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DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADES PROF.A HELOÍSA FEITOSA ZANFOLIN Reitor: Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira Pró-Reitoria Acadêmica Maria Albertina Ferreira do Nascimento Diretoria EAD: Prof.a Dra. Gisele Caroline Novakowski PRODUÇÃO DE MATERIAIS Diagramação: Edson Dias Vieira Thiago Bruno Peraro Revisão Textual: Camila Cristiane Moreschi Danielly de Oliveira Nascimento Fernando Sachetti Bomfim Luana Luciano de Oliveira Patrícia Garcia Costa Renata Rafaela de Oliveira Produção Audiovisual: Adriano Vieira Marques Márcio Alexandre Júnior Lara Osmar da Conceição Calisto Gestão de Produção: Cristiane Alves © Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114 Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo (a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá. Primeiramente, deixo uma frase de Sócrates para reflexão: “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida.” Cada um de nós tem uma grande responsabilidade sobre as escolhas que fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica e profissional, refletindo diretamente em nossa vida pessoal e em nossas relações com a sociedade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente e busca por tecnologia, informação e conhecimento advindos de profissionais que possuam novas habilidades para liderança e sobrevivência no mercado de trabalho. De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos proporcionando momentos inesquecíveis. Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Distância, a proporcionar um ensino de qualidade, capaz de formar cidadãos integrantes de uma sociedade justa, preparados para o mercado de trabalho, como planejadores e líderes atuantes. Que esta nova caminhada lhes traga muita experiência, conhecimento e sucesso. Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira REITOR 33WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 01 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................4 1. CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS ......................................................................................................................5 2. TERMINOLOGIA .......................................................................................................................................................6 3. EVOLUÇÃO E PRECEDENTES HISTÓRICOS........................................................................................................... 7 3.1 INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ........................................................................................ 13 4. CARACTERÍSTICAS, ESPECIFICIDADES OU PRINCÍPIOS DOS DIREITOS HUMANOS .................................... 15 5. GERAÇÕES/DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS ......................................................................................... 16 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................... 19 CONCEITUAÇÃO, TERMINOLOGIA, EVOLUÇÃO, PRECEDENTES HISTÓRICOS, CARACTERÍSTICAS E GERAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS PROF.A HELOÍSA FEITOSA ZANFOLIN ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADES 4WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Nesta primeira unidade, iniciaremos nossos estudos sobre os direitos humanos, apresentando, primeiramente, o seu conceito contemporâneo e o caminhar histórico até ele. Após, será abordada a questão das diferentes terminologias empregadas aos direitos humanos, diferenciando cada uma delas, especialmente os direitos humanos, direitos fundamentais e os direitos do homem, que são as mais conhecidas e mencionadas por doutrinadores e pelos documentos normativos internacionais e nacionais. Em seguida, estudaremos amplamente a evolução histórica dos direitos humanos e os principais precedentes que contribuíram para o desenvolvimento da matéria e para o reconhecimento atual desse direito tão essencial à existência humana. Demonstraremos que, desde a Antiguidade, há passagens e costumes que mostram a preocupação com esses direitos e que, até os dias atuais, estamos em constante evolução, abertos para novos reconhecimentos de acordo com a necessidade atual da humanidade. Na sequência, são apresentadas as principais e mais cobradas características dos direitos humanos, também conhecidas como especificidades ou princípios dos direitos humanos, sendo elas: a historicidade, a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência, a imprescritibilidade, indisponibilidade, irrenunciabilidade e inalienabilidade, a vedação ao retrocesso e a prevalência da norma mais benéfica. Para finalizar a presente unidade, abordaremos a teoria das gerações ou dimensões dos direitos humanos, destacando as mais consideradas pela doutrina clássica e pelos concursos públicos. 5WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS Segundo os ensinamentos de Piovesan e Cruz (2021), “[...] os direitos humanos são um conjunto de direitos que protegem a possibilidade de toda pessoa viver com dignidade”. Assim, a tutela da dignidade da pessoa humana é um pilar do conceito de direitos humanos, que objetiva assegurar que as pessoas possuam condições mínimas de desenvolvimento de uma vida plena, sem violência e arbitrariedades. Por sua vez, na mesma linha, Ramos (2021) pontua que os direitos humanos “[...] consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade”. Ainda segundo o autor, não existe um rol exaustivo desses direitos considerados mínimos para uma vida digna uma vez que eles são atualizados conforme as necessidades humanas e refletem o contexto histórico de cada época. Há de se destacar que os direitos humanos são também aqueles considerados inatos, relacionados à própria condição humana, de modo que apenas o nascimento de um ser humano já o torna detentor desses direitos de inimaginável relevância. Além disso, os direitos humanos independem de reconhecimento estatal, não precisam ser reconhecidos no âmbito interno de uma determinada nação para existirem. Para Mazzuoli (2021): Os direitos humanos são, portanto, direitos protegidos pela ordem internacional (especialmente por meio de tratados multilaterais, globais e regionais) contra as violações e arbitrariedades que um Estado possa cometer às pessoas sujeitas à sua jurisdição. São direitos indispensáveis a uma vida digna e que, por isso, estabelecem um nível protetivo (standard) mínimo que todos os Estados devem respeitar, sob pena de responsabilidade internacional. Assim, os direitos humanos são direitos que garantem às pessoas sujeitas à jurisdição de um dado Estado meios de vindicação de seus direitos, para além do plano interno, nas instâncias internacionais de proteção (MAZZUOLI, 2021, p. 21). Na verdade, a noção contemporânea de direitos humanos é resultado de um longo caminho histórico, que será abordado no decorrer da presente unidade. Eles não nasceram todos de uma vez, e outros ainda estão por vir conforme a necessidade humana, as lutas e movimentos sociais, desenvolvimento, vontade política e evolução intelectual de cada tempo (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Nas lições de Bobbio (1992): [...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes [...]: a liberdade religiosa é um efeito das guerras de religião; as liberdade civis, da luta dos parlamentares contra os soberanos absolutos; a liberdade política e as liberdades sociais, do nascimento, crescimento e amadurecimento domovimento dos trabalhadores assalariados [...]. [Os direitos] nascem quando devem ou podem nascer (BOBBIO, 1992 apud PIOVEZAN; CRUZ, 2021, p. 4). 6WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Um grande marco histórico não só para o conceito, mas também para o conteúdo dos direitos humanos, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas, em 1948. Ela prevê uma série de direitos humanos, dentre eles, o direito à vida, à liberdade de expressão e associação, o direito ao trabalho e à educação e o direito ao mínimo para uma vida digna com saúde e bem-estar, pontuando, ainda, a proteção contra a tortura e a escravidão (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Assim, com fundamento principalmente no exposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a concepção atual de direitos humanos é pautada nos valores da igualdade e liberdade, constituindo eles uma unidade de direitos indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). 