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1 POLÍTICA E CIDADANIA UNIDADE IV : SISTEMAS DE GOVERNO GERALDO MESQUITA JÚNIOR Senador Brasília - 2005 Sistemas de Governo.indd 1 04/03/2005 16:35:41 2 Mesquita Júnior, Geraldo. Sistemas de Governo / Geraldo Mesquita Júnior. – Brasília : Senado Federal, 2005. 48p. – (Política e cidadania ; 4) 1. Formas de governo. 2.Regime de governo. 3. Parlamentarismo. 4. Presidencialismo 5. Monarquia. 6. República. 7. Sistema partidário. 8. Sis- tema eleitoral. 9. Governabilidade. I. Título. II. Série. CDDir 341.23 Sistemas de Governo.indd 2 04/03/2005 16:35:41 3 SUMÁRIO I – Governo: Definição e Conceito II – Governo e Governabilidade III – Governabilidade e Governança IV – Sistemas Políticos e Sistemas de Governo V – Os Parlamentarismos VI – O Presidencialismo VII – Brasil, de Monarquia a República 5 11 15 21 31 37 45 Sistemas de Governo.indd 3 04/03/2005 16:35:42 4 Sistemas de Governo.indd 4 04/03/2005 16:35:42 5 I – GOVERNO: DEFINIÇÃO E CONCEITO No Dicionário de Política1 , o prof. Lúcio Levi define Governo como “o conjunto de pessoas que exercem o poder político e que determinam a orientação política de uma determinada sociedade”. Mas ele mesmo ressalva que “existe uma segunda acepção do termo Governo, mais própria da realidade do Estado moderno, a qual não indica apenas o conjunto de pessoas que detêm o poder de governar, mas o complexo dos órgãos que, institucionalmente, têm o exercício do poder. Neste sentido, completa o autor, o Governo constitui um aspecto do Estado”. Se o Estado não é mais do que uma forma de organização política que a sociedade assumiu, em sua evolução histórica, é forçoso concluir que os governos transcendem o Estado, na medida em que este, em sua configuração atual, só surgiu em meados do séc. XVI. É o chamado “Estado nacional” unificado em torno das diferentes nacionalidades que constituíam os grandes feudos. Essa forma peculiar de Estado, no entanto, foi precedida por outra modalidade de organização política, a que conhecemos pelo nome de feudalismo, constituído de pequenos Estados chamados feudos. Estes, por sua vez, foram antecedidos pelos grandes impérios como o romano e o de Alexandre Magno, também surgidos depois do declínio das cidades-estado gregas, precedidas estas pelos impérios das antigas civilizações, como a egípcia e a assíria. A palavra governo, usada para definir o conjunto de pessoas e instituições que detêm o poder político, seja nos pequenos feudos, seja nos grandes impérios, está, portanto, associada às diferentes etapas da evolução histórica do Estado. Essa designação, contudo, não tem o mesmo significado, em todos os países e em todas as línguas. Sua definição como corpo dirigente e representativo do Estado é própria das línguas 1 BOBBIO, Norberto, MATEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília, Ed. UnB, 7a ed., 1995, v.I, p. 553. Sistemas de Governo.indd 5 04/03/2005 16:35:42 6 latinas: governo em português e italiano, “gobierno” em espanhol e “gouvernement”, em francês. Nos países anglo-saxônicos, “government” significa o que nós latinos chamamos de regime político, algo muito mais amplo que o conjunto das instituições governamentais que dirigem e representam o Estado. Para designar o que entendemos como governo do Estado, os ingleses usam o termo “Cabinet” (Gabinete, o Conselho de Ministros titular do Poder Executivo, no modelo parlamentarista adotado na Grã-Bretanha). Nos Estados Unidos, em que o regime é presidencialista e não dispõe dessa instituição que encarna o Poder Executivo, como na Grã-Bretanha, o que nós chamamos de governo eles denominam de “Administration”. A palavra governo, porém, não é de origem latina ou anglo-saxônica. Provém do grego “kubernao”, a parte superior do leme dos barcos, que serve para dirigi-lo, também chamada em português de timão ou cana do leme. Os pilotos ou timoneiros dos barcos gregos eram chamados por isso de “kybernetes”, termo do qual provém a palavra cibernética, “ciência que estuda as comunicações e os sistemas de controle, não só dos organismos vivos, mas também das máquinas”, conforme a definição do Aurélio. Etimologicamente, portanto, governo é aquele que dirige e controla. E essa analogia entre a arte, técnica ou ciência de governar, sempre foi, desde os gregos, associada à habilidade dos timoneiros dos barcos. Platão a utilizou em seu livro A República, usando a que ficou conhecida como “parábola do navio”. Segundo ele, era sempre ao mais hábil e experiente na arte de navegar entre os recifes que se entregava o comando dos barcos, mesmo que não fosse o mais popular entre os marinheiros, pois dele, afinal, dependia a vida de todos. Aristóteles também usou a figura ainda hoje corrente da “nau do Estado”, ao escrever em A Política sobre os limites e o tamanho ideal de um país, afirmando que deveriam ser os mesmos de um navio, grande o bastante para enfrentar as tormentas, mas não demasiado, a tal ponto que não obedecesse ao comando do leme. Assim como a arte de dirigir um navio exige habilidades e conhecimentos específicos, também a de governar o Estado impõe qualificações inerentes às funções de dirigir e comandar. Entre elas, a de controlar, já que a cibernética, com a mesma origem etimológica do verbo governar, implica em dominar os sistemas de controle. Sistemas de Governo.indd 6 04/03/2005 16:35:43 7 Em seu sentido mais amplo, por conseqüência, governo é todo mecanismo de direção e controle das mais diversas instituições e organizações. É correto, portanto, referir-nos ao governo das universidades, das corporações, dos hospitais, dos partidos, dos sindicatos e de quantas organizações mais atuem fora do âmbito familiar. A diferença entre os governos dos Estados e os das demais instituições, não reside apenas na sua configuração, mas nos poderes que cada um detém. Os governos dos Estados soberanos tomam decisões, como os de todas as organizações, com a diferença de que elas são dotadas de poder vinculante para todos que vivem em seus respectivos territórios, enquanto as decisões de organizações não estatais aplicam-se só aos que estão a elas vinculados. Em outras palavras, decisões de governo dispõem do monopólio da coerção legal, recurso utilizado para que sejam obedecidas, inclusive com o emprego da força, se necessário. Ou seja, são decisões de natureza política. A diferença entre governo e política é que esta se ocupa da alocação de recursos entre os diferentes grupos da sociedade, enquanto o governo trata dos resultados desse processo em relação às comunidades que lhes estão afetas, seja uma cidade, uma região ou uma nação. Por isso, nos Estados federativos como o Brasil, há governos com competências específicas para cada esfera de atuação: municipal, estadual e federal. Para explicar a natureza dos governos, Karl Deutsch2 lembra que o timoneiro de um navio “deve saber em que lugar ele próprio se situa em relação a tudo o que está em seu barco; o que tem que fazer para manter o seu controle, pois se o perder, de nada lhe servem todos os seus outros conhecimentos”. Em segundo lugar, deve saber onde está a nave sob seu comando, em que direção se move e de que espécie de embarcação se trata. Terceiro, tem de conhecer onde se localizam os escolhos, bancos de areia, baixios e correntes de navegação. Finalmente, precisa ter consciência do destino a que se dirige e saber se a rota que escolheu o levará para mais perto ou para mais longe dele. Assim, conclui esse autor, o processo de governar é constituído por algo muito 2DEUTSCH, Karl. Política e Governo. Brasília, Ed. UnB, 1979, p. 29. Tradução do original em inglês. Sistemas de Governo.indd 7 04/03/2005 16:35:43 8 semelhante à navegação e, tal como em outras tarefas, dirigir e governar implica, não raras vezes, numa eficiente divisão do trabalho. A natureza do governo que nos interessa, no estudodos sistemas políticos, tem muito a ver e está intimamente associada a uma função específica: garantir a governabilidade. Isto nos leva a uma outra indagação: que mecanismos a propiciam? Deutsch, na obra há pouco citada, pergunta, exatamente, de que modo a política assegura a direção da sociedade e a alocação dos valores dentro dela? E ele mesmo responde: “Ela opera fundamentalmente, utilizando-se dos hábitos da grande massa da população de se submeter às leis e à autoridade dos governos; e estes hábitos de submissão são acentuados e fortalecidos pela probabilidade de execução da lei contra aqueles que a transgridam. Os hábitos de submissão embora sejam os associados invisíveis do governo, realizam 90% da tarefa” [de assegurar a governabilidade]. “Se muitos motoristas, diz ele, não tivessem o costume de parar com o sinal vermelho, quando o guarda não está presente, seria impossível fazer respeitar as leis do trânsito. Da mesma forma, os hábitos que a maioria das pessoas têm de não assassinar seus vizinhos, de não roubar casas e carros, são o que determinam o cumprimento das leis, contra a minoria de pessoas que, ocasionalmente, ainda fazem essas coisas”. Há outra observação de igual relevância. “Quando os hábitos de submissão da população declinam ou desaparecem, as leis podem se tornar inaplicáveis. Elas se tornam de difícil execução, quando menos de 90% da população lhes obedece voluntariamente. Foi o que aconteceu com a lei seca [nos Estados Unidos]. Um pouco mais de 50% do eleitorado americano tentou proscrever a sede por bebidas alcoólicas de um pouco menos dos outros 50%, mas a generalizada insubmissão às leis de proibição impossibilitou o seu cumprimento. Isto, por sua vez, encorajou ainda, outras desobediências à lei. As probabilidades de cumprimento das normas legais podem, sem dúvida, contribuir para os hábitos de submissão, embora não se deva esquecer que eles constituem a parte maior e mais forte das forças que asseguram a execução das leis e que os efeitos das leis e as ameaças de sua aplicação são, em conjunto, relativamente marginais” 3. 