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Material da Disciplina/Livro - Historia do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais.pdf Curitiba 2020 Historia do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais ó Antonio Fontoura Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael. F684h Fontoura, Antonio História do Brasil: da era Vargas aos tempos atuais / Antonio Fontoura. – Curitiba: Fael, 2020. 313 p. il. ISBN 978-65-86557-12-1 1. História do Brasil, 1930 I. Título CDD 981.06 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Fabio Heinzen Fonseca Coordenação Editorial Angela Krainski Dallabona Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com/ Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador | 7 2. O Estado Novo | 37 3. Mudanças sociais na primeira metade do século XX | 67 4. O período chamado democrático | 93 5. O estabelecimento da ditadura | 131 6. O fim da ditadura | 159 7. Novos comportamentos e antigas lutas | 183 8. As dificuldades da redemocratização | 205 9. Lutas sociais contemporâneas | 229 10. Conquistas e instabilidades no passado recente | 257 Gabarito | 285 Referências | 297 Prezado(a) aluno(a), O grande historiador cearense Capistrano de Abreu (1853-1927) certa vez afirmou que seria capaz de escrever uma história do Brasil sem citar em nenhum momento o nome de Tiradentes. Ele se referia à ideia de que a narrativa de um livro de história nacional poderia se centrar apenas em análises de processos, como as mudanças na paisagem, a ocupação do interior, a construção de caminhos e a trans- formação das populações. Tratava-se de uma visão pioneira, afinal, na passagem para o século XX, o modelo tradicional de história, cen- trado nas preocupações da formação do Estado e na descrição das ações de sujeitos privilegiados que se julgava que “faziam a história”, era quase unanimidade tanto nos círculos acadêmicos quanto nos ban- cos e livros escolares. Deslocados de seus contextos, as ações desses agentes históricos eram então celebradas em cultos cívicos, decoradas por estudantes infelizes e cobradas em exames. Essa história política, centrada em indivíduos específicos, era a história. As mudanças que ocorreram nos estudos históricos, especial- mente ao longo do século XX, condenaram essa visão de história como limitada e ultrapassada. Modernizações historiográficas como a da história social inglesa, a história total dos franceses dos Anna- les ou a extensa influência do conceito antropológico de cultura na historiografia contemporânea – dentre outras perspectivas teóricas – Carta ao Aluno – 6 – História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais buscaram, cada uma a seu modo, reconstruir o conhecimento sobre o passado, procurando inserir os indivíduos em seus devidos contextos sociais, intelec- tuais e culturais. E mesmo a história política, em outros tempos tão ligada às concepções oitocentistas da escola metódica, reformulou-se, e passou a integrar em suas análises relações como as estabelecidas entre poder e cultura, entre sociedade e indivíduos, entre forças políticas e mitologias sociais. É o que pretende essa obra. Partindo da ascensão de Vargas ao poder, em 1930, e alcançando os primeiros momentos do governo de Jair Bolsonaro, esse livro pretende apresentar uma visão panorâmica e abrangente do desenvolvi- mento político do Brasil no último século, procurando compreender as dife- rentes ações políticas dentro dos contextos específicos em que ocorreram. Ao mesmo tempo, e consciente de que muitos processos históricos ultrapassam os limites temporais dos diferentes governos, a terça parte desse livro é dedicada a abordar temas específicos, escolhidos em função de sua importância para a formação da contemporaneidade brasileira, em seus múltiplos aspectos. O mais importante, porém, é que a leitora ou o leitor não imaginem que esta seja a história do Brasil contemporâneo. Pois não é. Sequer é a história política do Brasil contemporâneo. É, na verdade, algo muito mais singelo: a visão do autor, a partir da perspectiva principalmente política, seguindo concepções consagradas da historiografia nacional, sobre eventos e proces- sos relevantes do último século da história nacional. Não é mais do que isso. Talvez seja menos. Tenha atenção a tudo o que foi deixado de fora nesse livro. Lutas, per- sonagens, eventos, mudanças, locais e momentos foram, certamente, esque- cidos; o que tende a ser normal, em uma obra como essa. Mas isso não signi- fica que não mereçam ter sua história estudada, sua memória conhecida, ou que não tiveram importância para a construção do presente. Alguns desses eventos e personagens que, por razões muitas, não puderam ser abordados no texto principal, foram trabalhados nas questões ao final dos capítulos. Essas questões não visam a fixação de conteúdo, mas são, primordialmente, exer- cícios de produção de conhecimento e de ampliação de nosso entendimento de história. Espero que você tenha uma boa leitura. Antonio Fontoura. 1 Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador Nascido no Rio Grande do Sul, Getúlio Dornelles Var- gas (1882-1954) é provavelmente o personagem político mais influente do Brasil no século XX. Líder do movimento chamado Revolução de 1930, foi responsável por conduzir as negocia- ções entre as diferentes forças políticas do País no período e seus conflitantes projetos nacionais — entre constitucionalistas e tenentistas, entre as diversas oligarquias estaduais ou aquele da influente burguesia cafeeira que, por sua relevância econômica, não podia ser esquecida. Impondo tanto seu estilo de governo quanto suas ideias políticas, de chefe do Governo Provisório se tornou presidente constitucional em 1934, embora tenha mantido e mesmo refor- çado tendências centralizadoras que acabaram se consolidando na ditadura do Estado Novo, em 1937. Retirado do cargo em 1945 por problemas internos e externos ao País, voltou como História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 8 – presidente eleito em 1951, para finalmente encerrar sua biografia com o dramático suicídio em 1954. Na atualidade, já passado bem mais de meio século de sua morte, suas estátuas espalhadas pelo Brasil ainda recebem flores no aniversário de sua partida, em 24 de agosto. Trata-se de um indício da memória ainda viva daquele que por alguns era chamado de “pai dos pobres”, mas que, para outros, era o ditador populista que teria utilizado minguadas benesses sociais para se manter no comando político do País. 1.1 Transição, mudanças e permanências Ao chegar à presidência, Vargas não era um estranho em seu estado, onde foi promotor, deputado estadual, deputado federal e presidente (cargo que se assemelhava ao atual governador), nem a nível nacional, afinal, entre 1926 e 1927 foi ministro da Fazenda do Governo Washington Luís, o último da chamada República Velha, o mesmo que o próprio Var- gas destituiu com a Revolução de 1930. Ascendendo ao poder, portanto, sem dúvida ele era representante de uma geração de novos políticos bra- sileiros, que construiu sua carreira em diálogo com as antigas estruturas políticas locais e nacionais. Isso é importante para compreendermos que, principalmente nos pri- meiros momentos de sua presidência (ou, caso queira, de suas presidên- cias), Vargas procurou implementar os projetos dos grupos políticos que o apoiavam ao mesmo tempo que dialogava com representantes das forças políticas e econômicas que haviam dado sustentação à República Velha. Esses contatos acabaram envolvendo concessões, por vezes imposições; especialmente no caso de São Paulo, em 1932, poderiam ser encerrados, dando início a conflitos abertos. Assim, o caráter tanto de mudança quanto de permanência que marcou seus primeiros atos no comando do País fica mais evidente quando lembramos que algumas das razões que permitiram a ascensão de Vargas ao poder como chefe da Revolução de 1930 eram as mes- mas que se colocavam como problemas imediatos ao novo governo. O mais urgente era a questão financeira: uma significativa dívida externa – 9 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador agravada pelos problemas relacionados à exportação de café, principal fonte de divisas do País, que havia sido duramente atingida pela Crise de 19291. A crise gerada pela queda das exportações trazia elementos políti- cos e econômicos; políticos porque muito dos grandes cafeicultores bra- sileiros, especialmente de São Paulo e de Minas Gerais, tinham estreitas ligações com as antigas estruturas de poder da República Velha, não casu- almente conhecida como “República do Café com Leite”. Porém, Var- gas não podia deixar de auxiliar esses produtores, pois residia no café a origem de quantidade significativa de dívidas do País — e aqui entra o aspecto econômico. Na década de 1920, mais de 80% do café consumido no mundo tinha origem brasileira, participação que caiu na década seguinte (embora tenha se mantido significativa) por conta da crise e do aumento da concorrência. De toda forma, o famoso Convênio de Taubaté2, estabelecido no início do século XX, que procurava centralizar e regular os estoques de café e controlar os excedentes produtivos para frear a variação de preços, já não produzia mais os resultados esperados. As ações de Vargas diante do problema foram em duas direções: auxiliar os produtores, dentro das pos- sibilidades do governo, a manterem sua produção e seus lucros ao mesmo tempo em que reduzia a influência deles na determinação das políticas de preços relacionadas ao café. Após negociações, foi promulgada a lei de Reajustamento Econô- mico, em 1933, com a qual as dívidas dos agricultores foram reduzidas pela metade (SAES, 1997). Além disso, naquela que talvez seja a ação mais 1 Denomina-se de Crise de 1929 um período de recessão mundial que durou até 1934, marcado pela queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 24 de outubro de 1929, na chamada “quinta-feira negra”. Sendo o Brasil, no período, um país essencialmente agroex- portador, acabou duramente atingido pela recessão, visto que os principais compradores de seus produtos (Estados Unidos e Europa) reduziram drasticamente as importações. 