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Direito Constitucional II - Aula 3

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Direito Constitucional II 
Terceira Aula 
 
O ESTATUTO DOS CONGRESSISTAS. 
Prerrogativas. 
 
 
I. INTRODUÇÃO 
1. As imunidades parlamentares são prerrogativas, não são privilégios. 
Não há privilégios no nosso ordenamento jurídico. As imunidades 
existem para evitar que os parlamentares, principalmente os da 
oposição, sejam perseguidos por aqueles que detêm o poder político, 
sejam no Executivo, no Judiciário e até mesmo no próprio Legislativo. 
A perseguição a políticos da oposição é uma constante na história das 
civilizações e existem até hoje nos países onde não há o Estado de 
Direito. É claro que as prerrogativas decorrem exclusivamente das 
funções exercidas pelos parlamentares. 
2. Segundo Lenza1 (página 609), as prerrogativas parlamentares 
dividem-se em: (a) imunidade material, real ou substantiva 
(inviolabilidade); e (b) imunidade processual, formal ou adjetiva. A 
normalidade material implica a exclusão da prática do crime e, 
consequentemente, a inviolabilidade civil pelas opiniões, palavras e 
votos. A imunidade processual contém as regras sobre processo 
criminal contra parlamentares, inclusive sobre a possibilidade de sua 
prisão. 
 
II. A IMUNIDADE DOS PARLAMENTARES NOS ÂMBITOs 
FEDERAL, ESTADUAL E MUNICIPAL 
 
3. A imunidade material dos deputados e senadores federais concede-
lhes inviolabilidade tanto na área penal como na área civil por suas 
opiniões, palavras e votos. É o que dispõe o artigo 53 da Constituição 
da República: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e 
 
1 Todas as citações do livro do Professor Pedro Lenza se referem à sua obra DIREITO 
CONSTITUCIONAL ESQUEMATIZADO, 24ª edição da Editora Saraiva, 2020, São 
Paulo. 
 
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penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.” A 
doutrina considera que a imunidade material exclui a possibilidade de 
crime, ou seja, mesmo que o parlamentar calunie, difame ou cometa o 
ato de injuriar alguém, não estará cometendo crime algum, não 
podendo ser processado por opiniões, palavras e votos. 
4. É importante ter em conta a figura do decoro parlamentar. A 
Constituição Federal (CF) estabelece que perderá o mandato o 
Deputado ou Senador cujo procedimento for declarado incompatível 
com o decoro parlamentar, sendo incompatível com o decoro 
parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso 
das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a 
percepção de vantagens indevidas. A perda do mandato, neste caso, 
será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por 
maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de 
partido político, assegurada ampla defesa. (Cfr. Artigo 55, II, §§ 1° e 
2° da CF). O Ministro Luís Roberto Barroso do STF assim se 
expressou sobre o decoro: “a imunidade civil e penal do parlamentar 
federal tem por objetivo viabilizar o pleno exercício do mandato. O 
excesso de linguagem pode configurar, em tese, quebra de decoro, a 
ensejar o controle político.” (apud Lenza página 612). 
5. A imunidade formal ou processual refere-se a processo instaurado 
contra os parlamentares e à possibilidade de sua prisão. O parágrafo 
2° do artigo 53 da Constituição da República estabelece que desde a 
expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não 
poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse 
caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa 
respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva 
sobre a prisão”. 
6. Diplomação, segundo o site do Tribunal Superior Eleitoral, é o ato 
pelo qual a Justiça Eleitoral atesta que o candidato foi efetivamente 
eleito pelo povo e, por isso, está apto a tomar posse no cargo. Nessa 
ocasião, ocorre a entrega dos diplomas, que são assinados, conforme 
o caso, pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do 
Tribunal Regional Eleitoral (TRE) ou da junta eleitoral. 
7. As prisões, como sabemos, podem ser cautelares ou em razão de 
sentença transitada em julgado. 
8. Sem dúvida, os parlamentares devem ser recolhidos à prisão após 
condenação criminal transitada em julgado. Com respeito à 
necessidade do trânsito em julgado, explica Lenza (página 613): 
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“Em relação à necessidade do trânsito em julgado, destacamos a 
ampla discussão do tema pela Corte (STF) e, depois de idas e vindas, 
em votação novamente apertada, a expressa declaração de 
constitucionalidade do artigo 283 do CPP (Código de Processo 
Penal)2 à luz do art. 5°, LVII da CF/883, no sentido de não se admitir 
a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em 
grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário 
(ADCs 43, 44 e 54, pleno, 6 X 5, j. 07.11.2019). 
9. O tema da prisão de parlamentares após sentença transitada em 
julgada será tratado mais em detalhe, nesta apostila mais adiante. 
10. Além da prisão pelo trânsito em julgado, a Constituição prevê a prisão 
cautelar, ou seja, a chamada prisão processual. A doutrina classifica 
as prisões cautelares em prisão em flagrante, prisão preventiva e prisão 
temporária. 
11. Os parlamentares, como está expressado acima, somente podem ser 
encarcerados cautelarmente, se a prisão for em flagrante por crime 
inafiançável. Neste caso, os autos pertinentes deverão ser remetidos à 
casa parlamentar respectiva, no prazo de 24 horas, para que esta por 
maioria de votos decida se mantém a prisão ou relaxa-a. (Cfr. 
Parágrafo 2° do artigo 53 da Constituição da República.) 
12. Se a casa parlamentar mantiver a prisão, no caso dos deputados 
federais e senadores, os autos devem ser remetidos ao STF de 
conformidade com o art. 53 § 1° combinado com o art. 102, I, b da 
CF, que dispõem: 
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, 
por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada 
pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001) 
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão 
submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. 
............................................................................................................... 
 