3Op. cit. p. 39. Sistemas de Governo.indd 8 04/03/2005 16:35:43 9 Vê-se, portanto, que o cumprimento da lei, mais que a própria lei, é o instrumento de que se valem os governos dos Estados soberanos, para conseguir a obediência dos cidadãos às suas decisões. São ainda de Karl Deutsch as seguintes observações sobre as leis e o comportamento humano: “Usamos leis para controlar o comportamento humano porque não custa muito fazê-las aprovar e, desde que as pessoas lhes obedeçam voluntariamente, também não custa muito pô-las em vigor. As leis, os hábitos de submissão e as probabilidades de cumprimento delas, permitem que uma sociedade continue a funcionar. Dentro de certos limites, podemos mudar a sociedade, modificando a lei, desde que esta seja obedecida. Porém, as grandes alterações na sociedade vêm através de mudanças nos hábitos de submissão. A escravidão foi abolida no séc. XIX, não por causa da legislação, mas porque todo o clima cultural e social do mundo ocidental tinha começado a mudar. Nenhuma legislatura poderia ter imposto tal mudança, mas uma vez que ela se consumou, as leis desempenharam o papel que lhes cabia, ao acelerar a abolição da escravidão e ao fazer com que fosse respeitada. As grandes reformas do mundo não podem ser iniciadas pela lei, embora possam ser por ela ajudadas. A legislação é apenas um dos elementos que contribuem para uma mais profunda mudança dos pensamentos e sentimentos dos indivíduos, grupos ou sociedades inteiras, que transformam uma época cultural ou política, em outra” . Se para a Política o que importa é mais o cumprimento efeti- vo da lei do que a simples existência dela, nisto reside a diferença de concepções que têm os sociólogos e os juristas, relativamente ao orde- namento jurídico que tanto emana do governo, quanto o disciplina e limita, em todo Estado de Direito democrático. Os juristas se ocupam do conjunto ideal das leis, ou seja, de sua existência, independente de seu cumprimento real, pois elas podem ser úteis na defesa dos inte- resses de seus clientes. Os sociólogos, ao contrário se interessam pela existência empírica das leis, isto é, aquelas que, além de existirem, são efetivamente obedecidas, pois disto depende ,a capacidade de governar que, em termos gerais, chamamos de governabilidade. Sistemas de Governo.indd 9 04/03/2005 16:35:43 10 Sistemas de Governo.indd 10 04/03/2005 16:35:43 11 I I – GOVERNO E GOVERNABILIDADE Até agora, vimos a origem da palavra governo e o seu prin-cipal instrumento para garantir a governabilidade, o orde-namento jurídico dotado da faculdade de empregar a força legítima, para conseguir a obediência dos cidadãos, recurso de que só os governos dos Estados soberanos dispõem. Para entender esse mecanismo coercitivo, é preciso definir o que entendemos por go- vernabilidade. Segundo a Enciclopedia de las instituciones políticas4, “a governa- bilidade se refere à capacidade das instituições políticas de um país para dirigir a economia e a sociedade”. Esta capacidade diz o mesmo texto – “está baseada nas próprias características da sociedade que se pre- tende ‘guiar’. A governabilidade, conclui, é um problema especial dos países democráticos devido à dificuldade de traduzir os mandatos dos eleitores em políticas realistas”. Isto significa que, na medida em que os eleitores se manifestam em favor de certas demandas que o sistema político não consegue atender, aumenta o risco da ingovernabilidade. Logo, há uma relação direta entre a capacidade de suprir demandas e a governabilidade e uma relação inversa entre a incapacidade de atendê- las e a governabilidade. A questão assumiu uma enorme importância na agenda política dos anos 70 do século passado. Ela foi o resultado dos custos crescentes dos governos e do início dos movimentos ide- ológicos que, nessa época, contestavam sua capacidade para resolver graves problemas sociais, circunstância aliada à perda de confiança nos governos, por parte do público. Em muitos casos, esse temor era exage- rado, mas, a despeito disso, terminou levando as instituições políticas e 4BOGDANOR, Vernon (ed.) Enciclopedia de las instituciones políticas. Madrid, Alianza Editorial, 1991. Tradução do original em inglês The Blackwell Encyclopædia of Political Institutions. Londres, 1987, verbete “Gobernabilidad”. Sistemas de Governo.indd 11 04/03/2005 16:35:43 12 a opinião pública de muitas das democracias ocidentais a reconsiderar a forma pela qual os governos realizavam suas tarefas e atuavam em seu relacionamento com a sociedade. Várias teses surgiram para tentar ex- plicar o que na época se denominou de “crise de governabilidade”. J.L. Sunquist, citado por B. Guy Peters, autor do verbete na Enciclopedia acima referida, relaciona quatro características que afetam a capacidade de governar: a) a primeira é a qualidade da burocracia. Uma burocracia pública que careça de profissionalismo, seja por falta de formação adequada, seja pelo fato de que muitos cargos estratégicos costumam ser substituídos, quando se dão as mudanças de governo, não será capaz de oferecer um bom e adequado assessoramento, nem demonstrar capacidade de direção, na hora de elaborar as políticas públicas reclamadas pelas decisões políticas dos governos ou preconizadas pela sociedade. A experiência dos burocratas é muito importante nesse campo, de modo que, se seus conhecimentos não forem adequados para suprir as exigências do sistema político, é possível que as políticas deles oriundas também não o sejam. Neste caso, os governos só serão capazes de funcionar de forma reativa, isto é, reagindo, ante as situações que surjam; b) um segundo fator é a possibilidade de que a burocracia se comprometa com os objetivos dos diferentes governos que se sucedem no poder, em contraposição a seus próprios fins pessoais e organizativos, ou os de suaspróprias convicções. Sistemas administrativos muito fragmentados, como os dos Estados Unidos e o de alguns países escandinavos, ainda segundo Sunquist, podem permitir que as organizações sigam a trajetória pré-estabelecida em vez de seguir as novas orientações que se produzem, quando há troca de governo. Também é possível que utilizem o processo de formulação de políticas públicas, como simples recurso para aumentar os seus orçamentos e, conseqüentemente, sua influência, o que também é um risco para qualquer governo; Sistemas de Governo.indd 12 04/03/2005 16:35:43 13 c) em terceiro lugar, o próprio sistema institucional de elaboração de políticas públicas pode afetar e influir a governabilidade. Segundo a opinião do autor, os governos parlamentaristas, se tudo o mais se mantém constante, seriam provavelmente mais capazes de manter a governabilidade do que aqueles em que, como no presidencialismo, há uma rígida separação de poderes. Da mesma forma, os sistemas de governo que dispõem de um sistema de revisão judicial da constitucionalidade das políticas públicas podem se deparar com maiores dificuldades para atuar decisivamente, do que os países que não têm tribunais poderosos. Os regimes federativos, especialmente os que dependem de governos estaduais e municipais, para a instrumentação das políticas do governo central podem se deparar com maiores dificuldades para governar do que aqueles em que o exercício do poder central independe dos governos locais, como nos Estados unitários; d) finalmente, os sistemas partidários de cada país podem in- fluenciar a governabilidade, especialmente para gerar e executar um claro mandato de ação. Os sistemas pluripartidários, e em especial suas versões mais extremas, como vimos no fascículo anterior, que sempre exigem governos de coalizão, dificultam que os governos tenham um claro mandato a respeito dos temas políticos. Por outro lado, partidos nos países dotados de duas siglas podem carecer de programas claramente diferenciados, caso em que as campanhas eleitorais deixam de proporcionar orientação a respeito das políticas públicas propostas por eles. Na medida em que os partidos compartilham um consenso bá- sico a respeito da maioria dessas políticas, ou pelo menos de respeito integral às regras do jogo político, haverá sempre maior estabilidade do governo, o que implica em aumento da gover- nabilidade. Além do mais, a governabilidade pode se beneficiar da circunstância de haver um número limitado de partidos que tenham e sejam capazes de manter posturas políticas claras e afins e que tratem de instrumentalizá-las quando estão no po- der; Sistemas de Governo.indd 13 04/03/2005 16:35:43 14 As características de cada sociedade também afetam claramente os resultados dos esforços dos governos. Um fator importante é o seu grau de fragmentação. Os países com profundas divisões políticas em questões lingüísticas, étnicas ou religiosas serão sempre mais difíceis de governar do que as sociedades mais homogêneas. Da mesma forma, a fragmentação dos grupos de interesse, especialmente os sindicatos, pode tornar mais difícil a elaboração de políticas públicas, tanto no campo econômico quanto em relação à harmonização de seus interesses. Embora a maioria dos países industrializados tenha desenvolvido mecanismos para fazer frente à fragmentação da sociedade nos terrenos econômico e social, sua existência constitui sempre um obstáculo para a governabilidade. Um segundo fator social que afeta a governabilidade é a estrutura dos valores da população. A capacidade de governar está fortemente relacionada com a legitimidade e a autoridade do governo. Algumas culturas dão maior valor à autoridade política que a outras, enquanto há aquelas que valorizam mais a lealdade para com as famílias e outros grupos sociais do que a que concedem aos governos, como fonte de autoridade. Em alguns