2 Após a superprodução de café no Brasil em 1906, os estados produtores se organizaram para construir um acordo que possibilitasse a defesa conjunta do preço do produto diante da inação do governo. O acordo tomou o nome de Convênio de Taubaté por ter sido fir- mado na cidade paulista, e acabou se tornando plataforma política de presidentes como Epitácio Pessoa e Artur Bernardes. História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 10 – conhecida de Vargas em relação à manutenção do preço do café, desde 1931 o governo se responsabilizou pela compra dos excedentes da pro- dução por um valor mínimo e destruiu esses estoques. Até 1944, quando essa política finalmente deixou de ser executada, o Brasil destruiu cerca de 78 milhões de sacas de café (SAES, 1997). Inicialmente, pelo menos, deu certo: com menos oferta no mercado, mesmo à custa de queima da produ- ção, o preço do café tendeu à estabilidade, auxiliando o setor. Esse auxílio, de toda forma, teve consequências também políti- cas e econômicas. Em primeiro lugar, tais medidas foram organizadas inicialmente pelo Conselho Nacional do Café (CNC), criado em 1931, substituído em 1933 pelo Departamento Nacional do Café (DNC), uma autarquia federal, subordinada diretamente à presidência da República. Ao contrário do que ocorreu durante a República Velha (e, na verdade, também nos primeiros anos do próprio Governo Vargas), a política de controle dos preços do café deixou de estar nas mãos dos produtores estaduais, passando ao controle do governo federal, seguindo seus interesses e objetivos. Nesse caso, era do interesse de Vargas reduzir a dependência econômica do Brasil em relação ao café, por isso passou a ser incentivada a diversidade de exportações e, a partir de 1937, prati- camente cessaram os estímulos ao setor. Ao mesmo tempo, grande parte dos lucros obtidos com as exportações de café acabou direcionada ao projeto de industrialização do País. As ações de Vargas diante da crise financeira e dos problemas nas exportações do café evidenciam o caráter personalista que foi marca de sua gestão política, que se caracterizava como centralizadora desde 1930, quando assumiu a presidência sob o título de Chefe do Governo Provisó- rio. Se em 24 de outubro Washington Luís foi retirado do cargo à força, em 11 de novembro de 1930, já como líder da revolução, Vargas editou o Decreto n. 19.398: Institui o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, e dá outras providências. […] Art. 1º. O Chefe do Governo Provisório exercerá discricionaria- mente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições não só do Poder Executivo, como também do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembleia Constituinte, estabeleça esta a reorganização constitucional do País. (BRASIL, 1930, p. 1) – 11 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador Duas informações nos importam nesse documento. A primeira é que Vargas concedeu a si mesmo o título de Chefe do Governo Provisório, que deveria durar até a reorganização constitucional do País. Boa parte das forças políticas que o apoiavam esperava que esse processo fosse relativa- mente curto, mas acabou durando cerca de quatro anos: apenas em 1934 a nova Constituição foi promulgada. Por essa razão, o primeiro período da administração de Vargas ficou conhecido como Governo Provisório, durando de 1930 a 1934. A segunda informação que nos interessa é que fica claro que, ainda que “provisoriamente”, Vargas centralizou em suas mãos tanto as decisões do Poder Executivo quanto as do Legislativo, que na época acabou dissol- vido nos âmbitos municipal, estadual e federal. Mantendo apenas a rela- tiva autonomia do Poder Judiciário, uma antiga exigência do movimento tenentista, Vargas governou por decretos-lei, algo bastante característico dos regimes ditatoriais. Outro artigo dessa lei também é importante para que possamos enten- der as mudanças políticas iniciadas por Vargas: Art. 11º. O Governo Provisório nomeará um interventor federal para cada Estado, salvo para aqueles já organizados, em os quais ficarão os respectivos presidentes investidos dos poderes aqui mencionados. (BRASIL, 1930, p. 01) Segundo o texto, deixaram de existir os presidentes dos estados, que foram substituídos por interventores nomeados pelo próprio Vargas. O único que se manteve no cargo foi Olegário Maciel, presidente estadual eleito em Minas Gerais. Em Pernambuco e no Rio Grande do Sul, chefes políticos locais que haviam inicialmente aderido à Revolução se mantive- ram no cargo. Nos demais estados, os nomes escolhidos por Vargas esta- vam diretamente ligados ao movimento tenentista, indicados por Oswaldo Aranha (1894-1960) e Juarez Távora (1898-1975). O movimento tenentista Se após a Primeira Guerra Mundial se tornou evidente a impor- tância da defesa nacional como projeto de Estado, essa consci- História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 12 – ência entrou em conflito com a precariedade das Forças Arma- das do Brasil no período. Baixos soldos, falta de equipamentos e medicamentos e ausência de instrução criaram um clima de instabilidade entre soldados e oficiais que se tornou ainda mais delicado com a escolha, pelo Presidente Epitácio Pessoa (1919- 1922), do civil Pandiá Calógeras para o Ministério da Guerra. Especialmente os tenentes, que reclamavam da lentidão das promoções, começaram a se organizar, inicialmente como crí- ticos da situação e, a seguir, como parte de um movimento que buscava a derrubada do governo. O movimento tenentista, como ficou conhecido, não tinha claros objetivos sociais e políticos, e a princípio não visava à imple- mentação de certo projeto para o País, simplesmente porque não parecia possuí-lo. Os tenentes defendiam noções vagas de mudança política, suportada por ideias amplas como defesa do voto secreto, fortalecimento do Estado e independência do Poder Judiciário. Os mais conhecidos movimentos tenentistas foram o episódio da Revolta dos 18 de Forte, em 1922, com revoltosos do forte de Copacabana enfrentando as forças fede- rais no Rio de Janeiro; os Levantes de 1924, ocorridos em São Paulo; e a Coluna Prestes, que ficou em marcha pelo Brasil entre 1925 e 1927. A ação perdeu sua coesão no fim dos anos 1920. Luís Carlos Prestes (1898-1990) seguiu a via do comunismo e continuou sendo personagem político importante na história do Brasil, inclusive no Período Vargas. Outros “tenentes” acabaram no governo a partir de 1930, como Távora, que participou dos Levantes de 1924, e Aranha, que inicialmente combateu os tenentes para se aproximar do movimento no fim do Governo Washington Luís, quando passou a defender uma insurreição armada para a deposição do então presidente. Os tenentes foram peça importante no movimento de 1930; sendo parte da base política que levou Vargas ao poder, era de se esperar que – 13 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador participassem dos primeiros momentos do novo governo. Além disso, compartilhavam concepções políticas semelhantes, como o nacionalismo e a crença de que mudanças estruturais seriam possíveis apenas com um governo centralizado, algo que, como visto, mostrou-se característico da administração Vargas desde os primeiros momentos do Governo Provisó- rio. Tratava-se de uma relação, portanto, que ia além da mera cumplici- dade política e se relacionava a certa identidade de ideias. De fato, os tenentes interventores procuraram, ao menos a princípio, introduzir as mudanças sociais que haviam defendido desde o início do movi- mento, cerca de uma década antes, inclusive buscando beneficiar as popu- lações mais carentes. Sua atuação, porém, acabou encontrando limites: não era intenção de Vargas entrar em conflito direto com as elites locais, por isso diversas iniciativas dos interventores acabaram sendo barradas pelo próprio governo federal, como a determinação da baixa dos valores dos aluguéis. Em uma Revolução que em certos aspectos se demonstrou come- dida, Vargas procurou introduzir determinadas mudanças, mas soube reter certas permanências, de modo a consolidar o apoio político nos estados. Porém, nem todas as iniciativas de aproximação com as elites locais deram resultado. Em relação aos descontentamentos, sem dúvida o caso das oligarquias de São Paulo, outrora tão importantes na República Velha, foi o mais significativo. 