o que resulta numa espessa camada de húmus, que comporta razoáveis concentrações de cálcio, sódio e potássio. O teor de nutrientes, as chuvas abundantes, o inverno suave, são fatores primordiais para a floresta, que, então, abriga as maiores árvores do mundo. “A sequoia vermelha (Sequoia sempervirens), a sequoia gigante (S. giganteum) e o abeto de Douglas (Psudotsuga taxifolia) são as espécies dominantes” (STRAHLER, 1986, p. 379). A sequoia vermelha e a gigante podem ultrapassar 100 metros de altura e 20 metros de perímetro de tronco. O bioma de taiga no Hemisfério Sul não apresenta a mesma expressividade territorial e de diversidade. O Chile é influenciado predominantemente pela presença do Oceano Pacífico, de águas frias, devido à corrente de Humboldt, o que empurra as temperaturas para baixo. No sul do Chile a dominância é de espécies do gênero Nothofagus. Este gênero pertence à família Fagaceae, com 600 espécies distribuídas em seis gêneros (JOLY, 1991, p. 228). “São árvores, em TÓPICO 1 | OS REINOS BIOGEOGRÁFICOS E OS BIOMAS 197 geral, caducifólias, como N. obliqua, que forma extensas florestas”. (WALTHER, 1986, p. 174). Mais para o sul, o clima torna-se superúmido, com as chuvas atingindo índices entre 2.000-3.000 mm anuais, e a floresta perenefólia é formada por N. dombeyia, com os gêneros de coníferas Austrocedrus e Podocarpus e a espécie Araucaria araucana. No extremo sul aparecem florestas de menor porte, denominadas localmente de florestas de Magalhães, com uma flora empobrecida pelas baixas temperaturas e árvores de porte reduzido, com 6-8 metros de altura. Aparecem também pântanos bem desenvolvidos. A vida animal na taiga é muito semelhante à da tundra. A fauna é mais diversificada, porque o período de frio é menor. Entretanto, muitas espécies emigram no inverno. No Hemisfério Norte, muitos mamíferos hibernam, como os ursos. Outros, como os veados e os alces, não hibernam, mas desenvolveram pêlos longos contra o frio, a neve e a chuva. Mussaranhos e ratos silvestres vivem sob a neve, que os mantém aquecidos e alimentados com uma boa provisão de comida estocada durante os meses quentes. Os ursos preparam-se para o inverno alimentando-se fartamente de frutas, peixes e pequenos mamíferos. Veados e alces, que não hibernam, alimentam-se, no inverno, de líquens, musgos e cascas de árvores e de arbustos. Pica-paus, chapim, quebra-nozes, corujas, gaviões e a tetraz são as únicas aves residentes fixas, inclusive no inverno holártico. Alimentam-se das agulhas das coníferas (o galo silvestre europeu, na família da tetraz, e o pardal do pinheiro, um tentilhão), líquens e musgos, que atraem insetos, caramujos, estes, dieta dos pássaros pequenos. Na primavera, uma vasta população de insetos é alimento de pássaros, que estão chegando das regiões mais quentes e têm, pois, comida farta. São vespas, abelhas, mosquitos, que passam o inverno na forma de pupas, encerrados no solo ou nas árvores, onde são procurados pelos pica-paus. Na primavera, insetos e vertebrados, que sugam a seiva das árvores, animais pastadores e os que comem folhas e raízes prejudicam intensamente a floresta. Apenas na estação seguinte as plantas se recompõem. Esse excesso de atividade dos herbívoros traz problemas para as plantas. Furley e Newey (1986) enumeram: redução da fotossíntese, com diminuição consequente da produção de carboidratos e do transporte da seiva, e menor potencial reprodutivo devido ao consumo de frutos e flores. O alce tem participação intensa na modificação da paisagem: o pisoteio compacta o solo e dificulta o crescimento da vegetação herbácea, e a intensidade com que consome as plantas pode reduzir algumas populações. “No verão, alimenta-se de plantas aquáticas e, no inverno, quando os lagos congelam, procura ramos de bétulas, salgueiros e faias” (FURLEY & NEWEY, 1986, p. 246). Outro herbívoro que altera a paisagem é o caribu, que se alimenta em todos os estágios de desenvolvimento da sucessão vegetal. Os caribus estendem o seu hábitat até a tundra. No estágio pioneiro, os líquens são a sua dieta predileta. No inverno, manadas de milhares de caribus deslocam-se para o sul e invadem a taiga. Os UNIDADE 3 | TERRITÓRIOS BIOGEOGRÁFICOS, BIOMAS E A AÇÃO DO HOMEM 198 galhos de abetos e lariços recobertos de líquens são arrancados e, com a língua, eles retiram os líquens. Em poucos dias, a paisagem da taiga fica profundamente modificada, com árvores mutiladas. Para os carnívoros, não falta comida. O lobo (Canis lupus) caça animais grandes, como o alce e o boi almiscarado. O lince (Lynx spp), a doninha (Mustela nivalis) e a marta (Martes martes) atacam pequenos mamíferos e aves. A madeira é explorada desde o século XIX, principalmente para a produção de papel. Por isto, a floresta boreal está bastante reduzida, retringindo-se a pequenas manchas. Raios causam incêndios no verão, quando a vegetação está muito ressecada. “As clareiras abertas são logo colonizadas por ervas, arbustos, que são alimento de arganazes, veados e aves, e, principalmente, pinheiros (Pinus spp), que são plantas invasoras de rápido crescimento” (WALTER, 1986, p. 264). Nas zonas de transição da floresta boreal com a floresta decídua ao sul, os pinheiros, no processo de regeneração da mata, podem ser substituídos por plantas decíduas, que acabam por constituir florestas decíduas puras. Monoculturas de abeto-vermelho (Picea abies), decíduas, têm
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