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1 DIREITO EMPRESARIAL PARTE GERAL Texto III (De autoria da Professora Wilges Ariana Bruscato Revisto pelo Professor Giovani Magalhães) Comerciante/Empresário, Teoria dos Atos de Comércio, Teoria da Empresa, Conceito de Comerciante/Empresário, Requisitos, Menor Comerciante, Impedidos de Exercer o Comércio, Estrangeiro, Pessoa Física e Pessoa Jurídica, O Pequeno Empresário e o Artesão, Perda da Qualidade de Empresário. Conforme já mencionamos, o Código Comercial Brasileiro, derivação do Código Comercial francês, centrou sua regulamentação, para delimitar a matéria de sua competência, na caracterização do comerciante. Entretanto, o conceito de comerciante proposto pelo nosso Código Comercial estava vinculado ao conceito de mercancia que, noutros termos, significavam os atos de comércio e que precisavam ser definidos, necessitando sua enumeração. Os atos de comércio foram, então, listados de modo exemplificativo, no Regulamento nº 737, também de 1850. O objetivo do Regulamento era suprir a lacuna deixada pelo Código, quando esse previu que a legislação ali contida aplicava-se ao comerciante. Comerciante era todo aquele que, registrado nos tribunais de comércio, fazia da mercancia profissão habitual, ou seja, aquele que praticasse atos de comércio com habitualidade. Mas, o que poderia ser considerado como um “ato de comércio” ? Embora revogado o citado Regulamento, ele continua a ser a referência utilizada, até por falta de outra norma que viesse substituí-lo e preencher a lacuna. A lista do Regulamento nº 737 não é taxativa, como dissemos, e há muitos outros atos que podem ser-lhe acrescentados em virtude de legislações posteriores. Assim, os atos de comércio mais comuns são: � compra ou troca no atacado, revenda e locação de coisas móveis; � operações de câmbio; � operações bancárias; � corretagem; � fábricas; � comissão, depósito, expedição, consignação e transporte de mercadorias; � espetáculos públicos; � atividades relativas à navegação marítima e aérea; � especulação imobiliária (S. A.); � seguros; � fretamentos. 2 Além desses, os atos referentes às companhias (S. A.) e às sociedades comerciais, a operações com títulos da dívida pública ou quaisquer papéis de crédito do governo, a empresas de construção, aos atos praticados pelo representante comercial, à letra de câmbio, à nota promissória, à duplicata, ao cheque, à warrant e ao conhecimento de depósito, mesmo que praticados por civis, são considerados comerciais por força de lei. Existem, também, atos que, embora civis, quando praticados por quem exerce o comércio com regularidade, em função de seu negócio, como um contrato, é considerado ato de comércio. Por outro lado, com a evolução social e o avanço e a ampliação das atividades comerciais, as legislações se inclinam para mudar o seu foco, centralizando-o na empresa, ou seja, na atividade organizada de produção ou circulação de mercadorias ou prestação de serviços, praticada de maneira habitual, com intuito de lucro e dirigida a mercados. E, por esse motivo, diz-se que o principal deixa de ser o ato de comércio, como um dia o comerciante também deixou de ser, para figurar em primeiro plano a empresa, como já ocorre no Direito italiano. Por isso surgiu a teoria da empresa para delimitar a matéria do Direito Comercial. Nossa legislação, com o advento do Código Civil de 2002 e com a Nova Lei de Falências (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005), completou sua fase de transição entre a teoria dos atos de comércio e a teoria da empresa. Antes de tais legislações, para que o nosso Direito Comercial (atualmente denominado Direito Empresarial, como vimos) pudesse acompanhar a modernidade, a jurisprudência e a doutrina vinham se encarregado de atualizá-lo. Com a promulgação do novo Código Civil, e da Nova Lei de Falências, entretanto, a questão está superada, pois o artigo 966 do Código Civil de 2002, textualmente, define quem é o empresário: “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. O Código Civil acolhe, pois, a teoria da empresa, pois não trata mais do “comerciante”, utilizando expressões como “Direito da