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FISIOLOGIA DA ATIVIDADE MOTORA Alexandre Machado Lehnen Estrutura, função e tipos de fibras musculares Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever as microestruturas do tecido muscular. � Elencar as funções dos diferentes tecidos musculares. � Comparar os diferentes tipos de fibras musculares esqueléticas. Introdução Existem três tipos de tecido muscular: estriado esquelético, estriado cardíaco e liso. A função básica da célula muscular, seja ela qual for, é produzir força (ou tensão). Essa função é garantida por macro e micro- estruturas comuns e também particulares a essas células. O processo de força e relaxamento ocorre com a interação entre as proteínas contráteis e elementos não contráteis da fibra muscular. Descrever as microestruturas envolvidas na contração e no relaxamento é fundamental para organizar e entender as funções dos três tipos de tecido muscular e discernir as melhoras condutas para o corpo humano. Especificamente sobre o músculo esquelético, comparar os tipos de fibras quanto a suas características pode garantir um melhor desempenho de adaptações neuromusculares. Assim, é possível direcionar as modalida- des esportivas de acordo com a tipificação de fibra muscular esquelética. Neste capítulo, vamos descrever as microestruturas do tecido muscu- lar, elencar as funções de cada tipo de tecido muscular e, ainda, comparar as características particulares dos tipos de fibras musculoesqueléticas. As microestruturas do tecido muscular A célula muscular, também chamada de fibra muscular, é classificada em três tipos: músculo esquelético, cardíaco e liso. Cada um tem sua especifi- cidade quanto à função exercida. Para que cada uma assegure sua função, você vai notar que existem estruturas (macro e micro) comuns às três, bem como aquelas específicas. Entende-se que as macroestruturas são aquelas externas à célula muscular, como no músculo esquelético: endomísio, pe- rimísio e epimísio, além de fáscia, ventre e tendões. No miocárdio (tecido muscular cardíaco), estruturas tais como o pericárdio e o endocárdio. E na musculatura lisa, as diferentes inervações de células multiunitárias e unitária. Assim, o enfoque deste capítulo é sobre as microestruturas, as organelas e as organizações internas das diferentes células musculares. A seguir, você vai ver uma série de informações quanto a essas estruturas, nos diferentes tipos de tecido muscular. Como toda célula eucarionte, a fibra muscular tem membrana plasmática, citoplasma, carioteca (membrana que envolve o núcleo) e núcleo. Contudo, essas estruturaras celulares básicas recebem nomes diferentes quando presen- tes nas células musculares, logo, a membrana plasmática da fibra muscular é denominada de sarcolema e o citoplasma é conhecido como sarcoplasma. As organelas também são comuns a todas as células, tais como mitocôndrias, complexo de Golgi, lisossomos, ribossomos, retículo endoplasmático liso e rugoso. Você sabia que, embora todas as organelas tenham sua função e sejam importantes para viabilidade celular, existe uma microestrutura particular- mente importante, conhecida como retículo sarcoplasmático? É um tipo de retículo endoplasmático liso (não tem ribossomos ao longo de sua estrutura) que armazena o cálcio (Ca+2), substância fundamental para iniciar a contração muscular, seja ela qual for (GUYTON; HALL, 2011). Contudo, o músculo liso contém um retículo sarcoplasmático esparso, sem a presença de túbulos T e quase nenhum Ca+2 armazenado. Com objetivo de exercer sua principal função — contração muscular — a fibra tem uma organização interna complexa, partindo de uma estrutura cilíndrica, denominada de miofibrila. Dentro de uma célula muscular, exis- Estrutura, função e tipos de fibras musculares2 tem várias miofibrilas (Figura 1) que dependem do tipo celular e do nível de adaptação ou influências (sejam benéficas ou prejudiciais) sobre essa célula. Todas as miofibrilas de uma célula muscular esquelética e cardíaca são cir- cundadas pelo retículo sarcoplasmático cuja forma é semelhante a uma rede (treliça) de tubos e vesículas, as quais armazenam o Ca+2. Os tubos do retículo sarcoplasmático se comunicam por meio de uma região chamada de tríade, composta por cisternas terminais e um túbulo T (transverso) — Figura 2. Cada miofibrila é segmentada por