1.2 Da instabilidade à afirmação política Há dois aspectos políticos que devem ser considerados quando ana- lisamos as reações oriundas dos vários setores de São Paulo ao Governo Provisório. Em primeiro lugar, a insatisfação dos dois mais importantes agrupamentos políticos do estado, tanto dos antigos oligarcas reunidos no Partido Republicano Paulista (PRP), descontentes com a perda de seu poder em relação ao que tinham antes da Revolução de 30, quanto dos membros do Partido Democrático (PD), que, apesar de terem sido apoia- dores da Aliança Liberal3 e da Revolução de 30, acabaram tendo seus 3 Coligação formada por líderes políticos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul que se colocava como oposição à continuidade da política da República Velha. Tendo como can- História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 14 – partidários preteridos da administração do Estado. Em segundo lugar, a longevidade do Governo Provisório, que parecia caminhar em direção a uma ditadura: nesse caso, não apenas os paulistas mas também políticos de outros estados (com destaque para Rio Grande do Sul e Minas Gerais) reclamavam pela constitucionalidade, exigindo uma reforma eleitoral e a definição de eleições para a Assembleia Constituinte, o que permitiria o retorno à democracia. Assumindo a chefia do Governo Provisório, Vargas designou o per- nambucano João Alberto Lins de Barros, participante do movimento tenentista e nome importante da Coluna Prestes, como interventor de São Paulo. Embora tenha tentado uma aproximação com o setor cafeeiro do estado, várias das ações dele contribuíram para o aumento das tensões entre o governo federal e as elites paulistas, como conceder autorização de funcionamento ao Partido Comunista do Brasil (PCB)4 e criar a Legião Revolucionária, agremiação política que tinha como objetivo construir um movimento popular de fundo tenentista em apoio à Revolução. Porém, essa iniciativa acabou sendo compreendida tanto por membros do PRP quanto do PD como uma busca pelo enfraquecimento dos poderes políti- cos locais. Os representantes políticos de São Paulo tendiam a interpretar a ação do governo federal como uma “ocupação” de São Paulo. De nada adian- taram as constantes mudanças de interventores, pois, sem conseguirem construir diálogos com as elites, acabaram apenas estimulando as tensões e as desconfianças mútuas. Enquanto os paulistas exigiam um interven- tor que fosse paulista e civil, Vargas nomeou, já no fim de 1931, Manuel Rabelo, fluminense e militar. Diante da crise, os membros do PRP cres- ciam em força, reivindicando o retorno do protagonismo político de São Paulo no cenário nacional, enquanto os membros do PD rompiam com o Governo Vargas, insatisfeitos com a presença dos “tenentes” na adminis- tração do estado. Assim, nos primeiros meses de 1932, os dois principais didatos à presidência e à vice-presidência Vargas e João Pessoa, a Aliança Liberal acabou derrotada em uma eleição sabidamente fraudulenta. Júlio Prestes, o candidato apoiado pelo então presidente, Washington Luís, acabou não assumindo o cargo por conta da Revolução de 1930. 4 Que posteriormente se tornou Partido Comunista Brasileiro. – 15 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador partidos políticos de São Paulo, inicialmente divididos, uniram-se na cria- ção da Frente Única Paulista (FUP), que tinha como projetos a defesa da autonomia política paulista e o retorno à constitucionalidade: acirravam- -se, assim, as críticas dos paulistas ao governo federal. A ação de Vargas, na busca por contornar a crise, foi dupla. Por um lado, nomeou como novo interventor o paulista e civil Pedro de Toledo, herdeiro de uma tradicional família do estado, mas que não tinha a pene- tração política necessária para contornar os difíceis problemas enfrenta- dos. Por outro lado, em fevereiro de 1932, foi promulgado o novo Código Eleitoral, com mudanças que buscavam satisfazer às exigências dos cons- titucionalistas: o voto se tornou secreto, as mulheres tiveram garantido seu direito ao voto e foi criada a Justiça Eleitoral, que passou a ter autono- mia sobre as decisões ligadas aos processos eleitorais. Em maio de 1932, foi criado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por fim, ficaram marcadas para 3 de maio de 1933 as eleições para a definição da Assembleia Consti- tuinte, encarregada de redigir uma nova Constituição para o País. Tais mudanças, porém, foram insuficientes para apaziguar os ânimos das elites e da própria população. Mesclando insatisfações políticas a uma retórica de exaltação nativista, discursos exaltados de diferentes líderes paulistas exigiam a saída de Vargas do poder. A situação se tornou politi- camente insustentável quando Cláudio Bueno Miragaia, Mário Martins de Almeida, Dráusio Marcondes de Sousa e Américo Camargo de Andrade acabaram mortos pelas forças policiais em 23 de maio de 1932, ao parti- ciparem de uma tentativa de invasão à sede do Partido Popular Paulista5. Das iniciais do nome e do sobrenome daqueles que se tornaram mártires do movimento constitucionalista foi criada a organização civil paramilitar MMDC, que participou ativamente das ações que levaram ao rompimento final de São Paulo com o governo federal. Em 9 de julho de 1932, iniciou-se a Revolução Constitucionalista, uma insurreição militar comandada pelo general Isidoro Dias Lopes que visava, pelas armas, resistir ao que viam como uma ditadura comandada por Vargas, defendendo o retorno à normalidade democrática pela pro- 5 Fundado em 1932 pelo “tenente” Miguel Costa, visava substituir a Legião Revolucioná- ria; deixou de existir após a Revolução Constitucionalista. História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 16 – mulgação de uma nova Constituição. Devemos destacar que a Revolu- ção, ainda que tenha sido inicialmente consequência de uma insatisfação política das elites locais diante da perda de poder, não se restringiu a elas e acabou envolvendo boa parte da população de São Paulo, com exceção talvez da classe operária. A indústria local buscou, na medida do possível, reorganizar sua produção em benefício dos esforços de guerra, enquanto a população, incentivada por propa- gandas de apelo emotivo, participou se alistando para as frentes de com- bate, além de doar recur- sos financeiros por meio da campanha “Ouro para o bem de São Paulo”. No cartaz (Figura 1.1) produzido pelo movi- mento MMDC que imi- tava o famoso I want you6 criado nos Estados Unidos, em 1917, um soldado uniformizado incentivava a população a seguir “sua consciên- cia” para aderir à causa revolucionária; ao fundo, tremulava a bandeira do Estado de São Paulo. A Revolução fracas- sou. Apesar de a indús- tria paulista ser, à época, a mais desenvolvida do 6 I want you for U. S. Army: “Eu quero você para o exército dos Estados Unidos” trata-se da frase de um famoso cartaz de incentivo ao alistamento, em que o personagem Tio Sam apontava para o observador. Figura 1.1 – Cartaz do MMDC Fonte: CC BY 2.0 – 17 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador Brasil, o Estado de São Paulo não era isoladamente capaz de manter uma luta contra as forças governamentais. O esperado apoio das forças do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais jamais ocorreu, ainda que mensagens de apoio ao movimento tenham sido publicadas, e se tornou impossível a efetivação do plano inicial de um rápido ataque ao governo federal. Em 1º de outubro, a Revolução Constitucionalista teve fim. Porém, não se tratou de uma derrota completa do Estado de São Paulo. Em primeiro lugar, ficou evidente a importância e a relevância política do estado para além de sua força econômica: não seria possível para o governo federal, caso desejasse manter a estabilidade política no País, prescindir do apoio de parte significativa das forças políticas pau- listas, inclusive dos antigos oligarcas. E a Revolta Constitucionalista foi um evento histórico de grande importância para identidade paulista, ainda celebrada em festividades e monumentos, entre os quais o mais conhecido é o Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32, erguido no Parque Ibirapuera, que contém os restos mortais de Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo, além de outros combatentes que pereceram nos confrontos com as forças federais. Por fim, independentemente das consequências da Revolução Cons- titucionalista, teve continuidade o processo eleitoral, a bandeira funda- mental dos paulistas. Em 3 de maio de 1933, as eleições para a Assem- bleia Constituinte foram realizadas e, especialmente se comparadas com aquelas durante a República Velha, foram consideradas bastante hones- tas (SKIDMORE, 1969). Das urnas, surgiu um quadro político diferente daquele do Governo Provisório. O movimento tenentista, inicialmente pri- vilegiado por Vargas, saiu enfraquecido diante dos pobres resultados que obteve nas urnas; enquanto isso, acabaram reforçadas as elites políticas locais, revelando outro elemento de permanência em relação à República Velha. Ao mesmo tempo, a implementação de uma inédita bancada clas- sista, formada por 40 patrões e empregados eleitos nos estados, amainou os interesses oligárquicos. Entre novembro de 1933 e julho de 1934, a Assembleia Nacional Cons- tituinte procurou produzir um documento que contemplasse os diferentes projetos nacionais e as necessidades locais. O resultado foi uma Constitui- ção que confirmou o princípio federalista do Brasil, com relativa autonomia História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 18 – dos estados, bem como a manutenção da separação de poderes, estabele- cendo direitos e garantias individuais (“Todos são iguais perante a lei”, afir- mava o texto), apresentava-se nacionalista do ponto de vista da gestão e do aproveitamento dos recursos minerais, além de garantir direitos trabalhistas. Estabelecia, ainda, o ensino primário gratuito, sendo extensivo aos adultos. Em concessões à Igreja Católica, o casamento religioso passou a ser aceito para fins legais, desde que realizado com a presença de um agente civil, e o ensino religioso passou a ser facultativo nas escolas. Ainda que ficasse determinado que os representantes dos poderes Exe- cutivo (incluído o presidente da República) e Legislativo seriam escolhidos por eleição direta, a Constituição determinava que a primeira eleição pre- sidencial seria indireta. Assim, em 17 de julho de 1934, Vargas foi eleito presidente da República, com mandato que deveria se encerrar em 1938 sem direito à reeleição. Iniciou-se, então, o período conhecido na historiografia como Governo Constitucional (1934-1937) da chamada Era Vargas. A Escola Nova O Governo Vargas apresentou mudanças importantes na estru- tura educacional brasileira, sendo algumas das mais importan- tes construídas sob os princípios da chamada Escola Nova. Os fundamentos desse movimento surgiram ainda no século XIX, mas, no caso do Brasil, concretizou-se como um movi- mento por mudanças na estrutura educacional em 