Empresa” e “empresário”. Não se quer, com isso, dizer, que a figura do comerciante desapareceu. Ele tem relação de gênero/espécie com o empresário, ou seja, o empresário é o gênero do qual o comerciante é uma de suas espécies. Pode-se, então, dizer que o empresário é a pessoa capaz, que, sem impedimentos legais para tanto, exerce regularmente atividade empresarial (aquela que busca lucro), de modo profissional, sujeitando-se a regime especial de insolvência. Aí estão todos os elementos ou requisitos jurídicos para a atividade empresarial. Apoiando-se nos princípios de validade do ato jurídico (agente capaz, objeto lícito e livre vontade), o exercício da atividade empresarial segue os mesmos pressupostos. 3 O primeiro requisito, portanto, é que o empresário tenha capacidade civil plena (arts. 3º a 5º do CC). Existem pessoas, no entanto, que, embora capazes, não podem exercer atividade própria de empresário, estão proibidas de empresariar: os magistrados e membros do Ministério Público, os funcionários públicos, os militares, os agentes aduaneiros, os falidos não reabilitados, os estrangeiros com visto provisório e os chefes do Executivo, em todos os níveis. Embora não proibidos, podem exercer atividade própria de empresário dentro de certas limitações: o médico e o farmacêutico para o exercício simultâneo de ambas as profissões; os cônsules remunerados (representantes de interesses comerciais do país), nos distritos em que exercerem sua função; os deputados e senadores para a propriedade, controle, direção e qualquer função remunerada em empresas que gozem de favor decorrentes de contrato com pessoas jurídicas de direito público; os estrangeiros residentes para a propriedade de navios e de empresas jornalísticas, de radiodifusão, de telecomunicações ou para atividades de exploração econômica de embarcações mercantes, os corretores, os leiloeiros e os demais agentes auxiliares do empresário. Se estas pessoas, proibidas ou impedidas, exercerem o comércio, o farão contra legem, embora seus atos sejam válidos perante terceiros, elas estarão sujeitas a diversas sanções. Vale observar que, tanto as pessoas impedidas quanto as proibidas, poderão sem problema algum ser sócios de sociedade empresária, desde que não tenham poderes de administração, pois, nesse caso, o empresário é a própria sociedade e não os membros componentes do seu quadro social. Faz-se mister fazer referência à mulher casada, no sentido de que até o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4121/62), a mulher saía do “pátrio poder” do pai e entrava no “pátrio poder” do marido. Com tal estatuto, foi pregada, no direito brasileiro, a igualdade entre homem e mulher, princípio hoje alçado ao patamar de direito individual garantido pela CF/88. No que se refere à mulher casada com o proibido de comerciar ou de exercer atividade própria de empresário, temos, que, também, nada obsta a que tal mulher se estabeleça na condição de empresária individual; o que não pode ocorrer é que a mulher seja usada, apenas, como “laranja” ou “testa-de-ferro”, pois nesse caso haverá responsabilização criminal pela fraude perpetrada. Os menores relativamente capazes, entre dezesseis e dezoito anos, podem exercer atividade própria de empresário em nome próprio, desde que contem com a assistência paterna, nos termos do art. 4º, I e 1634, V, do Código Civil, para praticar atos tidos como profissionais do empresário. Enquanto menor de 18 anos, estará sujeito ao poder familiar, tendo dever de obediência. Não se trata de emancipação. Os emancipados, os assim considerados pela Lei Civil, podem exercer atividade própriade empresário, já que são pela emancipação, plenamente capazes. Entretanto se de tal autorização resultar no estabelecimento comercial, com o menor tendo economia própria, tal autorização converter-se-á em emancipação, sendo a partir de então 4 irrevogável. O menor poderá ser sócio (a partir dos 16 anos) ou acionista (em qualquer idade) de sociedade empresária, porém, tais quotas ou tais ações devem estar integralizadas, não podendo ser sócio ou acionista de ações a integralizar, nem tendo atribuições de gerência ou administração. O