regiões delimitadas por uma linha Z (uma linha semelhante a um zigue-zague que circunda a miofibrila). A região entre duas linhas Zs consecutivas é chamada de sarcômero e constitui a unidade contrátil do músculo. Assim, vocês pode observar a complexidade estrutural para que haja contração de um único músculo: todos os sarcômeros de uma mesma miofibrila se contraem determinando que a miofibrila também seja encurtada; todas as miofibrilas se contraindo levam à contração da fibra muscular e, por fim, a união das fibras mus- culares se contraindo aumentam a tensão (contração) do músculo. Agora vamos abordar as microestruturas de um sarcômero — a unidade contrátil de uma fibra muscular. Existem 12 proteínas, em cada sarcômero, que interagem entre si, especifi- camente, para que seja possível a realização da contração muscular esquelética e cardíaca (MCARDLE; KATCH, F.; KATCH, V., 2001). As proteínas mais conhecidas são: troponina, tropomiosina, actina e miosina. A actina é a prin- cipal proteína de uma estrutura conhecida como filamento fino e a miosina, de uma estrutura chamada de filamento grosso (ou espesso). No entanto, ainda existem: nebulina, ligada à actina; proteína C, proteína M, miomesina e M-CK, ligadas à miosina; α-actina conecta a actina à linha Z e desmina conecta dois sarcômeros de miofibrilas adjacentes; titina, proteína elástica fundamental para a centralização e estabilização da miosina no sarcômero, também auxilia a aproximação das linhas Zs para o interior do sarcômetro no movimento de contração. A seguir, no Quadro 1, vamos mostrar a função e a posição de seis proteínas (em destaque) envolvidas na contração muscular, dentro de um sarcômero. 3Estrutura, função e tipos de fibras musculares Actina Dois filamentos finos em que cada um deles está ligada a uma linha Z do sarcômero. No centro do sarcômero, região conhecida como banda H, tem um espaço livre de actina, justamente para que a contração deslize os dois filamentos de actina para o interior do sarcômero, aproximando as linhas Zs. Miosina Proteína que se liga à actina e realiza o “trabalho pesado”, puxando as actinas para o interior do sarcômero. A ligação actino-miosina é comumente chamada de pontes cruzadas. A miosina é dividida em uma cauda e uma cabeça. A cabeça, levemente dobrada para cima, é o componente que se liga à actina e, semelhante a uma dobradiça, puxa a actina para o interior do sarcômero. Troponina e tropomiosina Estas duas proteínas estão localizadas ao longo da actina. A tropomiosina é filamento que circunda longitudinalmente a actina e sua função é inibir a ligação actino-miosina para que não haja uma contração muscular indevida. A troponina está localizada ao longo da tropomiosina e sua função é “girar” a tropomiosina, liberando o ponto de atração actino-miosina, em reposta à presença do Ca+2 (aquele mesmo que está armazenado no retículo sarcoplasmático). α-actina Mantém a actina em sua localização espacial, ou seja, uma trama que liga a actina à linha Z. Titina Fundamental para centralizar a miosina no sarcômero. Quando ocorre a contração muscular, deslizamento da actina para o interior do sarcômero, a titina ajuda a puxar a linha Z para o interior do sarcômero (banda H) mediante a principal propriedade da titina: elasticidade. Ainda, pela sua capacidade elástica, a titina contribui na força de ações musculares excêntricas. Quadro 1. Proteínas na fibra muscular Estrutura, função e tipos de fibras musculares4 É importante destacar que toda essa estrutura das miofibrilas, especialmente a actina e a miosina, tem orientaçãohelicoidal, abrangendo a forma cilíndrica da miofibrila (Figura 1) (VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2017). A orientação das miofibrilas determina a forma do músculo. Na sua grande maioria, o músculo esquelético pode ser fusiforme (alongado), unipenado, bipenado ou multipenado, mediante a disposição das fibras musculares e orientação das miofibrilas e sarcômeros que o compõem. Já o músculo cardíaco tem fibras curtas, ramificadas e amplamente interconectadas pelo retículo sarcoplas- mático, diferentemente do músculo esquelético (Figura 2). E o músculo liso, na sua maioria, é fusiforme, mas menor que o músculo esquelético, tanto em diâmetro como em comprimento, e está organizado como “folhas” sobrepostas umas às outras. Ainda sobre o músculo liso, existem