1932, quando 26 intelectuais assinaram e publicaram o Manifesto dos Pionei- ros da Educação Nova7. O documento expressava os ideais dos escolanovistas, que visavam reformular a estrutura educacional a partir de princípios racionais, valorizando o estímulo à experi- ência dos estudantes em detrimento da memorização. A Escola Nova percebia que a educação no País havia se transformado 7 O documento foi originalmente escrito pelo educador Fernando de Azevedo (1894- 1974), importante nome no processo de formação de centros universitários no Brasil. Os cossignatários do documento foram intelectuais de diferentes áreas. – 19 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador em instrumento de reprodução das diferenças sociais; assim, demandavam que todos os alunos, de todas as escolas, públicas ou privadas, recebessem uma formação idêntica. O movimento foi essencial para instituir projetos de expansão de uma educação universal, que, além de obrigatória, fosse laica, pública e gratuita. A partir desses princípios, a educação era reafirmada como instrumento de reforço da democracia, pois igualaria todos os indivíduos, que se destacariam apenas em função de suas capacidades inatas, educados com princípios puramente científicos, e não fontes de valorização de vantagens econômicas, como estabelecia a “escola tradicional”. Inicialmente, os ideais do movimento foram duramente critica- dos, em especial pela Igreja Católica, que, no período, era uma das maiores proprietárias de centros privados de ensino no País. Especialmente se comparada às anteriores8, a Constituição promul- gada em 1934 tendia à democracia; porém, o contexto político, não apenas no Brasil, era fortemente influenciado por defesa de concepções ditatoriais e mesmo totalitárias, caso da Itália de Benito Mussolini e da Alemanha de Adolf Hitler; na União Soviética, no lado oposto do espectro político, sedimentava-se a ditadura stalinista. Vargas havia demonstrado durante o Governo Provisório que apreciava a centralização do poder e acredi- tava que sua ditadura havia sido benéfica para o País; por essa razão, a recém-promulgada Constituição de 1934 não era do agrado do presidente recém-eleito: A ditadura foi, sobretudo, uma escola de administração pública. Os promotores e executores da obra revolucionária compreende- ram, felizmente, que o máximo problema do Brasil se ultima no bom encaminhamento e na solução das questões administrativas. A revolução integrou o país nas concepções do Estado moderno, onde as preocupações partidárias ocupam lugar subalterno. […] Pouco adiantaria ensaiar aqui sistemas adaptáveis a Estados de velha civilização e de modesta superfície mas de resultados ale- atórios, quando não extremamente perigosos para nós. Não nos 8 De 1824, do Brasil Império, e de 1891, do início do período republicano. História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 20 – deixemos cegar pela letra dos livros ou pelo brilho das estatísticas de propaganda. (VARGAS, 2011, p. 346-347) Já em seu primeiro pronunciamento, portanto, Vargas externou sua insatisfação com a Constituição, desprezando o partidarismo e louvando a centralização de poder ditatorial que deteve como chefe do Governo Provisório. A “velha civilização de modesta superfície”, a Europa, não deveria ser, segundo ele, um modelo para as estruturas políticas do Brasil. Havia uma direta crítica à Constituição da República de Weimar9, da Ale- manha, inspiração para a brasileira. E por que Vargas se ressentia do novo texto constitucional? Porque, para ele, retirava seus poderes. Por essa razão, desde os primeiros momen- tos de sua presidência, empenhou-se em revisar as determinações constitu- cionais em direção a um governo centralizado. Pode-se até concluir que a denominação “governo constitucional” para esse período seja equivocada. Diante das crises políticas que se seguiram e da intenção de Vargas em centralizar o poder em suas mãos, a nova Constituição se manteve como regra fundamental do Estado de direito brasileiro por um período muito curto, suja principal característica foi a constante busca pela centralização administrativa, que resultou na implementação do Estado Novo de 1937. 1.3 Integralismo e comunismo Escritor e jornalista, Plínio Salgado (1895-1975), fundador do Movi- mento Integralista no Brasil, politicamente apresentava uma biografia bas- tante tímida até 1930, quando, contratado para ser o preceptor da filha de um industrial paulista, embarcou para a Europa (onde teria encontrado Mus- solini) e norte da África onde, segundo descrição dele mesmo, teve uma epifania ao testemunhar diferentes e contrastantes modelos políticos. Retor- nou ao Brasil em seis meses, logo após a deflagração da Revolução de 30, disposto a iniciar um novo movimento político. Em suas próprias palavras: 9 Nome pelo qual é conhecido o período entre 1919 e 1933 na história da Alemanha, caracterizado por uma busca pela reestruturação política e econômica do país, fortemente abaladas pelas consequências da Primeira Guerra, inclusive o Tratado de Versalhes. As opções democráticas características da República de Weimar foram destruídas com a as- censão do nazismo. – 21 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador vira a renovação política da Turquia, o fascismo na Itália, lera uma vasta literatura comunista que circulava em Paris, estudara a socialdemocracia alemã, examinara a pequena Bélgica, meditara no Egito sobre o imperialismo inglês, observara a anarquia dos espíritos na Espanha e a nova ordem em Portugal, e tudo me mos- trava a morte de uma civilização, o advento de uma nova etapa humana. (BRANDI, 1984. p. 3052) Em defesa desta “nova etapa humana”, muito vagamente definida em seus escritos, Salgado organizou a Ação Integralista Brasileira (AIB), um movimento de inspiração fascista que desempenhou significativo papel político nos anos 1930. Para o próprio Salgado (1958, p. 261), o integralismo era um “sistema político novo, em tudo diferente a todos do mundo”, porém isso não era verdade: como no fascismo italiano se destacavam os camisas-negras, os integralistas usavam camisas verdes; como os nazistas tinham o grito Heil!, os integralistas cunharam o Anauê!, que supostamente significaria “sou teu irmão” em tupi; como os nazistas tinham a suástica, os integralistas adotaram o símbolo matemático sigma (Σ) que significa soma integral, copiando inclusive o uso em braçadeiras. De fascistas e nazistas, adotaram a ritualística e os desfiles uniformizados, em que procuravam se apresentar de maneira organizada. Enfim, o inte- gralismo nada mais era do que o fascismo repaginado ao Brasil. O movimento não tinha um projeto social ou político muito bem definido. Mesmo em obras que procuravam ser de caráter popular, Sal- gado não conseguia apresentar, precisamente, o que seria a “nova etapa humana” que o integralismo se propunha a criar nem quais seriam os caminhos concretos para atingi-la. Suas ideias, de toda forma, funda- mentavam-se em uma concepção profundamente religiosa da inspiração católica, expressa no lema “Deus, Pátria e Família”, que procurava aliar o cristianismo ao patriotismo: Existe Deus, existe a Alma, e, como consequência natural, tudo o que se relaciona com essas duas ideias. […] A Pátria deixa de ser uma convenção, para ser uma realidade moral, ligada à realidade da família e à tradição do povo; […] o amor da família e do pró- ximo determina a abnegação e o sacrifício, glorificando o Homem pela libertação do egoísmo; e finalmente a disciplina terá uma ori- gem interior, criando a harmonia dos movimentos sociais, como finalidade suprema. (SALGADO, 1955, p. 13-14) História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 22 – Assim como o fascismo antes de assumir o poder na Itália, o integra- lismo era mais uma ideia, uma genérica concepção ou um sentimento do que, propriamente, um ideário político (MARIÁTEGUI, 1925). O próprio Salgado (1955) afirmava que não era um partido, mas “um movimento”, “uma atitude”, “um despertar”. Diante inclusive de afirmações conflituosas de seus líderes, certas concepções gerais poderiam ser classificadas como políticas integralistas, como a defesa de um Estado centralizado, a submis- são do indivíduo aos interesses da nação, a crítica ao socialismo, o culto à personalidade de um líder, a elevação do patriotismo ao nível de religião e a condenação à liberal-democracia: “A democracia individualista afoga o indivíduo no oceano do sufrágio. O voto, na liberal-democracia, é a vala- -comum de todas as vontades”, afirmava Salgado (1955, p. 27). Assim como as ideologias fascistas europeias, o integralismo era racista. Um de seus mais importantes ideólogos foi o advogado antis- semita Gustavo Barroso (1888-1959), que acreditava que o movimento seria capaz de salvar o Brasil de uma secreta conspiração judaica inter- nacional que supostamente acorrentava o País a certos banqueiros: “os judeus formam um organismo universal, um Super-Estado destruidor das pátrias, [e] esse problema existe no Brasil e o Integralismo os assanha com o receio da economia dirigida” (BARROSO, 1934, p. 247). O Estado de São Paulo seria economicamente dominado por judeus, que controlariam seu principal produto de exportação: “O café tem sido denominado na vasta e ingrata literatura cafeeira do país coluna mestra, eixo, espinha dorsal da economia brasileira. Por essa razão, a Sinagoga Paulista tomou conta dele” (BARROSO, 1937, p. 215, grifo do original). Tais concepções delirantes encontravam certo eco na sociedade brasileira e repercutiam concepções semelhantes que existiam na Europa, particularmente entre os nazistas. O próprio Vargas se aproveitou desse antissemitismo como parte de sua estratégia para a implementação do Estado Novo10. Apesar da vacuidade de ideias e do antissemitismo delirante, o movi- mento integralista alcançou certa