estrangeiro, regularmente residente no País, pode dedicar-se ao exercício do comércio ou de atividade empresarial, nos limites em que a lei determinar, não podendo estabelecer- se, como empresário individual, tanto o estrangeiro com visto temporário, quanto o de país limítrofe que pretenda exercer atividade remunerada ou que venha a freqüentar estabelecimento de ensino nos municípios fronteiriços. Discute-se se há possibilidade de o estrangeiro residente no exterior possa vir a se estabelecer através de gerente instituído para dirigir seu estabelecimento, registrando- se como empresário individual. Dúvidas, entretanto, não resta de que o estrangeiro possa ser sócio de sociedade com sede no Brasil, a não ser nos casos em que a lei vede, como o caso de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 222, CF/88) ou de aquisição ou arrendamento de propriedade rural (art. 190, CF/88). Estando o estrangeiro com visto permanente, contudo, ele pode se registrar como empresário individual, bem como exercer atividades de administração ou direção em sociedade empresária. Mais ainda se obtiver a naturalização. Cabem, aqui, também, algumas observações sobre o empresário pessoa física e o empresário pessoa jurídica. Quando alguém se une a uma ou mais pessoas para exercer atividade própria de empresário, esse grupo passa a integrar um outro e único ente, que é a sociedade, em alguma de suas formas. Nasce uma outra pessoa, só que esta nova “pessoa” é uma realidade técnica, uma invenção, pois não é uma pessoa de carne e osso, como conhecemos: é a pessoa jurídica. E essa pessoa jurídica, como já se disse, pode ter várias formas. A nós interessa o modelo social que ela adotará, pois cada espécie de sociedade tem um perfil diferente, em vários aspectos, mormente, quanto à responsabilidade das pessoas físicas que a integram, como veremos no avançar do nosso curso. O objetivo da sociedade empresarial é obter lucro através da prática profissional e organizada de atividade econômica para a produção ou circulação de bens e serviços. Da personalidade jurídica, que nasce do ato constitutivo da sociedade, arquivado na Junta Comercial, decorrem alguns efeitos, como a individualização da sociedade, como sujeito único e distinto das pessoas de seus integrantes, possuindo patrimônio próprio (iniciado com o capital social), que não se confunde com o dos sócios. Por isso, a sociedade passa a ser titular de direitos e pode assumir compromissos e obrigações, defendendo seus interesses em juízo e fora dele. A sociedade tem direito a um nome (protegido pelo registro, como já vimos) e à inviolabilidade de seu estabelecimento e livros. Discute- se se a pessoa jurídica pode ser titular indenização por danos morais. Sendo o dano moral o sofrimento psíquico ou moral, a ofensa a valores internos que causa dor íntima, atingindo a honra e a imagem do ofendido, é compreensível que a pessoa jurídica não seja possuidora de sentimentos e 5 emoções, portanto, levando a crer, que não poder ser sujeito passivo do dano moral. No entanto, o conceito de dano moral deve se ligar também a princípios objetivos. Nesse sentido a pessoa jurídica tem enorme interesse jurídico em proteger seu bom nome, o crédito do qual goza no mercado, a credibilidade junto ao público e clientela, todas as questões que compõem o aviamento do estabelecimento e merecem ser protegidas por incorporarem valor aos elementos corpóreos da empresa, podendo a ofensa a eles abalar seu conceito e trazer-lhe prejuízos. Porém, preenchendo os requisitos legais (capacidade, não existência de impedimento, regularidade, habitualidade no exercício da atividade empresarial e o intuito de lucro), nada impede que alguém exerça a empresa sozinho, ou seja, que se torne um empresário pessoa física, um empresário individual. Em sendo o caso de sobrevir a incapacidade, depois do início do exercício de atividade empresarial, o incapaz, desde que devidamente representado ou assistido, poderá continuar com o exercício de empresa, desde que autorizado pelo Juiz (art. 974, CC/2002). Acontece que, em se tratando de empresário individual, exercendo a pessoa física atividade própria de empresário em empresa