casos, o governo pode, inclusive, ser um símbolo negativo da autoridade e suas ações podem, em conseqüência, ser consideradas como quase intrinsecamente ilegítimas. Sistemas de Governo.indd 14 04/03/2005 16:35:43 15 III – GOVERNABILIDADE E GOVERNANÇA O conceito de governabilidade foi, durante muito tempo, entendido em seu sentido etimológico, isto é, como a capacidade que têm os governos de tornar efetivas as suas decisões. Essa capacidade deve ser exercida, tanto internamente, impondo-se em relação sobre todos os demais grupos sociais existentes no território de cada Estado, quanto externamente, para impedir que o seu poder seja confrontado pelo de outros Estados que possam, eventualmente, se contrapor ao seu. Disso derivaram a origem e a evolução histórica de todas as formas de governo, já que em nenhuma comunidade a conformidade com as normas sobre as quais se funda o desenvolvimento ordenado das relações sociais, se consuma de forma espontânea e automática. Daí podermos dizer que um governo é tão mais forte, quanto mais se baseia no consenso dos governados. Mesmo por que nenhum governo poderia subsistir por um longo tempo se tivesse que se impor somente pela força. Como lembra o prof. Lúcio Levi5, embora “o liberalismo, a democracia e o socialismo tenham contribuído para o alargamento da base social do poder e tenham dado origem a um processo de humanização da vida política, o exército, a polícia, as prisões, etc., constituem, ainda hoje, o fundamento último em que se apóia o poder dos governos”. Daí concluir ele que “a força e o consenso são, pois, as duas alternativas dialéticas que definem o governo. São termos contraditórios que podem, no entanto, harmonizar-se numa situação que jamais se realizou na história, a não ser como aspiração, onde a força se qualifique como autoconstrição da sociedade sobre si mesma, e, em conclusão, força e consenso tendem a confundir-se”. Segundo ele, “se a existência de um governo central que detém o monopólio da força é, indubitavelmente, um aspecto típico 5 Op. cit. Sistemas de Governo.indd 15 04/03/2005 16:35:44 16 do Estado moderno, e representa o ponto de chegada de uma longa e complexa evolução histórica, o uso da força ou a ameaça de recorrer a ela foi sempre o meio específico que as autoridades de governo tiveram sempre à disposição para garantir a supremacia de seu poder”. Uma vez que os Estados se arrogam o direito do uso da força em relação a seus cidadãos, e uma vez que os governos têm o monopólio desse poder discricionário nos respectivos países, o poder dos governos é, em última análise, o titular desse poder, como representante do Estado. Neste sentido, os conceitos de governo e Estado se confundem. Na famosa conferência “Política como vocação”6 , Weber escreveu: “Todo Estado se funda na força, disse um dia Trotsky em Brest-Litvosk7 . E isso é verdade. Se só existissem estruturas sociais de que a violência estivesse ausente, o conceito de Estado teria também desaparecido e apenas subsistiria o que, no sentido próprio da palavra se denomina anarquia. A violência não é, evidentemente, o único instrumento de que se vale o Estado – não haja a respeito qualquer dúvida – mas é seu instrumento específico. Em nossos dias, a relação entre o Estado e a violência é particularmente íntima. Em todos os tempos, os agrupamentos políticos mais diversos – a começar pela família – recorreram à violência física, tendo-a como instrumento normal do poder. Em nossa época, entretanto, devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território – a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado – reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física . É com efeito, próprio de nossa época, não reconhecer, em relação a qualquer outro grupo ou aos indivíduos, o direito de fazer uso da violência, a não ser nos casos em que o Estado tolere: O Estado se transforma, portanto, na única fonte do ‘direito à violência’. (...) Tal como todos os agrupamentospolíticos que historicamente o precederam, o Estado consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, fundada no instrumento da violência legítima (isto é, da violência 6 WEBER, Max. Ciência e Política, duas vocações. Brasília/São Paulo. Ed. UnB/Ed. Cultrix, 1983. Tradução do original alemãoWissenschaft als Beruf und Politik als Beruf. p. 56/57. 7 Cidade em que Trotsky, comissário do exterior da União Soviética, assinou com os países centrais da Europa, a paz que pôs fim à participação do país na 1a Guerra Mundial. Sistemas de Governo.indd 16 04/03/2005 16:35:44 17 considerada como legítima). O Estado só pode existir, portanto, sob a condição de que os homens dominados se submetam à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores”. Se força e consenso são recursos típicos dos Estados e, conseqüentemente dos respectivos governos, em que medida a dominação se baseia na força e em que proporção se assenta no consentimento dos próprios governados? A dominação consensual, segundo Weber, se assenta nos três fundamentos da legitimidade. O primeiro decorre do chamado “poder tradicional”, baseado na autoridade do “passado eterno”, isto é, os costumes santificados pela validez imemorial e pelo hábito enraizado nos homens de respeitá-los, como o que exerciam outrora os patriarcas e o senhor de terras. Nesta categoria está o respeito reverencial que os mais fracos dedicam aos mais fortes, mesmo nas democracias. O segundo é o “poder carismático”, fundado nos dons pessoais e extraordinários de alguns indivíduos (carisma), devoção e confiança pessoal depositadas em alguém que se singulariza por qualidades prodigiosas, por heroísmo ou por outras qualidades que fazem dele o chefe. É o poder exercido pelo profeta ou, no domínio político, pelo guerreiro eleito, pelo soberano escolhido através de plebiscito, pelos grandes demagogos ou pelo dirigente de um grande partido político. O terceiro é o “poder legal”, calcado na validez de um estatuto legal e de uma ‘competência’ positiva, fundado em regras racionalmente estabelecidas ou, em outros termos, a autoridade fundada na obediência, que reconhece obrigações decorrentes do estatuto estabelecido. É o poder que exerce o “servidor do Estado” em nossos dias, como faculdade delegada pelo Governo e como o exercem os detentores do poder que, sob esse aspecto, dele se aproximam. Como se vê, tanto sob o ponto de vista da ciência política, quanto da sociologia, o termo governabilidade diz respeito à eficácia ou eficiência dos mecanismos do sistema político, sobretudo os governos, para a realização de seus fins e o atendimento das demandas da sociedade. Em outras palavras, refere-se à capacidade do governo de tornar efetivas suas decisões. Até agora, examinamos o conceito expresso na Enciclopedia de las Instituciones Políticas, um texto do fim da década de 80 do século passado. The Concise Oxford Dictionary of Sistemas de Governo.indd 17 04/03/2005 16:35:44 18 Politics,8 (O Conciso Dicionário Oxford de Política) editado em 1996, usa a mesma conceituação em relação à palavra governabilidade: “O conceito não foi bem definido, mas está centrado na idéia de que, como a gama de problemas com que o governo se defrontava e se esperava que fossem solucionados cresceu, sua capacidade de resolvê-los se reduziu”. O autor lembra que a inclusão desse tema na agenda política se deu na década de 70. E, efetivamente, ele aparece no Dicionário de Política de Norberto Bobbio9, que é do início dos anos 80, quando o termo já tinha se generalizado. Mas começa ressalvando, em relação à sua definição que “o termo mais usado atualmente seria o oposto, ou seja, a não-governabilidade” descrita como “a incapacidade dos governantes”, enquanto outros a atribuem “às exigências excessivas dos cidadãos”. O autor do verbete, Gianfranco Pasquino, identifica, na literatura da época, as três principais vertentes que atribuem a crise de governabilidade a diferentes fatores. A primeira, de autoria do professor James Ó Connor, da Universidade da Califórnia, a debita à expansão dos serviços do Estado para atender as demandas da sociedade, o que termina levando a uma sobrecarga e à conseqüente crise fiscal do Estado. A segunda é do prof. Samuel Huttington, da Universidade de Harvard, segundo o qual a crise é uma questão política: “a governabilidade de uma democracia depende do relacionamento entre a autoridade de suas instituições de governo e a força de suas instituições de oposição”. E a terceira é do filósofo alemão Jurgen Habermas, para quem a não-governabilidade “é o produto conjunto de uma crise de gestão administrativa do sistema e de uma crise de apoio político dos cidadãos às autoridades e aos governos”. O prof. Marcus André B. C. de Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, abordou, no artigo do intitulado “Ingovernabilidade: desagregando o argumento”, publicado no livro Governabilidade e 8 MC LEAN, Iain.(Ed.) The Concise Oxford Dictionary of Politics. New York, Oxford University Press, 1996, verbete “Governability”. 