repercussão política no Brasil, chegando a ter mais de 100 mil adeptos. A insegurança política e social, a inspiração do que à época eram vistos como projetos políticos vitoriosos na Europa 10 Por meio do chamado Plano Cohen, que será visto adiante. – 23 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador (notadamente na Itália e na Alemanha ainda no período entreguerras), e a promessa de uma vida organizada a partir de princípios simples atraíram pessoas de diferentes camadas sociais ao movimento, que se tornou poli- ticamente influente na década de 1930. Essa presença política estimulou os integralistas a tentarem um golpe contra o governo. Em 1938, organizaram um levante contra o Estado Novo de Vargas, motivados, mais precisamente, pela decisão do presidente de extinguir as agremiações políticas no País, o que levou ao fechamento da AIB. O movimento não obteve sucesso, e se seguiu, por parte do governo federal, uma intensa repressão em todo o Brasil aos integralistas. Salgado, que se negou a admitir qualquer participação no Levante, acabou preso por um curto período e, em 1939, partiu para o exílio em Portugal. Porém, não se deve exagerar a influência e a presença dos inte- gralistas no cenário nacional. Foram sim, significativos, mas também foram as demonstrações antifascistas e anti-integralistas em todo o Bra- sil. Diante do conturbado cenário político nacional de centralização do Estado, além do temor do crescimento de forças fascistas, foi gestada a Aliança Nacional Libertadora (ANL) que contava com participação e o apoio do PCB. Para entender a relação entre essas duas agremiações políticas, além do papel que o PCB e a ANL desempenharam na política nacional dos anos 1930 e mesmo as ações que levaram à constituição do Estado Novo (em 1937), devemos primeiro compreender a situação do Partido Comunista no período. O Partido Comunista Fundado em 1922 e seguindo uma tendência mundial de inter- nacionalização do comunismo, o PCB foi fundado por intelec- tuais e operários seguindo as orientações da III Internacional Comunista11. Seu objetivo era organizar a luta operária no Bra- sil, seguindo principalmente as orientações do Partido Comu- 11 Tratava-se de uma organização criada em 1919 com o objetivo de organizar e orientar as lutas comunistas em todo o mundo. Por vários pensadores e líderes políticos comunistas do período, a Primeira Guerra foi interpretada como um sinal inequívoco da decadência História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 24 – nista da União Soviética. Meses após sua fundação, o então pre- sidente do Brasil, Artur Bernardes (1922-1926), decretou estado de sítio12 por conta de revoltas operárias e do crescimento do movimento tenentista. A medida levou o PCB à clandestinidade. Ainda assim, sua atuação gradualmente substituiu, dentro das entidades sindicais, os seguidores do anarcossindicalismo, que foram perdendo poder. Na década de 1930, o PCB estava em um processo de mudança, seguindo as novas orientações do Partido Comunista da União Soviética. Naquele momento, ainda carregando o prestígio que havia angariado com a Coluna Prestes e sendo conhecido como o “Cavaleiro da Esperança”, Prestes, no exílio em Moscou, tornou-se o principal nome do partido. Para os ideólogos comunistas reunidos na União Soviética, temendo o avanço do fascismo na Europa e na América do Sul, a estratégia a ser seguida pelos comunistas em todo o mundo seria a constituição das cha- madas frentes amplas: alianças com diferentes grupos políticos para frear o avanço das forças fascistas. Nesse contexto, Prestes, seguindo as orien- tações partidárias, seguiu para o Brasil no fim de 1934, tendo como obje- tivo participar das frentes amplas mas, ao mesmo tempo, a partir de uma avaliação equivocada tanto do apoio popular dado ao PCB quanto das condições políticas existentes, preparar as condições para a irrupção de uma revolução comunista no Brasil. A ANL seria essa frente ampla, que começou a ser organizada em 1935 por comunistas, “tenentes” de esquerda, socialistas, líderes sindi- cais e mesmo liberais que se colocavam contra o direcionamento polí- tico de Vargas. Colocando-se contra os projetos considerados oligárquicos dos partidos tradicionais, a ANL definiu em cinco pontos principais suas demandas: suspensão do pagamento da dívida externa, nacionalização de empresas, promoção da reforma agrária, estabelecimento de um governo do capitalismo e, por essa razão, momento adequado para a fomentação de insurreições comunistas. A III Internacional era comandada pelo Partido Comunista Soviético. 12 Trata-se de uma situação de exceção, em que o Poder Executivo ganha precedência em relação aos demais poderes, de modo a combater uma ameaça considerada urgente. – 25 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador popular e defesa das liberdades cívicas. Tendo como presidente de honra Prestes (já no Brasil, mas na clandestinidade), tinha como presidente de fato Hercolino Cascardo (1900-1967), antigo participante do movimento tenentista, envolvido nos levantes de 1924. A ANL rapidamente ampliou sua atuação e influência no Brasil. Mais de 1,5 mil núcleos foram fundados em todo o País, e acredita-se que tenha arregimentado rapidamente cerca de 100 mil pessoas (REIS, 2014). Con- quistou um significativo espaço na mídia, divulgando suas ideias em jor- nais como Plateia, em São Paulo, e A Nação, A Pátria e A Manhã, no Rio de Janeiro. A seus diversos comícios compareciam milhares de pessoas, demonstrando sua penetração social e, ao mesmo tempo, parte do incon- formismo social acerca do Governo Vargas. Tornou-se comum nesses encontros a presença de integralistas que, sendo opositores das ideias da ANL, procuravam afirmar a própria posição política: os inevitáveis con- frontos ficaram comuns, tornando ainda mais instável e conturbada a cena política brasileira. União Feminina do Brasil Vários foram os grupos e as associações criadas por inspiração ou com filiação à ANL. Um desses foi a União Feminina do Bra- sil, que tinha como objetivo defender os objetivos específicos das mulheres, procurando melhorar as condições de vida e de trabalho, além de promover a educação e a inserção social delas por meio de cursos, criação de bibliotecas e garantia de direi- tos civis13. Para o movimento feminista do período, era impres- cindível garantir meios de subsistência que não envolvessem a dependência financeira de maridos ou pais. Tratou-se, porém, de uma iniciativa de curto prazo: a União acabou sendo decla- rada ilegal quando do fechamento da ANL. 13 Foram suas fundadoras Maria Werneck de Castro, Catarina Laudsberg, Norma Mormy, Eugênia Álvaro Moreira, Ester Xavier, Armanda Álvaro Alberto e Mary Mércio. História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 26 – Em 5 de julho de 1935, os aliancistas, como passaram a ser cha- mados os membros da ANL, organizaram manifestações públicas cele- brando a Revolta dos 18 de Forte e os Levantes de 1924. No dia, foi lido um manifesto de Prestes em que, bradando “todo poder à ANL”, exigia a derrubada do Governo Vargas. Afinal, se as demandas da ANL expostas em suas cinco exigências eram, sem dúvida, reformistas, para Prestes o objetivo seria, efetivamente, a tomada do poder. Em abril de 1935, ele deixou explícito que “Não há tempo a perder […]. Nas condições atu- ais […] pode a ANL chegar rapidamente a ser uma grande organização nacional revolucionária capaz de sustentar a luta de massas pela instau- ração de um governo popular nacional revolucionário em todo o Brasil” (REIS, 2014, p. 201). Diante da radicalização política, tanto à direita (com os integralistas) quando à esquerda (com a ANL e os comunistas), quais foram as atitudes do Governo Vargas? Procurar manter o controle do poder a partir de maior centralização das decisões por meio da elaboração de uma Lei de Segu- rança Nacional (apelidada de Lei Monstro pela oposição), promulgada em 4 de abril de 1935. O objetivo era, segundo adeptos do governo, garantir a segurança do Estado; tornou-se, porém, um instrumento adicional de controle político por parte do Poder Executivo, pois eram abandonadas garantias processuais na luta contra os chamados “crimes contra a ordem política e social”. E estes eram vários e vagos: tentar alterar a Constitui- ção, opor-se ao livre funcionamento dos poderes da União ou ao trabalho de alguns de seus agentes, incitar funcionários públicos a interromper suas atividades profissionais, instigar a desobediência coletiva, provocar ani- mosidade entre classes armadas ou mesmo “divulgar, por escrito, ou em público, notícias falsas […] e que possam gerar na população desassos- sego ou temor”. Por fim, entre os crimes estava “incitar diretamente o ódio entre as classes sociais” e “instigar as classes sociais à luta pela violência” (BRASIL, 1935b), que atingiam diretamente os objetivos da ANL e, mais especificamente, dos comunistas. Tratava-se de uma lei ampla e genérica o suficiente para conceder ao presidente instrumentos legais para a perseguição das forças de oposição, o que efetivamente passou a ocorrer após as manifestações de julho de 1935: no dia 11 determinou-se, por meio de decreto, “o fechamento, em – 27 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador todo o território nacional, dos núcleos da ‘Aliança Nacional Libertadora’” por estarem “desenvolvendo atividade subversiva da ordem politica e social”; além disso, foi cancelado seu registro civil, o que levou a ANL à ilegalidade (BRASIL, 1935a). Sem a possibilidade de manter a orga- nização ou realizar manifestações públicas, vários de seus componentes, especialmente tenentes e comunistas, passaram a defender a radicalização das ações contra o Governo Vargas. 