individual, o seu patrimônio pessoal e profissional se confundem e os bens pessoais respondem pelas dívidas do negócio, não há limitação da responsabilidade. Já o exercício da atividade econômica através da instituição de uma pessoa jurídica pressupõe a limitação da responsabilidade do sócio (dependendo do formato social escolhido), a separação dos bens da empresa e dos bens do sócio, pessoa física que participa da pessoa jurídica. Contudo, por questões tributárias, todo empresário, seja pessoa física ou jurídica, deve inscrever-se no cadastro geral do contribuinte (CGC), hoje denominado CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) do Ministério da Fazenda, para poder registrar-se na Junta Comercial (antiga matrícula). Mas isso não atribui dupla personalidade a esse empresário: ele não é pessoa física e jurídica ao mesmo tempo. É sempre pessoa física, que, apenas, cumpre algumas exigências comuns à pessoa jurídica. O que acaba provocando a confusão, podendo levar a crer que o empresário individual é sujeito de ambas as personalidades, é o fato de que deve apresentar, anualmente, à Receita Federal, duas declarações de imposto de renda: uma de sua pessoa física e outra da empresa. No que tange à questão do pequeno empresário (art. 970, CC/2002), discute-se a respeito da sua conceituação jurídica, havendo duas correntes a esse respeito. A primeira corrente afirma que o conceito de pequeno comerciante, e bem assim, o de pequeno empresário é aquele disposto no Decreto-Lei nº 486/69, e que o define como a pessoa física inscrita na Junta Comercial que exerce em um só estabelecimento atividade artesanal ou outra atividade em que predomine o seu próprio trabalho ou de pessoas da família, e que auferir receita bruta anual não superior a cem vez o salário mínimo e cujo capital efetivamente empregado no negócio não ultrapassar vinte vezes 6 o valor do salário mínimo; conceito este que, por ser fundado no aspecto subjetivo ou funcional da atividade e no resultado econômico, não foi revogado pelo conceito de microempresa e empresa de pequeno porte, que se basearam na receita bruta, exclusivamente. Já a segunda corrente é aquela que prega que o Decreto-Lei nº 486/69 foi revogado pelo Estatuto das Micro e Pequenas Empresas, atualmente regulamentado pela Lei nº 9.841/99, tendo-se por “pequeno empresário”, aquele detentor de microempresa ou de empresa de pequeno porte. Qualquer que seja a corrente que se adote, o pequeno empresário não se confunde com o artesão, que nem empresário é, já que em sua atividade predomina a natureza artística, em lugar da organização, sendo artesão aquele em que seu trabalho não conta com a colaboração ou auxílio de terceiros assalariados e o seu produto é vendido ao consumidor, diretamente ou por intermédio de entidade de que o artesão faça parte ou pela qual seja assistido. O artesão, pois, não é considerado empresário, devendo ser entendido como uma das espécies de profissionais autônomos, regido pelo Direito Civil. A presente discussão chegou ao seu fim com o advento da Lei Complementar nº 123/2006, que no seu art. 68 que definiu o pequenoempresário como sendo o empresário individual, caracterizado como microempresa que aufira receita bruta anual de até R$ 36.000,00, deixando transparecer a prevalência da primeira corrente doutrinária exposta. Superadas tais questões, que são da maior importância nos nossos estudos futuros, passamos a enumerar as causas da perda da qualidade de empresário. Vejamos: a) a morte ou a dissolução da pessoa jurídica; b) a desistência ou abandono da profissão, o que não o isenta das conseqüências e responsabilidade perante terceiros; c) a cassação da autorização do Poder Executivo para funcionar, o que pode se dar em várias circunstâncias; d) a interdição (art. 1.767 e seguintes do Código Civil, quando a pessoa é judicialmente declarada incapaz para gerir e administrar seus bens e negócios e praticar atos jurídicos), ressalvada a situação em que o incapaz consiga autorização judicial para continuar com o exercício da empresa; e) a falência, que se torna um impedimento até a reabilitação.
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