9 BOBBIO, Norberto, MATEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Brasília, Ed. UnB, 7a edição, 1995. Tradução do original italiano de 1983. Verbete “Governabilidade”. Sistemas de Governo.indd 18 04/03/2005 16:35:44 19 pobreza no Brasil 10 outro conceito paralelo ao de Governabilidade, o de “Governança”, disseminado pelo Banco Mundial. Diz ele nesse artigo: “A discussão contemporânea sobre o Estado tem se centrado na questão dos requisitos societais, organizacionais e políticos que permitem que o Estado seja eficiente. Mais do que isso, essa discussão tem privilegiado também a capacidade governativa em sentido amplo, e que se refere não só ao Estado, mas também aos requisitos do bom governo. Mais que um debate acadêmico, essa agenda de discussão constitui um elemento central nas formulações estratégicas de agências multilaterais. Governance, na formulação do Banco Mundial11, “is defined as the manner in which power is exercised in the management of a country’s economic and social development”. [Em vernáculo: Governança, na formulação do Banco Mundial, é definida como a maneira pela qual o poder é exercido na administração do desenvolvimento econômico e social de um país]. O conceito, acrescenta o autor, se distingue do de governabilidade, que descreve as condições sistêmicas do exercício do poder em um sistema político. Enquanto a governabilidade se refere às condições do exercício da autoridade política, governance qualifica o modo de uso dessa autoridade”. [Os itálicos são do original] Em outro artigo no mesmo livro, (“Governabilidade e solidariedade”) a professora Elisa P. Reis, do IUPERJ, começa afirmando que “Governabilidade, governança, sociedade civil são palavras recorrentes no léxico das ciências sociais, dos organismos internacionais e na mídia”. E depois de adiantar que não vai se deter discutindo o sentido de cada um desses conceitos, assinala: “Tomemos o termo governabilidade, por exemplo: de termo visto como ‘direitista’, ou pelo menos pragmático-realista em autores como por exemplo, Crozier, Huttington e Watanuki, ele se transformou em escudo ético moral para a direita e esquerda (termos antigos mas ainda expressivos). Vejamos o termo de popularização mais recente, governança: inicialmente ele 10 VALLADARES, Lúcia e COELHO, Magda Prates (Org.) Governabilidade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1995. O livro é resultado do seminário “Governabilidade e Pobreza” realizado no Rio de Janeiro de 29/6 a 1/7/1994, no Rio de Janeiro. 11 World Bank (Banco Mundial) Governance and Development, 1992 (Governança e Desenvolvimento). Sistemas de Governo.indd 19 04/03/2005 16:35:44 20 foi usado por autores identificados com o novo institucionalismo na Ciência Política, particularmente na Inglaterra e nos Estados Unidos. (...) Pouco a pouco, porém, a palavra, conceito ou jargão foi perdendo sua identificaçãorestrita. Autores que analisaram reformas administrativas de perspectivas muito distintas desse grupo tornaram muito elástico o sentido de governança (...) Mais surpreendente, porém, foi ver o termo transformado quase no seu contrário: o uso que o Banco Mundial faz hoje do termo é totalmente diferente, já que a ênfase se deslocou dos aspectos técnico-administrativos para a viabilidade política de reformas administrativas, fiscais e propriamente políticas. (Governança virou quase sinônimo de democracia). Governança é entendido como a capacidade governamental para superar resistências políticas e levar à frente reformas consideradas indispensáveis, reformas consideradas justas e meritórias, universalistas; capacidade de exercício efetivo da autoridade”. De acordo com o prof. Marcus André de Melo, portanto: Governabilidade se refere às condições do exercício da autoridade política; e Governança ao modo como se usa essa autoridade. Trata-se, como se vê, de dois aspectos de um mesmo conceito. Sistemas de Governo.indd 20 04/03/2005 16:35:44 21 IV – SISTEMAS POLÍTICOS E SISTEMAS DE GOVERNO Governabilidade e Governança são, portanto, atributos típicos dos Governos a que também se liga a configuração dos sistemas políticos, com todos os seus componentes, ou seja, os sistemas eleitorais, partidários e de governo. Como vimos no fascículo II, conhecemos dois sistemas eleitorais, o majoritário e o proporcional que, por sua vez, admitem diferentes modalidades. Alguns países, como é o caso do Brasil usam um ou outro, segundo o fim a que se destinam. Quando se trata de escolher os titulares do poder Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos), assim como os representantes dos Estados no Senado, utilizamos o sistema majoritário, em duas modalidades. No caso dos Presidentes e Governadores, o sistema majoritário na modalidade maioria absoluta, regra que também se aplica à eleição dos prefeitos das cidades com mais de 200 mil habitantes. Nos demais casos, usamos o mesmo sistema majoritário na modalidade maioria simples, método também utilizado para a escolha dos Senadores. Já para a eleição dos Deputados, federais, estaduais e distritais e dos Vereadores, aplicamos o sistema proporcional, na modalidade de quocientes eleitorais. Outros países, como a Inglaterra, empregam o sistema majoritário, na modalidade de maioria relativa para a escolha dos representantes à Câmara dos Comuns, enquanto a França, para a eleição dos Deputados membros da Assembléia Nacional, se vale do sistema majoritário, na modalidade de maioria absoluta no 1o turno e de maioria relativa no 2o. São poucas, como se vê, as alternativas para combinar dois sistemas eleitorais, com suas várias modalidades. Vimos também no fascículo III, que os sistemas partidários eram inicialmente classificados segundo o número de partidos, método que terminou sendo substituído, depois de sucessivas críticas, primeiro pelo grau de concentração deles, e mais tarde pelo de fraccionalização, Sistemas de Governo.indd 21 04/03/2005 16:35:44 22 segundo sua capacidade de coalizão, quando se trata de formar gover- no. Também verificamos, em relação aos Estados. que eles admitem duas formas de organização. Podem ser unitários, como a França, a Itália e a Grã-Bretanha, com diferentes graus de concentração do po- der, ou federados, isto é, organizados sob a forma federativa, com um governo central titular da soberania do Estado e governos regionais e locais, dotados de autonomia política, Brasil e Estados Unidos. Parale- lamente, também conhecemos dois sistemas de governo: monárquicos, caracterizados pela separação entre a chefia do Estado e do Governo exercida por diferentes titulares e republicanos em que um só titular é, ao mesmo tempo, chefe de Estado e chefe de Governo. No primei- ro caso, a escolha dos chefes de Estado, usualmente um monarca, se dá por sucessão hereditária, no segundo, por eleição, direta, como na França ou em Portugal, ou indireta, como na Itália e Alemanha. As formas de organização dos governos, por sua vez, admitem duas mo- dalidades: parlamentarista ou presidencialista. Essas divisões são dico- tômicas, isto é, se opõem entre si e portanto se excluem mutuamente. Assim, o sistema de governo monárquico é incompatível com o sistema republicano, da mesma maneira que a forma de organização parlamen- tarista é incompatível com a modalidade presidencialista e um Estado unitário não pode ser federalista. Entretanto, é preciso ressaltar que um sistema de governo republicano admite tanto a modalidade de or- ganização presidencialista, quanto parlamentarista. O mesmo, contudo não se dá com os regimes monárquicos que não admitem a forma de governo presidencialista, sendo compatível, apenas com a modalidade parlamentarista de governo. Todas essas variações são produtos da evolução histórica dos Estados e dos Governos que foram adotando uma ou outra forma de organização, em razão dos condicionamentos políticos que suas histórias lhes impuseram. Resumindo essas diferentes modalidades e formas de organização dos Estados, dos Governos e dos respectivos sistemas e regimes, lidamos hoje no mundo com as seguintes principais modalidades organizacionais dos diferentes países: Sistemas de Governo.indd 22 04/03/2005 16:35:45 23 GOVERNO FORMA SISTEMA FORMA DE ESTADO REGIME POLÍTICO Parlamentarista Monárquico Unitário Democrático Presidencialista Republicano Federado Autocrático A combinação dessas diferentes formas e modalidades de Estado, de Governo e de regime político tem a ver com a governabilidade. Mas não são os únicos nem exclusivos condicionamentos. Se considerarmos apenas a forma e o sistema de governo, as formas de estado e os respectivos regimes políticos, não há grande variedade na maneira de se organizar cada nação. Na medida em que consideramos outras modalidades que influem na configuração política dos países, o número de variáveis aumenta de forma exponencial. Combinando-se os elementos acima, podemos ter as seguintes modalidades de configuração das formas de Estado, de governo e de regime político. GOVERNO FORMA SISTEMA FORMA DE ESTADO REGIME POLÍTICO Parlamentarista Monárquico Unitário Democrático Parlamentarista Monárquico Unitário Autocrático Parlamentarista Monárquico Federativo Democrático Parlamentarista Monárquico Federativo Autocrático Parlamentarista Republicano Federativo Democrático Parlamentarista Republicano Federativo Autocrático Parlamentarista Republicano Unitário Autocrático Parlamentarista Republicano Unitário Democrático Presidencialista Republicano Federativo Democrático Presidencialista Republicano Federativo Autocrático Presidencialista Republicano Unitário Autocrático Presidencialista Republicano Unitário Democrático Sistemas de Governo.indd 23 04/03/2005 16:35:45 24 Entretanto, formas e sistemas de Governo, formas de Estado e regimes políticos, não são os únicos elementos institucionais que configuram um sistema político. Ao analisar os trabalhos sobre o tema “Instituições políticas”, apresentados ao IX Congresso da IPSA (Associação Internacional de Ciência Política), realizado em Berlim em 1994, o professor Bo Rothstein da Universidade de Göteborg, no artigo Political Institutions: an Overview (Instituições políticas: um sumário), publicado em A New Handbook of Political Science12 (Um novo manual de Ciência Política), valeu-se da tabela abaixo reproduzida, de autoria de Schmitter e Karl13 , e relacionou 10 aspectos básicos dos sistemas políticos contemporâneos: Variações institucionais entre as democracias capitalistas do mundo ocidental Sistema Partidário Bi-partidário X Multipartidário Sistema Eleitoral Proporcional X Majoritário Sistema Legislativo Unicameral X Bicameral Forma de Estado Unitário X Federativo Forma de Governo ParlamentaristaX Presidencialista Sistema Judicial Revisão judicial X Previsão judicial Governos locais Fraca autonomia X Forte autonomia Serviço público Apadrinhamento X Sistema de mérito Forças Armadas Profissionalizadas X Serviço militar obrigatório Relações do Estado com a economia Liberal X Corporativista Com base nela, mostrou que esses dez elementos podem ser correlacionados, o que dá a combinação de duas alternativas para cada um dos dez elementos. Isto significa 210 o que produz como resultado 1.024 combinações diferentes! 