2 O artigo 283 do CPP dispõe: Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou 
por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência 
de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do 
processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”17 de out. de 2019 
3 O inciso LVII do artigo 5° da CF diz: ninguém será considerado culpado até o trânsito 
em julgado de sentença penal condenatória; 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc35.htm#art1
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc35.htm#art1
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Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a 
guarda da Constituição, cabendo-lhe: 
I - processar e julgar, originariamente: 
a) 
............................................................................................................... 
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-
Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios 
Ministros e o Procurador-Geral da República; 
13. Com relação à prisão de parlamentar em razão de sentença 
transitada em julgado, há que examinar primeiro a questão da perda do 
mandato. 
14. Inicialmente, o STF entendeu por 5 a 4, no julgamento da AP 470 
(mensalão) que a perda do mandato era automática caso um parlamentar 
fosse condenado a mais de 4 anos de reclusão ou caso a condenação estivesse 
relacionada com improbidade administrativa (crimes contra a administração 
pública, como peculato e corrupção passiva). Considerou o Supremo naquela 
oportunidade que a condenação nesses casos implicava a perda do mandato 
imediatamente, sem a necessidade de qualquer outro trâmite. Aplicou-se o 
disposto no art.15, III da CF o qual deveriaprevalecer sobre o determinado 
no art. 55 § 2° do mesmo diploma legal. É que esses preceitos constitucionais 
são aparentemente contraditórios. Diz o art. 15, III da CF: 
“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou 
suspensão só se dará nos casos de: ....III - condenação criminal 
transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;...” 
Já o art. 55 § 2° dispõe: 
Perderá o mandato o Deputado ou Senador:...VI - que sofrer condenação 
criminal em sentença transitada em julgado....§ 2º Nos casos dos incisos 
I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados 
ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da 
respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso 
Nacional, assegurada ampla defesa. 
15. Entretanto, menos de um ano após o julgamento da AP 470, a 
Suprema Corte alterou seu entendimento e, por 6 a 4 decidiu na AP 565 
que a perda do mandato, em qualquer caso não é automática, devendo ser 
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observado o disposto no art. 55 § 2° da CF que é mais específico, 
ignorando-se o art. 15, III, que teria um caráter mais geral. 
15. Quanto à prisão por trânsito em julgado de sentença condenatória de 
parlamentar, o STF sempre entendeu que as penas impostas poderão ser 
executadas imediatamente após a decisão condenatória. 
16. É importante notar que o processo criminal contra parlamentar pode ser 
tramitado sem a necessidade de pedido de licença respectiva casa. Mas, 
“recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido 
após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa 
respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo 
voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o 
andamento da ação. O pedido de sustação será apreciado pela Casa 
respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu 
recebimento pela Mesa Diretora. A sustação do processo suspende a 
prescrição, enquanto durar o mandato. (Cfr. Art. 53, §§ 3°, 4° e 5° da CF). 
17. Não há qualquer imunidade processual relacionados com crimes 
praticados antes da diplomação. 
18. Com relação à prerrogativa de foro, também chamado pela imprensa 
de foro privilegiado, diz o art. 53 § 1 da Constituição da República: 
“Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão 
submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”. 
19. Uma interpretação literal desse artigo levaria a supor que todo e qualquer 
crime praticado em qualquer tempo por Deputado Federal ou Senador 
somente poderia ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal enquanto 
durasse o mandato do parlamentar. E este entendimento perdurou até o 
julgamento da Ação Penal 937. 
20. Entretanto, conforme explica Rogério Sanches Cunha, “O STF, porém, 
decidiu na Ação Penal 937: a prerrogativa de foro se limita aos crimes 
cometidos no exercício do cargo e em razão dele; e a jurisdição do STF se 
perpetua caso tenha havido o encerramento da instrução processual – leia-
se: intimação das partes para apresentação das derradeiras alegações – 
antes da extinção do mandato.4 
21. As razões desse entendimento foram consubstanciados pelo Ministro 
Barroso que alegou razões filosóficas (o foro privilegiado seria uma 
 
4 Cfr. https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2018/12/18/decisao-stf-sobre-prerrogativa-de-
foro-e-suas-decorrencias-implicitas/ 
https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2018/12/18/decisao-stf-sobre-prerrogativa-de-foro-e-suas-decorrencias-implicitas/
https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2018/12/18/decisao-stf-sobre-prerrogativa-de-foro-e-suas-decorrencias-implicitas/
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reminiscência aristocrática, incompatível com princípios republicanos); 
razões estruturais (O STF não foi concebido para ser um juízo criminal de 1° 
grau); e razões de justiça (o foro privilegiado tem causado impunidade). 
22. Os deputados estaduais e distritais têm as mesmas prerrogativas dos 
deputados federais e senadores, por força do art. 27 § 1° da CF, que dispõe: 
“Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- sê-
lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, 
imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e 
incorporação às Forças Armadas.” O artigo 32 § 3° da CF determina que o 
art. 27 aplique-se ao aos deputados distritais. No STF prevalece o 
entendimento de que os deputados estaduais e distritais têm as mesmas 
prerrogativas dos parlamentares federais. 
23. Já os vereadores somente têm imunidade material, ou seja, mantêm a 
inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato 
e na circunscrição do município. Os vereadores não têm imunidade formal 
ou processual.

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