duas formas de ação: o músculo liso multiunitário, quando um neurônio autonômico inervar uma ou mais células musculares lisas, contudo, a sua contração (e relaxamento) é independe entre essas células, e o músculo liso unitário, quando as células musculares lisas estão dispostas “umas em cimas das outras”, formando feixes e com um canal de comunicação entre elas (junções comunicantes). Assim, as inervações autonômicas, que despolarizam o sarcolema, agem independentemente umas das outras. Contudo, a contração de uma célula lisa unitária desencadeia o mesmo processo nas células adjacentes, por meio das junções comunicantes, levando à contração conjunta da musculatura lisa, e por isso são denominadas unitárias. A interação entre as macros e microestruturas são semelhantes entre os tipos musculares, mas com grande diferença em relação aos compostos quí- micos intracelulares. O processo de contração muscular foi proposto há muito tempo. Pesquisadores como Gasser e Hill, em 1924, Hartley Lupton, na década de 1950, entre outros. Assim, embora todas as contrações musculares sejam dependentes do cálcio (Ca+2), a musculatura lisa tem um gatilho diferente daquele visto no músculo esquelético e cardíaco. No músculo esquelético e cardíaco, a despolarização do sarcolema tem como objetivo liberar o Ca+2 do retículo sarcoplasmático para que este se ligue à troponina, alterando a estru- tura espacial da tropomiosina e liberando o sítio de atração actino-miosina. Assim, a cabeça da miosina é acoplada à actina (ponte cruzada), forçando o deslizamento da actina para o interior do sarcômero. Para o relaxamento, uma enzima retira o Ca+2 da ligação com a troponina, bombeando-o de volta para o retículo sarcoplasmático. Concomitantemente, uma molécula de ade- nosina difosfato (ADP) desfaz a ligação actino-miosina para o deslizamento 5Estrutura, função e tipos de fibras musculares do filamento fino à posição inicial. No músculo liso não existe o complexo troponina/tropomiosina, assim, o gatilho inicial da contração do músculo liso acontece pelo aumento da concentração intracelular de Ca+2, mas ele ligando-se à calmodulina (composto presente essencialmente no músculo liso), e não à troponina (VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2017). Figura 1. Estrutura da fibra muscular. Fonte: Vanputte, Regan e Russo (2017, p. 270). Túbulo transverso (T) (b) Retículo sarcoplasmático Núcleo Capilar Sarcolema (membrana plasmática) Mitocôndria Mio�brilas Estriações Disco ZPonte cruzadaLinha M Mio�lamento de miosina Sarcômero Mio�lamento de actina Disco Z (c) Mio�brila Mio�lamentos de actina Mio�lamentos de miosina (a) Endomísio (envolvendo as �bras musculares) Fibras musculares Titina Sarcômero Estrutura, função e tipos de fibras musculares6 Figura 2. Retículo sarcoplasmático. Fonte: Preston e Wilson (2014, p. 139). Mitocôndrias Mio�brilas Os túbulos T conduzem um potencial de ação para o interior da �bra muscular O retículo sacoplasmático estoca Ca2+ até que o potencial de ação chegue Abertudas dos túbulos T Sarcolema Os elementos não contráteis mais usuais na musculatura esquelética consistem no endomísio (tecido conjuntivo que envolve uma fibra muscular), perimísio (tecido con- juntivo que envolve várias fibras musculares, organizadas em um fascículo), endomísio (tecido conjuntivo que envolve vários fascículos). A fáscia é a camada fibrosa mais externa ao músculo. O prolongamento desses tecidos dá origem ao tendão, estrutura que fixa o músculo à estrutura óssea. 7Estrutura, função e tipos de fibras musculares Como vimos, o tecido muscular pode ser dividido em estriado esquelético, estriado cardíaco e liso. Cada tipo de tecido muscular apresenta particularidades em suas estruturas anatômicas. No próximo tópico iremos discutir a influência dessas estruturas sobre as diferentes funções musculares. As funções dos diferentes tecidos musculares Cada tipo de tecido muscular agrega um conjunto de funções que são asse- guradas por cinco propriedades exclusivas da fibra muscular. O músculo esquelético tem, praticamente, seis funções (sem ordem de importância). A primeira delas é garantir o movimento humano. O mús- culo esquelético tem dois pontos de fixação em estruturas ósseas. Em uma extremidade é a origem e em outra extremidade é a inserção do músculo. A origem corresponde à extremidade voltada para o