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CONSTITUIÇÃO E DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO SOCIAL BRASILEIRO. Jeferson Silva Ferreira1 Paulo de Tarso2 RESUMO: No Brasil, os Direitos Humanos encontraram um contexto complexo para a sua evolução devido ao cenário de Ditadura Empresarial-Militar (1964-1985) o qual utilizava o Estado como agente de supressão de direitos retirando dos cidadãos a garantia de suas liberdades. Após as mobilizações sociais, que culminaram com a abertura política, que puseram fim ao regime militar, foi promulgação, em 05 de outubro de 1988, a Constituição Federal Brasileira. Nela foi consolidada a universalidade dos direitos humanos a partir do momento em que se consagrou a dignidade da pessoa humana como núcleo informador da interpretação de todo o ordenamento jurídico, tendo em vista que a dignidade é inerente a toda e qualquer pessoa, sendo vedada qualquer discriminação. Palavras-chave: Direitos Humanos; Constituição de 1988, Sociedade Brasileira. ABSTRACT: In Brazil, Human Rights found a complex context for its evolution due to the scenario of the Business-Military Dictatorship (1964-1985) which used the State as an agent of suppression of rights, tolerating citizens to guarantee their freedoms. After the social mobilizations, which culminated in political openness, which ended the military regime, on October 5, 1988, the Brazilian Federal Constitution was promulgated. In it, the universality of human rights was consolidated from the moment when the dignity of the human person was established as the nucleus that informs the interpretation of the entire legal system, considering that dignity is inherent to each and every person, being prohibited any discrimination. Keywords: Human rights; 1988 Constitution, Brazilian Society. 1 Aluno do Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Cruzeiro do Sul (Turma 2019.2). 2 Professor Orientador do Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Introdução Os Direitos Humanos fazem parte de todo o conjunto de direitos indispensáveis aos seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Incluem, ainda, o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre outros, sem qualquer tipo de discriminação. Esses direitos, originam-se da própria natureza humana, resultando, assim, o seu caráter acrônico, inviolável e universal, os quais foram ratificados pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos que estabeleceu as obrigações dos governos de agirem de determinadas maneiras ou de se absterem de certos atos, a fim de promover e proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos. No Brasil, tais direitos foram contemplados no art. 5° da Constituição de 1988. A referida Carta aprazou-se como o marco histórico da transição para a democracia e o início da efetivação dos Direitos Humanos em nosso atardado processo de (Re) Democratização. De fato, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ter por preceito a observância desses direitos, tornou-se condição sine qua non, seja no direito nacional, seja no âmbito da política internacional do País. Por sua natureza, propriamente dita, essencialmente, os Direitos Humanos uma incontável demanda de proteção, na medida em que prepondera sobre a visão holística da igualdade e proteção da vida em sua totalidade. Seguindo este raciocínio cabe ao Estado Democrático de Direito a deferência aos Direitos Humanos. Nesse viés, a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e outros organismos internacionais, em conjunto com os Estados-membros, têm congregado pujanças, no plano universal e regional, no intuito de engendrar tanto as leis de cada um de seus Estados-membros, quanto os demais instrumentos de proteção dos direitos fundamentais. Desta maneira, este ensaio busca estabelecer um debate sobre a relação dos Direitos Humanos, com estabelecimento da Constituição de 1988 em observação à sociedade brasileira no período da redemocratização, num objetivo de refletir sobre a necessidade de conscientizar a sociedade brasileira em razão do processo contínuo das https://nacoesunidas.org/acao/direito-internacional/ https://nacoesunidas.org/acao/direito-internacional/ transformações sociais que marcaram o período de abertura política, pós-ditadura (1964- 1985). 