1.4 Entre golpes e golpes Em 27 de novembro de 1935, os comunistas, liderados por Prestes, aproveitando-se de insurreições locais contra o governo, tentaram um golpe de Estado em um episódio que passou a ser conhecido como Inten- tona Comunista. Por que os comunistas tentaram um golpe? E por que avaliaram que esse golpe tinha chances de sucesso? Dizem que a visão em retrospectiva é sempre perfeita e, de fato, ana- lisando historicamente a situação política do Brasil no período, parece evidente que os comunistas, por importantes que tinham se tornado no cenário nacional especialmente na década de 1930, não tinham estrutura, penetração social, experiência, pessoal ou mesmo entusiasmo suficientes para uma revolução contra o poder estabelecido aos moldes do que ocor- reu, por exemplo, na Rússia. Porém, nesse caso, não se trata apenas de visão retrospectiva: muitos membros do PCB tinham a consciência de que não existiam as condições necessárias para a realização de uma revolução e, apenas por um imenso otimismo ingênuo aliado a uma incorreta ava- liação da situação política do Brasil, poderia se imaginar que tal levante teria sucesso. Dentro do partido, foram desprezadas as opiniões críticas e valorizadas as análises exageradas e equivocadas. Tal otimismo e miopia existiam tanto em Prestes quanto em vários líderes comunistas do período, para quem o momento histórico era o ideal para uma revolução. Isso porque sobrevalorizavam cada pronunciamento crítico e cada pequena revolta ocorrida no período, interpretando-os como indícios evidentes de uma iminente participação popular, operária e cam- ponesa em um projeto revolucionário. Por ocasião das eleições municipais de setembro de 1935, diversos confrontos entre diferentes grupos políticos História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 28 – ocorreram em diversas cidades do País: para os comunistas, eram evidên- cias do desejo popular pela revolução. Estando “maduras” as condições para a implementação de um projeto de tal ordem, restava aos revolucio- nários concluir os preparativos materiais, alertar sua decisão a Moscou — que, em última instância, aprovava ou proibia as ações locais — e definir a data de início da Revolução. O que acabou não sendo possível. Demonstrando falta de coordenação e de comunicação, uma rebelião se iniciou em Natal (RN) em 23 de novembro de 1935, independente da liderança comunista ou mesmo do conhecimento de Prestes. Os revoltosos rapidamente dominaram a cidade e procuraram iniciar um movimento de controle em direção ao interior do Rio Grande do Norte. No dia seguinte, a revolta se estendeu a Recife. Pego de surpresa, Prestes deveria decidir se autorizava o início efetivo das ações revolucionárias também na capital federal, o que acabou acontecendo no dia 27. Porém, o maciço apoio das forças militares e policiais, bem como as revoltas populares e as greves nacionais, imaginadas e desejadas pelos comunistas, jamais ocorreram. À desestrutura da ação comunista se contrastou a organização e a rapidez de ação das forças governamentais, que debelaram as revoltas e prenderam seus responsáveis. A reação do governo de Vargas foi dura e violenta. Inicialmente, procurou capturar todos os líderes comunistas, buscando, especialmente, Prestes, que conseguiu escapar. Ostensivamente torturando presos e con- tando com a inépcia dos revoltosos em se manterem na clandestinidade, Prestes acabou capturado em março de 1936 e mantido preso incomunicá- vel. Saiu da cadeia, anistiado pelo próprio Vargas, apenas em 1945. Com ele, foi presa sua esposa, a também militante comunista Olga Benário. Olga Benário Inicialmente, os membros da polícia secreta de Vargas não tinham muitos detalhes de quem era Olga Benário (1908-1942). Alemã, ela atuou no partido comunista alemão desde a juven- tude. Tendo participado do V Congresso da Juventude Comu- nista em Moscou, acabou presa quando retornou à Alemanha. – 29 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador Depois, retornou à União Soviética, onde conheceu Prestes, que vivia lá desde 1931, e lá se cassaram. Em 1934, quando o Par- tido Comunista determinou o retorno de Prestes ao Brasil para que se iniciassem as articulações para a implementação de um processo revolucionário no País, Olga foi uma das pessoas des- tacadas para auxiliá-lo. Segundo o que rememorou o próprio Prestes, foi durante sua vida em conjunto na clandestinidade no Brasil, a partir de 1935, quando ambos atuavam em con- junto com a ANL e posteriormente na busca pela insurreição revolucionária comunista, que ele e Olga se aproximaram mais intimamente. Fracassada a Intentona Comunista, Olga, grávida, acabou sendo capturada com Prestes. Sendo alemã, o governo de Vargas decidiu deportá-la, sabendo que, por ser judia, entregá-la aos nazistas seria condená-la à morte. Anita Leocádia, filha de Olga e de Prestes, nasceu em um campo de concentração de onde conseguiu ser resgatada pela avó com cerca de 1 ano de vida. Apesar de apelos internacionais por sua liberação, Olga acabou assassinada pelos nazistas em 1942 em uma câmara de gás. A fracassada Intentona Comunista trouxe consequências mais amplas ao País. Vargas utilizou extensivamente o episódio para tentar manter a centralização do poder, argumentando pela necessidade de vigilância con- tra ações comunistas. Porém, particularmente para o Congresso Nacional, o fim da Intentona e a prisão de seus responsáveis eram as razões que justificavam o encerramento do estado de sítio imposto ao País. Era cada vez maior a resistência dos congressistas a cada novo pedido de Vargas para sua extensão, até que, em junho de 1937, acabou sendo negada a nova solicitação feita pelo presidente. O contexto também havia se modificado, afinal estavam programa- das para 1938 as eleições presidenciais e o fim do mandato de Vargas, e muitos políticos temiam que se organizasse, de alguma forma, um novo golpe ditatorial. Ao mesmo tempo, representantes políticos das antigas oligarquias que haviam tido influência determinante no Brasil da Repú- História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 30 – blica Velha se organizavam em torno de candidatos que defendiam pro- gramas políticos e de favorecimento dos estados e do conservadorismo econômico. Assim, a opção por tentar restringir o poder do presidente da República negando-lhe a extensão do estado de sítio era, também, em uma estratégia para garantir a saída de Vargas do poder, que seria então dispu- tado por grupos políticos que lhe faziam oposição. Em setembro de 1937 começou a ser divulgado, primeiramente entre os círculos integralistas e a seguir mais amplamente entre os jornalistas, o chamado Plano Cohen: ao que parecia, tratava-se de um novo de plano insurreição comunista no Brasil, no qual apareciam em detalhes como seriam sequestradas e mortas pessoas de relevância do cenário nacional, igrejas seriam incendiadas, reféns seriam capturados e, por fim, seria con- quistado o poder. Dizia um trecho do plano que Os raptos deverão ser executados em pleno dia, nas próprias resi- dências, que serão invadidas por grupos de 3 a 5 homens dispostos e bem armados e munidos de narcóticos violentos (clorofórmio, éter em pastas de algodão empapadas) e serão transportadas para pontos secretos e inatingíveis, com absoluta segurança. Em caso de fracasso, proceder ao fuzilamento dos reféns. (SILVA, 1980, p. 283-284) Como se sabe hoje e certamente sabia Vargas à época, tratava-se de um plano forjado, que teria sido criado pelo capitão do exército Olímpio Mourão Filho, seguidor do integralismo, e trazia à tona dois medos social- mente difundidos à época: comunismo e antissemitismo (afinal, Cohen é um nome claramente judaico). O caráter exagerado do texto, antes de ser- vir de alerta à fraude, acabou sendo suficiente para convencer o Congresso Nacional da decretação de um estado de guerra, a pedido do presidente, o que lhe concedia poderes ainda maiores que aqueles do estado de sítio. Amparado pelo terror anticomunista e munido desse instrumento legal, Vargas ampliou a perseguição a políticos de oposição e especialmente a governadores contrários ao golpe14, recebendo o apoio de setores conser- vadores da sociedade, como a Igreja Católica. Em 10 de novembro de 1937, ele ordenou o cerco ao Congresso Nacional e seu consequente fechamento. Na mesma noite, anunciou pelo 14 Do Rio Grande do Sul, José Antônio Flores da Cunha, que se exilou no Uruguai; de Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti; da Bahia, Juraci Magalhães. – 31 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador rádio a outorga15 de uma nova Constituição, escrita pelo jurista Francisco Campos (1891-1968) inspirado nas constituições italiana e polonesa16, caracterizadas pela centralização do poder nas mãos da presidência da República. Iniciou-se, assim, um novo período na história política do Bra- sil: o Estado Novo, que durou até 1945. A Constituição de 1937 Em consonância com outras constituições centralizadoras do período, a de 1937 se caracterizava, em primeiro lugar, pela redução da autonomia dos estados em benefício da centraliza- ção do poder: os interventores, como ocorreu no Governo Provi- sório, eram escolhidos pelo presidente. Além disso, garantia ao Poder Executivo proeminência em relação aos poderes Legisla- tivo e Judiciário. Encontrava fundamentos na Constituição de 1937, dois campos de atuação que seriam característicos da administração Vargas, especialmente durante o Estado Novo: controle estatal da eco- nomia a partir de órgãos técnicos específicos e organização sin- dical corporativa, controlada pelo governo federal. O art. 187 definia que a “Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República”. Esse plebiscito, no entanto, jamais foi realizado; e, por consequência, como defi- nido pela Constituição, mantinha-se dissolvido o Parlamento, que dependia da realização do plebiscito para que existisse. Dizia o art. 178 que “São dissolvidos nesta data a Câmara dos 15 Constituições promulgadas são escritas por representantes da população, portanto, de- mocráticas; outorgadas são impostas à população pelo governante. Na história do Brasil, foram promulgadas as constituições de 1891, 1934, 1946 e 1988 e outorgadas as de 1824, 1937 e 1967. 