interior do corpo, ou seja, é a extremidade proximal à linha média do corpo humano. A inserção é o ponto ligado à extremidade distal, ou seja, o ponto mais longe (ou distante) da linha média do corpo humano. Assim, quando um músculo se contrai, o ponto-chave é aproximar as extremidades “origem” e “inserção”, levando a um movimento articular. Isso ocorre no movimento da marcha (ou caminhada) e outras situações do movimento humano. A segunda função do músculo esquelético é a estabilidade articular. Músculos que circundam as articulações, especialmente de grande amplitude, têm fundamental importância para, além de movimentá-las corretamente, também estabilizá-las de forma adequada. A integridade articular ocorre muito em função da qualidade muscular ad- jacente. Por exemplo, a articulação do joelho é anatomicamente instável em razão das características ósseas desse ponto, no entanto, essa articulação é estável e segura quando os músculos adjacentes ao joelho, principalmente o vasto medial, são suficientemente fortes para estabilizá-los. A terceira função do músculo esquelético é a manutenção da postura, que grande parte dessa função é determinada por contrações isométricas, ou seja, sem movimento articular, mas produzem tensão (ou força) ao músculo ativo. A quarta função do músculo esquelético é a geração de calor proveniente da sua contração. Sabe quando você está com frio e sente pequenos tremores involuntários? Esses tremores são causados por contrações musculares cujo objetivo é produzir calor e, ao mesmo tempo, impedir que o calor do corpo seja dissipado com o meio ambiente. A proteção de determinados órgãos, particularmente órgãos vitais, também é assegurada por músculos esqueléticos, conferindo a quinta função do músculo estriado esquelético. Por exemplo, o diafragma, além do seu papel Estrutura, função e tipos de fibras musculares8 na mecânica respiratória, também protege parte do pulmão, bem como o reto abdominal que protege parte das vísceras, etc. Por fim, a musculatura esque- lética atua sobre o controle de funções vitais como a respiração, a deglutição, a defecação, etc. O exemplo dessa última função são os músculos respiratórios (inspiratórios e expiratórios) que controlam a pressão intrapulmonar e, por consequência, a entrada (inspiração) e saída (expiração) de ar dos pulmões. Já o músculo cardíaco atua como uma bomba mecânica que propulsiona o sangue nas vias de condução (vasos sanguíneos) (SILVERTHORN, 2017). A função do músculo cardíaco, então, resume-se em manter contrações suces- sivas de acordo com a demanda imposta. Por exemplo, você que está sentado e estudando tem uma exigência baixa quanto à necessidade de oxigênio. Por outro lado, se você levantar e sair correndo, a demanda de oxigênio no seu corpo aumenta. Assim, a função do músculo cardíaco é realizar as contraçõesadequadas, de acordo com a demanda imposta. No primeiro caso, contrações menos potentes e frequentes em relação ao segundo caso. Duas formas atuam no controle da funcionalidade miocárdica: a primeira corresponde ao nodo sinoatrial e o segundo refere-se às vias do sistema nervoso autônomo (sim- pática e parassimpática). O objetivo desse controle é regular a velocidade de despolarização do sarcolema em virtude das demandas impostas. Quanto à musculatura lisa, a função principal é fazer movimentar as estru- turas que são circundadas pelo músculo liso, por exemplo: vasos sanguíneos, intestino delgado ou grosso, entre outros órgãos. A sua função também está ligada à estrutura do músculo liso, multiunitário ou unitário. A real diferença da função da musculatura esquelética, cardíaca e lisa está mais relacionada ao controle dessas estruturas. Enquanto um músculo esquelético é controlado pelo sistema nervoso somático, ou seja, com ação voluntária, os músculos cardíaco e liso têm a sua ação de contração/relaxamento imposta pelo sistema nervoso autônomo. A estrutura das miofibrilas podem ser vistas somente em imagens de microscopia de alta definição. Nessas imagens, pode-se notar regiões mais claras (banda I) e outras mais escuras (banda A). As bandas I são constituídas somente por filamentos finos (complexo actina, troponina e tropomiosina) e as bandas A apresentam filamentos finos e grossos (miosina) de maneira intercalada. Essa superposição de filamentos e o aspecto sequencial de “claro- -escuro” das