2. A Internacionalização Dos Direitos Humanos O processo de Internacionalização dos Direitos Humanos decorreu, dentre outros fatores, da herança advinda, ainda no século XVIII, da elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como afirma Mazzuoli (2001. p.2): A famosa Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen, de 1789, sob a influência do discurso burguês, cindiu os direitos do “Homem” e do “Cidadão”, passando a expressão Direitos do Homem a significar o conjunto dos direitos individuais, levando-se em conta a sua visão extremamente individualista, cuja finalidade da sociedade era a de servir aos indivíduos, ao passo que a expressão Direitos do Cidadão significaria o conjunto dos direitos políticos de votar e ser votado, como institutos essenciais à democracia representativa. Para o autor, para se compreender o processo de afirmação dos Direitos Humanos é necessário um olhar sobre o entendimento da consolidação da busca pelos direitos civis da época os quais visavam o reconhecimento dos direitos de liberdade, em especial, a liberdade de ir e vir, de pensamento, de religião, de reunião, pessoal e econômica, como forma de superação do arcaísmo e dos privilégios feudais e absolutistas que ainda figuravam na Sociedade (MAZZUOLI, 2001). Contudo foi necessário o desenrolar de mais de um século e meio para que fosse possível pensar na proteção da vida humana de maneira universal, a partir de 1948, no que pode-se identificar como: era internacional dos direitos ou dos direitos internacionalmente consagrados. Testemunha-se, hoje, uma crescente evolução na identidade de propósitos entre o Direito Interno e o Direito Internacional, no que respeita à proteção dos direitos humanos, notadamente um dos temas centrais do Direito Internacional contemporâneo. Porém foi num cenário total mente controverso que percebeu-se a necessidade de se pensar na vida para além de um do direito civil e sim num aspecto mais amplo e universal, o qual pudesse proteger o ser humano e como respostas às atrocidades cometidas pela própria humanidade aos seus pares. Um fio propulsor desta mudança de paradigma ocorreu após as inúmeras expropriações de direitos que ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). É, entretanto, somente a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que o Direito Internacional dos Direitos Humanos, efetivamente, se consolida. Nascidos dos horrores da era Hitler, e da resposta às atrocidades cometidas a milhões de pessoas durante o nazismo, esses acordos internacionais protetivos dos direitos da pessoa humana têm criado obrigações e responsabilidades para os Estados no que diz respeito às pessoas sujeitas à sua jurisdição. (MAZZUOLI, 2001, p.4). Após este evento, o qual, vitimou cerca de 55 milhões de pessoas3, normatividade internacional de proteção dos direitos humanos, foram concretizando-se através de incansáveis e constantes lutas históricas, estes, passaram a consubstanciar, mesmo que gradualmente, de internacionalização e universalização desses mesmos direitos. Os direitos humanos evoluíram, passando do interesse apenas pessoal ou pontual para um patamar mais elevado, deixando de ser o sujeito apenas elemento específico. O Estados passou a ter a responsabilidade de garantia de direito internacional público, ou seja, de proteger e amparar os direitosfundamentais de todos os cidadãos. Os indivíduos, a partir de então, foram erigidos à posição – de há muito merecida – de sujeitos de direito internacional, dotados de mecanismos processuais eficazes para a salvaguarda dos seus direitos internacionalmente protegidos. Diante deste cenário marcado por incontáveis violações de direitos produzido pela pelos horrores do conflito belicoso, tornou-se necessária à reconstrução de toda uma normatividade internacional, a fim de resguardar e proteger esses direitos, até então inexistente. Os Estados compreenderam a obrigatoriedade da construção de toda uma normatividade internacional eficaz em que o respeito aos direitos humanos encontrasse efetiva proteção. O tema, então, tornou-se preocupação de interesse comum dos Estados, bem como um dos principais objetivos da comunidade internacional. Assim, a dignidade da pessoa humana concretizou-se através da preponderância de um recorte temporal histórico, o qual evidenciou a necessidade e a obrigação de salvaguarda de aspectos tão essências e ao mesmo tempo tão suprimidos como: liberdade, igualdade e solidariedade. Com isso, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, importante instrumento de universalização dos direitos humanos e principal dispersor de valores no mundo, a dignidade da pessoa humana assumiu o caráter de pilar de todos os direitos nela consagrados, como descrito de forma cabal em seu preâmbulo: 3 Ao final da Segunda Guerra Mundial, a catastrófica política da Alemanha de Hitler foi derrotada, com consequências dificilmente imaginadas. Em todo o mundo, de acordo com as estatísticas conhecidas, morreram 55 milhões de pessoas, especialmente nos países da Europa Oriental, como a Polônia e a União Soviética. (ALBERTI; FERNANDES & FERREIRA, 2000. p. 204). A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados- Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. (Direitos Humanos, 2013, p.20). A partir deste proclamou-se o conceito de dignidade como fundamento de todos os direitos humanos, haja vista o seu reconhecimento a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis. Tais atos de direitos permitiram, o avanço sobre outras demandas que também são inevitáveis, primais e indissolúveis a todos os seres humanos, pois dotados de razão e de consciência, nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. • Artigo I Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. • Artigo II Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (Direitos Humanos, 2013, p.20). A compreensão dos artigos denota a preocupação com os debates advindos do período pós-guerra, a partir do surgimento da Organização das Nações Unidas, em 1945, e, consecutivamente, dada aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. O Direito Internacional dos Direitos Humanos, desde então, começou a emergir e a materializar-se, gerando, o alinhamento e a promulgação de inúmeros tratados internacionais destinados a proteger os direitos fundamentais dos indivíduos, sendo assim, um incontestável marco referencial, no que diz respeito ao processo de internacionalização dos direitos humanos. 3. O Contexto Social Brasileiro No Brasil, os debates sobre os Direitos Humanos ecoaram numa perspectiva social bastante complexa. O cenário político era o da retomada da democracia pós Ditadura Varguista, denominada de Estado Novo, que se desenrolou de 1937 a 1945. Vale lembrar que tal forma de governo instaurou-se sob o argumento de uma possibilidade de uma insurreição Comunista no país, tal pretexto fundamentou o governo ditatorial no Brasil. Com o fim da Segunda Guerra e, concomitantemente, com o final do Estado Novo houve uma retomada democrática no país, através da abertura política, dando espaço para as discussões sobre novas demandas, como afirma Gomes (2013, p. 26): A fase política que sucedeu o Estado Novo estabeleceu novas preocupações e anseios para a sociedade civil brasileira, mas se amalgamou, em contrapartida, com antigas tradições políticas. Houve um continuum de muitas das problemáticas vivenciadas na sociedade civil e estimuladas por Vargas durante os anos de 1930-1945. A popularidade, força e influência sociopolítica de Vargas, por exemplo, foi materializada na criação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – dando vazão a novas questões e demandas dos trabalhadores – e dinamizou os novos canais institucionais de representação da política do país até 1964. Contudo essas novas demandas sofreram, entre elas as questões sobre os Direitos Humanos, sofreram um corte em 1964 com a instauração da Ditadura Empresarial-Militar (1964-1985). O regime de exceção foi implementado pelo interesse dos grupos dominantes da sociedade, sustentado pelas forças armadas e em consonância ao discurso de uma proteção social frente à ameaça comunista que se espalhava pelo continente mundo, mas principalmente na América, como ocorrido em Cuba (Revolução Cubana – 1959), cabe salientar que o discurso de uma possível ameaça comunista foi introduzido no imaginário social como forma de justificar um regime autoritarista, assim como no Estado Novo. Além da evolução do discurso temerário que ganhava força no imaginário da população, outras pautas, estas mais próximas à realidade do contexto social brasileiro, ecoavam e carregavam, como a ideia de preservação dos valores da sociedade brasileira, da família, da liberdade e da religiosidade (cristã-católica), bem como a democracia (que neste caso entendia-se como o não comunismo), salvaguardando a nação da corrupção e subversão que eram, segundo os conservadores, características exclusivas dos defensores dos ideais comunistas. Analisando a sociedade na época é possível refletir sobre suas complexidades devido disputas de vários setores insatisfeitos com o cenário brasileiro. Entre os anos de 1950 e 1960, houve um aumento exponencial das pressões sociais e o surgimento de novas formas de organização populares. As desigualdades regionais, a situação política marcada pelo privilégio das classes mais ricas e a disputa de poder entre diversos setores resultaram numa ebulição de inquietações sociais generalizadas. Associado a esses fatos houve um aumento considerável da população urbana o que causou um grande êxodo rural, um considerável endividamento externo e um aumento no déficit orçamentário do Estado em si. Os índices de inflação elevaram-se e o aumento da concentração da renda, estimularam a profusão de reivindicações sociais tanto no