12 GOODIN E. e KLINGEMANN, Hans-Dieter. New York, Oxford University Press, 1996, cap. 4, p. 133 e segs. 13 SCHMITTER, P. C. e KARL, T. What Democracy is... and is not. “In” “Journal of Democracy”, 1991, v. 2, p. 72-136. (O que é Democracia ... e o que não é) Sistemas de Governo.indd 24 04/03/2005 16:35:45 25 Levar em consideração apenas a forma e os sistemas de governo e a forma de Estado e os regimes políticos, não permite mais que 12 modalidades de organização política, enquanto ter em conta as dez variáveis da tabela de Philip Schmitter e T. Karl aumenta para 1.024 as diferentes opções na configuração dos sistemas políticos. A discrepância entre as duas hipóteses mostra como a governabilidade e a governança podem variar para mais ou para menos, quando se aumenta ou se diminui a variedade dos elementos considerados pela análise política. O texto de prof. Rothstein procura explicar porque diferenças institucionais como essas ocorrem e que diferença elas fazem. Com base nessa realidade, os cientistas políticos, diz ele, devem fazer três indagações específicas, sendo uma de natureza normativa: a) Que instituições são mais adequadas para se criar “bons” governos e melhores relações sociais? As outras são de natureza empírica. b) O que explica essa enorme possibilidades de arranjos insti- tucionais? c) Que diferença, esses distintos arranjos provocam no com- portamento político, no exercício do poder político e nas deci- sões por ele tomadas? Quando nos cingimos a analisar apenas as conseqüências dos sistemas eleitorais nos sistemas partidários, e desses nas duas diferentes formas de governo conhecidas, parlamentarismo e presidencialismo, as conclusões parecem razoavelmente óbvias. Vejamos sumariamente quais são. No fascículo II, examinamos os resultados empíricos das duas leis tendenciais de Maurice Duverger, que podem ser resumidas numa só. Vamos recordá-la: “O sistema eleitoral proporcional facilita a proliferação partidária; o majoritário a inibe.” enunciado que também pode ter a seguinte variante: “O sistema majoritário favorece a concentração partidária, enquanto o proporcional propicia sua proliferação.” Examinamos também a constatação empírica dessa conclusão, cotejando um mesmo número de eleições na Inglaterra, que adota o sistema eleitoral majoritário e no Brasil que utiliza o sistema proporcional. Os resultados foram os reproduzidos abaixo: Sistemas de Governo.indd 25 04/03/2005 16:35:45 26 Resultados do Sistema Eleitoral e Partidário na Inglaterra e no Brasil Inglaterra Brasil Eleições N° de Partidos no Parlamento Índice de fraccionalização Eleições N° de Partidos no Parlamento Índice de fraccionalização 974 (Fev) 3 0,554 1945 10 0,639 1974 (Out) 3 0,556 1954 13 0,782 1979 3 0,542 1962 13 0,780 1983 3 0,506 1986 12 0,647 1987 3 0,532 1990 19 0,885 1992 3 0,551 1998 18 0,860 A Inglaterra é uma monarquia parlamentarista e o Brasil uma república presidencialista. O que isto significa? Em relação à Inglater- ra, que são muitas as diferenças com o Brasil. Em primeiro lugar, que não há eleições para a escolha do chefe de Estado, o rei ou a rainha da casa reinante. Em segundo lugar, que o rei ou a rainha reinam mas não governam. Em terceiro, quem governa é o Gabinete, ou seja o Conse- lho de ministros, através do respectivo chefe, o Primeiro ministro, que é o titular do Poder Executivo. Quarto que os eleitores ingleses escolhem os seus representantes na Câmara dos Comuns, mas não o Primeiro ministro. Quinto que ao votarem nos candidatos de sua preferência, sabem de antemão que o Primeiro-ministro será, obrigatoriamente, o líder do partido que eleger o maior número de deputados. Sexto, que essa opção, contudo, só será conhecida após as eleições. Sétimo, que a função de chefe de Estado é vitalícia e a de chefe do Governo temporária. Oitavo: que, embora os deputados sejam eleitos para uma legislatura de quatro anos, a Câmara pode ser dissolvida, antes de findo esse período, segundo as conveniências do Gabinete. Nono: o Primeiro ministro poderá ser reeleito, durante tantas legislaturas, quantas o seu partido for o maior da Câmara. Décimo: o Primeiro-ministro poderá Sistemas de Governo.indd 26 04/03/2005 16:35:45 27 ser destituído, sempre que assim o decidir seu partido, sem necessidade de que a Câmara seja dissolvida. A principal conseqüência de tudo o que distingue o sistema político inglês da República presidencialista que é o Brasil, é que o Poder Executivo inglês depende do maior partido do Parlamento. Se esse partido for majoritário, isto é, dispuser da maioria das cadeiras, poderá governar sozinho. Sendo o maior partido, mas não dispondo da maioria, poderá optar por uma de duas alternativas: coligar-se com outro, com o qual consiga a maioria dos votos, ou instituir um governo minoritário. Qualquer das duas últimas opções torna o Executivo mais frágil politicamente e dependente, ou do partido minoritário com o qual se coligou para conseguir a maioria, ou do segundo maior partido que poderá coligar-se com o terceiro, também minoritário, para formar maioria e derrubar o que estiver no poder sem dispor de maioria. É por isso que, na linguagem corrente da política inglesa, o seu sistema de governo chama-se de “Cabinet Government” (Governo de Gabinete), título de um dos livros da trilogia sobre o sistema político inglês de autoria de Sir Ivor Jenings14 , um dos maiores constitucionalistas daquele país. Como vimos no quadro acima, o sistema eleitoral majoritário inglês favorece a concentração partidária, o que se demonstra por seis eleições sucessivas em que apenas 3 partidos conseguiram representação partidária na Câmara dos Comuns, tornando o sistema reconhecidamente estável. Nos 30 anos que vão de 1974 a 2004, a Inglaterra teve apenas cinco Primeiros-ministros, como mostra o seguinte quadro: 14 JENNINGS, W. Ivor. Governo de Gabinete. Brasília, Senado Federal/Ed. UnB, 1979, V. 19 da Coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos. Tradução do original inglês. As duas outras obras que completam a trilogia desse autor sobre o sistema político inglês são: Parliament (Parlamento) e Party Politics (A política partidária), ambos ainda não traduzidos em português. Sistemas de Governo.indd 27 04/03/2005 16:35:45 28 Governos e Gabinetes Ingleses 1974/2004 Período Partido 1o Ministro Duração 1974/1976 Trabalhista Harold Wilson 2 anos 1976/1979 Trabalhista James Callaghan 3 anos 1979/1990 Conservador Margareth Tatcher 11 anos 1990/1997 Conservador John Major 7 anos 1997- Trabalhista Tony Blair 7 anos Trabalhistas X Conservadores 74/79 e 97/2004 Trabalhista Wilson/Callaghan/Blair 12 anos 1979/1997 Conservador Tatcher/Major 18 anos Como República presidencialista, o sistema político brasileiro tem acentuadas diferenças em relação à Inglaterra. Em primeiro lugar, um só titular exerce, simultaneamente, a chefia do Estado e a chefia do Governo. Em segundo lugar, o chefe de Estado e de Governo, é escolhido por eleições diretas pela totalidade do eleitorado. Terceiro, como chefe de Estado, e de Governo, é o Presidente quem governa. Quarto: como chefe de Governo, o presidente nomeia e demite livremente seus ministros, sem interferência dos demais Poderes do Estado. Quinto, como Chefe de Estado o Presidente dirige a política externae exerce o comando das forças armadas definindo a política de segurança nacional. Sexto: o Presidente depende da maioria do Congresso para aprovar as leis de que necessite, mas não precisa ter maioria para governar. Sétimo: o mandato do presidente é fixo, e tem variado, ao longo do tempo, entre 4, 5 e 6 anos; atualmente é de quatro anos. Oitavo: só em situações excepcionais o Congresso pode remover de seu cargo o Presidente, através do “impeachment”. Nono, desde junho de 1997, quando foi aprovada a Emenda constitucional nº 16, os presidentes podem ser reeleitos apenas uma vez. Décimo: o Presidente não pode dissolver o Congresso. Sistemas de Governo.indd 28 04/03/2005 16:35:45 29 Examinando-se o quadro político brasileiro dos mesmos trinta anos, de 1974 a 2004, temos o resultado de sete presidentes, seis governos, com três regimes políticos distintos (regime militar: 1964- 1978; transição política: 1978-1988 e regime democrático a partir de 1988) e quatro sistemas constitucionais diversos (Atos institucionais: 1964/69; Emenda Constitucional 1-1969/78; Mesmo regime sem atos institucionais 1978/85; Emenda constitucional 1/69 com emendas liberalizantes: 1985/88 e Constituição de 1988): Governos e Presidentes Brasileiros 1974/2004 Período Partido Presidente Duração 1974/1979 Gov.Militar –Arena Ernesto Geisel 5 anos 1979/1985 Gov.Militar – PDS João Figueiredo 6 anos 1985/1990 PDS/PMDB José Sarney 5 anos 1990/1992 PRN Fernando Collor 2 anos e 9 meses 1992/1994 S/Partido Itamar Franco 2 anos e 3 meses 1995/2002 PSDB Fernando H.Cardoso 8 anos 2003/2006 PT L.Inácio Lula Silva 4 anos O contraste entre os regimes políticos de ambos os países não quer dizer que todo parlamentarismo seja estável como o inglês e nem todo presidencialismo conflitivo e instável como o brasileiro. Mas os dados dessa comparação permitem concluir que há uma correlação inevitável entre sistema eleitoral e sistema partidário que confirma a lei de Duverger. O sistema eleitoral majoritário da Inglaterra