miofibrilas configura o aspecto de estrias transversais e, por isso, a nomenclatura músculo estriado esquelético. Já o músculo cardíaco também tem o aspecto estriado, em razão dos mesmos motivos, porém com aspecto ramificado e com fibras interconectadas. Por fim, o músculo liso não apresenta essa forma, a partir que não existe a superposição de filamentos e 9Estrutura, função e tipos de fibras musculares a densidade de miosina é bem menor. Assim, mostra uma configuração de fibras mais curtas, embora de aspecto alongado, e sobrepostas umas às outras, na sua grande maioria. Veja a seguir os Quadros 2 e 3. Músculo esquelético Músculo cardíaco Músculo liso Principais funções Movimento corporal Manutenção postural Geração de calor Proteção de órgãos e articulações Propulsão constante do sangue Modulação do tônus vascular Peristaltismo no gastrointestinal Movimentação do globo ocular e retina Piloração Formato Alongado e filamentar Curta e ramificada Alongado e fusiforme Presença de estrias Sim Sim Não Núcleo e localização Multinuclear, localizados na periferia Uninuclear, na posição central Uninuclear, na posição central Contração e controle motor Rápida ou lenta e voluntária Rápido e involuntário Lento e involuntário Predominância do Metabolismo Oxidativo ou glicolítico Oxidativo Oxidativo Retículo sarcoplasmático Denso com alta liberação de Ca+2 Levemente esparso, com poucas tríades (túbulos T + cisternas) Esparso, sem túbulos T e pouca liberação de Ca+2 Quadro 2. Diferenças dos tipos de célula muscular Estrutura, função e tipos de fibras musculares10 Excitabilidade Capacidade que a fibra muscular tem de despolarizar o sarcolema. Entende-se por despolarização a modificação do potencial elétrico do sarcolema. Sem a despolarização, evento que inicia a contração, a célula muscular não é capaz de contrair. Contratilidade Propriedade de encurtar (ou diminuir) o comprimento da fibra muscular. Elasticidade Capacidade da fibra muscular de voltar ao seu tamanho original, após o término de tensão exercida sobre a fibra. Essa característica é muito importante, pois está ligada ao aumento de força no processo de ciclo alongamento-encurtamento da fibra muscular. Extensibilidade Propriedade que assegura a fibra muscular de alongar-se, ou seja, ir além do seu tamanho original sem prejuízo na estrutura celular. Plasticidade Talvez a capacidade mais importante: a capacidade de adaptar-se a diferentes estímulos, ou seja, dependendo dos estímulos impostos à célula, a fibra sofrerá modificação em reposta a esse estímulo. Certamente você conhece dois exemplos: uma pessoa que faz exercício físico com pesos (uma musculação) e que há um aumento (hipertrofia) do tamanho das fibras musculares, ou uma pessoa que imobiliza uma perna ou braço e que, pela falta de sua utilização, há uma diminuição (atrofia) do tamanho das fibras musculares do segmento imobilizado. Quadro 3. Propriedades importantes da célula muscular Tipos de fibra musculoesquelética As fibras musculares esqueléticas podem ser classificadas de diversas formas (MINAMOTO, 2005). Por exemplo, em 1873, foi utilizado um corante para identificar os diferentes tipos de fibra muscular, chegando à terminologia de “fibras brancas” ou “vermelhas”. Esse corante tinha uma afinidade química a uma proteína específica muscular, a mioglobina. A coloração mais avermelhada diz respeito à presença acentuada da mioglobina, uma proteína que transporta o oxigênio dentro da célula, assim como uma maior densidade de vasculariza- ção, características que propiciam um metabolismo mais aeróbico. Ao mesmo tempo, a fibra pálida, ou branca, indicava pouca presença de mioglobina nesta 11Estrutura, função e tipos de fibras musculares fibra muscular, indicando, um metabolismo mais anaeróbico. Posteriormente, foram classificadas quanto ao metabolismo oxidativo por meio da reação de uma enzima oxidativa (sucinato desidrogenase), conferindo a denominação fibras oxidativas ou glicolíticas. Após, foram testadas quanto à sensibilidade ao pH de um meio. Assim, as fibras tipo I são mais ativadas e resistentes em um meio mais ácido, enquanto as fibras tipo II são mais ativadas em meio mais básico (ou alcalino). Já em relação à velocidade de contração, determinaram que as fibras vermelhas têm “contração lenta”, se comparadas às fibras brancas, com velocidade de “contração alta e