campo quanto nas cidades. Em 1961, o clima de tensão aumentou com a renúncia do presidente Jânio Quadros, sinalizando o clima social conflituoso que se estabelecera, deixando pairar a intencionalidade de alguns grupos, e até mesmo do presidente com a própria renúncia, de mudar as regras democráticas através de um possível endurecimento político, como explica Branco (2017, p.18): Ou seja, Jânio renunciou na certeza de que voltaria. Uma vez que, sob a Constituição, não poderiareassumir a Presidência, a não ser através de novas eleições, que esperava? Obviamente, um golpe, que lhe oferecesse de volta o poder e que lhe permitiria impor condições, como o fechamento do Congresso, de cuja inutilidade e vícios fazia aberta apologia nos dias que antecederam à renúncia. Após a renúncia, o vice-presidente João Goulart assume a presidência do país, ao retornar de uma viagem diplomática à China4. Todavia a sua governabilidade ocorreu de forma limitada, uma vez que foi estabelecido, pelos militares, o parlamentarismo, inserido num contexto de mobilizações e pressões sociais até então desconhecidas. Como plano de governo, de Jango, como era conhecido à época, era alicerçado num discurso reformista, que incluem as reformas agrária, urbana, bancária, fiscal e educacional, além do direito de voto aos analfabetos, foram vistos com estranheza pelos grupos conservadores e dominantes da sociedade brasileira. Tais reformas incluíam também medidas de caráter nacionalistas, como uma maior intervenção por parte do Estado e a nacionalização (estatização) de algumas empresas. Em março de 1964, em protesto contra a presidência, setores mais conservadores, contando com o apoio de empresários e da Igreja Católica, organizam em São Paulo a primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade, propagando o perigo da dita 4 Vale ressaltar que a China era uma nação Comunista desde a Revolução de 1949. Segundo Branco (2017) a intenção do envio de João Goulart ao país tinha como pano de fundo causar um clima de mal-estar político-social, na medida em que gerou uma sensação de aproximação ou flerte do Governo Brasileiro com o Comunismo. postura anticristã, contra a família e comunista do governo federal. Em seguida, contando com apoio norte-americano em conter o avanço comunista na América, no dia 31 de março de 1964, tropas militares foram deslocadas para o Rio de Janeiro, deflagrando-se o golpe militar brasileiro no dia seguinte, 1° de abril, tendo na figura do marechal Humberto Alencar Castelo Branco (1964-1967), na época chefe do Estado Maior do Exército, o primeiro presidente eleito por uma junta militar. 4. A Constituição e Os Direitos Humanos Observando, mesmo que superficialmente, o contexto das tensões que se avolumavam no cotidiano da sociedade brasileira compreende-se que as pautas de caráter social e humanitárias perderam espaços de diálogo, uma vez que houve o endurecimento político entre os anos de 1964 e 1985, período pelo qual perpassou-se a Ditadura Empresarial-Militar. Mesmo perdendo espaço as questões sobre Direitos Humanos não esvaziaram-se na sua totalidade sendo fundamentais para a abertura político-social que ocorreu a partir do final da década de 1970, culminando com o fim do regime, em 1985 e a promulgação da Constituição de 1988, alcunhada de Carta Cidadã, evidenciando a sua natureza democrática e alinhada à garantia da preservação dos direitos dos cidadãos. Sobre este cenário Mazzuoli (2001, p. 18) sustenta: Rompendo com a ordem jurídica anterior, marcada pelo autoritarismo advindo do regime militar, que perdurou no Brasil de 1964 a 1985, a Constituição brasileira de 1988, no propósito de instaurar a democracia no país e de institucionalizar os direitos humanos, faz como que uma revolução na ordem jurídica nacional, passando a ser o marco fundamental da abertura do Estado brasileiro ao regime democrático e à normatividade internacional de proteção dos direitos humanos. O Alinhamento da Constituição Brasileira às normativas internacionais, na visão do autor, foram fundamentais para a construção e promulgação de uma Carta que tivesse em sua essência à primazia pela proteção dos direitos humanos. Este compromisso fica evidente na leitura do preâmbulo quando afirma: [...] a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...] Indubitavelmente, o direito à vida corresponde, dentro da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 um dos mais importantes, pois ele corresponde ao pré-requisito da existência e exercício de todos os demais direitos. Assim, cabe ao Estado a responsabilidade pela sua garantia, bem como a efetivação da sua prática, num sentido de manter a subsistência da cidadania, de acordo com o princípio