produziu em 30 anos um sistema partidário de baixa fragmentação, com três partidos parlamentares ao longo de todo o período considerado, (com índice de fraccionalização mínimo de 506 e máximo de 556), enquanto o sistema proporcional brasileiro mostrou alta fragmentação, variando o número de partidos parlamentares no período considerado de 10 a 19, (com índice de fraccionalização mínimo de 639 e máximo de 885). Sistemas de Governo.indd 29 04/03/2005 16:35:46 30 Sistemas de Governo.indd 30 04/03/2005 16:35:46 31 V – OS PARLAMENTARISMOS Usamos os exemplos da Inglaterra e do Brasil, com o óbvio desejo de contrastar formas de governo inteiramente distintas: um velho parlamentarismo de pelo menos três séculos, o mais antigo do mundo, e um jovem presidencialismo de pouco mais de um século. Isto não quer dizer que não seja possível o estabelecimento de sistemas impropriamente chamados de “mistos” que, na realidade, misturam algumas poucas práticas de ambas as modalidades. A dificuldade está em que eles podem ser chamados indistintamente de semipresidencialistas ou semiparlamentaristas. Como são poucos em todo o mundo, não vale a pena deter-nos em analisá-los, lembrando que os casos conhecidos são os da França, Portugal, Áustria, Irlanda e Finlândia. São todos pretensamente mistos, com um chefe de Estado, Presidente da República, e um chefe de governo, o Primeiro-ministro. A diferença dos demais parlamentarismos é que os chefes de Estado são escolhidos pelo voto direto de todo o eleitorado, como nos regimes presidencialistas, enquanto nos parlamentarismos originários os chefes de Estado ou são os monarcas, ou são presidentes, eleitos de forma indireta pelos respectivos parlamentos. Nisto consiste a diferença. O primeiro país a adotar essa alternativa foi a França, onde o mandato dos presidentes é de sete anos e o dos parlamentares de quatro. Isto levou o prof. Maurice Duverger a prever, antes mesmo de sua aplicação na prática, o que ele chamou de “co-habitação”, isto é, que o presidente, mais cedo ou mais tarde, seria obrigado a conviver com um Primeiro ministro de partido diferente do seu. Isto, efetivamente, ocorreu com o Presidente socialista François Miterrand, quando seu partido perdeu as eleições parlamentares e ele teve que aceitar um Primeiro-ministro conservador. A situação inédita exigiu um arranjo político não contemplado pela Constituição do país, a divisão de poderes entre o Chefe de Estado e o Sistemas de Governo.indd 31 04/03/2005 16:35:46 32 Chefe de Governo. O Presidente passou a dirigir a política externa e a de defesa e o Primeiro-ministro as questões de todas as demais áreas de governo. Com isso, a França tornou-se o único país da União Européia a ser representado por dois mandatários, quando das reuniões da sua Comissão Executiva. Na Áustria, também não foi boa a experiência, pois o primeiro presidente eleito pelo voto popular foi o ex-Secretário Geral da ONU, Kurt Waldheim. Terminada as eleições, descobriu-se que ele tinha servido como oficial ao Exército alemão durante o nazismo, o que provocou seu isolamento internacional, pois virtualmente todos os países democráticos se recusaram a receber em visita oficial um chefe de Estado de passado nazista. Como o Presidente da República nos sistemas presidencialistas tem funções apenas de Estado, não há razão para elegê-lo pelo voto direto. A iniciativa partiu do general De Gaulle que desejava contrastar a legitimidade dos presidentes eleitos pelo povo, com a dos Primeiros-ministros, escolhidos de forma indireta pelo Parlamento. Nos sistemas parlamentaristas tradicionais, o modelo clássico é o inglês, que se distingue dos demais por uma particularidade, a de que a formação do Gabinete não depende de uma investidura formal, já que não exige maioria de votos. O Primeiro-ministro é sempre, como já assinalamos, o líder do maior partido, mesmo que não tenha a maioria de cadeiras da Câmara dos Comuns. Isto seria impensável na quase totalidade dos demais parlamentarismos europeus, e decorre da regra não escrita referida acima, de que o líder do maior partido nos Comuns será automaticamente investido no cargo de Primeiro-ministro, ao ganhar as eleições. Mas, como também já frisamos, este caso é uma exceção. Em todos os demais, é o partido que possui a maioria do Parlamento, isoladamente, ou em coalizão com outros, que elege o Primeiro-ministro. A mecânica é a mesma, com pequenas adaptações como no caso alemão a que adiante faremos referência. O Gabinete, titular do Poder Executivo, é uma delegação da maioria parlamentar e não do Parlamento, como se costuma afirmar. Governará durante toda a duração da legislatura, usualmente de quatro anos, enquanto merecer a confiança dessa maioria. Em grande parte dos países europeus, são governos “bicolores”, isto é, constituídos por dois partidos que se Sistemas de Governo.indd 32 04/03/2005 16:35:46 33 coligam para governar. Essa maioria se mantém no poder, enquanto mantiver a preferência do eleitorado. Há duas hipóteses para a cessação do Governo. Uma é a aprovação, por maiorias ocasionais, da moção denominada “voto de desconfiança”. Aprovada, o governo tem duas opções: a primeira é renunciar e convocar novas eleições, para que o eleitorado manifeste sua preferência, concedendo maioria ao mesmo grupo que estava no poder, ou retirando-lhe a condição majoritária, hipótese em que a nova maioria elegerá outro Gabinete. A segunda opção, é propor ao Chefe de Estado a dissolução da Câmara, provocando o fim da Legislatura e a investidura de uma nova representação que decidirá sobre o novo Governo. A outra hipótese é o Gabinete, tendo dúvidas quanto a fidelidade da maioria que o sustenta, pedir à Câmara um “voto de confiança”. Se aprovado, continuará no poder. Se rejeitado, procede segundo as mesmas alternativas no caso da aprovação de um voto de desconfiança: ou renuncia, ou dissolve a Câmara, paraque os eleitores ajam como árbitros da situação política assim criada. Sempre que um voto de desconfiança for aprovado ou um voto de confiança rejeitado, e a Câmara for dissolvida, o Gabinete que estiver no poder, nele permanece, para evitar a vacância do poder, até o resultado das eleições. Renovada a confiança pelo eleitorado, o Gabinete permanece, com a mesma constituição, ou com novos membros da mesma maioria. Retirada a confiança, sobe ao poder o Gabinete escolhido pela nova maioria saída das eleições. Pode ocorrer que um Gabinete constituído por muitos partidos perca a maioria pela retirada de um deles e se proponha a constituir nova maioria com os partidos antes na oposição, e que essa indefinição perdure por algum tempo. Para evitar essa situação, a lei fundamental de Bonn, que é a Constituição da antiga Alemanha Ocidental, previu, como alternativa à moção de desconfiança, o chamado “voto de desconfiança positivo” ou afirmativo. Isto significa que qualquer moção de desconfiança só pode ser apresentada com a indicação simultânea do Gabinete que substituirá o que estiver no poder, na hipótese da moção ser aprovada. Com isto se procurou evitar as incertezas decorrentes do período que vai da dissolução às eleições e à constituição do novo governo. Na Inglaterra, há outra hipótese de mudança do Primeiro-ministro, Sistemas de Governo.indd 33 04/03/2005 16:35:46 34 sem dissolução da Câmara, e no curso de uma mesma legislatura. É quando o partido majoritário troca por decisão interna o seu líder. Isto ocorreu com Margareth Tatcher destituída da liderança do Partido Conservador, em 1990, sendo substituída por John Major seu ministro e pertencente ao mesmo partido. O sistema parlamentar de governo, como vimos, existe tanto nos regimes monárquicos, quanto nos republicanos. No primeiro caso, o chefe da Casa reinante ocupa a Chefia do Estado, não estando sujeito, portanto, à eleição. Sua substituição se dá, assim, pelas regras da sucessão dinástica, em geral previstas na Constituição. Nas repúblicas, com as exceções dos cinco países já referidos, ele é eleito de forma indireta. Nos regimes unicamerais, como Portugal, pela Assembléia Nacional. Nos regimes bicamerais, pelas duas Casas do Parlamento, como ocorre na Itália, usualmente para mandatos mais longos do que a duração das Legislaturas que costuma ser de quatro anos. Como o regime parlamentar mais antigo do mundo é o da Grã-Bretanha, de lá provêem as principais praxes do sistema. A origem do termo Primeiro- ministro e a questão de quando começou a ser utilizado, tem sido objeto de largas discussões acadêmicas. A expressão, porém, foi usada desde o reinado da rainha Ana, entre 1702 e 1714 e se tornou corrente durante o reinado de George II, de 1727 a 1760, quando foi atribuída depreciativamente a Robert Walpole, que ocupou o cargo entre 1721 e 1742. A despeito de longo uso, a denominação só se tornou oficial em 1905, como título atribuído ao líder do Governo, isto é, o presidente do Conselho de Ministros. Os mais importantes parlamentarismos da Europa ocidental, com exceção da Itália, têm tido gabinetes de longa duração. Em geral, são sistemas pluripartidários contidos, isto é, de poucos partidos. A Alemanha ocidental, unificada em 1990, teve, de 1949 até hoje, apenas sete Primeiros-ministros que lá têm a designação de Chanceler. A Espanha, depois da redemocratização, iniciada em 1976, somente cinco que lá se denominam Presidente del Gobierno e a Inglaterra 12, entre 1945 e os dias atuais. Na Itália, onde predomina um pluripartidarismo extremado, nada menos de 50 gabinetes diferentes se sucederam no poder durante os 48 anos seguintes à Constituição de 1946. Além Sistemas de Governo.indd 34 04/03/2005 16:35:46 35 disso, nos parlamentarismos do tipo inglês, os titulares costumam durar muito tempo no poder. Na Inglaterra, como vimos, Margareth Tatcher permaneceu 11 anos como Primeira-ministra, e seu