potente”. Essa classificação foi determinada pela concentração e atividade de enzimas oxidativas, glicolíticas e da ATPase por meio de ensaios histoquímicos. Assim, mediante estímulos específicos em fibras musculares isoladas e a consequente resposta das enzimas oxidativas (consumo energético lento) e glicolíticas (consumo energético rápido), foi possível inferir sobre a velocidade de contração. Enfim, a terminologia é vasta e deve ser interpretada com cautela, de acordo com o modo de classificação. Mesmo assim, existe um consenso na literatura quanto ao conjunto de clas- sificações da fibra musculoesquelética e suas características. É importante ressaltar que a classificação inicial é atribuída à cadeia pesada de miosina. Agora vamos olhar com atenção o Quadro 4, de classificação dos tipos de fibras musculares. Tipo I Tipo IIa Tipo IIx Tipo IIb Velocidade de contração Lenta Rápida Rápida Rápida Metabolismo predominante Oxidativo Oxidativo Glicolítico Glicolítico Inervação/ unidades motoras Pequena Grande Grande Grande Densidade de mioglobina Alta Intermediária Baixa Baixa Densidade mitocondrial Alta Intermediária Baixa Baixa Fadiga Baixa Intermediária Alta Alta Hipertrofia Baixa Intermediária Alta Alta Quadro 4. Classificação das fibras musculares quanto à cadeia pesada de miosina Estrutura, função e tipos de fibras musculares12 Um tipo de fibra muscular (célula muscular) do tipo I tem uma coloração avermelhada, em razão da alta densidade de mioglobina e vascularização (suprimento sanguíneo). Além disso, a célula muscular vermelha é de contração lenta e, por isso, mais resistente à fadiga. O metabolismo oxidativo é predo- minante neste, ou seja, a ressíntese de adenosina trifosfato (ATP) necessária para as ações de contração/relaxamento vem principalmente da utilização de substratos energéticos que, na presença do oxigênio, são direcionados ao ciclo de Krebs. Como esse processo ocorre na matriz mitocondrial, a fibra muscular tipo I tem uma alta densidadede mitocôndrias. Se por um lado a fibra vermelha é resistente à fadiga, ela não tem uma alta capacidade de força e potência, assim, há uma baixa taxa de hipertrofia (aumento da área de secção transversal do músculo). Uma menor força e potência dessa fibra pode ser atribuída à baixa inervação de motoneurônios. Resumindo: a fibra muscular tipo I é aquela pessoa que não tem muita força, mas é capaz de realizar inúmeras viagens (alta resistência) para compensar a falta de força. No outro extremo, você pode ver a fibra muscular tipo IIb. É a fibra da força e potência, por isso, tem uma velocidade de contração alta. A exigência das contrações rápidas demanda um maquinário energético rápido e “pronto”, por isso o metabolismo é predominantemente glicolítico, mais precisamente com a utilização do glicogênio intramuscular. Assim, não há necessidade de um grande número de mioglobina nem de mitocôndrias. A fibra do tipo IIb é para trabalhos de força e potência. Por isso, elas têm uma alta capacidade hipertrófica. Por outro lado, ela, é mais suscetível à fadiga. Parte de sua força e potência é atribuída a uma maior inervação dos motos-neurônios, atingindo um maior número de células musculares com um potencial de ação, se com- parada à fibra do tipo I. Uma características importante entre os tipos de fibras é a velocidade de contração. Essa característica tem relação direta com a quantidade e a qua- lidade de inervação da fibra muscular. A quantidade de fibras inervadas por um motoneurônio determina, em grande parte, o grau de força e potência do músculo. Quanto menor for as fibras inervadas por um motoneurônio, menor será a capacidade de produção de força. Desde forma, é lógico pensar que as fibras do tipo I não têm um número elevado por motoneurônio e as fibras do tipo IIb têm uma numerosa inervação. De fato, o músculo esquelético que alonga a lente ocular tem inervação de 2 até 10 fibras por motoneurônio. Em outro extremo, o vasto lateral pode ter cerca de 1.500 fibras para um único motoneurônio. É importante destacar que as fibras musculares inervadas por um mesmo motoneurônio não são, necessariamente, todas adjacentes. Assim, um potencial de ação pode produzir um movimento muscular visível, mas sem 13Estrutura, função e tipos de fibras musculares recrutar todas as unidades motoras daquele músculo. Obviamente que esse efeito produz