da igualdade, o qual produz efeitos sobre todas as pessoas do país. Desta maneira, a Constituição Federal de 1988, dentre inúmeras atribuições, assumiu a incumbência de solucionar e/ou impedir que toda e qualquer divergência, os conflitos, as querelas entre outros embates, não mais pela força e/ou exceção, das quais incidiam diretamente na agressão à vida humana, e sim numa visão democrática e em respeito à jurisdição em consonância aos diálogos internacionais sobre os Direitos Humanos. Sendo assim, os direitos do homem dentro da CF/1988 passaram a ser compreendidos como aqueles que pertencem, ou deveria pertencer, a todos os homens, dos quais nenhum homem pode ser despojado, com o qual o reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização (BOBBIO, 1992). Com a promulgação o Estado assumiu a responsabilidade de preservar o cidadão, ao contrário do período militar, que havia criado dispositivos jurídicos para punir os considerados “subversivos”, os Atos Institucionais5. A Constituição Cidadã tornou-se um marco na preservação dos princípios fundamentais. Como marco fundamental do processo de institucionalização dos direitos humanos no Brasil, a Carta de 1988, logo em seu primeiro artigo, erigiu a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental (art. 1º, III), instituindo, com este princípio, um novo valor que confere suporte axiológico a todo sistema jurídico e que deve ser sempre levado em conta quando se trata de interpretar qualquer das normas constantes do ordenamento jurídico pátrio. (MAZZUOLI, 2001, p. 18) Além disso, a nova Constituição, seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo, deu um grande passo rumo a abertura do sistema jurídico brasileiro ao sistema internacional de proteção de direitos, como verificado no art. 5°: 5 A ditadura militar foi um período de repressão e violência que durou 21 anos. Diferentemente de outros regimes de exceção latino-americanos, no Brasil fez-se uso dos chamados Atos Institucionais, utilizados para legislar pelas forças armadas, mantendo uma aparência de legalidade (BECHARA &RODRIGUES (2015, p. 587). “ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...” O art. 5º da Constituição Federal brasileira proclama que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, deixando claro, ainda no inciso I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta constituição”. A legalidade, deste princípio diz respeito à obediência da lei, encetado no inciso II da CF/88, o qual dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O referido artigo traz consigo uma enormidade de prerrogativas que garantem os direitos e deveres dos cidadãos, bem como as obrigações dos Estado com os mesmos. Numa análise do § 2º do cito artigo percebe-se o alinhamento da Carta Magna a preocupação do engajamento dEla com as questões internacionais, ao ponto que deixou instituído que: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentesdo regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” Sobre esta regulamentação, Mazzuoli (2001, p. 19) exorta que: Ora, se a Constituição de 1988 estabelece que os direitos e garantias nela elencados “não excluem” outros provenientes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5º, § 2º), é porque ela própria está a autorizar que esses direitos e garantias internacionais constantes dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil “se incluem” no nosso ordenamento jurídico interno, passando a ser considerados como se escritos na Constituição estivessem. É dizer, se os direitos e garantias expressos no texto constitucional “não excluem” outros provenientes internacionais em que o Brasil seja parte, é porque, pela lógica, na medida em que tais instrumentos passam a assegurar certos direitos e garantias, a Constituição “os inclui” no seu catálogo de direitos protegidos, ampliando, assim, o seu “bloco de constitucionalidade. Seguindo este raciocínio, compreende-se que tanto os direitos quanto as garantias provenientes dos tratados internacionais, dos quais o Brasil insere-se, passaram, com a ratificação desses instrumentos, a integrar a pauta dos direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Ou seja, um Estado, que por ventura, pretenda consubstanciar o seu ordenamento jurídico em grau superior ao do direito internacional dos direitos humanos, provavelmente se distanciará do movimento internacional de proteção de direitos, regional e universalmente reconhecidos, não tendo, por isso, direito de afirmar seu propósito na proteção dos direitos humanos, pois estará semoto do diálogo existente entre as nações que prezam pelo compromisso com a preservação da vida humana. A mudança de paradigma foi importante para