sucessor, John Major, os sete seguintes, somando 18 anos de domínio conservador. Na Alemanha, o chanceler Helmuth Schmidt governou o país por oito anos e seu sucessor, Helmuth Kohl, o recordista europeu, por mais 16 anos, enquanto o espanhol Felipe González permaneceu no poder por 13 anos. São dados que mostram que os regimes parlamentaristas, ao contrário do que se supõe, costumam ser estáveis, sobretudo em face do julgamento dos eleitores. Os casos acima decorrem sobretudo dos respectivos sistemas eleitorais, ao permitirem que um, dois ou no máximo três partidos conquistem a maioria das respectivas Câmaras. O Parlamentarismo, bastante disseminado no mundo contemporâneo, é a mais antiga forma de governo conhecida. Sistemas de Governo.indd 35 04/03/2005 16:35:46 36 Sistemas de Governo.indd 36 04/03/2005 16:35:46 37 VI – O PRESIDENCIALISMO Na Europa, predominam os regimes monárquicos, todos parlamentaristas, forma de governo adotada também pelas repúblicas daquele continente. A razão da quase totalidade serem parlamentaristas é que se trata de nações antigas que se tornaram estados nacionais sob a forma monárquica, em torno do séc. XVI. São exceções os que se unificaram ou se emanciparam mais cedo, como Inglaterra, França, Portugal e Espanha, enquanto Itália, Alemanha e Bélgica, por exemplo, só se unificaram durante o séc. XIX. Quase todos eram monarquias absolutas que passaram pela revolução burguesa do fim do séc. XVIII, ou foram por ela influenciadas. Foi o movimento constitucionalista, produto do Iluminismo que, pondo fim ao absolutismo monárquico, e adotando o princípio da separação dos poderes, impôs aos reis as funções meramente cerimoniais a que hoje se reduzem suas atribuições. Monarquia é uma palavra de origem grega que significa poder de um só. O termo república, ao contrário, é de origem latina e se disseminou no Império Romano, significando “coisa pública”. Era corrente já em 62 d.C., ano da publicação por Cícero de sua obra De Republica (Sobre a República). Embora haja inclusive uma História da República Romana, de autoria de Oliveira Martins15 e muitos dos compêndios de História se refiram a uma república em Roma, não houve na antigüidade clássica período ou regime que possam ser classificados de republicanos. Durante o Renascimento, há freqüentes alusões à Sereníssima República de Veneza e a outras repúblicas italianas, termo na realidade aplicado por oposição aos demais estados independentes, então existentes na península Itálica, governados por 15MARTINS, J.P. Oliveira. História da República Romana. Lisboa, Liv. De Antônio Maria Pereira, Editor, 2 vol. [s.d.] Sistemas de Governo.indd 37 04/03/2005 16:35:46 38 titulares escolhidos hereditariamente. A primeira forma republicana de governo, tal como a conhecemos hoje, concebida como regime oposto às monarquias então existentes, foi construída a partir da união das 12 das 1316 colônias inglesas na América, que subscreveram a “Declaração de Independência” no dia 4 de julho de 1776 e assinaram os “Artigos da Confederação” em 1781, documento que serviu de Constituição provisória às colônias unidas, até a aprovação da definitiva em 1789. A república norte-americana, no entanto, nasceu definitivamente a partir do texto constitucional elaborado e aprovado pelos delegados das 13 ex-colônias, reunidos na Filadélfia entre 14 de maio e 17 de setembro de 1787. Essa Constituição foi subscrita por apenas 39 dos 55 delegados que compunham a Convenção Constitucional, 42 dos quais presentes à sessão em que o texto foi aprovado. Para que entrasse em vigor contudo, tinha que ser retificada por pelo menos 9 dos 13 Estados, o que ocorreu nas seguintes datas e com os seguintes resultados17 : Aprovação da Constituição de 1787 pelas Assembléias das Antigas Colônias Estado Data da Ratificação Sim Não Delaware 07 de dezembro de 1787 Unânime == Pensilvânia 12 de dezembro de 1787 46 23 Nova Jersey 18 de dezembro de 1787 Unânime == Geórgia 02 de janeiro de 1788Unânime == Connecticut 09 de janeiro de 1788 128 40 Massachussetts 05 de fevereiro de 1788 187 168 Maryland 26 de abril de 1788 63 11 Carolina do Sul 23 de maio de 1788 149 73 New Hampshire 21 de junho de 1788 57 47 Virgínia 25 de junho de 1788 89 79 16 New York foi a única das 13 colônias que se absteve na votação desse documento, no Congresso Continental realizada no dia 2 de julho, embora o dia da Independência seja comemorado em 4 do mesmo mês. 17 PADOVER, Saul K. A Constituição viva dos Estados Unidos. São Paulo, IBRASA, 1964. Coleção Clássicos da Democracia, v. 28, p. 28 Sistemas de Governo.indd 38 04/03/2005 16:35:47 39 Nova York 26 de julho de 1788 30 27 Carolina do Norte 21 de novembro de 1789 195 77 Rhode Island 29 de maio de 1790 34 32 Nesses mais de dois séculos, ela se tornou a mais antiga Constituição escrita do mundo, ainda em vigor. Trata-se de um documento sintético que, por sua objetividade e brevidade, tornou-se paradigma dos sistemas republicanos. Embora sua elaboração durasse apenas quatro meses, concretizá-la exigiu um longo e penoso caminho que teve início com o chamado Congresso Continental de setembro de 1774, reunido na Filadélfia. Essa reunião foi a resposta dos colonos à lei dos Atos intoleráveis, votada pelo Parlamento inglês, incluindo o fechamento do porto Boston, em represália à queima dos navios protagonizada pelos habitantes locais, como reação à cobrança de impostos sobre o chá importado da Inglaterra. Os ideais da Declaração da Independência de 4 de julho de 1776 e dos “Artigos da Confederação” que votados em março de 1781, serviram como Constituição provisória do país, só se materializaram com a ratificação do texto aprovado pela convenção constitucional de 1789 quando, em 21 de junho de 1788, a Assembléia de New Hampshire se tornou o 9o Estado a ratificar o texto constitucional. A tarefa de construção do Estado, porém, só se completou em 4 de março de 1789, data em que o novo Governo federal instalou-se provisoriamente em Nova York, e em 1o de abril, ao ser organizada a 1a Câmara dos Deputados, passo essencial para que, cinco dias depois George Washington fosse eleito o 1o presidente da nova República. Passaram-se 15 anos desde a realização do 1o Congresso Continental em 1774, 13 desde a Declaração de Independência, em 1776 e 8 desde a aprovação dos Artigos da Confederação em 1781. A Constituição americana não instituiu apenas um novo sistema de governo, a República, por oposição à monarquia, mas também uma nova forma de governo, o presidencialismo, por oposição ao parlamentarismo e uma nova forma de Estado, a federação, por oposição aos Estados unitários, até então existentes. Se, como diz o prof. Adam Przeworski, a última grande invenção da política foi o voto, a república, o presidencialismo e a federação foram as três últimas invenções da Sistemas de Governo.indd 39 04/03/2005 16:35:47 40 filosofia política. O primeiro presidente da nova república foi George Washington, que tinha presidido a convenção constitucional. Ele serviu em dois mandatos, de 1789 a 1797, já que concordou em ser reeleito mas, ao recusar uma nova reeleição, estabeleceu o precedente de que os presidentes podem cumprir dois e não mais de dois mandatos sucessivos, com a duração de quatro anos, enquanto na Câmara dos Deputados (“House of Representatives”) os mandatos são de dois anos e no Senado (“Senate”), de seis, sem limites quanto à reeleição. O precedente da limitação dos dois mandatos sucessivos na Presidência foi quebrado por Franklin Delano Roosevelt, que governou de 1933 a 1945, morrendo no exercício de seu 4o mandato. A norma, porém, foi restabelecida pela Emenda Constitucional XXII, de 1951. A Constituição americana aprovada em 17 de setembro de 1787, não é só a mais antiga em vigor, mas seguramente a mais sintética entre as escritas. Entretanto, é preciso examinar o seu conteúdo, mais do que sua forma, para não chegarmos a conclusões falsas. Formalmente, seu texto original é dividido em sete artigos que, por sua vez, se subdividem em 21 Seções. Só que a divisão dos artigos não obedece ao padrão brasileiro, com artigos, parágrafos, incisos e alíneas. Um artigo pode ter várias seções e uma seção pode ocupar uma página inteira. Seu conteúdo é, sumariamente, o seguinte: O artigo I é o mais longo e contém 10 seções que tratam respectivamente: A Seção I, do Poder Legislativo, de que é investido o Congresso. A Seção II, da Câmara dos Deputados. A Seção III, do Senado, presidido pelo Vice-Presidente A Seção IV, da eleição dos deputados e senadores A Seção V, da organização interna de cada uma das Casas do Congresso A Seção VI, dos subsídios parlamentares, sua imunidade e incompatibilidades A Seção VII, do processo legislativo A Seção VIII, da competência do Congresso A Seção IX, das proibições e garantias legais A Seção X, do que é vedado aos Estados Sistemas de Governo.indd 40 04/03/2005 16:35:47 41 O artigo II refere-se ao Poder Executivo e tem 4 seções que dispõem: A Seção I, do Presidente e do Vice-Presidente e das respectivas elei- ções A Seção II, atribui o comando em chefe das Forças Armadas ao Presi- dente e lhe concede o poder de indulto e perdão, exceto nos crimes de responsabilidade A Seção III, sobre o poder de nomear os funcionários do Executivo e A Seção IV, sobre o processo de impeachment. O artigo III cuida do Poder Judiciário, sendo dividido em 3 seções, referentes: A Seção I, à composição da Corte Suprema e a nomeação de seus membros A Seção II, à competência do Judiciário e o julgamento pelo júri A Seção III, ao crime de traição O artigo IV diz respeito aos Estados e à Federação e consta de 4 seções sobre: A Seção I, fé pública dos atos e registros públicos dos Estados, pelos demais A Seção II, prerrogativas e direitos dos cidadãos de um Estado, em relação aos demais A Seção III, incorporação de novos