menor força, mas pode ser o suficiente para gerar o movimento articular desejado em certos casos. Por sua vez, entenda-se por qualidade do disparo as características de velocidade da condução elétrica, frequência e sincronia dos potenciais de ação. Quanto maior o diâmetro do motoneurônio, maior será a velocidade do disparo elétrico e, consequentemente, maior possibilidade de produzir força e/ou potência muscular. Tipicamente, as fibras do tipo II são inervadas por motoneurônios com maior diâmetro, o que produz uma resposta de potência e/ ou grande força. Além do diâmetro do motoneurônio, a quantidade de disparos dos potenciais de ação aumenta a velocidade de contração, desde que esses disparos sejam sincronizados. A frequência de disparo de fibras do tipo I fica em torno de 15 a 30 Hz e para fibras do tipo IIb em torno de 80 a 100 Hz. Já as fibras intermediárias têm parte das características do tipo I e do tipo IIb, de acordo com sua classificação (tipo IIa ou tipo IIx). Você pode observar no Quadro 4 anterior que as fibras intermediárias têm velocidade de contração rápida, por meio de sua qualidade de inervação, mas o metabo- lismo é intermediário (tipo IIa: oxidativo e IIx: glicolítico). É justamente essa característica híbrida que confere às fibras intermediárias maior capacidade de adaptações (ou transformação) diante do treinamento aplicado. Essa dúvida sempre foi discutível: se uma fibra muscular pode se transformar em outro tipo de fibra. Primeiramente, é importante ressaltar que são poucos músculos que são compostos por apenas um tipo de fibra muscular. A grande maioria é de composição mista, com predominância de um ou outro tipo de fibra muscular. A prevalência dos tipos de fibras é atribuída, em grande parte, pelo genótipo, ou seja, pela carga genética das pessoas. A partir disso, o fenótipo é determinado pelas influências e demandas funcionais, que, pelo conceito de plasticidade, moldarão as características fenotípicas da fibra muscular. Dificilmente uma fibra do tipo I será transformada totalmente no tipo IIb, em repostas aos estímulos externos. A razão básica para essa impossibilidade é a morfologia específica do tipo de fibra. Talvez o ponto mais preponderante seja o nível de inervação (quantidade e qualidade do estímulo elétrico). Uma fibra tipo I tem um baixo número de fibras inervadas pelo mesmo motoneurônio. Além disso, o calibre do motoneurônio é menor, quando comparado aos mesmos da fibra tipo II. Esses fatores impedem um aumento na produção de força pelo baixo recrutamento de unidades motoras. No entanto, as fibras tipos IIa e IIx, Estrutura, função e tipos de fibras musculares14 que são aquelas intermediárias, são modificadas em reposta aos estímulos impostos, geralmente, ao tipo de treinamento físico, mas também pelo processo de envelhecimento, imobilização à longo prazo, etc. Imagine um adolescente (15 a 16 anos) que começa a treinar corridas curtas (100 e 200 metros) com a máxima velocidade possível. Com tantos estímulos, as células musculares ativas durante a corrida sofrerão modifica- ções, direcionado as características para o tipo IIb, em resposta à carga e ao tipo de exercício imposto. Ao contrário, se um adolescente de mesma idade começa a se exercitar em atividades de baixa intensidade e longa duração, aquelas células musculares intermediárias sofrerão adaptações, diante dessa carga de trabalho, que direcionarão para as características similares ao tipo I. De modo geral, evidências mostram que homens, mulheres e crianças têm 45 a 55% de fibras de contração lenta para membros inferiores e superiores. Ainda, as fibras de contração rápida se distribuem igualmente entre tipos IIa, IIx e IIb. Outro fato importante é que parece não haver distinção, dessa proporção, em relação ao sexo (homem ou mulher). Você pode observar que existe um equilíbrio razoavelmente aceitável na proporção de fibras musculares. Portanto, o percentual de distribuição do tipo fibra muscular é, em princípio, determinado pela genética. Após, os estímulos aplicados ao longo da vida vão moldando as fibras e determinando suas características mais relevantes. Neste sentido, análises têm demonstrado que atletas de resistência de alta performance mostram uma distribuição acima de 60% de fibras de contração lenta. Ao contrário, atletas de elite cuja modalidade exige mais força e potência