a elaboração legislativa brasileira, no § 2º ao art. 5º da Constituição de 1988, referente aos tratados internacionais de que o país fez parte, não apenas ampliou os mecanismos de proteção da dignidade da pessoa humana, como também reforçou e engrandeceu o princípio da prevalência dos direitos humanos, consagrado pela Carta como um dos princípios pelo qual a República Federativa do Brasil se rege nas suas relações internacionais, bem como o compromisso em garantir as demais proteções ao povo brasileiro (e não brasileiro), tais princípios encontram-se presentes nas definições do artigo 4º. I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. Dessa forma, quando a Carta Magna brasileira estabelece que os direitos e garantias nela elencados e conversa , de maneira dialógica com os tratados Internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, significa dizer que a mesma está autorizada a garantir os direitos de maneira universal, ratificados pelo Brasil e, dos quais “se incluem” em nosso ordenamento jurídico interno, passando a ser, assim, considerados como se escritos e internalizados na Constituição Federal Brasileira. 5. Considerações Finais Por conta do processo de internacionalização dos questionamentos sobre a garantia dos Direitos Humanos, iniciado, no pós-Segunda Guerra Mundial, com a elaboração da Declaração Universal de 1948, foram sendo gradativamente evoluindo, passando a considerar-se cidadãos, todos aqueles que habitam o âmbito da soberania de um Estado, sedo por Ele protegido por direitos e deveres. A partir deste momento, viu-se crescer, progressivamente, a identidade de propósitos entre o conceito do Direito Interno e o Direito Internacional, no que respeita à proteção dos direitos humanos. Os direitos humanos passaram, então, com o amadurecimento evolutivo desse processo, a transcender os interesses exclusivos dos Estados, para salvaguardar, internamente, os interesses dos seres humanos protegidos, distanciando-se dos conceitos da modernidade histórica baseados no conceito de soberania estatal absoluta, que considerava como sendo os Estados os únicos sujeitos de direito internacional público. No Brasil, os Direitos Humanos encontraram um contexto complexo para a sua evolução devido ao cenário de Ditadura Empresarial-Militar (1964-1985) o qual utilizava o Estado como agente de supressão de direitos, na medida em que tolhia, os cidadãos da garantia de suas liberdades. Após as mobilizações sociais, que culminaram com a abertura política, que puseram fim ao regime militar, foi promulgação, em 05 de outubro de 1988, a Constituição Federal Brasileira. Nela foi consolidada a universalidade dos direitos humanos a partir do momento em que consagrou-se a dignidade da pessoa humana como núcleo informador da interpretação de todo o ordenamento jurídico, tendo em vista que a dignidade é inerente a toda e qualquer pessoa, sendo vedada qualquer discriminação. Assim, conclui-se que a Constituição brasileira de 1988 corrobora, desta feita, e de forma clara, a concepção contemporânea de cidadania e em diálogo com as novas exigências da democracia, fundamentais para a garantia universal dos direitos humanos. Bibliografia ALBERTI, V. FERNANDES, TM. FERREIRA, MM. História oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000. BECHARA, Gabriela Natacha. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ditadura militar, atos institucionais e Poder Judiciário. UFPF – RS, JUSTIÇA DO DIREITO, v. 29, n. 3. 2015. (p. 587-605). BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de janeiro: Campus. 1992. BRANCO, Carlos Castello. A renúncia de Jânio: um depoimento / Carlos Castello Branco. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2017. BRASIL (País). Constituição da República Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 6 jun. 2020. BRASIL (País). Direitos Humanos. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 4ª ed. 2013. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, cidadania e educação. Uma nova concepção introduzida pela Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi. Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. (1518-4862). Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2074. Acesso em: 12 jun. 2020. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm https://jus.com.br/artigos/2074/direitos-humanos-cidadania-e-educacao https://jus.com.br/artigos/2074/direitos-humanos-cidadania-e-educacao https://jus.com.br/revista/edicoes/2001 https://jus.com.br/revista/edicoes/2001/10/1 https://jus.com.br/revista/edicoes/2001/10/1 https://jus.com.br/revista/edicoes/2001/10 https://jus.com.br/revista/edicoes/2001
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