Estados à Federação A Seção IV, garantia da União à forma republicana de governo e in- tervenção federal O artigo V não está dividido em seções, e disciplina a reforma da Constituição. O artigo VI também não dividido em seções, refere-se à garan- tia das dívidas e obrigações constituídas antes da Constituição, à supre- macia dos tratados firmados pela União e ao juramento de obediência a que se obrigam os parlamentares, magistrados e funcionários. O artigo VII, por fim, determina a vigência do texto constitu- cional, depois de sua ratificação por pelo menos nove Estados. Nos mais de duzentos anos de existência a Constituição foi emendada apenas 17 vezes, sendo que as dez primeiras constituem a declaração de direitos, “Bill of rights” e foram adotadas e promulgadas de uma só vez. As respectivas datas, vigência e conteúdo constam do seguinte quadro: Sistemas de Governo.indd 41 04/03/2005 16:35:47 42 Emendas à Constituição Americana de 1787 Número Ratificação Assunto I a X 15/12/1791 Declaração de Direitos XI 08/01/1798 Imunidade processual dos cidadãos de cada Estado XII 25/09/1804 Processo de eleição do Presidente em dois turnos XIII 18/12/1865 Abolição da escravidão XIV 28/07/1868 Naturalização, distribuição dos deputados por Estado, cassação do direito à eleição dos participantes de rebeliãoe proibição de indenizar a libertação dos escravos XV 30/03/1870 Proibição de negar direito de voto por motivo de cor e aos ex-escravos XVI 25/02/1913 Criação do imposto de renda XVII 31/05/1913 Eleição dos senadores pelos eleitores dos Estados e não mais pelas respectivas legislaturas XVIII 29/01/1919 Proibição de comércio de bebidas. (Vide Emenda XXI) XIX 26/08/1920 Concessão do direito de voto à mulher XX 06/02/1933 Vigência dos mandatos do Presidente e senadores XXI 05/12/1933 Revogação da Lei seca (Emenda XVIII) XXII 26/02/1951 Proibição de mais de dois mandatos de Presidente XXIII 29/02/1961 Representação política da capital do país XXIV 23/01/1964 Proibição de cobrança de taxas para o direito de voto XXV 23/01/1967 Sucessãodo Presidente em caso de remoção, morte, ou demissão XXVI 01/07/1971 Concessão do direito de voto aos 18 anos XXVII 07/05/1992 Proibição de alterar compensação devida deputados e senadores, antes das eleições. Sistemas de Governo.indd 42 04/03/2005 16:35:47 43 Quando comparamos estas 17 emendas com as 52 (6 de revisão e 46 ordinárias) da Constituição brasileira, em vigor há apenas 16 anos, é possível concluir o quanto é estável a Constituição americana. Especialmente se lembrarmos que a atual, em vigor no Brasil é a 8a, desde 1824 quando foi outorgada a 1a, ao passo que a dos Estados Unidos está em vigor desde 1789. Estas duas condições, a brevidade e a longevidade de seu texto tornaram-na um paradigma dos regimes presidencialistas. Entre 1789 e 2008, quando termina o segundo mandato do atual titular do cargo, os Estados Unidos tiveram 43 presidentes e o Congresso cumpriu 108 legislaturas, com a que terminou em 2004, já que cada uma dura, como assinalamos, dois anos. Quando cotejamos o parlamentarismo inglês com pelo menos três séculos, e o presidencialismo americano com pouco mais de dois, é inevitável concluir que a continuidade dos regimes políticos e a estabilidade dos governos, independem de serem os Estados unitários como a Grã-Bretanha ou federativos, como os Estados Unidos, suas formas de governo parlamentaristas ou presidencialistas e seus sistemas de governo monárquicos ou republicanos. O que faz a diferença é serem regimes políticos democráticos ou autocráticos e a eficiência dos sistemas políticos que garantem a governabilidade. Diferentes formas e sistemas de governo e formas de Estado diversas não impedem que seus regimes políticos sejam democráticos e representativos. Duas circunstâncias concorreram para que a doutrina constitucional dos Estados Unidos não decorresse diretamente dos debates que levaram à aprovação do texto constitucional, como nos países dotados de Constituições escritas. A primeira é terem os trabalhos se desenvolvido dentro do mais absoluto sigilo, para evitar que interesses e pressões externas influenciassem os delegados à Convenção constitucional, mantendo-se os seus debates secretos durante 32 anos. Só em 1819, no governo de Monroe, foram impressos e divulgados, pela primeira vez os seus Diários. E os sumários dos debates, minuciosamente redigidos pela diligência de James Madison, secretário da Convenção, só foram tornados públicos depois de sua morte em 1840. A segunda circunstância é ter seu art. VII exigido que, para entrar em vigor, o texto teria que ser ratificado por pelo menos nove Sistemas de Governo.indd 43 04/03/2005 16:35:47 44 dos 13 Estados. A oposição do governador Clinton de Nova York à ratificação do texto, levou Alexander Hamilton, que tinha representado o Estado na Convenção constitucional a publicar, sob o pseudônimo de Publius, uma série de artigos que se estenderam de 27 de outubro de 1787 a 4 de abril de 1878, defendendo sua ratificação. Nessa tarefa ele contou com a colaboração de John Jay e de James Madison que usaram o mesmo pseudônimo Publius já utilizado por Hamilton. Os 85 artigos mais tarde reunidos em livro, com o título de O Federalista, tornaram- se a maior fonte de referência sobre matéria constitucional dos Estados Unidos. O prof. Benjamin Fletcher Wright, autor de uma das mais apreciadas introduções à coleção dos artigos18 chama a atenção para o fato de que “O Federalista não pretendia ser um tratado sistemático sobre filosofia política e constitucional”. Mas ao mesmo tempo lembra que os artigos, “considerada a sua época, apresentam uma análise de suas idéias políticas e constitucionais, melhor do que qualquer outro livro na América (...) O Federalista foi reimpresso pelo menos em quarenta edições e lido por homens de seis gerações, em muitos países, não por causa da fama de seus autores, nem porque seja a mais longa defesa de um documento ainda em vigor, e apenas parcialmente por ser uma análise da Constituição”. Daí sua conclusão de que: “Qualquer análise que não atentar para a enorme contribuição do livro ao pensamento político e constitucional na América e no mundo moderno não estará fazendo justiça à sua permanente importância”. 18 HAMILTON, Alxander, MADISON, James e JAY, John. O Federalista. Brasília, Ed. UnB, 1984. Introdução de Benjamin Fletcher Wright, Trad. de Heitor Almeida Herrera. Vol. 62 da Coleção “Pensamento Político Sistemas de Governo.indd 44 04/03/2005 16:35:47 45 VII – BRASIL, DE MONARQUIA A REPÚBLICA Assim como o parlamentarismo é predominante no continente europeu e sobrevive em alguns países asiáticos, na América, predominam as repúblicas presidencialistas, segundo o modelo norte-america- no. Há raríssimas exceções, como o Canadá parlamentarista, o Suri- name que é uma república semipresidencialista, com um Presidente assistido por um Primeiro-ministro e a Guiana francesa que é um dos Departamentos da França unitária e não um país soberano. À seme- lhança das colônias britânicas que constituíram na América o primeiro regime republicano de sua época, a primeira federação, e o primeiro presidencialismo do séc. XVIII, também as colônias espanholas, ao se emanciparem no início do séc. XIX, escolheram o sistema republicano e a forma presidencialista de governo, embora alguns tenham optado pela forma unitária e não federativa. O Brasil, colônia portuguesa, se- guiu caminho totalmente inverso. Não cabe discutir as razões dessa opção, mas convém não esquecer que a colônia, elevada à condição de Reino Unido ao de Portugal e Algarves abrigou, durante 13 anos, a corte portuguesa, quando a família real fugiu da invasão napoleônica da Península Ibérica. Ao voltar para Lisboa em 1821, por exigência das Cortes Constituintes, convocadas em face da revolução do Porto ocorrida no ano anterior, D. João VI aqui deixou, como Regente, seu primogênito, o príncipe D. Pedro, a quem coube precipitar o processo de emancipação da antiga colônia, sendo aclamado imperador e de- fensor perpétuo do Brasil. A primeira Constituição por ele outorgada em 1824, adotou como sistema de governo a monarquia e deu ao novo Estado a forma unitária. Serviu de inspiração aos que a redigiram, o modelo proposto poucos anos antes pelo ensaísta e pensador francês nascido na Suíça, Benjamin Constant de Rebecque, em seu Curso de Direito Constitucional. Nessa obra ele sugeria, ao contrário de Mon- Sistemas de Governo.indd 45 04/03/2005 16:35:48 46 tesquieu, a divisão não em três mas em quatro poderes: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o Moderador, também chamado de poder neutro. Algumas de suas idéias foram literalmente transcritas no texto outorgado por D. Pedro I e elaborado por um Conselho de Estado, por ele criado depois que, num ato de força, dissolveu a Constituinte de 1823 por ele convocada. Benjamin Constant define o poder Mode- rador como a chave de toda a organização política por ele imaginada. E o art. 98 da primeira Constituição brasileira dispunha: “O poder moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado priva- tivamente ao Imperador, como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”. Ou- tro princípio da doutrina constitucional do ensaísta e filósofo francês, é o que diz respeito à natureza substantiva da matéria constitucional, quando, em 1815, escreveu: “Digo já há algum tempo que, tal como uma constituição é a garantia da liberdade de um povo, tudo o que pertence à liberdade é Constitucional, ao mesmo tempo que nada há de constitucional, no que não lhe diz respeito”. O art. 178 da Cons- tituição do Império, recepcionando esse princípio, prescreveu: “É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos; tudo o que não é constitucional pode ser alterado,
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