16 A Constituição, à época, foi apelidada de polaca não apenas por sua inspiração polonesa mas também porque na época era sinônimo para prostituta. História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 32 – Deputados, o Senado Federal, as Assembleias Legislativas dos Estados e as Câmaras Municipais. As eleições ao Parlamento nacional serão marcadas pelo presidente da República, depois de realizado o plebiscito a que se refere o art. 187”. Sem plebis- cito não havia Parlamento. Na prática, durante todo o Estado Novo, Vargas governou a partir de decretos-lei. Síntese Ainda que fosse representante de uma nova geração de políticos bra- sileiros, Vargas mantinha relações com as velhas forças políticas do Brasil. Ao assumir o poder durante o Governo Provisório, procurou centralizar o poder em suas mãos e indicou interventores aos estados, mas procu- rou manter diálogos com as antigas oligarquias. São Paulo foi o local em que as elites políticas mais resistiram à ditadura de Vargas, o que aca- bou resultando na Revolução Constitucionalista, que, embora derrotada, reforçou a importância política e econômica do estado. O café continuou sendo o principal produto de exportação do Brasil, com o governo federal realizando ações para manter estável seu preço no mercado internacio- nal, comprando e destruindo safras. Com a promulgação da Constituição de 1934, iniciou-se o Período Constitucional da administração Vargas, marcado pela radicalização política tanto de direita, com o integralismo, quanto de esquerda, com a ANL e, especialmente, os comunistas. A Inten- tona Comunista de 1935 foi utilizada por Vargas como pretexto para a ampliação de seus poderes presidenciais. No fim de 1937, foi fechado o Congresso Nacional, uma nova Constituição foi outorgada e se iniciou o chamado Estado Novo, que durou até 1945. Atividades 1. O estudo de livros didáticos antigos é interessante porque, além de revelar as mudanças no próprio conhecimento histórico, – 33 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador exemplifica como o ensino de História é influenciado por sua própria época. O trecho a seguir foi extraído de um livro didá- tico de História escrito em 1944, portanto produzido durante o Estado Novo, voltado a alunos do 4º ano ginasial (o equivalente ao atual 9º ano do Ensino Fundamental). Analise-o com atenção: Lamentável acontecimento sobressaltou a nação em 1935: vários elementos civis e militares, fanatizados pelo perigoso inimigo da civilização cristã que é o comunismo, levantaram-se em armas na capital da República, em Pernambuco e nalguns outros pontos do nordeste; a luta contra os inimigos da pátria foi curta, mas exigiu o sacrifício de muitas vidas, sendo dominada a revolta pelas forças legais. (SILVA, 1944, p. 183) Identifique o evento que está sendo analisado neste parágrafo e explique se o autor do livro didático justificava ou condenava as ações de Vargas durante o episódio. 2. Toda obra de história deve ser pensada em diálogo com histo- riadores e suas composições, pois a historiografia apresenta o conteúdo sistematizado do que já foi pensado sobre um evento ou processo. O historiador Boris Fausto (1930, responsável por uma ampla obra historiográfica, produziu importantes estudos sobre as primeiras décadas do século XX no Brasil, particu- larmente, sobre os eventos da Revolução de 30. Analise com atenção o trecho a seguir, extraído de A Revolução de 30: histo- riografia e história, produzida como sua tese de graduação em História e publicada pela primeira vez na década de 1960: A maior centralização [do Poder após a Revolução de 30] é faci- litada pelas alterações institucionais que põem fim ao sistema oligárquico. Intocadas em suas fontes de poder, estas subsistem como força local, embora possa haver a troca de grupos ligados ao “antigo regime”, por outros situados na oposição. Entretanto, as oligarquias se subordinam agora ao poder central, com a perda do controle direto dos governos dos estados, onde são instalados interventores federais. (FAUSTO, 2010, p. 142) A partir da análise do trecho e do capítulo, como se pode com- preender o enfraquecimento do poder político das oligarquias ligadas ao café após a Revolução de 1930? História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 34 – 3. Se as obras de história se fazem em diálogo com a historiografia, é apenas por meio de pesquisa e consulta a documentos histó- ricos que se pode, efetivamente, confirmar ou refutar análises historiográficas. Compare os seguintes documentos históricos produzidos nos anos 1930: Documento 1, escrito por Antônio Maciel Bonfim (1905-1947), secretário geral do Partido Comunista, sobre a situação política do Brasil na década de 1930: [O exército brasileiro está] desagregado de alto a baixo. Não existe disciplina […] nos quartéis desenvolve-se uma luta permanente. No Norte, os soldados leem os chamamentos do PC17, que os exor- tam a organizar sovietes e falam da União Soviética Documento 2, telegrama escrito por Getúlio Vargas ao embaixador brasileiro nos Estados Unidos após a Intentona Comunista de 1935: Recebi telegrama e muito agradeço tuas expressões afetuosas. Ten- tativa foi reprimida com presteza e energia. Todo o país está em calma. Forças armadas coesas em perfeita disciplina. Quais diferenças se apresentam a respeito da disciplina do Exér- cito brasileiro em 1935? De que forma os comunistas se equivo- caram em seu julgamento sobre as Forças Armadas? 4. Ainda que as obras de história, especialmente livros de síntese como este, discutam com frequência grupos políticos, sistemas econômicos, processos sociais, o fato é que são os indivíduos, em suas vidas particulares, que, em conjunto, constroem as sociedades. Diversos ativistas, associados a diferentes movi- mentos sociais no período, participaram de maneira importante do estabelecimento ou da continuidade das lutas de grupos sociais, como é o caso do movimento negro. O texto a seguir, datado de abril de 1937, foi escrito por Arlindo Veiga dos San- tos (1902-1978) para o jornal paulista A voz da Raça: órgão da “gente negra brasileira”. Datas históricas Há em nossa História uma página épica de organização, trabalho, sague, luta e independência: o Estado PALMARINO. 17 Partido Comunista. – 35 – Getúlio Vargas: revolucionário, presidente, ditador Incluamos a celebração de Palmares ao menos no calendário fren- tenegrino. Fixamos um dia, o dia dos Palmares e dos seus reis ou Zambys. E não se dirá mais que foi Tiradentes quem primeiro pen- sou em independência! (SANTOS, 1936, p. 01) Pesquise sobre Arlindo Veiga dos Santos e descubra, primei- ramente, o significado da expressão calendário frentenegrino. Depois responda: qual é a importância de Santos para a história social brasileira? 2 O Estado Novo O que o Estado Novo não era? Não era, em primeiro lugar, fascista. Ainda que tenha sido criado em um momento de ascen- são das forças fascistas na Europa e em um período em que o integralismo ainda detinha certa influência política no Brasil (o Plano Cohen, é bom lembrar, foi forjado por um integralista), essa nova etapa do governo de Getúlio Vargas não era totalitária. É verdade que ele demonstrava simpatia pelo governo de Adolf Hitler e de Benito Mussolini, mas faltava ao País ingredientes importantes que caracterizariam o totalitarismo: a presença de um partido único, a submissão total ao Estado e a existência de uma mitologia justificadora de certo destino histórico. Sem dúvida, o Estado Novo era autoritário e ditatorial, mas isso não se apresentava como novidade para o Brasil do perí- odo ou para a administração getulista. Havia, na verdade, muito pouco de “novo”: estabelecido no poder, Vargas deu continui- dade a políticas construídas desde a Revolução de 1930, com uma oposição reduzida, mais poderes em suas mãos e sedimen- tando projetos políticos e econômicos que influenciaram por décadas a sociedade brasileira. História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 38 – 2.1 A centralização política Como o golpe que decretou o Estado Novo foi recebido pela popula- ção? Com pouca surpresa, pode-se dizer. Observe a charge a seguir, publi- cada na revista carioca A Careta em 2 de outubro de 1937. Figura 2.1 – “Comigo não…” Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional (http://memoria.bn.br). Nela aparecem Vargas e Jeca, uma personagem caricatural “caipira” que procurava representar genericamente o indivíduo simples e ingênuo. À pergunta de Jeca sobre a possibilidade de se tornar senador vitalício, o Getúlio da charge deixou claro que “essa história de ex-presidente é boato”. Menos de dez dias antes da decretação do Estado Novo, parecia evidente à imprensa a possibilidade concreta de ele se manter, de alguma forma, presidente da República. Assim, o estabelecimento do Estado Novo foi considerado um movi- mento bastante provável das ações de Vargas, consequência de seu estilo político. Certamente não podemos esquecer que parte significativa da opo- sição estava presa, exilada ou sendo perseguida; mas, ainda assim, des- taca-se a ausência de protestos populares ou de grupos políticos organiza- dos contra a medida. O Estado Novo foi percebido, efetivamente, como – 39 – O Estado Novo uma continuidade do período anterior, mas com certas mudanças, como a instabilidade política minimizada, consequência da imensa repressão, incluindo o desaparecimento de partidos políticos. Além disso, considerando-se que parte significativa das determi- nações da Constituição de 1937, na prática, jamais entrou em vigor, pois o plebiscito