2. TERMINOLOGIA Os direitos considerados indispensáveis à pessoa humana possuem diversos termos e diferentes designações que, por vezes, acabam causando confusão doutrinária. Merecem ser destacados os mais comumente utilizados: “direitos do homem”, “direitos fundamentais”, além do tema central do presente estudo: os “direitos humanos”. A expressão direitos do homem está relacionada aos direitos naturais (aqueles inatos e não positivados), possuindo origem jusnaturalista. São direitos que, em tese, ainda não se encontram nos textos constitucionais ou nos tratados internacionais de proteção. Ressalte-se que, atualmente, os direitos mais relevantes e significativos já foram objeto de reconhecimento, seja em âmbito interno seja externo, de modo que raros são os exemplos atuais desses direitos. Ademais, uma crítica quanto ao apontamento de gênero na expressão “homem” acabou por levar o termo praticamente ao desuso, por sugerir discriminação aos direitos da mulher (MAZZUOLI, 2021, p. 22). Já os direitos fundamentais são aqueles direitos indispensáveis à vida digna, reconhecidos como tal no ordenamento jurídico interno de determinada nação, principalmente nas constituições, possuindo tutela e regime de proteção do respectivo Estado. Assim, conforme pontua Mazzuoli (2021), os direitos do homem e os direitos fundamentais se diferenciam dos direitos humanos por se tratarem de direitos que ou ainda não foram previstos ou estão tutelados no âmbito interno dos Estados. E, no que diz respeito aos direitos humanos, são direitos inatos essenciais previstos em tratados, declarações, documentos ou costumes internacionais, de modo que são “[...] direitos que já ultrapassaram as fronteiras estatais de proteção e ascenderam ao plano da proteção internacional” (MAZZUOLI, 2021). Ressalte-se que o renomado doutrinador Ramos (2021) expõe, em sua obra, uma crítica à distinção apontada entre direitos humanos e direitos fundamentais, atestando que a distinção está ultrapassada por dois fatores. O primeiro seria o fato de que diversos direitos humanos já foram recepcionados nos ordenamentos internos, havendo previsão no direito brasileiro, inclusive, quanto à possibilidade de tais direitos serem equivalentes à emenda constitucional. O segundo seria o fato de que, com a reconhecida jurisdição dos órgãos internacionais com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, os direitos humanos agora possuem força vinculante. Além dele, outros autores optaram por usar a terminologia “direitos humanos fundamentais”. 7WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Sobre o tema, necessária é a observação apontada por Mazzuoli (2021): É importante observar que a Constituição Federal de 1988 se utilizou das expressões direitos fundamentais e direitos humanos com total precisão técnica. De fato, quando o texto constitucional brasileiro quer fazer referência, mais particularmente, aos direitos nele previstos, adota a expressão ‘direitos fundamentais’, como faz no art. 5.º, § 1.º, segundo o qual, ‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata’. Por sua vez, quando o mesmo texto constitucional se refere às normas internacionais de proteção da pessoa humana, faz alusão à expressão ‘direitos humanos’, tal como no § 3.º do mesmo art. 5.º, segundo o qual ‘os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais’. Quando a Constituição pretende se referir, indistintamente, aos direitos previstos pela ordem jurídica interna e pela ordem jurídica internacional, não faz menção direta a nenhuma das expressões. Foi o que fez no § 2.º do art. 5.º, assim redigido: ‘Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’ (MAZZUOLI, 2021, p. 26). No que diz respeito à amplitude de proteção, os direitos humanos possuem maior alcance, isso considerando que os direitos fundamentais serão mais amplos ou mais restritos a depender do ordenamento jurídico de cada nação, não possuindo um campo de aplicação tão extenso quanto os direitos humanos, que possuem características como a universalidade, podendo ser reivindicados por qualquer pessoa, de qualquer nação, em qualquer condição, sendo nessa nação seu direito considerado fundamental ou não, bastando para tanto que haja uma violação de seu direito reconhecido em norma internacional (MAZZUOLI, 2021). 3. EVOLUÇÃO E PRECEDENTES HISTÓRICOS A concepção de direitos humanos que temos nos dias atuais é resultado de um longo processo histórico. Sabemos que os maiores avanços e a sua internacionalização se deram após a Segunda Guerra Mundial, especialmente com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU). No entanto, podemos citar diversas passagens históricas anteriores que, de forma direta ou indireta, contribuíram para o avanço do tema. Esse processo evolutivo não foi algo linear: houve uma série de avanços e retrocessos no decorrer do tempo que resultaram na ideia contemporânea de direitos humanos. Segundo Piovezan e Cruz (2021), desde a Antiguidade, diversos povos fizeram reflexões sobre elementos que hoje entendemos ligados à ideia de dignidade humana. Comparato (2018) aponta para a existência de alguns dos maiores pensadores da história, entre 600 e 480 a.C. São eles: Zaratustra, na Pérsia; Buda, na Índia; Lao-Tsé e Confúcio, na China; Pitágoras, na Grécia; e Dêutero-Isaías, em Israel. Tais pensadores marcaram a transição da mitologia para uma reflexão quanto à condição humana, lançando as bases para a compreensão do ser humano como um indivíduo e ser moral. Reflexões que, futuramente, levaram à atribuição de sentido próprio à pessoa, resultando na noção de que temos direitos específicos. 8WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Também na Antiguidade, é necessário apontar a importância da lei para orientar a sociedade quanto a valores de justiça, ao bem comum, revestindo-se como um instrumento influenciador. Em Atenas, a lei passou a ser instrumento da democracia, a qual previa a participação direta do povo no governo da polis, constituindo-se num grande marco para o tema e um exemplo demonstrativo de como a democracia é importante para avançarmos enquanto sociedade (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Segundo Ramos (2021), a Antiguidade grega também estimulou o debate acerca da superioridade de determinadas normas, mesmo que contra o estabelecido pela norma. Exemplo disso é a peça Antígona, de Sófocles, em que a protagonista luta para enterrar seu irmão conforme a cultura da época, segundoa qual apenas com o devido sepultamento o indivíduo teria o devido descanso, contra a vontade do governante tirano que promulgou uma lei proibindo o sepultamento daqueles que descumprissem as leis da cidade. Antígona defendia que não se podem cumprir as leis humanas que se chocarem com as leis divinas, confrontando as ideias de Creonte, o tirano. Com tal reflexão, Sófocles aborda uma importante questão sobre os direitos humanos: a superioridade de determinadas regras de conduta, em especial contra a tirania e injustiça. A síntese mais conhecida da concepção de Antiguidade sobre o indivíduo foi feita por Benjamin Constant, no seu clássico artigo sobre a ‘liberdade dos antigos’ e a ‘liberdade dos modernos’. Para Constant, os antigos viam a liberdade composta pela possibilidade de participar da vida social na cidade; já os modernos (ele se referia aos iluministas do século XVIII e pensadores posteriores do século XIX) entendiam a liberdade como sendo a possibilidade de atuar sem amarras na vida privada. Essa visão de liberdade da Antiguidade resultou na ausência de discussão sobre a limitação do poder do Estado, um dos papéis tradicionais do regime jurídico dos direitos humanos. As normas que organizam o Estado pré-constitucional não asseguravam ao indivíduo direitos de contenção do poder estatal. Por isso, na visão de parte da doutrina, não há efetivamente regras de direitos humanos na época pré-Estado Constitucional. Porém, essa importante crítica doutrinária - que deve ser realçada - não elimina a valiosa influência de culturas antigas na afirmação dos direitos humanos. [...] há costumes e instituições sociais das inúmeras civilizações da Antiguidade que enfatizam o respeito a valores que estão contidos em normas de direitos humanos, como a justiça e igualdade (RAMOS, 2021, p. 39). 9WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Sobre a peça, mas se afastando da ideia de divindade, Aristóteles aponta que há coisas que sabemos serem justas ou injustas e que as leis que são comuns a todos são diferentes das normas que cada sociedade decide estabelecer como seu direito particular. Tal discussão se disseminou ao longo da história, sobre normas que se aplicam a todas as pessoas e normas particulares de cada sociedade (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Com outro ponto de vista sobre o tema, ao fim da Antiguidade, fortaleceram-se os filósofos estoicos, já com o fim das cidades-estados. Os estoicos se baseavam na ideia de uma razão universal natural. Acreditavam que o mundo era uma única cidade, que o direito era igualmente universal e derivado da racionalidade e das leis da natureza. Defendiam que todos os seres humanos são naturalmente iguais, que devem se amar e respeitar como habitantes da mesma comunidade universal. Os estoicos foram centrais para a filosofia cristã. Inspirados nas ideias estoicas e nos ensinamentos judaicos sobre a unidade do gênero humano, os cristãos baseavam sua crença na igualdade espiritual de todas as pessoas. Para os cristãos, todos os seres humanos são filhos de Deus e todos foram chamados para a salvação. Além da ideia de igualdade, essa concepção também é relevante por colocar foco na imortalidade do indivíduo. Trata-se de uma mudança importante: enquanto filósofos clássicos se orientavam para o bem da polis, progressivamente, começou-se a focar na pessoa (PIOVEZAN; CRUZ, 2021, p. 19). No entanto, essa transição de foco para a pessoa não teve seu ponto alto na Idade Média, isso porque, embora o cristianismo pregasse a igualdade espiritual, isso só se aplicava com a morte uma vez que era a posição social do sujeito que determinava o que ele podia, ou não, fazer na sociedade. Apesar disso, a ideia cristã de igualdade das almas se disseminou e influenciou a defesa da dignidade, inclusive de outros povos. Segundo Piovezan e Cruz (2021), “Frei Bartolomeu de Las Casas e, no Brasil, Padre Antônio Vieira opuseram-se ao genocídio e à escravização dos povos indígenas com base nesses preceitos”. Ensina Ramos (2021) que, na Europa da Idade Média, os governantes tinham poderes ilimitados, isso porque o embasavam na vontade divina. Surgem nessa época os primeiros atos de busca por liberdades. Como exemplos, deve-se destacar a Declaração das Cortes de Leão, confeccionada na Península Ibérica, em 1188, e a Magna Carta Inglesa, em 1215. A primeira trata- se de uma “[...] manifestação