do que resistência mostram um baixo percentual de fibras de contração lenta (40 a 45% ou até menos) (MCARDLE; KATCH, F.; KATCH, V., 2001). Partindo dessa ideia, é lógico pensar que podemos direcionar o esporte de acordo com uma maior distribuição e fibras musculares, determinado em grande parte pela carga genética. No entanto, o sucesso de uma modalidade esportiva vai muito além das características morfofisiológicas do músculo esquelético. É necessária uma visão ampla para a formação de um campeão. A visão de Raoul Mollet (presidente do Comitê Olímpico Belga nos anos 60), que mudou a forma de pensar e ver um atleta, parte das potencialidades genéticas de uma pessoa, agregando uma equipe de apoio que saiba observar e trabalhar tais potencialidade. Nessa equipe, encontram-se psicólogos, nutricionistas, médicos, apoio social e, claro, preparadores físico, técnico e tático para o esporte em questão (DANTAS, 1998). 15Estrutura, função e tipos de fibras musculares Veja um estudo que analisou e comparou as respostas agudas de variáveis clínicas e funcionais depois de uma sessão de exercício físico com força máxima de contração concêntrica versus excêntrica. https://goo.gl/jDZLfu Um aluno chegaà academia que você trabalha e relata que fez uma cirurgia no joelho esquerdo (retirada de uma plica sinovial e sinovite). Ocorreu tudo bem na cirurgia e o aluno já realizou todas as sessões de fisioterapia, as quais o deixaram habilitado para um programa de treinamento físico. Nesse sentido, o primeiro ponto a ser observado é quanto à função do músculo esquelético no sentido de estabilização da articulação. Assim, você deve saber que o fortalecimento dos músculos que estabilizam o joelho é prioritário. O segundo ponto a ser observado é o tipo de contração. Nesse caso, ações isométricas podem favorecer o aumento da força muscular adjacente ao joelho, sem determinar impacto desnecessário na articulação. Ainda, exercícios proprioceptivos também são recomendáveis para o fortalecimento da musculatura estabilizadora do joelho. O tecido muscular esquelético, cardíaco e liso tem como principal função a contração de suas fibras musculares que determinam “movimento”. Cada tipo de tecido muscular tem estruturas próprias. As miofibrilas são estruturas cilíndricas, linhas que determinam as unidades contráteis, chamadas de sar- cômero. Este é constituído por proteínas e as mais importantes são: troponina, tropomiosina, actina e miosina. A interação entre essas proteínas produz força ou tensão na fibra muscular. Assim, a principal função do músculo esquelético é o movimento humano, por meio da força voluntária produzida em suas fibras; já a do músculo cardíaco é o bombeamento de sangue (controle involuntário) e a do músculo liso é a movimentação do sangue nos vasos sanguíneos ou do alimento no sistema gastrointestinal, etc., com controle motor involuntário. Especificamente sobre o músculo esquelético, existem características peculiares na morfologia e no metabolismo que determinam diferentes tipos de fibras. Estrutura, função e tipos de fibras musculares16 DANTAS, H. M. A prática da preparação física. Rio de Janeiro: Shape, 1998. GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Tratado de fisiologia médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. MCARDLE, W. D.; KATCH, F. I.; KATCH, V. L. Fisiologia do exercício: energia, nutrição e desempenho humano. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. MINAMOTO, V. B. 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Acesso em: 25 nov. 2018. As fibras do tipo I tem tipicamente menor inervação, metabolismo oxidativo, contração lenta, são mais resistentes, mas fadigam rápido e não produzem muita força ou potência. As fibras do tipo IIb têm maior e melhor inervação, metabolismo glicolítico, contração rápida, produzem maior força e potência, mas são menos resistentes. Ainda existem fibras de fibras intermediárias que agregam ora mais características do tipo I, ora características do tipo IIb. Uma aplicação prática em relação a esse conhecimento é o direcionamento adequado para determinadas modalidades diante da distribuição das fibras musculares, afinal, a prevalência de fibras dos tipos I ou IIb tem grande influência genética. 17Estrutura, função e tipos de fibras musculares Conteúdo:
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