para sua aprovação não foi realizado, Vargas gover- nou por meio de decretos-lei e ainda sob o estado de emergência que não havia sido revogado. Os estados voltaram a ser governados por interventores, que foram escolhidos pessoalmente por ele entre paren- tes, políticos de confiança, militares e, com condições específicas, membros da oligarquia local, responsáveis pela definição dos prefeitos nos municípios. A incineração das bandeiras O art. 2º da Constituição de 1937 estabelece que “a bandeira, o hino, o escudo e as armas nacionais são de uso obrigatório em todo o País. Não haverá outras bandeiras, hinos, escudos e armas”. Procurando tanto reforçar isso quanto simbolizar a cen- tralidade do Poder Executivo, foi organizado, em 27 de novem- bro de 1937, no Rio de Janeiro, sob pretexto da celebração do Dia da Bandeira, um ritual do qual Vargas participou, no qual foram incineradas em público todas as bandeiras estaduais. Assim noticiou um jornal do período: O adiamento da Festa da Bandeira1 para ontem [27 de novem- bro de 1937] trouxe como consequência benéfica um brilho muito maior às solenidades, uma vez que se aproveitou o ensejo para cultuar a memória daqueles que tombaram em defesa das instituições no movimento insurrecional de novembro de 1935, e ainda para essa significativa cerimônia de incineração simbólica de todas as bandeiras estaduais, suprimidas pela Constituição. […] 1 O Dia da Bandeira é celebrado em 19 de novembro. História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 40 – A Igreja, por sua vez, oficialmente convidada a associar-se a esta demonstração de civismo e amor à Pátria, significando ainda um gesto de formal repulsa às investidas marxistas, esteve representada. (CORREIO DA MANHÃ, 1937, p. 03) Tratava-se de uma demonstração de poder e de um significativo gesto simbólico. Com isso, Vargas procurou reforçar a supre- macia da presidência da República e indicou sua intolerância com relação a oposições políticas locais. O Ministro da Justiça Francisco Campos, que foi o redator da Constituição de 1937, em discurso no mesmo evento afirmou que “Não há lugar para outro pensamento que não seja o pensamento do Brasil, nem espaço e devoção para outra bandeira que não seja esta, haste- ada hoje por entre as bênçãos da Igreja” (CORREIO PAULIS- TANO, 1937, p. 01). Figura 2.2 – Cerimônia simbólica da incineração das bandeiras dos estados Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional (http://memoria.bn.br). Na fotografia (Figura 2.2) do evento pode-se ver uma das ban- deiras estaduais sendo levada à pira enquanto um funcionário, à esquerda, derrama um líquido inflamável. No gesto simbólico estava a afirmação da autoridade do poder central. – 41 – O Estado Novo A administração de Vargas era personalista: seus ministros eram escolhidos em função de suas relações pessoais, e os contatos entre eles e o presidente eram usualmente individuais; as reuniões conjuntas do corpo ministerial eram exceções. As Forças Armadas, importantes na política nacional e aliadas de Vargas desde 1930, detinham influência política e econômica, afinal era também interesse dos militares a industrialização do País, característica do projeto varguista, pois significaria aumento da independência nacional. Vários foram os militares que atuaram como interventores nos estados e como diretores dos vários novos órgãos admi- nistrativos do período. Foram criadas instituições de caráter técnico que objetivavam gerir os diferentes aspectos da burocracia, da política e da economia, e nisso se observava também o caráter centralizador do governo. Visando modernizar a administração estatal foi criado o Departamento Administrativo do Ser- viço Público (Dasp), subordinado diretamente à presidência da República. Exemplo da forma de Vargas de compreender a sociedade, o órgão deveria construir um modelo de racionalidade administrativa que superasse o que ele via como irracionalidade cotidiana da política. Para isso, criava formas de aperfeiçoamento de pessoal e de valorização por mérito que, em teoria, tornariam mais objetivas e eficientes as decisões burocráticas. É importante observarmos que a expansão da burocracia governamental acabava bene- ficiando as classes médias urbanas, pois gerava novos postos de trabalho e maior estabilidade econômica às famílias. Outros órgãos estavam ligados ao desenvolvimento da infraestrutura, como a Comissão do Plano Rodoviário Nacional, responsável por elaborar o plano de ligação rodoviária do País, aprovado em 1944. No campo da economia, destacavam-se o Conselho Nacional do Petróleo, que procurou nacionalizar e centralizar a exploração dos recursos petrolíferos, e a Comis- são do Plano Siderúrgico Nacional, que, envolvendo discussões políticas e econômicas com os Estados Unidos (que serão vistas adiante), decidiu pela implementação de uma usina siderúrgica em Volta Redonda (RJ). Essas diferentes instituições técnicas não deixavam de ser também órgãos políticos, afinal tinham a responsabilidade de atender às deman- das sociais dos diferentes setores, o que era importante para a estabili- dade política do País. Essa relação ficou mais evidente com as mudanças História do Brasil – da Era Vargas aos Tempos Atuais – 42 – implementadas no Conselho Federal do Comércio Exterior (CFCE), que foi criado em 1934 e se configurou como importante instituição para a implementação dos projetos nacionalistas e centralizadores da economia. Tendo como objetivo essencial o planejamento econômico, o CFCE também estava subordinado diretamente à presidência da República, ainda que contasse com representantes de diferentes ministérios, bem como de entidades privadas. Para além de suas atribuições específicas de planeja- mento econômico, que foram, de toda forma, continuamente modificadas ao longo do Estado Novo, o órgão foi um dos principais pontos de contato entre o interesse de grupos econômicos, principalmente industriais, e o governo. Se era objetivo do Governo Vargas impulsionar a industrializa- ção do Brasil, fazia-se necessária a criação de canais de comunicação com seus diferentes representantes. Devemos nos atentar para o fato de que tanto a centralização de poder quanto a política do trabalhismo (que será visto em detalhes mais adiante) interessavam aos grandes investidores industriais por várias razões: o Estado se encarregava de arcar com grande parte das despesas necessá- rias ao desenvolvimento industrial do País; a centralização administra- tiva, ainda que imposta por via ditatorial, criava um clima de estabilidade suficiente para estimular os investimentos; e, por fim, a definição de leis trabalhistas, a difusão de uma ideologia de valorização do trabalho operá- rio e investimentos na educação técnica e de aperfeiçoamento profissional preparavam a mão de obra necessária à indústria. Observe o que disse sobre Vargas, em 1942, o industrial Roberto Simon- sen, diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp): Há 12 anos que o Dr. Getúlio Vargas representava a ordem para o Brasil. Ser contra ele, se isso hoje fosse possível, seria colocar-se con- tra a ordem. Seria colocar-se contra o Brasil, seria colocar-se contra si mesmo. Graças a essa ordem admirável em que vivemos, de per- feito equilíbrio moral e material, é que nosso país se tornou exceção do mundo convulsionado de 19422 […]. Ele é menos o Presidente da República, que o chefe da família brasileira. (CARONE, 1976, p. 116) 2 Devemos lembrar que, em 1942, a Segunda Guerra Mundial promoveu importantes al- terações políticas e econômicas no mundo, inclusive no Brasil, ainda que o País não par- ticipasse dos conflitos. – 43 – O Estado Novo A ordem celebrada por Simonsen demonstrava as razões pelas quais o setor industrial brasileiro se beneficiava das medidas políticas do Estado Novo. A aliança econômica se transformava, assim, em aliança política. Toda essa estrutura política foi acompanhada de uma intensa propa- ganda e de controle da imprensa por meio do Departamento Nacional de Propaganda (DIP), criado no fim de 1939. Atuando na produção de mate- riais publicitários, incentivos a artistas que demonstrassem apoio a Vargas, direcionamento de publicações de valorização ao presidente, divulgação de informações produzidas pelos ministérios, acompanhados de intensa atividade de censura. Além de evitar quaisquer críticas severas à adminis- tração presidencial, era objetivo do DIP construir uma imagem positiva de Vargas aos mesmos moldes de incentivo do culto ao líder de outros governos autoritários e totalitários: músicas, filmes, cartazes, livros, pro- gramas de rádio e revistas foram criados com o objetivo de homogeneizar as opiniões populares a respeito de Vargas, difundir os ideais trabalhistas e minimizar discursos de oposição. O que se pode notar é que o Estado Novo, apresentando continuidade da trajetória varguista no comando do País desde 1930, era um complexo formado por centralização de poder, repressão à oposição, aliança polí- tica e econômica com diferentes setores da sociedade, proximidade com as Forças Armadas e aproximação das camadas populares, especialmente dos trabalhadores, unidos em um discurso de ordem nacional e de desen- volvimento industrial divulgado por instrumentos oficiais de propaganda. 2.3 O trabalhismo Podemos afirmar que o trabalhismo, ou política trabalhista, levado a cabo durante o governo de Vargas e particularmente no Estado Novo, con- sistia em um tripé: concessão de benefícios aos trabalhadores, arbitração pelo Estado das relações entre patrões e empregados e uso propagandís- tico e político das reformas trabalhistas. Sobre os benefícios: a imagem de “pai dos pobres” que Vargas culti- vou, com grande influência do DIP, teve grande relação com as melhorias legais às condições dos trabalhadores, especialmente
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