que consagrou a luta dos senhores feudais contra a centralização e o nascimento futuro do Estado Nacional” (RAMOS, 2021). A segunda diz respeito a um diploma com um elemento fundamental ao futuro dos direitos humanos: uma lista de direitos das pessoas contra o Estado. A Magna Carta foi elaborada para proteção do Baronato inglês contra os atos abusivos do monarca João Sem Terra e foi escrita em Latim, o que demonstra seu caráter elitista, mas com a ideia de um governo representativo e direito que, futuramente, foi universalizado. Com o Renascimento e a Reforma Protestante, a crise da Idade Média resultou no nascimento dos Estados Nacionais absolutistas, e a sociedade estamental medieval foi substituída pela forte centralização do poder na figura do rei. Com o enfraquecimento da relevância dos estamentos (Igrejas e senhores feudais), surge a igualdade de todos os que estão submetidos ao poder do rei, igualdade essa que não protegeu o povo contra a violência e opressão. Grande exemplo de violência foi o extermínio de milhões de indígenas na América. Críticos desse extermínio que merecem ser destacados são o Frei Bartolomeu de Las Casas, que foi um grande defensor da dignidade dos povos indígenas, e Francisco de Vitória, “[...] um dos fundadores do direito internacional moderno, reconheceu a humanidade dos povos autóctones das Américas, bem como sustentou a aplicação, em igualdade, do direito internacional nas suas relações com os espanhóis” (RAMOS, 2021, p. 41). 10WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA No século XVII, temos dois marcos importantes com o Estado Absolutista sendo questionado, principalmente da Inglaterra: o Petition of Rights, de 1628, consagra mais uma importante evolução na busca por limitação do poder do rei, já iniciado com a Magna Carta. Agora, o Parlamento determina o dever ao governante de não cobrar impostos sem a sua autorização, assim como avança no que concerne ao devido processo legal, prevendo que nenhum homem livre poderia ser preso ou privado de seus bens, liberdades e franquias ou posto fora da lei, exilado ou molestado, a não ser com uma sentença legal dos seus pares ou da lei do país (RAMOS, 2021). Outro documento importante editado ainda no século XVII foi o Habeas Corpus Act, em 1679, que oficializou o documento de proteção judicial para prisões injustas, passo extremamente importante contra as prisões arbitrárias, que foi uma das grandes causas de violações de direitos humanos, e ainda continua sendo, no século XXI (RAMOS, 2021). Em 1689, ainda na Inglaterra, com o fim da Revolução Gloriosa e a coroação de Guilherme III, o Príncipe de Orange, foi elaborada a Bill of Rights, a Declaração Inglesa de Direitos, na qual o poder absoluto dos reis ingleses é reduzido de forma definitiva. Também em decorrência do fim da Revolução Gloriosa, em 1701, foi aprovado o Act of Settlement, que fixou a linha de sucessão da coroa inglesa, retirando os católicos romanos e exigindo o vínculo com a Igreja Anglicana dos reis britânicos e fez previsão novamente do poder do Parlamento e o dever de respeitar a lei (RAMOS, 2021). Foi na modernidade, influenciada pela Reforma e pelas guerras religiosas, que se passou para a concepção da sociedade não mais como um todo orgânico, e, sim, como um grupo de pessoas, passando o indivíduo a ser o ponto fundamental da realidade, fortalecendo-se a reflexão de que todos devem ter direito a liberdades fundamentais, especialmente ade crença (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). O surgimento do contratualismo nos séculos XVII e XVIII firmou o referido entendimento na área da filosofia e da teoria política. Nesse sentido: Para os contratualistas, o Estado resulta de um acordo entre indivíduos que, exercendo sua liberdade, decidem submeter-se a regras comuns para seu benefício e segurança. A consequência lógica dessa elaboração teórica é a limitação dos poderes do Estado: como a vontade individual é o fundamento do Estado, os poderes do governante são necessariamente limitados, pois as pessoas não aceitariam se submeter a uma ordem social abusiva, que lhes tolhesse a liberdade de modo excessivo. Pensadores como Locke defendiam, por isso, que o poder do Estado era limitado por direitos naturais do indivíduo, como a vida, a liberdade e a propriedade. Assim, no campo do direito, se fortaleceu a ideia de direitos do indivíduo contra o Estado, direitos estes que seriam inerentes à condição humana (PIOVEZAN; CRUZ, 2021, p. 20). A mesma ideia é apontada por Rousseau no contexto do Iluminismo do século XVIII. Para ele, o Estado deve ser visto como a soma das vontades individuais, o que resulta na ideia de que o governo deve se orientar para a execução da vontade geral. O pensamento de Rousseau, juntamente com outras teorias de outros pensadores Iluministas (pautadas na defesa da razão, da laicização do Estado e da luta contra o absolutismo), influenciaram e serviram de base para a Revolução Francesa, que se pautou na ideia de que o governo devia representar a vontade popular (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). 11WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Mais uma base importante para a noção de direitos humanos foi a contribuição de Kant, já ao final do século XVIII, defendendo que todo ser racional, ou seja, toda pessoa é um fim em si mesmo, não podendo servir como mero instrumento de outro indivíduo. Referida ideia reconhece que todo ser humano tem dignidade inerente a ele, diferenciando-se das coisas por ser detentor de vontade racional e autonomia. A ideia de dignidade humana de Kant é adotada até os dias atuais e, embora haja diversas críticas quanto ao antropocentrismo excessivo, influenciou e foi base para a concepção contemporânea de direitos humanos (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Foi no contexto de propagação desses ideais que ocorreram as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII. Influenciadas pelo contratualismo, jusnaturalismo e iluminismo, as Revoluções Inglesa, Americana e Francesa geraram sistemas de governos que visavam restringir os poderes do Estado (substituindo o absolutismo pela separação de poderes e por sistemas constitucionais) e, ao mesmo tempo, salvaguardar os direitos individuais contra ameaças futuras. A Bill of Rights (adotada na Inglaterra em 1689), a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (adotada na França em 1789) e as dez primeiras emendas da Constituição dos Estados Unidos da América (ratificadas em 1791) estabeleceram listas de direitos que protegiam as liberdades do indivíduo contra o Estado. Os direitos proclamados nessas declarações (como a liberdade, a legalidade e a propriedade) evidenciam que seu objetivo era proteger os interesses de uma determinada classe de indivíduos contra interferências do Estado (PIOVEZAN; CRUZ, 2021, p. 21). Importante frisar que, embora os termos usados passem a ideia de universalidade desses direitos conquistados pelas revoluções liberais, eles não eram concedidos de forma igualitária para todas as pessoas. Um grande exemplo disso é a convivência do liberalismo com a escravidão e a preservação desta após a Revolução Americana. A incompatibilidade da defesa dos direitos mencionados com a permanência da escravização e sua violação diária à dignidade humana só foi apontada fortemente pelo movimento abolicionista ao longo do século XIX. O líder abolicionista Frederick Douglass defendia ser a Constituição dos Estados Unidos um instrumento antiescravista se interpretada corretamente, uma vez que seus princípios são completamente contrários à escravidão (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). O movimento abolicionista no Brasil - último país ocidental a abolir a escravidão - defendia os ideais de igualdade e liberdade como razões para o fim da escravização. Referido movimento atuava de diversas maneiras, desde manifestações culturais até a formação de grupos armados para libertar pessoas escravizadas. Tanto no exterior quanto no Brasil, a abolição do escravismo foi um grande marco para o ideal de universalidade dos direitos humanos e, principalmente, da dignidade da pessoa humana, já defendidos há tempos por diversos pensadores, mas que, dessa vez, trouxe aplicação concreta para um dos grupos mais oprimidos (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Retomando o contexto das importantes Declarações dessa época, mencionadas anteriormente (A Bill of Rights, adotada na Inglaterra em 1689; a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, adotada na França em 1789; e as dez primeiras emendas da Constituição dos Estados Unidos da América, ratificadas em 1791), destacam-se a Revolução Francesa e seus ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” (liberté, egalité et fraternité), os quais a distinguiram das demais revoluções liberais, consagrando a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão como a primeira de patamar universal. Esse caráter universalista foi uma grande base para os direitos humanos no século XX, com a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos (RAMOS, 2021). 12WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Na sequência, também no século XIX, outros movimentos vieram questionar as revoluções liberais. Segundo Ramos (2021), já no fim do século XVIII, os jacobinos franceses defendiam a ampliação da Declaração Francesa para abarcar também os direitos sociais, o que foi feito em 1793. Os revolucionários franceses redigiram uma nova Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, marcada fortemente pelo direito à igualdade e incluindo a proteção aos direitos sociais, como o direito à educação. A persistência da miséria, mesmo após as revoluções liberais, fez expandir a percepção da necessidade de condições materiais mínimas para a sobrevivência. Com isso, ampliaram- se também os movimentos socialistas, que conquistaram o apoio popular com seus ataques ao modo de produção capitalista (RAMOS, 2021). O socialismo e o comunismo, baseados sobretudo nas teorias de Karl Marx, viam as sociedades e seus sistemas políticos a partir do prisma da luta de classes. Para Marx, a sociedade capitalista - que atingira seu ápice com a revolução industrial - se divide em duas classes: o proletariado, ou seja, a massa de trabalhadores que vende sua força de trabalho, e os detentores dos meios de produção, que explora o proletariado visando a obtenção de lucro. Segundo esta concepção, o Estado liberal serve aos interesses da classe proprietária, e os direitos que proclama são promessas vazias frente à exploração material dos trabalhadores. Em outras palavras: de que adianta proclamar o direito humano à propriedade, protegendo-a de interferências indevidas do Estado, se a grande maioria do povo é desprovida de qualquer bem e muitos sequer têm meios para garantir seu sustento? Denunciando essas limitações da declaração meramente formal da liberdade do povo e condenando sua apropriação ideológica como instrumento de classe dominante, Marx defendia a expansão do projeto de liberdade, para incorporar a igualdade material como necessária para a dignidade dos indivíduos (PIOVEZAN; CRUZ, 2021, p. 22). Diversas foram as influências do crescimento das ideias socialistas e comunistas no século XIX, inclusive movimentos de trabalhadores organizados para pleitear melhorias nas condições de trabalho. Muitas foram as revoluções malsucedidas até que se desse a vitória da Revolução Russa em 1917, que,ante seu grande impacto internacional, motivou novos avanços na defesa da justiça social e da igualdade. Grandes marcos desse processo são: a Constituição Mexicana, de 1917, que dispôs sobre o direito ao trabalho e à previdência social; a Constituição de Weimar, na Alemanha, que protegeu os direitos sociais; e a Constituição do Brasil, de 1934, que, pela primeira vez, fez previsão de direitos sociais. No âmbito do Direito Internacional, em 1919, foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), primeira organização internacional que buscou a melhoria das condições de trabalho. Ela fora criada pelo Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial (RAMOS, 2021). Essa expansão no rol de direitos tutelados foi acompanhada também pelo desenvolvimento de instrumentos e mecanismos com o objetivo de proteger tais direitos. Esse processo não ocorreu apenas internamente nos Estados, mas também internacionalmente. 13WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 3.1 Internacionalização dos Direitos Humanos Como vimos, não é de hoje que existe a ideia de que há direitos essenciais à existência humana digna, independentemente de suas condições. Essa característica da universalidade é defendida por diversas correntes políticas e teóricas no decorrer da história e, com o surgimento do Estado constitucional, a proteção a esses direitos é oficializada. No entanto, sua tutela era restrita ao Estado nacional, tutela essa que, em muitas circunstâncias, se mostrou insuficiente, dando ensejo, durante o século XX, ao processo de internalização da proteção dos direitos humanos (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Os primeiros precedentes importantes da internacionalização da proteção dos direitos humanos até mesmo antecedem o século XX. Estamos falando dos tratados proibindo o tráfico de escravizados, no século XIX, com base, ao menos retoricamente, nos ideais de dignidade. Limitavam-se à esfera internacional, não obrigando os Estados a abolirem a escravidão, no entanto, possuíam mecanismos de implementação e fiscalização por meio de comissões para combater o tráfico ilegal, inclusive no Brasil (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Outro relevante precedente, digno de destaque, foi a Convenção de Genebra, celebrada em 1864, grande marco do direito humanitário ou direito de guerra para “Melhoria das Condições dos Feridos e Enfermos das Forças Armadas em Campanha”. Os Estados signatários dessa Convenção se comprometeram a não matar e proteger os feridos e as pessoas que os socorrem, bem como os equipamentos utilizados para tal (PIOVEZAN; CRUZ, 2021, p. 25). A Liga das Nações, criada após o fim da Primeira Guerra Mundial para promover a paz e a cooperação entre países, limitava o poder dos Estados sobre os indivíduos e aumentava a segurança internacional. Fez previsão de determinação aos Estados para garantia de direitos trabalhistas, tratamento justo aos povos nativos e liberdade de religião e consciência, bem como mecanismos de proteção das minorias, direitos para aqueles que se diferenciavam da maioria dos habitantes de seu país, seja por etnia, língua ou religião. Logo, ficou nítido que a Liga das Nações era incapaz de alcançar muitos dos seus objetivos, no entanto, os avanços que promoveu, principalmente quanto aos sistemas de proteção às minorias, inspiraram a criação de outros mecanismos de proteção internacional no século XX (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). São princípios do direito humanitário: humanidade, que visa à proteção da humanidade e ao desenvolvimento da dignidade da pessoa humana; imparcialidade, segundo a qual não pode haver distinção de nacionalidade, religião, raça, entre outros; neutralidade, por exemplo, a cruz vermelha não toma posições políticas, partidárias ou ideológicas; independência, já que a cruz vermelha sobrevive da ajuda dos estados-membros, mas age sem dependência deles; voluntariado, afinal, milhares de pessoas atuam na cruz vermelha de forma voluntária, até por se tratar de uma instituição sem fins lucrativos; unidade, pois uma única sociedade da cruz vermelha atua no país; e universalidade, uma vez que pretende atuar no plano global, inclusive nos contextos onde o Estado não é signatário das Convenções de Genebra. 14WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Também com o fim da Primeira Guerra Mundial, na mesma ocasião do Tratado de Versalhes, assim como a Liga das Nações, foi criada a já mencionada Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, em um anexo ao Tratado de Versalhes. Nela, os Estados estabeleceram melhorias nas condições de trabalho, não só por uma questão de justiça social, mas também por influência da Revolução Russa e pela instabilidade que a exploração trazia naquele momento, trazendo ameaças à paz mundial. Com esses precedentes ainda no século XIX, o Direito Internacional começava a apontar que a igualdade, a justiça social e a dignidade eram valores que interessavam à comunidade internacional e por ela deviam ser protegidos. No século XX, os horrores da Segunda Guerra Mundial escancararam ainda mais (e, agora, com urgência) a necessidade de uma proteção internacional a esses direitos mínimos essenciais aos seres humanos. Ensinam Piovezan e Cruz (2021) que: A ideia de valor intrínseco da pessoa humana, elaborada ao longo dos séculos por diferentes tradições do pensamento, sofreu uma ruptura absoluta com o holocausto. Conforme discutido por Hannah Arendt, o campo de concentração, expressão máxima do totalitarismo, reduziu populações à condição de seres supérfluos e descartáveis, sem qualquer valor. Por um lado, essa ruptura levou à necessidade de reconstrução da ideia de direitos humanos, a partir da reafirmação do valor intrínseco da pessoa e da afirmação do direito de ter direitos. Por outro, o holocausto demonstrou os riscos de uma proteção meramente nacional dos direitos humanos: tratar as relações entre governantes e governados como tema exclusivamente doméstico abre espaço para a barbárie de um governo contra seu próprio povo, para crimes como o genocídio [...]. Assim, no pós-guerra, a proteção dos direitos humanos se consolidou como questão de legítimo interesse da comunidade internacional (PIOVEZAN; CRUZ, 2021, p. 26). O reconhecimento de que a comunidade internacional se preocupava com a dignidade das pessoas habitantes, sejam elas habitantes de seus Estados ou não, foi a base para a internacionalização dos direitos humanos. A partir daí, criaram-se diversos sistemas normativos com o objetivo de lutar contra violações de direitos humanos cometidas pelos Estados ao seu povo, seja de forma ativa seja de forma omissiva, permitindo que haja violações dentro do seu território. Assim, além da tutela interna dos Estados nacionais, o sistema internacional de proteção é uma garantia de proteção que complementa a tutela nacional quando esta não é eficaz ou inexiste. Por fim, o maior marco da internacionalização dos direitos humanos se deu com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, na conferência de São Francisco, tratado conhecido como “Carta de São Francisco”, no pós-Segunda Guerra Mundial. A barbárie nazista levou o tema dos direitos humanos fortemente para a Carta da ONU e, principalmente, para a Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada em forma de Resolução pela Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948, em Paris, a qual prevê um rol dos direitos humanos que são reconhecidos internacionalmente (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). 15WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 4. CARACTERÍSTICAS, ESPECIFICIDADES OU PRINCÍPIOS DOS DIREITOS HUMANOS Os direitos humanos possuem características (especificidades ou princípios) próprias, que os distinguem dos demais direitos, dentre elas, as principais e mais citadas pela doutrina e por concursos são:a. Historicidade: os direitos humanos estão vinculados e são resultado do desenvolvimento histórico da humanidade, que, com o passar do tempo, são construídos, reconhecidos e positivados. Segundo Mazzuoli (2021), essa característica dos direitos humanos “[...] permite compreendê-los sempre conjugadamente, dado que não há uma ‘sucessão’ de direitos que se substituem a outros, mas uma emergência de normas elaboradas de tempos em tempos à medida de sua necessidade”. b. Universalidade: os direitos humanos são universais, porque todas as pessoas são titulares deles, independentemente de qualquer condição, nacionalidade, religião, etnia, orientação sexual, gênero, opinião política, localização, raça ou condição social. Apenas a condição de ser humano lhe dá direito de pleitear a proteção de seus direitos, tanto no plano nacional quanto, na falha do primeiro, no plano internacional (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Um grande marco para essa característica diz respeito à Segunda Guerra Mundial, isso levando em conta que a Alemanha nazista não considerava pessoas com certas condições (religião, ideologia política, raça, pessoas com deficiência, homossexuais e outras) dignas de direitos humanos, tendo exterminado cerca de 11 milhões de pessoas (RAMOS, 2021). Embora essa característica seja majoritária, para alguns, os direitos humanos possuem a característica da relatividade, segundo a qual cada sociedade tem noções próprias sobre os direitos humanos e quais deles podem ser relativizados ou não (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). c. Indivisibilidade: os direitos humanos não podem ser divididos, todos devem ser tutelados de modo igualitário. O Estado não pode justificar o desrespeito a um direito como fundamento para a efetivação de outro. Tal característica está expressa na Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993. (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Recomendamos o filme A Lista de Schindler (1993). O alemão Oskar Schindler viu na mão de obra judia uma solução barata e viável para lucrar com negócios durante a guerra. Com sua forte influência dentro do partido nazista, foi fácil conseguir as autorizações e abrir uma fábrica. O que poderia parecer uma atitude de um homem não muito bondoso transformou-se em um dos maiores casos de amor à vida da História, pois esse alemão abdicou de toda sua fortuna para salvar a vida de mais de mil judeus em plena luta contra o extermínio alemão. Com esse filme premiado, é possível refletir sobre o momento histórico da Segunda Guerra Mundial, quando diversos direitos humanos foram negados a determinadas categorias de pessoas, havendo diversas violações de direitos, incluindo o extermínio de cerca de 11 milhões de pessoas. 16WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA d. Interdependência: também conhecida como inter-relação, esta característica significa que os direitos humanos se inter-relacionam e se complementam, de forma que a sua proteção deve ser feita em conjunto. É preciso que seja dado proteção integral aos direitos humanos, porque um depende e é desdobramento do outro (RAMOS, 2021). e. Imprescritibilidade, indisponibilidade, irrenunciabilidade e inalienabilidade: conjuntamente, essas características compõem uma proteção de intangibilidade aos direitos humanos. A imprescritibilidade significa que os direitos humanos não são perdidos, não deixam de existir pelo decurso do tempo, nem há perda pela ausência do uso. A inalienabilidade, que eles não podem ser mensurados em valor pecuniário, vendidos ou negociados. E a indisponibilidade ou, ainda, a irrenunciabilidade significa que não podemos abrir mão desses direitos ou permitir a sua violação (RAMOS, 2021). Segundo Piovezan e Cruz (2021), essa caraterística: [...] é especialmente importante para resguardar direitos em situações de assimetria de poder. Pessoas em situação de vulnerabilidade podem se ver compelidas a aceitar situações que firam sua dignidade devido à ausência de alternativas viáveis para assegurar sua subsistência. Por exemplo, em situações de trabalho análogas à escravidão em que o empregador submete o empregado a jornada exaustiva ou condições degradantes, é irrelevante a concordância prévia da vítima com a situação [...]. Como garante de direitos, o Estado tem o dever de intervir para assegurar o fim das condições de exploração e reparar os danos causados (PIOVEZAN; CRUZ, 2021, p. 51). f. Vedação do retrocesso: também conhecido como efeito cliquet, princípio da proibição do regresso ou do não retorno, significa que, uma vez alcançado um patamar de proteção dos direitos humanos, não se pode retroceder ou diminuir a proteção alcançada, admitindo- se apenas o avanço e ampliação da proteção (MAZZUOLI, 2021). g. Prevalência da norma mais benéfica: também conhecida como princípio pro-persona ou princípio pró-ser humano, estabelece que, em casos de conflitos de normas, dúvidas interpretativas ou omissão, tem-se que considerar a norma mais protetiva ao ser humano, não se aplicando os tradicionais critérios de conflito de normas (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). 5. GERAÇÕES/DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS A doutrina costuma dividir os direitos humanos em “gerações”, “dimensões” ou “categorias”, fundamentando tal divisão no processo histórico que reconheceu cada uma dessas dimensões de direitos. Muitos autores criticam o termo inicial criado por Karel Vasak, “gerações”, sugerindo que o termo mais adequado seria “dimensões”, em razão de o primeiro indicar a falsa ideia de substituição de direitos; já o segundo expressaria melhor a ideia de complementação. Essas gerações fazem parte das classificações doutrinárias e podem variar de autor para autor (MAZZUOLI, 2021). A criação dessa teoria é atribuída a Karel Vasak, jurista francês de origem checa, que, em 1979, em uma Conferência do Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo, classificou os direitos humanos em três gerações, inspiradas nos ideais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade (RAMOS, 2021). 17WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Os doutrinadores clássicos apontam essas três gerações ou dimensões e são elas as mais cobradas em concursos. No entanto, atualmente, alguns doutrinadores citam a existência de outras três. Vejamos todas elas: a. Primeira Geração/Dimensão: são os direitos referentes à liberdade, os primeiros a serem reconhecidos nos textos normativos, os direitos civis e políticos que, historicamente falando, inauguraram o constitucionalismo ocidental. São direitos focados no indivíduo, que limitam a atuação do Estado e são oponíveis contra ele. São exemplos: o direito à vida, à liberdade, à igualdade, ao nome, à nacionalidade, à propriedade e muitos outros (MAZZUOLI, 2021). Têm origem nas revoluções liberais, tais como a Magna Carta (1215), Habeas Corpus Act (1679), Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789), dentre outros. b. Segunda Geração/Dimensão: são os direitos referentes à igualdade, direitos econômicos, sociais e culturais, que nasceram a partir do início do século XX. Exigem um papel mais ativo do Estado para garantir sua tutela. Os direitos sociais são também titularizados pelo indivíduo e oponíveis ao Estado. São reconhecidos o direito à saúde, educação, previdência social, habitação, entre outros, que demandam prestações positivas do Estado para seu atendimento e são denominadas direitos de igualdade por garantirem, justamente às camadas mais miseráveis da sociedade, a concretização das liberdades abstratas reconhecidas nas primeiras declarações de direitos. Os direitos humanos de segunda geração são frutos das chamadas lutas sociais na Europa e Américas, sendo seus marcos a Constituição Mexicana de 1917 (que regulou o direito ao trabalho e à previdência social), a Constituição alemã de Weimar de 1919 (que, em sua Parte II, estabeleceu os deveres do Estado na proteção dos direitossociais) e, no Direito Internacional, o Tratado de Versailles, que criou a Organização Internacional do Trabalho, reconhecendo direitos dos trabalhadores (RAMOS, 2021, p. 60). c. Terceira Geração/Dimensão: são os direitos que se baseiam no princípio da fraternidade ou solidariedade, como o direito ao meio ambiente equilibrado, ao desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade e à comunicação. Não possuem foco no indivíduo, mas, sim, no gênero humano e, por isso, são difusos. Estão presentes na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Proclamação do Teerã e na Declaração e Programa de Ação de Viena, além de outros documentos normativos internacionais que visam proteger especificamente esses direitos (FACHIN, 2013). d. Quarta Geração/Dimensão: desdobramento da terceira geração, são direitos que se referem ao princípio da solidariedade e que resultam da globalização dos direitos fundamentais. São exemplos: o direito à democracia, à informação (verdadeira) e ao pluralismo (MAZZUOLI, 2021). e. Quinta Geração/Dimensão: direito humano à paz. Segundo Fachin (2013): A origem dessa nova dimensão de direitos fundamentais remonta ao final do século XX. Já afirmamos que ‘O século XX foi marcado pelo extermínio de vidas humanas. Ele será lembrado para sempre como o século dos genocídios, das guerras mundiais, dos campos de concentração, das bombas atômicas, dos atos terroristas, dos desaparecimentos forçados, do apartheid, das destruições em massa de vidas humanas (civis e militares), das ‘limpezas étnicas’, da destruição do meio ambiente e da prática de tortuta’. 18WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A incerteza e a insegurança rondam lares de bilhões de pessoas por todas as partes do mundo, colocando em risco a manutenção da paz. A escassez deste bem fundamental para a Humanidade - a paz - projeta-se para o século XXI (FACHIN, 2013, p. 227). A ideia é trazer a paz do mundo dos sonhos e da utopia para o campo da proteção jurídica, como um direito humano de quinta geração/dimensão (MAZZUOLI, 2021). f. Sexta Geração/Dimensão: por fim, Fachin (2013) defende a ideia da existência de uma sexta dimensão dos direitos humanos: o direito humano à água potável. Embora seja um componente do direito ao meio ambiente equilibrado (direito humano de terceira dimensão), o autor sustenta que este direito: [...] merece ser destacado e alçado a um plano que justifique o nascimento de uma nova dimensão de direitos fundamentais. Que, assim, um grande passo é dado no caminhar da humanidade, destacando esse direito essencial para a existência humana, que deve ser tratado com a devida importância que merece pelas instituições e pela sociedade (FACHIN, 2013, p. 228). A partir do estudo apresentado nesta primeira unidade, é possível refletir acerca do impacto que o modo de pensar da sociedade trouxe para a evolução dos direitos humanos. Conforme exposto, Benjamin Constant ensina que a ideia de liberdade dos povos da Antiguidade era pautada na vontade de participação social nas decisões, e não a concepção atual e que, posteriormente ao referido período, tanto se lutou para garantir, de liberdade em face do Estado, de garantia de direitos nos quais o Estado não pode intervir. Essa diferença certamente influenciou muito para que o caminho evolutivo fosse tão longo como foi. Para complementar o conteúdo estudado na presente unidade, indicamos a leitura da obra: RAMOS, A. C. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. O material está disponível em https://integrada.minhabiblioteca. com.br/reader/books/9788553616633/pageid/105. https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553616633/pageid/105 https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553616633/pageid/105 19WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta primeira unidade, apresentamos o universo dos direitos humanos, abordando sua conceituação, sua abrangência e sua evolução até a ideia contemporânea, qual seja: um conjunto de direitos considerados indispensáveis para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Foram estudadas as diversas terminologias utilizadas e suas diferenças, apontando que direitos humanos são os direitos essenciais reconhecidos internacionalmente, direitos fundamentais são os mesmos reconhecidos no âmbito dos Estados nacionais e Direitos do Homem se trata de uma terminologia antiga, que caiu em desuso, tanto por se tratar de direitos que não foram positivados quanto por trazer o termo “homem”, que pressuporia exclusão das mulheres. Estudamos também a evolução histórica dos direitos humanos e os principais precedentes que muito colaboraram para o atual quadro dos direitos humanos, destacando: a criação do Direito Humanitário, que se originou na Convenção de Genebra, de 1864; a criação da Liga das Nações, em 1919, por meio do Tratado de Versalhes; e também na mesma ocasião, a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na sequência, foram abordadas as mais reconhecidas características dos direitos humanos, também chamadas de especificidades ou princípios dos direitos humanos. E, por fim, tratamos acerca da teoria das gerações ou dimensões dos direitos humanos, abordando a relevância temporal e histórica para esta teoria, estudando cada uma das dimensões, desde as mais cobradas pelos concursos e consideradas pela doutrina até as inovações doutrinárias. Feita a apresentação do universo dos direitos humanos, passemos agora à Unidade 2, na qual estudaremos os sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos. 2020WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 02 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................... 21 1. SISTEMA GLOBAL: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU)......................................................................22 1.1 CARTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS ...........................................................................................23 2. SISTEMAS REGIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ..................................................................27 2.1 SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS (SIDH) .......................................................................28 3. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL (TPI) ...........................................................................................................30 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................................................................33 SISTEMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS E MECANISMOS DE PROTEÇÃO PROF.A HELOÍSA FEITOSA ZANFOLIN ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADES 21WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Na segunda unidade, estudaremos os sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos e seus mecanismos de proteção. Inicialmente, será abordado o sistema global de proteção, que tem como órgão gerenciador a Organização das Nações Unidas (ONU). Dessa maneira, aprenderemos sobre a ONU, sua origem, sua estrutura e seus principais instrumentos que servem de base para o sistema global de proteção, ou seja, os documentos normativos internacionais que compõem a Carta da ONU, quais sejam: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Em seguida, iniciaremos os estudos acerca dos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, com enfoque no sistema do qual o Brasil faz parte, qual seja, o Sistema Interamericanode Direitos Humanos. Quanto a ele, abordaremos também uma visão geral sobre sua origem, estrutura e os principais instrumentos normativos, assim como os órgãos de proteção criados por ele, merecendo destaque: a Declaração Americana sobre Direitos e Deveres do Homem, a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Por fim, será apresentado o Tribunal Penal Internacional (TPI), como órgão penal internacional, sua criação, precedentes históricos, estrutura e competência jurisdicional, a qual é complementar à justiça dos Estados nacionais e atua apenas nos casos mais graves de violação de direitos humanos. 22WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. SISTEMA GLOBAL: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) Ante a emergência da tutela internacional dos direitos humanos, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU) como um sistema global de proteção dos direitos humanos. A própria Carta da ONU é o instrumento basilar desse sistema. Elaborada em 1945, na cidade de São Francisco, estabelece os objetivos, a composição e a estrutura da organização, inclusive os seus principais órgãos. De acordo com o artigo 1º da Carta, os atos da ONU se baseiam em três pilares: a manutenção da paz e da segurança internacionais, a proteção dos direitos humanos e a promoção do desenvolvimento. Destaca-se a relevância de cuidar do direito internacional e conceder auxílio humanitário aos afetados por atos provocados por seres humanos, como as guerras ou desastres naturais (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Para trabalhar por estes objetivos, a Carta criou a Assembleia Geral, que conta com representantes de todos os Estados-membros e tem competência para deliberar sobre qualquer assunto de interesse da organização, incluindo os direitos humanos. Criou também o Conselho de Segurança, composto por cinco membros permanentes (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos) e dez membros eleitos periodicamente, cuja atribuição é assegurar a paz e a segurança internacionais, inclusive mediante estabelecimento de sanções e do uso de força armada. A Carta estabeleceu ainda o Conselho Econômico e Social, formado por 54 Estados eleitos para tratar de assuntos internacionais de natureza econômica, social e cultural, assim como para promover os direitos humanos, por meio da criação de comissões e da elaboração de recomendações, projetos de tratados, estudos, relatórios e conferências, entre outros instrumentos. Um terceiro conselho criado pela Carta foi o Conselho de Tutela, cujo papel se relacionava aos esforços de descolonização e, portanto, está hoje esvaziado. Como órgão judicial da ONU, foi criada a Corte Internacional de Justiça, composta por quinze juízes, que solucionam controvérsias de direito internacional entre Estados-Membros. Por fim, para conduzir as operações da organização, a Carta criou o Secretariado, órgão administrativo chefiado pelo Secretário-Geral (PIOVEZAN; CRUZ, 2021, p. 63). Tendo em vista que os direitos humanos se constituem como uma das bases da Organização das Nações Unidas, todos os seus mencionados órgãos devem agir em prol da sua tutela e fomento. Indicamos o filme A Intérprete (2005). Uma intérprete das Nações Unidas diz saber de um complô para assassinar o líder de um país africano. Então, um agente do Serviço Secreto é designado para investigar o caso. No entanto, o agente acaba descobrindo que a intérprete tem um passado obscuro e começa a duvidar da história. A Intérprete foi o primeiro filme a receber autorização para ser gravado dentro da ONU, onde estão localizados o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral. Ao assistir a ele, conseguimos visualizar um pouco da estrutura criada e os locais onde são tomadas as decisões pelos Conselhos e pela Assembleia Geral para a promoção e proteção dos direitos humanos. 23WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Atualmente, esse sistema global de proteção dos direitos humanos é complexo, composto pela Carta Internacional de Direitos Humanos, que estudaremos a seguir, e diversos outros tratados multilaterais de direitos humanos. São exemplos a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, dentre outros. 1.1 Carta Internacional de Direitos Humanos A Carta Internacional de Direitos Humanos compreende os seguintes diplomas internacionais: a) a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948; b) o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966; c) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. A doutrina designou esse termo (International Bill of Rights) em homenagem a Bill of Rights do Direito Constitucional, termo que estabelece também a necessidade de interpretação dos Pactos em conformidade com a DUDH, formando um sistema de proteção dos direitos humanos (RAMOS, 2021). Ensina Ramos (2021) que a DUDH foi criada pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, hoje extinta, como uma etapa antes da já prevista elaboração de um “tratado internacional de direitos humanos”, que viria logo na sequência. Para não haver mais dúvidas acerca da força normativa da DUDH, os Estados-membros da ONU defenderam a necessidade de elaborar uma convenção internacional que, além dos direitos já previstos, avançasse na proteção dos direitos humanos com instrumentos para fiscalizar e promover tais direitos. No entanto, a Guerra Fria acabou impedindo que tal convenção tão logo fosse feita e, apenas em 1966, foi concluído o processo de negociação dos Pactos de Nova Iorque. Os Estados entenderam que seria melhor, até mesmo pelo contexto da Guerra Fria, que o conteúdo fosse dividido em dois Pactos, o que facilitaria sua aceitação pelos Estados (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). No que diz respeito à finalidade dos Pactos: [...] os Pactos de 1966 surgiram com a finalidade de conferir dimensão técnico- jurídica à Declaração Universal de 1948, tanto o primeiro Pacto regulamentado os arts. 1.º ao 21 da Declaração, e o segundo os arts. 22 ao 28. Os dois tratados de 1966 compõem, hoje, o núcleo-base da estrutura normativa do sistema global de proteção dos direitos humanos, na medida em que ‘judicializaram’, sob forma de instrumento internacional hard law, os direitos previstos na Declaração Universal. A partir desse momento, forma-se, então, a chamada ‘Carta Internacional dos Direitos Humanos’ (International Bill of Rights), instrumento que inaugura ‘o sistema global de proteção desses direitos, ao lado do qual já se delineava o sistema regional de proteção, nos âmbitos europeu, interamericano e, posteriormente, africano’ (MAZZUOLI, 2021, p. 81). a. Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH): um evento inaugural de uma nova concepção da vida internacional, foi elaborada e proclamada em Paris, em 10 de dezembro de 1948, pela Resolução 217 A-III, da Assembleia Geral da ONU. A Declaração veio em complemento à Carta da ONU de 1945, preocupando-se com a positivação internacional dos direitos mínimos essenciais aos seres humanos. Trata-se de um marco normativo basilar do sistema protetivo da ONU, que estimulou a criação de diversos outros documentos normativos sobre direitos humanos no mundo (MAZZUOLI, 2021, p. 68). 24WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A Declaração é formada por um preâmbulo e trinta artigos. Seu preâmbulo merece atenção por expressar textualmente algumas das características mais marcantes do documento. Ele se inicia reconhecendo a centralidade da dignidade humana, marca da concepção contemporânea de direitos humanos.Ao mesmo tempo, afirma o compromisso com a universalidade de direitos, destacando que os direitos ali declarados são de titularidade de todos os membros da humanidade. A noção de universalidade também se reforça pois o preâmbulo destaca que a Carta da ONU estabeleceu o compromisso de todos os seus Estados-Membros com os direitos humanos e que, portanto, a ‘compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso’. Isto é, o preâmbulo da Declaração estabelece expressamente seu objetivo de consolidar uma compreensão comum sobre os direitos humanos mencionados na Carta, compartilhada por toda a comunidade internacional. Por fim, o preâmbulo da Declaração também é significativo por conjugar o valor da liberdade e da igualdade material, que até então eram associados a tradições políticas distintas, inaugurando a ideia de indivisibilidade de direitos. Os parágrafos dispositivos da Declaração solidificam estas ideias. A primeira parte da Declaração, abrangendo dos artigos 3 a 21, foca em direitos civis e políticos, tais como direito à vida, a proibição da escravidão e da tortura, a igualdade perante a lei e o direito à proteção judicial. Por sua vez, os artigos 22 a 28 tratam de direitos econômicos, sociais e culturais, incluindo o direito à segurança social, ao trabalho digno e à educação. A Declaração não estabelece quaisquer distinções entre esses direitos - pelo contrário, estabelece que todos devem ser reconhecidos e observados de forma ‘universal e efetiva’, consolidando a indivisibilidade já indicada no preâmbulo (PIOVEZAN; CRUZ, 2021, p. 65). No que diz respeito à sua natureza jurídica ou à sua força normativa, embora a Declaração não seja tecnicamente um tratado, mas, sim, fruto de uma resolução da Assembleia Geral da ONU (que geralmente não vincula os Estados ao seu cumprimento), a ela é atribuída interpretação diferente, haja vista se tratar de uma extensão da Carta da ONU, instrumento pacificamente vinculante. A Declaração seria, então, vinculante por descrever os direitos abrangidos pela Carta da ONU, que determina que os Estados estão obrigados a trabalhar pelos objetivos das Nações Unidas (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Como não bastasse, os costumes internacionais e os princípios gerais de direito também são fontes vinculantes do direito internacional, entendendo parte majoritária da doutrina que, desde que foi criada, em 1948, a Declaração já se tornou uma norma costumeira, adquirindo força jurídica vinculante. Diversas são as evidências que colaboram com esse entendimento, como as inúmeras referências à Declaração feitas em outros diplomas internacionais e nacionais, citações da mesma na jurisprudência como fonte do direito, entre outros (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). b. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP): adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, entrou em vigor apenas em 1976, quando atingiu a ratificação mínima exigida de 35 Estados, possuindo, em 2020, 173 Estados-partes. No Brasil, o Pacto foi incorporado internamente por meio do Decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992 (RAMOS, 2021). 25WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Possui os objetivos de proteger os direitos de primeira geração e criar instrumentos para a sua efetivação, possuindo aplicação imediata. Seu rol de direitos civis e políticos é mais amplo que o da Declaração Universal, além de mais rigoroso na afirmação da obrigação dos Estados em respeitar os direitos nele consagrados. [...] Logo de início, (art. 2.º) já se exige o compromisso dos Estados-partes em garantir a todos os indivíduos que se encontrem em seu território e que estejam sujeitos à sua jurisdição (sejam eles nacionais ou não) os direitos reconhecidos no tratado, sem discriminação alguma [...]. Em relação aos direitos civis stricto sensu, ali se reconhece o direito à vida (art. 6.º) como inerente à pessoa humana, não podendo ninguém ser arbitrariamente privado; admite- se a pena de morte unicamente para os delitos mais graves e de conformidade com as leis em vigor; proíbem-se as torturas, as penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, a escravidão e a servidão. Reconhece-se, por outro lado, o direito à liberdade e segurança pessoais, estabelecendo uma série de garantias relativas ao devido processo legal. Outros direitos, não constantes da Declaração Universal, também foram incorporados, como o de não ser preso por descumprimento de obrigação contratual (art. 11), a proteção dos direitos das minorias à identidade cultural, religiosa e linguística (art. 27), a proibição da propaganda de guerra ou de incitamento à intolerância étnica ou racial (art. 20) etc. (MAZZUOLI, 2021, p. 83). Houve certa resistência por parte dos Estados em aceitarem os mecanismos de fiscalização que o Pacto estabelece, previstos nos arts. 28 a 45 do Pacto, em que também foi criado o Comitê de Direitos Humanos. Um desses mecanismos consiste na obrigação de os Estados enviarem relatórios sempre que o Comitê solicitar acerca das medidas adotadas para tornar efetivos os direitos reconhecidos no Pacto e sobre o progresso alcançado no gozo desses direitos. Além dessa função de monitoramento, o Comitê possui funções conciliatória e investigatória (também chamada de quase judicial), esta última não decorrente do Pacto, mas, sim, do seu Protocolo Facultativo (1966) (MAZZUOLI, 2021). Segundo Mazzuoli (2021, p. 86), o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos possui a finalidade de trazer melhores resultados aos objetivos do Pacto. Em seu art. 1º, atribui ao Comitê a competência para receber e examinar queixas de indivíduos que se achem sob sua jurisdição e aleguem ser vítimas de violação, por um Estado- parte, de qualquer dos direitos enunciados no Pacto. Estabelecendo um mecanismo de petições individuais, sedimentou a capacidade processual internacional dos indivíduos. Para tanto, prevê dois requisitos: que a questão não esteja sendo examinada por outra instância internacional de investigação ou solução e que o indivíduo tenha esgotado os recursos jurídicos internos disponíveis para a proteção de seu direito violado. Um Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi criado, estando em vigor desde 1991, com o objetivo de abolir a pena de morte. Contudo, no Brasil, a pena de morte não é aplicada desde 1876, oficialmente não utilizada desde a Proclamação da República, em 1889, tendo aderido ao tratado com reservas (MAZZUOLI, 2021). c. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC): adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966, entrou em vigor apenas em 1976, quando atingiu a ratificação mínima exigida de 35 Estados, possuindo, em 2020, 171 Estados-partes. No Brasil, o Pacto foi incorporado internamente por meio do Decreto n.º 591, de 7 de julho de 1992 (RAMOS, 2021). 26WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Os direitos protegidos por esse Pacto são os chamados direitos de segunda geração/ dimensão, sendo normas de caráter pragmático, podendo os Estados adotar as medidas relativas ao seu cumprimento na medida de suas possibilidades, ou seja, de maneira mediata (MAZZUOLI, 2021). Quanto aos direitos previstos no Pacto, são destacados o direito dos povos: à autodeterminação; igualdade entre homens e mulheres no gozo dos direitos previstos; liberdade de escolher com o que trabalhar; direito ao trabalho, com condições justas e favoráveis a um salário que proporcione, no mínimo, um salário equitativo e remuneração igual por trabalho de igual valor, sem qualquer distinção; condições seguras e de higiene para o trabalho; iguais oportunidades de promoção; direito ao descanso, a férias periódicas,à remuneração nos feriados; direito de fundar e filiar-se a sindicatos, à previdência social e ao seguro social (MAZZUOLI, 2021). Além desses, há o reconhecimento da família como núcleo fundamental da sociedade, assim como o direito a um nível de vida para si e para sua família, com alimentação, vestimenta e moradia adequadas e ao desfrute de saúdes física e mental. Há também o reconhecimento do direito à educação e o direito do indivíduo de participar da vida cultural e de desfrutar do progresso científico e se beneficiar da proteção dos interesses morais e materiais que decorram de produções de sua autoria, seja científica, literária ou artística (MAZZUOLI, 2021). Uma das razões para terem sido criados dois Pactos foi o sistema de monitoramento do PIDESC, previsto nos artigos 16 a 25. Ele prevê o mecanismo de relatórios que os Estados devem apresentar sobre as medidas adotadas e o progresso realizado, encaminhados para o Secretário- Geral da ONU. Também foi criado um Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, no final de 2008, para criar o mecanismo de petições individuais que já existia para o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos desde 1966. Assim, por meio desse Protocolo, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais fica encarregado de apreciar as petições individuais que alegam violações aos direitos protegidos no Pacto, prevendo requisitos mínimos de admissibilidade, como o esgotamento dos recursos internos disponíveis. Para complementar o conteúdo estudado, indicamos a leitura do livro: MAZZUOLI, V. O. Curso de Direitos Humanos. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. O material está disponível em https://integrada. minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530993320/ epubcfi/6/24%5B%3Bvnd.vst.idref%3Dhtml12%5D!/4. https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530993320/epubcfi/6/24%5B%3Bvnd.vst.idref%3Dhtml12%5D!/4 https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530993320/epubcfi/6/24%5B%3Bvnd.vst.idref%3Dhtml12%5D!/4 https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530993320/epubcfi/6/24%5B%3Bvnd.vst.idref%3Dhtml12%5D!/4 27WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2. SISTEMAS REGIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS De forma complementar ao sistema global de proteção dos direitos humanos gerenciado pela Organização das Nações Unidas, formaram-se sistemas regionais organizados por Estados de algumas regiões. É o caso do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, desenvolvido no seio da Organização dos Estados Americanos (OEA), que deu seu primeiro passo já em 1948, quando seus Estados-membros adotaram a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Como veremos a seguir, outros instrumentos foram desenvolvidos por esse Sistema ao longo do tempo, merecendo destaque a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a criação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Na Europa, a ação regional em direitos humanos se concentrou principalmente no Conselho da Europa, organização intergovernamental fundada em 1949 e atualmente composta por 47 Estados-membros. Assinada em 1950, a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (também chamada de Convenção Européia de Direitos Humanos) foi o primeiro tratado adotado pelo Conselho da Europa. Com ela, nascia o Sistema Europeu de Direitos Humanos, do qual faz parte a Corte Europeia de Direitos Humanos. Os Sistemas Europeu e Interamericano operaram durante décadas como os únicos sistemas regionais. Ambos passaram por alterações institucionais e mudanças sociopolíticas, se transformando continuamente para responder às novas realidades de seus Estados-membros. Em 1981, um terceiro sistema regional se somou ao quadro de instituições de direito internacional dos direitos humanos: com a adoção da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, davam-se os primeiros passos do Sistema Africano de Direitos Humanos, criado sob os auspícios da União Africana. Assim como seu par interamericano, o Sistema Africano também conta hoje com uma Comissão e uma Corte. Também na Ásia e nos países árabes se deram passos para estabelecer sistemas regionais. Contudo, em ambos os casos, trata-se de esforços ainda incipientes, que ainda estão por adquirir a robustez normativa e institucional de um sistema regional de direitos humanos (PIOVEZAN; CRUZ, 2021, p. 91). Podemos apontar várias vantagens com a criação de sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, isso considerando que cada região compartilha algumas características, seja em termos socioculturais, experiências históricas, situações econômicas ou, até mesmo, condições ambientais, o que, por vezes, facilita o consenso em diversas questões, além de facilitar também a tomada de ações, haja vista a proximidade geográfica (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). Em primeira análise, é possível haver um certo receio quanto à possibilidade de conflitos e divergências entre os sistemas global e regional, no entanto, os sistemas convivem em harmonia. Na prática, como as bases fundadoras de ambos os sistemas são a dignidade da pessoa humana e a tutela dos direitos humanos, ancoradas na Declaração Universal de 1948, em qualquer conflito existente, deve prevalecer a norma mais favorável à vítima da violação de direitos humanos. Assim, ambos se complementam e, juntamente com as normas internas dos Estados, constituem uma complexa rede de proteção, na qual a coexistência de vários instrumentos sobre os mesmos direitos objetiva reforçar a proteção dos direitos humanos (PIOVEZAN; CRUZ, 2021). 28WWW.UNINGA.BR DI RE IT OS H UM AN OS E D IV ER SI DA DE S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2.1 Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) Dando mais enfoque ao sistema regional de proteção de que o Brasil faz parte, ressalte- se que ele tem sua origem histórica com a proclamação da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), de 1948, ocasião em que foi criada a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, instrumento basilar do sistema interamericano, juntamente com a Convenção Americana (CADH ou Pacto de São José da Costa Rica), de 1969 (MAZZUOLI, 2021). A Declaração Americana, antes mesmo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, reconheceu, em seu preâmbulo, a universalidade dos direitos humanos e, com o desenvolvimento da matéria, foi criado um órgão especializado para proteção e promoção dos direitos humanos no âmbito regional, que, futuramente, veio a ser a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Inicialmente, ela seria provisória, até que a adoção da Convenção Americana de Direitos Humanos, contudo, passou a ser um órgão principal da OEA por meio de uma emenda realizada na Carta da OEA (Protocolo de Buenos Aires, em 1967, entrando em vigor em 1970), fazendo parte, desde então, da estrutura permanente da OEA (RAMOS, 2021). A mencionada Convenção (CADH), instrumento fundamental do sistema interamericano, realizada em São José da Costa Rica, em 1969, entrou em vigor em 1978, quando obteve o número mínimo de 11 ratificações. No Brasil, foi ratificada em 1992, internamente promulgada por meio do Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992 (MAZZUOLI, 2021). Além de trazer novas atribuições à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, criou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, segundo órgão de proteção do sistema interamericano. As principais instituições do sistema interamericano são a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. O mandato da Comissão é promover e proteger direitos humanos nas Américas, função para a qual ela dispõe de uma série de instrumentos: recebe e analisa petições individuais denunciando violações, publica relatórios sobre a situação em um determinado
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